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Psicologia USP

versão On-line ISSN 1678-5177

Psicol. USP v.17 n.4 São Paulo dez. 2006

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

A inversão de profundidade visual em faces côncavas

 

Visual depth inversion in hollow faces

 

Inversion visuelle de profondeur dans les visages creux

 

 

Maria Amélia Cesari QuagliaI,1; Sérgio Sheiji FukusimaII,2

I Universidade Federal de São João del Rei - UFSJ
II Universidade de São Paulo - USP

 

 


RESUMO

Apresenta-se uma revisão de artigos sobre inversão de profundidade visual, principalmente relacionada à ilusão da face côncava (hollow face illusion). Enfatizam-se a supremacia dos processos de alta ordem (top-down) sobre os processos de baixa ordem (bottom-up) na percepção de profundidade invertida da face côncava, fatores e condições que a modulam, e plausíveis aplicações do fenômeno para se investigar condições comportamentais, psicopatológicas e psicofarmacológicas.

Palavras-chave: Percepção visual. Percepção de profundidade. Sintomas comportamentais. Processos cognitivos.


ABSTRACT

We presented a review of papers on invertion of visual perceived depth mainly related to the hollow face illusion. We emphasized the supremacy of the top-down processes over the bottom-up processes on the perception of the depth inversion in hollow faces, the factors and condition that modulated it, and its possible applications to investigate behavioral, psychopathogical and psychopharmacological conditons.

Keywords: Visual perception. Depth perception. Behavioral symptoms. Cognitive processes.


RÉSUMÉ

Se présente une révision d'articles sur inversion de profondeur visuelle, principalement rapportée à l'illusion creuse de visage. On le souligne la suprématie des processus de haut en bas au-dessus des processus ascendants sur la perception de l'inversion de profondeur dans les visages creux, les facteurs et les conditions qui l'ont modulée, et ses aplications possibles pour étudier les conditons comportementaux, psychopathologiques et psychopharmacologiques.

Mots-clés: Perception visuelle. Perception de la profondeur. Symptômes de comportementaux. Processus cognitifs.


 

 

Um intrigante fenômeno ilusório é a inversão de profundidade percebida visualmente. O registro mais antigo deste fenômeno data de 1744 por Gmelin, na Royal Society of London, que relatou a percepção de baixo-relevos por alto-relevos e vice-versa ao observar camafeus e entalhes de ponta-cabeça. E a primeira tentativa de explicação do fenômeno deu-se em 1784 por David Rittenhouse, que sugeriu que o fenômeno fosse um viés ao se interpretar padrões de sombreamentos baseados no conhecimento prévio do observador sobre a orientação da iluminação (Gregory, 1997a, 1997b)

Esta hipótese ainda continua a ter grande aceitação, pois a ecologia da visão natural sugere que são mais freqüentes as superfícies iluminadas por cima (Liu & Todd, 2004). Além disso, investigações sobre iluminação e sombreamento e percepção visual do espaço tridimensional utilizando-se de imagens geradas em telas de computadores parecem corroborar essa hipótese. Por exemplo, Ramachandran (1988) observou que a inversão da direção de uma fonte de iluminação representada pictoricamente era capaz de produzir a inversão da profundidade de um objeto circular. Quando ele projetou imagens circulares com uma fonte de iluminação do lado direito, estas se assemelharam aos objetos convexos. Ao contrário, quando a fonte de iluminação foi apresentada do lado esquerdo das imagens, elas foram percebidas como objetos côncavos. O autor, então, duplicou uma fila de imagens circulares iluminadas por um dos lados, como se estivesse refletida num espelho. Se uma fila de imagens era percebida como côncava a outra fila seria percebida como convexa. Estas descobertas reiteraram os estudos do século XVIII. O sistema visual parece levar em consideração que apenas uma fonte de luz vinda de cima ilumina a imagem inteira, provavelmente porque, ao longo da evolução, o cérebro humano adaptou-se a uma única fonte de luz, derivada do sol (Kleffner & Ramachandran, 1992; Ramachandran, 1988).

