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Revista Brasileira de Orientação Profissional

versão On-line ISSN 1984-7270

Rev. bras. orientac. prof v.5 n.2 São Paulo dez. 2004

 

ARTIGOS

 

 

Algumas propostas da análise do comportamento para orientação profissional

 

Some propositions from behavior analysis for professional guidance

 

Algunas propuestas de análisis del comportamiento para orientación profesional

 

 

Ana Lucia Ivatiuk1 * 2; Vera Lucia Adami Raposo do Amaral**

Pontifícia Universidade Católica de Campinas - SOBRAPAR

 

 


RESUMO

A literatura científica sobre Orientação Profissional tem crescido muito nos últimos anos, e as mais diversas teorias psicológicas têm procurado estudar o assunto, entre elas a Análise do Comportamento. Este artigo teve por objetivo fazer um levantamento bibliográfico dos trabalhos de Orientação Profissional, identificando qual seria a relevância deste campo de pesquisa para a Análise do Comportamento. Para esta coleta de dados foi feito um levantamento bibliográfico, tanto nacional como internacional, no período entre 1975 e 2003, em fontes como periódicos, livros, teses e anais de eventos científicos relacionados às áreas envolvidas. A pesquisa não foi restrita apenas a um campo de atuação da Orientação Profissional, como primeira escolha ou reorientação de carreira, mas abrangeu também diferentes campos de atuação: escola, clínica e organizações. Como resultado, foram encontradas várias pesquisas sobre Orientação Profissional dentro do enfoque da Análise do Comportamento, apesar de ser em menor número quando comparados a outras orientações teóricas, sendo mais difundida no meio científico internacional.

Palavras-chave: Orientação vocacional, Análise do comportamento, Tomada de decisão.


ABSTRACT

The scientific literature about Professional Guidance has been growing a lot in the last few years and has been studied by the most diverse psychological theories, among them Behavior Analysis. This article aims at doing a bibliography survey of Professional Guidance works, to identify the relevance of this research field for Behavior Analysis. To creat a database, national and international literatures, like publications, books, theses or event annals related to the areas involved, dated from 1975 through 2003 were surveyed. This research was not restricted only to one field of professional guidance as, for instance, the first choice or reorientation of careers, but also included different fields of action, such as: school, clinic or organizations. As a result, several researches on professional guidance focusing behavior analysis were found, although in a fewer number when compared to other theoretical approaches, besides being more used in the international scientific contexts.

Keywords: Vocational guidance, Behavioral analysis, Professional guidance.


RESUMEN

La literatura científica acerca del asunto Orientación Profesional ha crecido mucho en los últimos años y las más diversas teorías han buscado estudiar el asunto, entre ellas el Análisis del Comportamiento. Este artículo tiene por objetivo hacer un levantamiento bibliográfico en los trabajos de Orientación Profesional, identificando la relevancia de este campo de investigación para el Análisis del Comportamiento. Para esta recogida de datos fueron investigadas literaturas nacionales e internacionales en el periodo entre 1975 y 2003, provenientes de fuentes como: periódicos, libros, tesis o anales de eventos científicos relacionados con las áreas involucradas. El estudio se basó en trabajos vinculados a diversas cuestiones que poden ser desarrolladas por la OP, como la primera opción, reorientación u orientación de carrera; desarrollados en distintos campos de actuación, en la escuela, clínica o incluso en las organizaciones. Como resultado fue identificado que el Análisis del Comportamiento está envuelto en investigaciones referentes a Orientación Profesional; a pesar de presentarse de forma discreta en comparación con otras temáticas, es muy difundido en el medio científico internacional.

Palabras clave: Orientación vocacional, Análisis de la conducta, Toma de decisión.


