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Revista Brasileira de Orientação Profissional

versão On-line ISSN 1984-7270

Rev. bras. orientac. prof v.6 n.2 São Paulo dez. 2005

 

ARTIGOS

 

 

Importância atribuída ao ingresso na educação superior por alunos do ensino médio

 

Importance of higher education in high school students’ perceptions

 

La importancia atribuida al ingreso a la enseñanza universitaria por alumnos de enseñanza secundaria

 

 

Mônica Sparta*; William B. Gomes1 **

Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre

 

 


RESUMO

O objetivo deste estudo foi investigar a importância atribuída pelos alunos do ensino médio ao ingresso na educação superior. A amostra foi composta por 659 alunos da terceira série do ensino médio de oito escolas públicas (50,1%) e particulares (49,9%) da cidade de Porto Alegre (RS), de ambos os sexos (54,8% de moças e 45,2% de rapazes) e com idades entre 15 e 23 anos (M=16,8; DP=0,85). Os resultados indicaram que 86,2 % dos jovens pretendem prestar vestibular depois da conclusão do ensino médio. Não foram encontradas diferenças significativas entre sexos, mas foram encontradas diferenças significativas entre tipos de escola (pública e particular) e nível de escolaridade parental (fundamental, médio e superior). Os resultados confirmam a educação superior como uma alternativa praticamente isolada para os alunos que chegam ao final do ensino médio.

Palavras-chave: Ensino médio, Educação superior, Vestibular, Escolha profissional.


ABSTRACT

This study investigated the importance of higher education in high school students’ perceptions. Participants were 659 high school students (54,8% girls and 45,2% boys) from public (50,1%) and private (49,9%) schools in Porto Alegre (RS), with ages between 15 and 23 years (M=16,8; DP=0,85). Results show that 86,2 % of the students intend to tace the university entry exams when they finnish high school. There were found no differences between boys and girls, but type of school (public and private) and parental education (elementary, secundary and higher) were significant observed aspects. Results support higher education as one of the few options to students concluding high school.

Keywords: High school, Higer education, University entry exams, Career choice.


RESUMEN

El objetivo de este estudio fue investigar la importancia atribuida por los alumnos de enseñanza secundaria al ingreso al nivel de enseñanza universitaria. La muestra estaba compuesta por 659 alumnos de tercer año de secundaria de ocho liceos públicos (50,1 %) y privados (49,9%) de la ciudad de Porto Alegre (RS), de ambos sexos (54,8% de sexo femenino y 45,2% de sexo masculino), con edades entre 15 y 23 años (M=16,8; SD=0,85). Los resultados indicaron que el 86,2 % de los jóvenes tienen intención de presentarse al examen de admisión universitaria una vez concluída la secundaria. No fueron encontradas diferencias significativas entre sexos, pero sí entre tipos de liceos (públicos y privados), y en el nivel de escolaridad parental (primario, secundario, terciario). Los resultados indican la enseñanza universitaria como alternativa prácticamente aislada para los alumnos que terminan el ciclo de enseñanza secundaria.

Palabras clave: Enseñanza secundaria, Enseñanza universitaria, Examen de admisión universitaria, Opción profesional.


 

 

A adolescência é uma fase da vida caracterizada por uma série de mudanças, não só fisiológicas, cognitivas e psicológicas, mas também em relação aos papéis sociais a serem assumidos pelo indivíduo. Entre estes, destaca-se o papel de trabalhador. O jovem brasileiro que chega ao fim do ensino médio é chamado a fazer escolhas profissionais e pode optar pela continuação dos estudos ou pelo ingresso imediato no mercado de trabalho. Uma das alternativas disponíveis para que o jovem continue seus estudos é a educação superior. O presente estudo tem como objetivo investigar a importância atribuída pelos alunos da terceira série do ensino médio brasileiro ao ingresso na educação superior como alternativa de escolha profissional.