 

 

O efeito da iluminação é crucial para a percepção da superfície e profundidade de objetos tridimensionais. Conforme observado na Figura 1, a percepção de forma por sombreamento é acentuada consideravelmente se as informações na cena são compatíveis com a presença de uma única fonte de luz. Porém, o sistema visual comporta-se de maneira distinta quando existem informações conflitantes a respeito da fonte de luz. Isto foi evidenciado por Kleffner e Ramachandran (1992) quando projetaram uma exposição com dois discos centrais idênticos com gradientes verticais. O primeiro disco era circulado por discos com gradientes horizontais, enquanto que o segundo disco era circulado por discos com gradientes verticais. Para fornecer uma impressão de diferentes fontes de iluminação, as imagens foram apresentadas uma ao lado da outra. Os observadores avaliaram o segundo disco central da figura, circulado por outros discos com gradientes verticais, como sendo mais convexo do que o primeiro disco, circulado por outros discos com gradientes horizontais. Neste caso, a magnitude da profundidade associada ao sombreamento foi realçada devido à apresentação da polaridade oposta dos estímulos circundantes. Quando a informação da maioria dos objetos da cena sugere que a fonte de luz está à esquerda, ou à direita, o sombreamento do objeto central é percebido mais como uma variação do reflexo decorrente da iluminação do que da profundidade.

Entretanto, quando uma fonte de iluminação não está claramente presente, a definição da direção de uma fonte de luz como “vinda de cima” torna-se crítica para se deduzir corretamente a forma de objetos a partir de um padrão particular de sombreamento. Jenkin, Jenkin, Dyde e Harris (2004) utilizaram um disco com gradientes de iluminação linear de um lado a outro, projetado no monitor de um computador. Eles solicitaram aos observadores o ajustamento da orientação do disco até que este parecesse maximamente convexo, ou seja, até que o gradiente de iluminação induzisse à percepção de uma forma tridimensional. Os observadores realizaram a prova em pé ou deitados sobre o lado direito, em uma sala normal e numa sala especialmente construída, inclinada em 90o, intitulada de York Tilted Room. Os observadores orientaram o disco com o máximo de convexidade de acordo com o modelo sistemático das manipulações experimentais. Os autores concluíram que a percepção da forma definida por sombreamento é resultante da interação entre as insinuações ou dicas de sombreamentos decorrentes da visão, da gravidade e da orientação do corpo com o referencial em que estas insinuações de sombreamento são interpretadas.

A percepção da forma por sombreamento também interage com outros processos visuais relacionados, por exemplo, em tarefas de busca visual e de agrupamento perceptual. Kleffner e Ramachandran (1992) utilizaram figuras circulares sombreadas da esquerda para a direita, de cima para baixo e de baixo para cima e mediram o tempo de reação dos sujeitos para a percepção destas figuras. Eles observaram que, para uma busca visual da forma tridimensional das figuras sombreadas, os sujeitos utilizaram uma estratégia de busca visual pré-atentiva apenas quando os objetos apresentavam sombreamentos semelhantes aos fornecidos pela iluminação de cima para baixo. Esta descoberta implicou na reafirmação da preferência da fonte de iluminação vinda de cima sobre os objetos tridimensionais. Num outro experimento, os sujeitos receberam a tarefa de detectar as assimetrias das formas circulares sombreadas em diferentes direções. Surpreendentemente, os sujeitos perceberam as cavidades mais facilmente do que as figuras convexas. Esperava-se maior facilidade na detecção de formas convexas, já que há maior número destas formas na natureza. A seguir, os autores solicitaram aos sujeitos a realização de agrupamento perceptual por extração da tridimensionalidade a partir do sombreamento das figuras circulares. Eles observaram que a extração da forma a partir do sombreamento pode fornecer uma base para o agrupamento apenas quando a direção do sombreamento das figuras se dá de cima para baixo e não quando o sombreamento das figuras ocorre da direita para a esquerda.

Os resultados obtidos nestes experimentos deram suporte aos resultados obtidos nos experimentos anteriores no que diz respeito à percepção da fonte de iluminação vinda de cima dos objetos, semelhante à iluminação solar na natureza. Os autores observaram que a imagem do objeto na retina é fundamental para a percepção da sua orientação. Estes resultados também foram corroborados pelos resultados do experimento seguinte, quando a cabeça dos sujeitos foi inclinada em 90º para a observação dos estímulos circulares sombreados em diferentes direções. Com a cabeça na posição inclinada, o tempo de reação dos sujeitos variou de acordo com o tipo de sombreamento, ressaltando a importância da posição da imagem dos objetos na retina para a interpretação da direção do sombreamento. As figuras sombreadas, então, foram apresentadas pelos experimentadores percorrendo-se um eixo horizontal, da esquerda ou da direita, com a cabeça dos observadores na posição normal. Os sujeitos foram mais capazes de predizer a direção de um movimento quando a direção do sombreamento era apresentada na posição vertical, com iluminação de cima para baixo, do que quando a direção do sombreamento era apresentada na posição horizontal, com a iluminação vinda da esquerda para a direita.