 

 

ALGUMAS RAÍZES HISTÓRICAS

Ao contrário do que muitos pesquisadores e profissionais que atuam com a Análise do Comportamento imaginam, a Orientação Profissional (OP) não é um assunto explorado apenas recentemente por esta orientação teórica. No trabalho proposto por Martins (1978), já se apresentou alguma referência sobre a aplicação dos princípios dessa abordagem a essa temática. Esse pesquisador elaborou a definição do termo “comportamento vocacional”, expressão que pode ser compreendida como uma classe de comportamentos cujos antecedentes são a necessidade de escolha de uma profissão e estaria fortemente relacionado com os ambientes aos quais a pessoa que escolhe estiver inserida, pois este poderá reforçar ou não a sua escolha. Na seqüência deste mesmo trabalho, encontram-se explicações mais detalhadas sobre os diferentes aspectos do comportamento vocacional, o qual pode ser compreendido dentro de uma perspectiva de Análise Funcional nos quesitos profissionais. No entanto, antes de continuar a definição desses conceitos, seria importante explicar com o que trabalha a Análise do Comportamento.

Para a Análise do Comportamento, todas as ações, sentimentos e pensamentos dos indivíduos são compreendidos como comportamentos, que podem ser categorizados como públicos ou privados. Tais comportamentos têm uma função e dependem de sua história de vida e das contingências atuais às quais cada indivíduo estiver exposto (Skinner, 1993).

Transpondo tais conhecimentos para o campo profissional, Martins (1978) lembrou que o psicólogo interessado na OP, durante muito tempo, se concentrava apenas no ato da escolha. Os eventos antecedentes e os conseqüentes claramente relacionados à escolha da profissão não eram objeto da atenção dos profissionais da área. A partir dessa constatação, esse autor propôs que o profissional que optasse por trabalhar com a temática da OP, precisaria auxiliar o ato da escolha da profissão, mas também deveria ensinar o indivíduo a discriminar que sua escolha poderia ser feita a partir de condições anteriormente vividas (história de contingências). Ajudaria a pessoa a compreender que uma escolha por esta ou aquela profissão (resposta) estaria ligada diretamente com os comportamentos posteriores em relação à escolha e ao exercício de uma profissão (conseqüentes). Portanto, para a Análise do Comportamento, a OP, além de auxiliar na escolha da profissão, é uma forma de ensinar os indivíduos a fazer análises funcionais do seu próprio comportamento.

Mais tarde, Azrin e Besalel (1980) desenvolveram um outro trabalho que pode ser visto como um novo marco na área. Esses autores propuseram um programa de OP para indivíduos que estavam desempregados, tendo como base os princípios da análise do comportamento, com o intuito de auxiliálos a novamente entrar no mercado de trabalho. Os principais pontos desse estudo foram descritos como:

1) Auxílio no desenvolvimento de estratégias comportamentais necessárias, que deveriam ser orientadas para o resultado, ou seja, encontrar um trabalho;

2) Uma intervenção fundamentada na aprendizagem como determinante do comportamento, ao contrário das que se baseavam na idéia de que habilidades ou predisposições são inatas. Afirmaram, então, que um treinamento adequado pode fazer com que um indivíduo desenvolva habilidades necessárias para obtenção de uma ocupação;

3) Os orientadores atuando como fonte de reforçamento, por meio de múltiplas estratégias que visem as mudanças comportamentais, que incluam um aumento da motivação para o processo de busca de informações e obtenção de uma atividade profissional.

Essa proposta de intervenção mostrou-se eficiente para os indivíduos que dela se utilizaram, dado que passaram a ter comportamentos mais adequados para a escolha da profissão. Tanto o artigo de Martins (1978), como o de Azrin e Besalel (1980) serviram como referências e embasamento teórico para os estudos atuais sobre o assunto sob a perspectiva da Análise do Comportamento. Embora sejam poucos os trabalhos mais antigos, essa abordagem, nesse momento da pesquisa realizada, não se restringiu apenas à questão da primeira escolha profissional, mas dedicou-se também a outro campo de atuação destes orientadores, como o desenvolvimento de habilidades que visavam a auxiliar as pessoas a escolher ou encontrar um trabalho, utilizando- se para isso, os princípios comportamentais.

 

OS TRABALHOS MAIS ATUAIS

Na década de 90, a produção científica sobre o assunto, principalmente a internacional, foi bem mais expressiva e propunha uma variedade ainda maior de possibilidades de atuação para o orientador profissional. Dos dados encontrados pela pesquisa bibliográfica, nem todos se referiam a programas completos de OP, por isso eles serão apresentados em pequenos grupos, com a finalidade de localizar a que temática estes estudos faziam referência.