Primeiro, apresenta-se uma breve revisão sobre a legislação educacional brasileira com o objetivo de esclarecer as possibilidades de continuação dos estudos disponíveis aos jovens que terminam o ensino médio. Passa-se, a seguir, para a exposição sobre o desenvolvimento histórico da educação média, superior e profissional no país com o objetivo de identificar as raízes da valorização genérica à educação superior em nossa sociedade. Finalmente, serão discutidas a naturalização que o ingresso no ensino superior tem assumido na sociedade brasileira e suas conseqüências para o desenvolvimento vocacional dos jovens.

A atual legislação educacional brasileira oferece ao jovem uma série de possibilidades para continuação dos estudos, tanto no âmbito da educação superior como no da educação profissional. De acordo com o artigo 21 da Lei nº 9.394 (Brasil, 1996), que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), a educação brasileira é composta por dois níveis: 1) educação básica (formada pela educação infantil) ensino fundamental e ensino médio; e 2) educação superior. O Plano Nacional de Educação (PNE), aprovado pela Lei nº 10.172 (Brasil, 2001a), define a educação profissional como uma modalidade de ensino, paralela ao ensino regular, que abarca três níveis distintos: básico, técnico e tecnológico.

Segundo o artigo 44 da LDB (Brasil, 1996), a educação superior oferece quatro possibilidades de formação: cursos seqüenciais por campo de saber, de graduação, de pós-graduação e de extensão. Os cursos seqüenciais por campo de saber são de dois tipos: cursos superiores de formação específica e cursos superiores de complementação de estudos; e possuem dois objetivos distintos: a qualificação técnica, profissional ou acadêmica e a ampliação dos horizontes intelectuais em campos das ciências, humanidades e artes (Brasil, 1999). Os cursos de graduação são acessíveis a quem termina o ensino médio e se classifica em processo seletivo (Brasil, 1996). Os cursos de pós-graduação são destinados a quem tem diploma na educação superior e abarcam programas de mestrado e doutorado (pós-graduação strictu sensu), além de cursos de especialização (pós-graduação lato sensu) e aperfeiçoamento, entre outros (Brasil, 1996; Brasil, 2001b). Os cursos de extensão estão abertos a candidatos que atendam aos requisitos estabelecidos pelas instituições de ensino (Brasil, 1996).

De acordo com o artigo 39 da LDB (Brasil, 1996), a educação profissional tem com objetivo a condução a um permanente processo de desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva. A educação profissional básica tem por objetivo a formação inicial e continuada de trabalhadores e independe do nível de escolarização; a educação profissional técnica é de nível médio e pode ser integrada, concomitante ou subseqüente à conclusão do ensino médio regular, do qual depende a diplomação técnica; a educação profissional tecnológica é de nível superior de graduação e pós-graduação e sua regulamentação é regida pela legislação referente à educação superior (Brasil, 2004a).

Apesar da variedade de possibilidades para continuação dos estudos existente no país, verifica-se uma tendência do jovem que termina o ensino médio de fazer escolhas profissionais ligadas aos cursos mais tradicionais de graduação oferecidos pela educação superior. Essa situação está diretamente ligada ao desenvolvimento histórico do ensino médio, da educação superior e da educação profissional em nosso país (Brasil, 2001a; Catani, Fonseca, Melchior & Silva, 1989; Cunha, 2003; Nunes, 2002; Pimenta, 1979/2001; Santos, 2003).

Na Constituição de 1937, o chamado ensino secundário, de caráter propedêutico, foi colocado em oposição ao ensino técnico-profissionalizante (Nunes, 2002; Pimenta, 1979/2001; Santos, 2003). Essa distinção foi reforçada a partir de 1942 através das leis orgânicas de ensino, conhecidas como Lei Capanema, de acordo com as quais o acesso ao ensino superior era permitido apenas aos alunos do ensino secundário (Científico e Clássico), e não aos alunos do ensino técnico-profissionalizante (Agrícola, Comercial, Industrial e Normal).