Em suma, de acordo com essas pesquisas relatadas, para se perceber a forma tridimensional dos objetos por meio do sombreamento, o sistema visual leva em consideração que os objetos são preferencialmente iluminados por uma fonte de luz vinda de cima, como a do sol. E que a inversão da direção de uma fonte de iluminação é capaz de produzir uma inversão de profundidade percebida em objetos côncavos, tornando-os convexos, ou vice-versa. Por outro lado, quando a fonte de luz está à esquerda, ou à direita dos objetos, seus sombreamentos são percebidos geralmente como uma variação do reflexo decorrente da iluminação do que pistas de profundidade. Além disso, há evidência que a orientação de uma fonte de iluminação influencia além da percepção da profundidade, a percepção da direção de um movimento, a percepção de agrupamento de objetos e a tarefa de busca visual. E há possíveis influências interativas do sombreamento com a posição e orientações das imagens dos objetos na retina, gravidade e orientação do corpo do observador para se perceber um objeto tridimensional.

 

A ilusão da face côncava

Um fenômeno especial visual sobre inversão de profundidade de um objeto é a ilusão da face côncava (the hollow face ilusion). Esta ilusão pode ser percebida ao se observar o reverso de uma máscara facial ou de um molde côncavo de uma face. A probabilidade de se perceber faces côncavas é tão baixa, que é quase impossível perceber a orientação de profundidade do reverso da máscara ou do molde côncavo corretamente (Gregory, 1997b; Gregory & Gombrich, 1980). Além disso, acrescentam-se também a este fenômeno a inversão da orientação percebida de iluminação incidente sobre a face côncava e a percepção concomitante de movimento rotacional da face com sentido oposto ao movimento do observador.

Este fenômeno evidencia que o cérebro rejeita a existência de rostos côncavos para interpretar a imagem como a de uma face convexa, como ocorre no mundo natural. Por outro lado, ao interpretar o côncavo como convexo, o cérebro também inverte a orientação de luz que causa os sombreamentos da face. Uma possível hipótese dessas inversões, tanto da profundidade visual como da fonte de iluminação, seria devido à familiaridade com imagens de rostos convexos e a processos perceptuais de alta ordem (top-down) que suplantam processos perceptuais de baixa ordem (botton-up). Essa suplantação dos processos de alta-ordem sobre os processos de baixa ordem é tão marcante na percepção do reverso da máscara como convexo que chega a contrariar as indicações de profundidade como sombras e sombreamento e as informações estereoscópicas de que o objeto é côncavo (Gregory, 1997b). Ou seja, o cérebro parece criar leis para interpretar o mundo e o percebe de acordo com elas (Hill & Bruce, 1993).

 

 

 

Pesquisas sobre a inversão de profundidade visual da face côncava

Hill e Bruce (1993) investigaram os fatores que interferem na ilusão da máscara côncava. Eles notaram que ocorre uma preferência para se interpretá-la como face convexa, em especial a faces apresentadas na posição vertical e com uma fonte de iluminação superior. Faces invertidas também produzem a ilusão da máscara côncava, mas requerem uma distância maior para a realização da inversão da profundidade visual. Na condição com visão monocular também é possível perceber esta ilusão, porém com distâncias mais curtas. Estes resultados foram corroborados por Hill e Bruce (1994), evidenciando a preferência para a percepção de faces apresentadas na posição vertical, como se descreve a seguir.