1) Alguns aspectos familiares envolvidos na escolha profissional

Martins (1995) e Kracke (1997) desenvolveram pesquisas sobre os estilos parentais que poderiam influenciar os adolescentes em suas escolhas profissionais, auxiliando ou dificultando tal processo. Por estilo parental deve ser entendido o conjunto amplo de comportamentos que existem nas interações entre pais e filhos, e que podem auxiliar no desenvolvimento de comportamentos saudáveis ou não (Patterson, DeBarysche & Ramsey, 1989).

Um dos trabalhos consistiu numa pesquisa, em uma cidade no interior de São Paulo, da qual participaram 22 adolescentes, estudantes do terceira série do Ensino Médio, juntamente com seus pais. O procedimento consistiu na aplicação de uma escala sobre Estilos Educativos Parentais, que contém uma versão para os pais e outra para os filhos, além de uma entrevista semi-estruturada. A pesquisadora analisou a percepção dos pais sobre os seus estilos parentais, assim como a maneira como eles eram percebidos pelos filhos; analisou também o conteúdo das entrevistas tantos dos pais como dos filhos. Como resultados, encontrou dados que demonstraram a diferença de percepção que os filhos têm em relação ao estilo parental e outros dados que comprovaram a concordância entre pais e filhos na condição de que os filhos têm autonomia para fazer a escolha. Por outro lado não analisou quais tipos de estilos tinham maior ou menor influência na questão da escolha (Martins, 1995).

Já o estudo de Kracke (1997) procurou demonstrar qual o estilo parental que auxiliava os adolescentes a ter um comportamento mais exploratório para a escolha da profissão. Participaram do estudo 236 alunos do ensino médio de colégios da região central da Alemanha que responderam a um material proposto para investigar o estilo parental e algumas atitudes desses alunos em relação à escolha profissional. Como resultados, encontrou que os alunos cujos pais eram autoritativos (definidos pela pesquisadora como aqueles que se envolviam e participavam da vida dos filhos de forma consistente) eram os adolescentes que mais buscavam informações para escolha da profissão.

Ferry, Fouad e Smith (2000) estudaram as variáveis familiares relacionadas com a experiência de aprendizagem que poderiam estar relacionadas com o processo de escolha profissional, num grupo de 791 universitários, de dois diferentes cursos de psicologia dos EUA. Os dados dessa pesquisa demonstraram que os pais que encorajavam e davam oportunidades para os filhos aprenderem por meio das próprias experiências, estavam mais satisfeitos com as escolhas profissionais de seus filhos, do que aqueles que encorajavam, mas não ofereciam oportunidade de vivenciar as experiências e, então, apenas esperavam as conseqüências de suas escolhas.

2) Os modelos da aprendizagem social:

Sampson Jr, Peterson, Lenz e Reardon (1992) propuseram um modelo cognitivo social para entender o processo da escolha profissional a partir do modelo de Bandura (1979), segundo o qual, um comportamento pode ser adquirido, modificado ou planejado pelos princípios da aprendizagem social, ou seja, todo indivíduo aprenderia e emitiria comportamentos a partir das suas vivências, das relações e interações sociais a que fosse exposto. Com base neste modelo de aprendizagem, os autores propuseram dois pontos básicos para a escolha profissional, sendo cada um deles composto de várias etapas, como será explicado a seguir. O primeiro ponto está relacionado com o entendimento do processo de escolha da profissão, através dos seguintes passos:

1) o autoconhecimento associado ao conhecimento das opções profissionais que estão disponíveis no seu ambiente;

2) a aprendizagem do comportamento de tomar decisões; e

3) a realização do processo de tomada de decisão.

