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Psicologia USP

versão On-line ISSN 1678-5177

Psicol. USP v.20 n.3 São Paulo set. 2009

 

EDITORIAL

 

A segunda metade do século 20 assistiu a um enorme desenvolvimento da pesquisa sobre bebês e crianças pequenas, o que resultou em uma revolução nas concepções sobre a infância e seu lugar na sociedade. Especialmente a Psicologia, mas também outras áreas das Ciências Humanas e Sociais, entre as quais História, Sociologia e Antropologia começaram a lançar seu olhar sobre esses sujeitos antes amplamente ausentes de suas preocupações acadêmicas. Gradualmente, a infância passa a ser entendida, não como um estágio preparatório ou marginal, mas como uma categoria social importante em si mesma, nem mais nem menos importante do que os outros estágios da vida. Da mesma forma, a criança não é mais vista como simples reprodutora, mas como co-construtora de conhecimento, identidade e cultura.

Em paralelo, e não acidentalmente, tem crescido em todo o mundo o interesse e a preocupação com os direitos das crianças e com a educação infantil, caminho cada vez mais evidente e aceito como alternativa para o atendimento à criança, com suas características e exigências em termos de condições de trabalho dos pais. A discussão sobre as formas desse atendimento é atual, viva e ainda controvertida. Seu amadurecimento depende essencialmente de intercâmbio multidisciplinar entre a Pedagogia e os conhecimentos produzidos por outras áreas. Apesar disso, é praticamente consensual o reconhecimento de que esse intercâmbio ainda está engatinhando, especialmente no que se refere à criança nos seus primeiros anos de vida: não só a produção científica é desigualmente desenvolvida nas várias áreas, como a comunicação interdisciplinar ainda é escassa.

Em paralelo, e não acidentalmente, tem crescido em todo o mundo o interesse e a preocupação com os direitos das crianças e com a educação infantil, caminho cada vez mais evidente e aceito como alternativa para o atendimento à criança, com suas características e exigências em termos de condições de trabalho dos pais. A discussão sobre as formas desse atendimento é atual, viva e ainda controvertida. Seu amadurecimento depende essencialmente de intercâmbio multidisciplinar entre a Pedagogia e os conhecimentos produzidos por outras áreas. Apesar disso, é praticamente consensual o reconhecimento de que esse intercâmbio ainda está engatinhando, especialmente no que se refere à criança nos seus primeiros anos de vida: não só a produção científica é desigualmente desenvolvida nas várias áreas, como a comunicação interdisciplinar ainda é escassa.

Alma Gottlieb, antropóloga, reflete sobre a ausência da criança pequena como foco de estudos antropológicos, buscando explicá-la e questioná-la. Propõe algumas razões, relativas à inserção sociocultural dos pesquisadores e às concepções prevalentes sobre bebês e suas relações com o mundo adulto, que possibilitariam compreender essa exclusão. Aponta que a pesquisa comparativa, especialmente a que permite contrapor modelos ocidentais e orientais de compreensão e modo de criação de crianças, é um caminho promissor de questionamento e de mudança de posicionamento da Antropologia em relação a bebês como objeto legítimo de seu interesse.

Eulina Lordelo e Ilka Bichara, psicólogas, tomam como ponto de partida uma reflexão crítica sobre esse modelos socioculturais (e também científicos) que caracterizam concepções sobre infância e educação infantil no mundo contemporâneo e propõem uma agenda de pesquisa que contemple a complexidade biopsicossocial do ser humano e, portanto, da criança. Para isso, retomam o conceito de imaturidade sob a perspectiva da Psicologia Evolucionista e recorrem a estudos recentes, orientados por essa perspectiva, que iluminam as limitações daquelas concepções e abrem caminho para uma renovação conceitual com implicações importantes para a educação infantil.