 

 

Eles investigaram a inversão da profundidade de um objeto côncavo conhecido, a máscara côncava, e a compararam com a inversão da profundidade de um objeto côncavo desconhecido, cuja forma e ondulações na superfície sugeria a semelhança a uma “batata côncava” (“hollow potato”). Eles relataram que a inversão da profundidade ocorre tanto para a máscara côncava quanto para a “batata côncava” aos observadores. No entanto, a inversão da profundidade na máscara côncava apresentada na posição normal, vertical requeria distâncias muito menores do que as distâncias necessárias para a inversão da profundidade tanto da máscara côncava na posição invertida quanto para a “batata côncava” numa posição inicial ou rotada a 180º. Estes resultados apoiaram a preferência pela percepção de convexidade ao se interpretar padrões ambíguos de sombreamento e mostraram que o conhecimento prévio de objetos não era essencial para a inversão de profundidade percebida em objetos côncavos. Porém, este conhecimento influenciava na força de sua percepção. Curiosamente, em uma pesquisa relatada anteriormente, Klefner e Ramachandran (1992), ao medir o tempo de reação dos sujeitos para a percepção de superfícies, observaram que as concavidades eram percebidas mais rapidamente do que as convexidades. Talvez esta diferença entre os resultados tenha ocorrido devido às diferentes condições experimentais das pesquisas.

Ainda acerca da percepção da ilusão da máscara côncava comparada à percepção de outros estímulos tridimensionais, Papathomas e Bono (2004) empregaram estímulos realistas como uma máscara côncava e uma cena composta em reverspectiva capaz de eliciar forte percepção de volume verídico e ilusório. Os sujeitos realizaram a inversão da profundidade da máscara côncava na posição vertical mais rapidamente e com distâncias menores do que quando a máscara côncava se encontrava na posição invertida, tanto na condição monocular quanto na condição binocular. Os resultados também demonstraram que a inversão da profundidade visual apresentou-se significativamente mais fraca na condição de observação binocular do que na condição de observação monocular, também de acordo com os dados obtidos por Hill e Bruce (1993, 1994). Entretanto, o estímulo de cena empregado em perspectiva foi mais poderoso para eliciar a percepção de profundidade ilusória do que a máscara côncava. É provável que uma combinação da perspectiva, juntamente com o gradiente de textura e as sombras tenham influenciado na percepção mais robusta do estímulo de cena. Considerando estes resultados, a percepção de faces parece ser mediada por processos diferentes daqueles responsáveis pela percepção de cenas.

Conforme já observado, numa condição natural ao levar em consideração uma fonte de iluminação vinda de cima, imagens de protuberâncias e cavidades parecem convexas e côncavas respectivamente. Mas pode ocorrer uma inversão da profundidade visual e uma inversão da direção da fonte de iluminação se as imagens de protuberâncias e cavidades forem utilizadas em um outro contexto. Ramachandran (1988) incluiu protuberâncias e cavidades no lado direito do interior de uma máscara côncava com iluminação vinda de cima. As protuberâncias e cavidades foram vistas pelos sujeitos como se estivessem sendo iluminadas por baixo, como o resto da máscara e foram percebidas como côncavas e convexas, respectivamente. A visão de protuberâncias ou concavidades variou de acordo com a percepção da direção da fonte de luz. Sob um outro ponto de vista, estas novas imagens de protuberâncias e concavidades incluídas no interior da máscara foram percebidas como pertencendo à face, como partes do mesmo objeto. As regras da percepção visual para uma única fonte de iluminação são mais prementes para as diferentes partes de um objeto do que para os diferentes objetos dispostos numa cena.

Por sua vez, Yellott e Kaiwi (1979) introduziram um estereograma quadrado no centro superior do reverso de uma máscara. Um estereograma ocorre quando duas imagens, uma sob a perspectiva do olho direito e outra sob a perspectiva do olho esquerdo, são apresentadas binocularmente ao observador produzindo uma percepção de profundidade tridimensional. Eles observaram que, simultaneamente, o observador era capaz tanto de perceber a profundidade do estereograma quanto de inverter a profundidade da máscara. A prova para a obtenção simultânea da inversão da profundidade da máscara e do estereograma era fornecida (a) quando o observador percebia o quadrado do estereograma compartilhando a convexidade ilusória da máscara côncava e (b) quando o observador movia sua cabeça para o lado, mantendo a inversão de profundidade do reverso da máscara, a máscara inteira, incluindo o estereograma, giravam juntos como um corpo único, e o quadrado central parecia se mover como se estivesse ligado ao fundo por um pedestal invisível.