O segundo ponto faz algumas considerações sobre o processo de tomada de decisão, composto pelas seguintes etapas:

1) o conhecimento e a discriminação dos comportamentos necessários para tomada de uma decisão;

2) o desenvolvimento do autoconhecimento e o conhecimento das opções profissionais;

3) a expansão ou restrição da sua lista de opções;

4) a escolha da sua profissão e a discriminação dos comportamentos necessários para poder desenvolvê-la;

5) a implementação desta opção; e

6) a generalização do comportamento de escolher para diferentes situações em que seja necessário tomar outras decisões.

Em termos teóricos, essas fases são propostas como dois pontos distintos que acontecem no processo de OP, porém, na prática, esses passos se interrelacionam e acontecem de forma interdependente.

Lent e Browm (1996) implementaram esse modelo propondo que, além do que foi relatado anteriormente, também seria necessário a compreensão de mais três questões relevantes: a discriminação das habilidades e capacidades necessárias para o desenvolvimento de uma atividade profissional, denominada por eles de auto-eficácia; a discriminação das variáveis externas, nomeada por expectativas denominadas como externas e, finalmente, a discriminação e determinação do que se chamou de metas pessoais, para que então, os indivíduos pudessem fazer uma boa escolha profissional.

Sampson Jr, Lenz, Reardon e Peterson (1999) estudaram a influência que os pensamentos positivos e negativos das pessoas que precisam escolher geram no processo de tomada de decisão e na procura de uma atividade profissional. Propuseram uma forma de ensinar os indivíduos a discriminar tais comportamentos e mudar esses pensamentos, com um procedimento conhecido como Processamento Cognitivo de Informações (CIP) que se mostrou eficiente nessas situações.

3) Estudos sobre variáveis envolvidas no momento de uma escolha profissional

Os trabalhos de Krumboltz (Krumboltz, 1992; 1998; Krumboltz & Worthington, 1999; Mitchel & Krumboltz, 1990; Mitchel, Levin & Krumboltz, 1999) procuraram explicar o processo de escolha profissional por meio dos conceitos da Análise do Comportamento. Primeiramente, enfatizaram a importância e a necessidade de ensinar as pessoas a lidar com a ansiedade gerada pela necessidade de fazer uma escolha profissional, para depois se investir na escolha propriamente dita. Isso seria possível com a análise funcional dos comportamentos que poderia ser facilitada com a utilização de uma série de técnicas, como dessenssibilização, modelagem, aprendizagem discriminativa, reforçamento diferencial de comportamentos assertivos e de tomada de decisão (Sharf, 1992). O indivíduo teria um papel ativo na sua escolha profissional, tendo o orientador a função de modelar e reforçar os comportamentos dos participantes nas situações de escolha.

Outros estudiosos, como Swanson e Gore (2000), pesquisaram o comportamento profissional, procurando identificar se as variáveis interpessoais e/ou as ambientais poderiam interferir na facilidade de escolha de uma área de trabalho. Participaram do estudo 93 alunos do Ensino Médio de um estado americano. Os dados obtidos demonstraram que as variáveis ambientais associadas à facilidade de relacionamento interpessoal levam os indivíduos a ter uma maior facilidade para realizar a escolha da profissão do que aqueles que tinham dificuldades nos relacionamentos interpessoais.

Já Lent, Brown e Hackett (2000), num outro artigo, procuraram explicar como o comportamento de escolha profissional poderia estar exposto a diversos tipos de variáveis tanto em termos de obstáculos interpessoais como de impedimentos ambientais. Por obstáculos interpessoais, os autores explicaram que seriam aqueles relacionados a dificuldades no relacionamento interpessoal, no sentindo de comunicação, postura ou habilidade de manter relacionamentos saudáveis. Os impedimentos ambientais seriam, muitas vezes, as dificuldades encontradas para desenvolver uma determinada profissão, como a questão econômica, por exemplo.