Em 1961, a lei Capanema foi substituída por uma nova lei de regulamentação do ensino, que definiu a equivalência entre os ensinos secundário e técnico-profissionalizante. Essa determinação permitiu que todos os alunos do ensino médio pudessem pleitear o ingresso no ensino superior, o que era feito através do concurso vestibular eliminatório. Em conseqüência dessa medida, houve um grande crescimento no número de candidatos ao ensino superior, o que culminou com a transformação do concurso vestibular em classificatório e, a partir da década de 1970, com o incentivo do governo à ampliação da rede privada de ensino superior.

Em 1971, uma nova lei de diretrizes e bases da educação transformou todo o ensino médio em técnico-profissionalizante, o que tinha como objetivos a profissionalização em massa da população brasileira e o controle da demanda pelo ensino superior. No entanto, essa determinação, que não chegou a ser efetivamente implantada, foi tornada facultativa por uma lei de 1982.

De acordo com a atual lei de diretrizes e bases da educação (Brasil, 1996), o ensino médio permite o ingresso no ensino superior, mas não tem como objetivo a preparação para o concurso vestibular, e sim o desenvolvimento global do educando e a preparação básica para o trabalho e a cidadania. A educação profissional de nível médio (cursos técnicos) não pode mais substituir o ensino médio regular, tendo-se transformado em uma forma de educação continuada.

Historicamente, o ensino secundário tinha por objetivo preparar os jovens das classes mais abastadas para o ingressar no ensino superior, enquanto o ensino técnico-profissionalizante de nível médio foi criado para suprir a demanda de profissionalização das classes menos favorecidas da sociedade (Brasil, 2001a; Catani e colaboradores, 1989; Pimenta, 1979/2001). Com o passar do tempo, houve, por parte do governo brasileiro, a intenção de universalizar o ensino profissional e de libertá-lo do estigma de ser um ensino de segunda classe; a criação de cursos tecnológicos (educação profissional de nível superior) tem sido uma das estratégias utilizadas. No entanto, o desejo de romper com esse preconceito ainda não foi satisfeito e ele continua sendo um problema de grande atualidade.

Paralelamente, o desenvolvimento do ensino superior no Brasil ocorreu não através de universidades, mas de faculdades isoladas, que não tinham como objetivo a produção de conhecimento, mas a profissionalização das classes mais altas da sociedade brasileira (Cunha, 2003). Desde o início do século XIX, o ingresso nas escolas superiores estava ligado à realização de exames de admissão eliminatórios, que foram chamados pela primeira vez de vestibular em 1915. A preparação para o ingresso no ensino superior, conseqüentemente a preparação para estes exames, era o objetivo principal do ensino médio propedêutico. Atualmente, embora o ensino superior contemple atividades de ensino, de pesquisa e de extensão (Brasil, 2001b) a ênfase, na maioria dos cursos, recai sobre a profissionalização e a formação técnica.

O desejo do jovem brasileiro de ingressar na educação superior não é, em princípio, um problema, até mesmo porque o Brasil é, atualmente, o país da América Latina com os menores índices de acesso à educação superior, contando com menos de 12% da população com idade entre 18 e 24 anos matriculada nesse nível de ensino (Brasil, 2001a). Em função dessa situação, o aumento de vagas e a democratização do acesso à educação superior são algumas das metas estipuladas pelo Plano Nacional de Educação (PNE), aprovado pela Lei nº 10.172 (Brasil, 2001a). Tais metas estão associadas a programas governamentais como o Universidade para Todos - PróUni - (Brasil, 2004b), que oferece bolsas de estudo em instituições privadas de educação superior a alunos de baixa-renda egressos de escolas públicas, e o Sistema Especial de Reserva de Vagas (Brasil, 2004c), que institui reserva de vagas nas instituições públicas federais de educação superior para alunos egressos de escolas públicas, com cotas específicas para negros e indígenas.