Os pesquisadores também se interessaram em investigar se o sistema motor, através de movimentos dos dedos da mão, se comporta diferentemente do sistema visual frente à ilusão da máscara côncava. Através de imagens estereográficas de uma máscara côncava apresentadas em monitor de um computador, os observadores estimaram a distância do nariz ou face de faces normais e de máscaras côncavas com e sem feedback háptico na ponta do dedo indicador. Os resultados demonstraram que as estimativas foram dominadas pela familiaridade do objeto, corroborando os resultados de Gregory (1997a, 1997b). No entanto, as máscaras côncavas foram percebidas como mais planas do que as faces normais. Isto ocorreu, provavelmente, porque o sistema visual realizou uma combinação entre a familiaridade do objeto e a imagem estereográfica da máscara côncava, gerando uma percepção mais plana da máscara (Hartung, Franz, Kersten, & Buelthoff, 2001).

Similarmente, Króliczak, Heard, Goodale e Gregory (2006) obtiveram dos observadores uma percepção mais plana da máscara côncava em tarefas de estimativas de distâncias localizadas no reverso da máscara. Os pesquisadores solicitaram aos participantes estimar a distância de alvos localizados na face e na testa de uma máscara côncava parecendo normal, de uma máscara côncava parecendo côncava e de uma máscara da face normal, convexa. Para realizar esta estimativa, os participantes deveriam desenhar a distância percebida destes alvos e deveriam também utilizar seus dedos em movimentos lentos e rápidos para localizar os alvos. Os desenhos dos participantes foram fortemente influenciados pela ilusão. Porém, contrariando os resultados de diversas pesquisas, apesar da presença da ilusão visual da face normal competindo com a face côncava no reverso da máscara, os movimentos digitais rápidos foram direcionados para os alvos reais, não ilusórios localizados na máscara côncava, demonstrando que os movimentos digitais rápidos não são influenciados pela ilusão. De acordo com os autores, os resultados mostraram que o mesmo estímulo visual pode ter efeitos completamente opostos sobre a percepção consciente e o controle visual de ações rápidas, sugerindo a presença de canais visuais distintos no comando destas faculdades, como sugerido por Milner e Goodale (1995).

Entretanto, os resultados de Hartung, Schrater, Bülthoff, Kersten e Franz (2005) estão em desacordo com os obtidos por Króliczak et al. (2006) na realização de tarefas de localização de alvos na máscara côncava por meio dos movimentos do dedo indicador. Estes autores solicitaram aos sujeitos estimar a distância correspondente ou tocar o nariz ou a face de imagens computacionais fantasmas de faces normais e côncavas, refletidas de um espelho. Eles observaram que os movimentos dos dedos em direção aos alvos da projeção da máscara eram dominados pelo conhecimento anterior da geometria da face, um sinal inequívoco de que os movimentos digitais estavam sob a influência da ilusão da máscara côncava. Contudo, corroborando os dados das pesquisas apresentadas acima, as distâncias dos alvos das máscaras côncavas ilusórias foram estimadas como mais planas do que as das máscaras de faces normais, convexas, sugerindo uma combinação entre a disparidade binocular e o conhecimento anterior de faces, pelos sujeitos. Na presente pesquisa, o efeito de aplainamento da máscara côncava também foi observado nas tarefas de aproximação do dedo indicador em direção aos alvos da máscara côncava.

Embora pouco se tenha explorado a respeito de estereogramas na literatura sobre percepção visual, os pesquisadores têm utilizado fotografias de objetos familiares, incluindo a máscara côncava, mostradas em monitores estereoscopicamente para investigar a inversão da profundidade binocular. A ilusão visual obtida de projeções estereoscópicas é sensível a várias condições comportamentais. Por exemplo, indivíduos privados de sono não foram capazes de realizar a inversão de profundidade binocular. À privação de sono, o sistema nervoso central tornou-se incapaz de corrigir a implausibilidade de informações perceptuais, provavelmente devido a uma desorganização entre os inputs sensoriais e a geração de hipóteses perceptuais. (Schneider, Leweke, Sternemann, Weber, & Emrich, 1996; Sternemann, Schneider, Leweke, Bevilacqua, Dietrich, & Emrich, 1997).