4) Técnicas desenvolvidas

Numa outra pesquisa, Annunciato, Mondardo e Soares (2002) propuseram uma técnica para ser utilizada durante o trabalho de OP, que permitiu estudar possíveis influências dos modelos de profissionais dentro dos núcleos familiares da pessoa. Essa técnica é denominada de ‘Ociograma Familiar’ e tem como base, as mesmas orientações utilizadas no Genoprofissiograma, que é uma adaptação de um Genograma (mapa genético de um indivíduo). No entanto, em vez de se construir apenas a genealogia da família, o Genoprofissiograma é feito falando-se da profissão de cada membro da família. Esta técnica tem os mesmos objetivos e métodos do genoprofissiograma, mas no ociograma, as informações fornecidas são sobre os momentos de “ócio” dos familiares, sobre os momentos de lazer, de descontração, e não sobre os relacionados a trabalho e/ou emprego. A técnica tem como base os conhecimentos desenvolvidos por Bandura (1979), referentes à Aprendizagem Social. Ela pode ser utlizada durante o processo de orientação com o objetivo de mostrar que muitas atividades exercidas pelos indivíduos apenas por ‘lazer’, podem ser consideradas possibilidades de escolha profissional.

5) Programas de OP

Com a virada do milênio tem-se o primeiro trabalho nacional a propor um programa completo de OP, apenas para situação de primeira escolha profissional de profissões universitárias, estruturado nos princípios da Análise do Comportamento:

“A intervenção enfatiza a aprendizagem do comportamento ao invés das habilidades ou predisposições inatas, sendo que um treinamento adequado pode levar o indivíduo ao alcance das habilidades necessárias para uma profissão” (Moura, 2001, p.43).

Para justificar a importância do trabalho, Moura (2001) procurou explicar o conceito de vocação para a Análise do Comportamento, o qual pode ser entendido como um comportamento que é socialmente construído, dependente de conjuntos de valores e normas sociais e de respostas dos indivíduos a tais valores e normas, adequado às suas características e aos padrões de um momento histórico, sempre em combinação com a história genética, pessoal, familiar e cultural de cada indivíduo. Portanto, o arranjo destas variáveis ao longo da vida de uma pessoa pode encaminhá-la para o desenvolvimento de interesses e aquisição de habilidades que, ao serem analisadas, poderão vir a corresponder a um conjunto de opções profissionais com características e exigências intrínsecas a estas opções e aos indivíduos que as exercem (Moura, 2000; Moura & Silveira, 2002).

O trabalho de OP nesta abordagem teórica preocupa- se com a prática dos conceitos propostos por esses últimos pesquisadores. O entendimento de que o indivíduo pode ser alterado dependendo das contingências, dos interesses e das habilidades de cada um é fundamental. O trabalho justificou-se pela possibilidade de gerar contingências necessárias para auxiliar o indivíduo a aprender a escolher, ou seja, a partir de qualquer repertório que ele tivesse quando iniciasse um processo de OP, ao final do mesmo, teria um repertório melhor, referente à tomada de decisões e ao entendimento da sua vocação. Sob essa perspectiva, são utilizados instrumentos que avaliam o repertório inicial (pré-intervenção) e final (pós-intervenção).

Novamente, para que exista um melhor entendimento deste objetivo é imprescindível que se compreenda alguns dos conceitos da Análise do Comportamento. Tendo-se clareza de que contingências se referem a um arranjo temporal em que um evento é consistentemente seguido por outro (de Rose, 1982; Skinner, 1994), ou seja, ele auxilia o indivíduo a compreender as variáveis ambientais às quais os seus comportamentos encontram-se expostos. Na situação de escolha profissional, essa contingência pode ser entendida como a discriminação das variáveis envolvidas no contexto de tomada de decisão, a partir de então, de uma forma mais adequada do que antes de passar pelo trabalho de OP.

Para o analista do comportamento, a tomada de decisão deve ser entendida como um processo que, com a discriminação das variáveis e das respectivas condições de manipulação, permite ao indivíduo que está decidindo ter o controle das variáveis envolvidas, podendo utilizá-las da forma que melhor lhe for conveniente (Skinner, 1994). Moura e Silveira (2002) explicaram que a tomada de decisão deve ser entendida como um processo que auxilia os indivíduos a conhecer as conseqüências prováveis das opções disponíveis. Isso seria resultado da aprendizagem de habilidades de resolução de problemas, no caso a possibilidade de realizar a escolha profissional.