A essas duas “provocações” iniciais (como diria nosso conhecido ator e diretor Antonio Abujamra), seguem-se três trabalhos empíricos. Niina Rutanen, Maria Isabel Pedrosa, Ana Carvalho (psicólogas) e Cecília Aguiar (pedagoga) têm em comum o enfoque teórico-metodológico – análise qualitativa de registros videogravados de interação de crianças em situações de brincadeira, livres ou semi-estruturadas, a partir de uma perspectiva sociointeracionista construtivista que não ignora um olhar etológico; e também um foco coincidente em relações da criança com fenômenos físicos – que poderíamos entender, sob esse olhar, como a criança pesquisadora. Suas ênfases são em aspectos diferenciados dessas relações: a criança como co-construtora de cultura, como co-construtora e compartilhadora de competências e conhecimentos individuais; e como co-construtora de sua própria cognição na interação com pares. Seus resultados evidenciam a riqueza e o potencial vivencial e educacional da interação criança-criança.

Peter Moss, sociólogo, introduz nesta discussão uma dimensão política, que pode ser percebida como subjacente em artigos anteriores, mas que é aqui claramente explicitada. O autor argumenta que duas características da contemporaneidade – o interesse crescente pelo cuidado e educação institucionalizados da infância (já apontado em vários artigos anteriores deste número) e a busca de consolidação de práticas democráticas, ainda não universais – indicam a necessidade e a oportunidade de reflexão sobre os espaços da infância, e especialmente a educação infantil, como espaços políticos e de democracia.

Os artigos finais retomam, sob diferentes ângulos, questões apontadas e perseguidas pelos anteriores.

Clotilde Rossetti Ferreira, Kátia Amorim e Zilma Ramos de Oliveira, pesquisadoras cujas trajetórias convergiram para a Psicologia a partir de diferentes formações (Filosofia, Medicina e Pedagogia), sintetizam seu percurso de trabalho a respeito da criança pequena e do atendimento institucional à infância. Situam-no histórica e criticamente nas perspectivas e modelos da Psicologia do Desenvolvimento, e propõem um referencial para a atuação em educação infantil que contemple a natureza sócio-histórica e cultural das concepções de familiares e de educadores sobre a infância e o desenvolvimento, seu poder auto-realizador e a necessidade de reflexão sobre essas questões tanto no âmbito da pesquisa como da intervenção.

Fernanda Müller (pedagoga) e Nazareth Hassen (antropóloga com doutorado em Educação) finalizam este número retomando, em outra linha de argumentação, as colocações do primeiro artigo, de Alma Gottlieb, sobre a ausência da criança como objeto de estudo das Ciências Sociais. Seu enfoque privilegia uma revisão de estudos sobre a criança nessas disciplinas e em suas diversas perspectivas teóricas, caracterizando seus focos e suas limitações, e enfatiza a demanda crescente por uma integração mais viva e eficaz entre as abordagens e os conhecimentos já produzidos nas ciências naturais e nas ciências sociais, recuperando assim, por outras vias, as proposições de Lordelo e Bichara a respeito da complexidade biopsicossocial do ser humano.

Com esse conjunto de estudos e reflexões sobre a criança de zero a três anos a partir de diferentes perspectivas, esperamos gerar trocas, articulações e contrastes relevantes para a elaboração teórico-conceitual e o processo de aprofundamento do conhecimento sobre a infância, e assim subsidiar a discussão de propostas de atendimento e intervenção na educação infantil.

Agradecemos às editoras e autores que autorizaram a tradução e publicação de artigos já divulgados no exterior; aos colegas Lívia A. Fialho da Costa, Sonia M. Rocha Sampaio, Vanessa R. S. Cavalcanti e Halter Maia pela versão/ revisão de resumos em francês e espanhol; a Luiz Prado, Carolina Ferreira Fagundes e Carolina Brum, pela tradução dos textos de colaboradores estrangeiros; à revista Psicologia USP e ao IPUSP pela acolhida a esta proposta.

 

Fernanda Müller

Ana Maria Almeida Carvalho