A inversão da profundidade binocular de projeções estereoscópicas também pode ser utilizada para investigar a psicopatologia e as anormalidades da percepção em pacientes psiquiátricos. Por exemplo, alcoolistas privados do consumo de álcool não conseguiram realizar a inversão da profundidade binocular em objetos familiares projetados num monitor. O estado de abstinência produzido pela retirada súbita do consumo de álcool pode ser acompanhado da desorganização entre os inputs sensoriais e a geração de hipóteses perceptuais (Schneider, Leweke, Niemcyzk, Sternemann, Bevilacqua, Emrich, 1996; Schneider, Leweke, Sternemann et al., 1996). Igualmente, usuários regulares de cannabis mostraram dificuldades em realizar a inversão da profundidade binocular após o consumo de cannabis, evidenciando um “estado psicodélico” dependente do consumo da droga, um sinal da inabilidade do sistema nervoso central em corrigir hipóteses perceptuais implausíveis (Emrich, Weber, Wendl, Zihl, Von Meyer, & Hanisch,1991; Semple, Ramsden, & McIntosh, 2003). Da mesma forma, os efeitos psicotrópicos de drogas como a <delta> 9 &– tetrahydrocannabinol (Dronabinol) e o composto sintético Nabilone impediram a realização da inversão da profundidade binocular em objetos familiares projetados no computador (Leweke, Schneider, Radwan, Schmidt, & Emrich, 2000; Leweke, Schneider, Thies, Munte, & Emrich, 1999). Indivíduos esquizofrênicos também não conseguiram realizar a inversão da profundidade binocular em fotografias de objetos familiares, incluindo faces, projetadas num monitor. Há substancial evidência na literatura que aponta para déficits no processamento de faces por indivíduos esquizofrênicos, o que os incapacita de realizar a inversão de profundidade binocular em faces projetadas estereoscopicamente (Schneider, Leweke, Stememann et al., 1996; Schneider et al., 2002).

Como se pode observar, a ilusão da máscara côncava parece ter potencial para ser utilizada como um indicador em investigações sobre certas condições comportamentais, psicopatológicas e inclusive, psicofarmacológicas.

 

O status quo sobre a explicação e utilização do fenômeno

Autores como Gregory (1997a, 1997b) e Papathomas e Bono (2004) explicam a ilusão da máscara côncava como decorrente do envolvimento de processos cognitivos, “top-down”, relativos ao conhecimento passado do indivíduo, especificamente sobre uma classe particular de objetos, no caso, faces. O alto grau de familiaridade de faces auxilia na percepção da face convexa no lado côncavo da máscara ou molde da face, mesmo quando se sabe que a percepção é falsa. Os processos cognitivos “top-down” se contrapõem aos processos “bottom-up” relacionados aos inputs sensoriais do presente evidenciando que, no cérebro, hipóteses perceptuais e conceituais podem discordar entre si.

No caso da percepção de convexidade ao observar o reverso da máscara, é possível que esta sobreposição do conhecimento em relação aos inputs sensoriais ocorra por dois motivos. O primeiro motivo está ligado ao fato do homem ser um animal social, assim, o reconhecimento de faces é imprescindível. O segundo motivo diz respeito ao seu alto valor para sobrevivência, tanto no que se refere ao passado remoto do indivíduo, relativo à ontogênese, quanto à sobrevivência da espécie, relativo à filogênese.

As modalidades de apresentar a máscara côncava têm sido utilizadas como variável independente. Dentre estas modalidades citam-se o reverso de máscara côncava, as imagens estereográficas da máscara côncava apresentadas na tela de um monitor e inclusive, a projeção estereográfica fantasma da máscara côncava por meio de espelhos por meio de um computador. Somando-se a isto, a figura da máscara, tanto o objeto máscara côncava quanto suas projeções, tem sido apresentada intercambiavelmente em condições monocromadas ou policromadas. Não existem evidências experimentais que comprovem que estas variações na apresentação do estímulo não interfiram no comportamento dos observadores.

Por outro lado, é necessário ampliar o número de pesquisas utilizando a ilusão da máscara côncava para que este fenômeno se consolide como um instrumento útil para avaliar os efeitos comportamentais, as condições psiquiátricas e a psicofarmacologia.

 

Referências

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Recebido em: 10/11/2006
Aceito em: 23/11/2006

 

 

1 Docente da Universidade Federal de São João del Rei - UFSJ. Pós-Graduanda do Programa de Psicobiologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto - USP. Endereço eletrônico:melinha@ufsj.edu.br
2 Docente do Departamento de Psicologia e Educação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto - USP. Endereço eletrônico: fukusima@ffclrp.usp.br