Mitchell e Krumboltz (1996) e Fantino (1998) constataram que a tomada de decisão em relação à escolha profissional acontece de forma mais eficaz quando surge como conseqüência de reforçamento positivo ocorrido ao longo do trabalho de OP. O orientador tem um papel fundamental ao reforçar o indivíduo no decorrer de todo o processo, nas pequenas ações que o indivíduo for praticando nos encontros, implicando que ao final ele não apenas discrimine as variáveis envolvidas na tomada de decisão, mas se sinta extremamente reforçado em fazer uso delas. A aprendizagem da discriminação destas variáveis pode ser a conseqüência de uma etapa de autoconhecimento. Portanto, o orientador ao longo do trabalho modela respostas que aumentam a ocorrência de comportamentos referentes à tomada de decisão, o que permite maior probabilidade de produzir reforços positivos para seus participantes (Bernardes, Carvalho, Starling, Ireno, Chaves & Agostini, 2003).

Skinner (1993) definiu o termo autoconhecimento como tendo uma origem social e diretamente dependente das práticas da comunidade verbal na qual o indivíduo se encontrar inserido. A facilidade em conhecer o mundo externo pode ser explicada porque a comunidade pode auxiliar na modelação de um repertório descritivo que seja apropriado. O autoconhecimento pode levar o indivíduo a poder prever e controlar melhor seu comportamento. “Os homens agem sobre o mundo, modificam-no e, por sua vez, são modificados pelas conseqüências de sua ação” (Skinner, 1957, p.15).

Segundo Sério (1999), o autoconhecimento é muito importante para cada indivíduo, pois, a partir dele, pode-se ter uma possibilidade maior de autogoverno e autocontrole. Aplicando isso às questões profissionais, tem-se que o indivíduo que compreende melhor as contingências que controlam seu comportamento pode tomar decisões que possam ser mais reforçadoras para aquele determinado momento e contexto no qual está inserido. A mesma autora ainda continua afirmando que esse processo de autoconhecimento precisa ser muito bem estruturado para que o indivíduo realmente possa desenvolver os repertórios necessários, pois muitas pessoas têm pouca variabilidade no relato verbal e com isso podem ter uma dificuldade maior para se autoconhecer, na medida em que fornecem poucos dados quando em interação social. Ela propôs, então, que o analista do comportamento seja um agente nesse sentido, e que tenha as habilidades necessárias para ensinar as mais diversas populações a fazerem essas discriminações e terem, assim, um autoconhecimento eficaz.

Expostos alguns conceitos básicos da Análise do Comportamento, o processo de OP nos moldes sugeridos por Moura (2001) seria composto por três fases conhecidas como:

1) promoção de autoconhecimento: o arranjo das condições nas quais o indivíduo pode discriminar variáveis em diversos níveis de controle (familiar, social, cultural e/ou econômico), às quais os seus comportamentos de escolher e decidir estejam expostos;

2) conhecimento da realidade profissional: apresentação de informações necessárias sobre as profissões que são de interesse do indivíduo, estabelecendo-se uma relação com o autoconhecimento feito anteriormente;

3) tomada de decisão: ocorrência de comportamentos que podem estar relacionados à seleção dos critérios de escolha. Tais critérios permitem o afunilamento das opções profissionais e facilitam a tomada de decisão referente a sua escolha profissional.

Visto de forma mais objetiva, o modelo de intervenção é compreendido como contendo contingências que podem ser classificadas em três grupos: as pessoais ou de autoconhecimento, as profissionais e as de tomada da decisão. Este modelo mostrou sua eficácia, uma vez que indivíduos que foram submetidos a ele ampliaram seu repertório de tomada de decisão.

Moura, Menezes, Sampaio e Rodrigues (2002) realizaram um estudo que confirmou a proposição anterior. O objetivo do mesmo foi avaliar os resultados de um programa estruturado de OP em grupo para adolescentes, em situação de primeira escolha, no que se refere à mudança nos comportamentos indicadores de escolha profissional. Em geral, o programa propiciou resultados voltados para a restrição de opções profissionais, refinamento dos critérios de escolha e aprendizado do comportamento de tomada de decisão, capacitando os adolescentes a tomar decisões sobre suas escolhas profissionais de maneira mais consciente, segura e fundamentada em suas possibilidades pessoais concretas.

Moura (2003) continuou desenvolvendo estudos para verificar a generalidade do procedimento e afirmou ainda que a maior importância do que é pesquisado está no papel que o orientador deve ter mediante este procedimento. Ele precisa ser um condutor do processo para que os indivíduos que dele participam não apenas saibam tomar a decisão em relação à escolha profissional neste momento, mas que possam utilizá-la em outras situações e contextos.

 

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A TEMÁTICA

Por meio do levantamento bibliográfico, verificou- se a existência de poucos trabalhos publicados dentro da abordagem comportamental na literatura científica nacional. O predomínio da literatura internacional acaba restringindo o seu acesso a poucos profissionais. Dessa maneira, a informação acaba sendo pouco divulgada, levando o analista do comportamento a discriminar pouco sobre como sua abordagem tem se ocupado da temática.

Identificou-se que os programas propostos e as pesquisas mais específicas se mostraram eficazes, porém se faz necessário que os pesquisadores envolvidos nos programas atuem também de forma mais intensa, visando a identificar as diferentes variáveis que possam estar em operação mediante cada contingência. A melhor compreensão de determinadas variáveis estudadas em diferentes contextos e situações pode aumentar o poder de generalização desse tipo de trabalho.

Dos trabalhos encontrados também não se pode afirmar que estão restritos apenas ao campo clínico de trabalho. Algumas pesquisas foram realizadas no ambiente escolar (Martins, 1995; Kracke, 1997; Ferry, Fouad & Smith, 2000). Já o trabalho de Azrin e Besalel (1980) trouxe uma grande contribuição para a área organizacional.

Além disso, mesmo com as pesquisas já realizadas sobre temas específicos da OP, há poucos trabalhos com populações diversas, deixando um vasto campo de estudo para orientadores profissionais que tenham interesse na orientação teórica da Análise do Comportamento. A maior parte dos dados ainda se refere ao momento da primeira escolha e estão relacionados com o ingresso ao curso superior. Cabe, aqui, ressaltar que este é um problema encontrado em todas as abordagens teóricas.

A Análise do Comportamento também contribui muito com a OP, não apenas no sentindo da escolha profissional em si, mas sim por gerar um melhor repertório no indivíduo, ensinando-lhe a fazer análise funcional do seu próprio comportamento, dentro do modelo da tríplice contingência: pode entender melhor a sua história de vida (antecedentes); estabelecer critérios que possam ser úteis para outros tipos de escolhas (comportamentos) e tomar decisões (conseqüentes).

O campo ainda é muito vasto e espera-se que esta revisão possa servir de estímulo para a realização de muitos estudos que permitirão tornar a Análise do Comportamento mais expressiva no campo da OP. Espera-se, então, que este texto tenha servido como estímulo discriminativo sobre o papel e as possíveis contribuições da análise do comportamento à OP. E também que pesquisadores da área sintam-se reforçados a continuar a trabalhar em suas propostas para que no futuro se tenha acesso a uma quantidade maior de trabalhos nacionais.

 

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Recebido: 07/05/04
1ª revisão: 03/09/04
2ª revisão: 23/01/05
Aceite final: 10/02/05

 

 

1 Endereço para correspondência: Cidade Universitária, Rua Adolfo Lutz,100; 13083-880. Campinas, SP. E-mail: anaivatiuk@hotmail.com
2 Este trabalho foi apresentado originalmente no VI Simpósio Brasileiro de Orientação Vocacional e Ocupacional, em 2003, realizado pela ABOP na cidade de Florianópolis, Brasil.

 

Sobre os autores
* Ana Lucia Ivatiuk é mestre em psicologia Clínica (PUCCamp) e Psicóloga do Setor de Psicologia do Instituto Sobrapar.
** Vera Lucia Adami Raposo do Amaral é professora de Pós-Graduação em Psicologia Clínica da PUCCampinas, Chefe do Setor de Psicologia do Instituto Sobrapar e Terapeuta Comportamental.

 

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