No entanto, segundo Lassance, Grocks e Francisco (1993), a entrada na universidade tem assumido para o jovem brasileiro um caráter de tarefa evolutiva em si mesma, como se o ingresso na educação superior fosse uma continuidade natural a ser assumida por quem termina o ensino médio e a única alternativa disponível de inserção no mundo do trabalho. Essa valorização da educação superior, principalmente dos cursos mais tradicionais, vem exercendo influência negativa sobre as diretrizes do ensino médio, que vem deixando de lado seu papel de preparação do jovem para o mundo adulto, conforme defendido pela LDB (Brasil, 1996), e se transformado em um veículo de preparação para o concurso vestibular.

Diferentes autores vêm discutindo o papel e as falhas da escola junto ao ensino médio e concordam que a preocupação central com a aprovação no vestibular tem empobrecido o estímulo ao comportamento exploratório vocacional e ao desenvolvimento de projetos profissionais entre os jovens, o que os leva a fazer escolhas pautadas basicamente na fantasia e em estereótipos (Bardagi, Lassance & Paradiso, 2003; D’Avila & Soares, 2003; Filmus, Kaplan, Miranda & Moragues, 1996/2002; Hortza & Lucchiari, 1998; Lassance e colaboradores, 1993; Lassance & Gocks, 1998; Magalhães & Redivo, 1998; Ramos, Rodrigues & Ramos, 1998; Ramos & Lima, 1996; Sarriera & Verdin, 1996; Sarriera, Chies, Falck, Giacomolli & Silva, 1994; Schiesse & Sarriera, 2004; Sparta, 2003; Teixeira, 2002). Como conseqüência dessa situação, os altos índices de evasão escolar na educação superior começam a se tornar um grave problema, como mostram estudos realizados na última década (Bardagi e colaboradores., 2003; Hortza & Lucchiari, 1998; Lucchiari, 1993; Ramos e colaboradores, 1996; Ramos e colaboradores., 1998).

Este estudo teve como objetivo verificar a importância atribuída ao ingresso na educação superior por alunos concluintes do ensino médio, tendo como base de comparação o sexo, o tipo de escola (pública e particular) e o nível de escolaridade parental (ensino fundamental, médio e superior) dos estudantes. As expectativas traçadas foram de que a escolha pela continuação dos estudos através da educação superior apresentar-se-ia como meta prioritária em detrimento de outras possibilidades de formação, principalmente a profissional, ou do ingresso imediato no mercado de trabalho. Tais expectativas apóiam-se na prática atual do ensino médio, voltado principalmente à preparação para o vestibular, e no empenho do governo federal em democratizar o acesso à educação superior.

 

MÉTODO

Participantes

Participaram do estudo 659 alunos da terceira série do ensino médio de oito escolas públicas (50,1%) e particulares (49,9%) da cidade de Porto Alegre (RS). Os participantes foram estudantes de ambos os sexos (54,8% de moças e 45,2% de rapazes), com idades entre 15 e 23 anos (M=16,8; DP=0,85). A seleção das escolas e dos alunos participantes da pesquisa foi feita de acordo com o critério de conveniência. As escolas selecionadas foram, entre as escolas contatadas, as quatro primeiras escolas públicas e as quatro primeiras escolas particulares que aceitaram participar do estudo. Os alunos foram selecionados pelas próprias escolas, de acordo com a disponibilidade de horário das turmas.

Instrumentos

Um questionário sócio-demográfico foi desenvolvido para levantar informações sobre idade, sexo, tipo de escola (pública e particular) e nível de escolaridade parental (fundamental, médio e superior). Para verificar a importância atribuída ao ingresso na educação superior, foi elaborada uma questão fechada que indicou cinco alternativas de possíveis atividades a serem assumidas pelos jovens após a conclusão do ensino médio (vestibular, curso prévestibular, curso profissionalizante, ingresso no mercado de trabalho e outros).

Procedimentos e Considerações Éticas

A coleta de dados foi feita de forma coletiva em sala de aula durante um período de aula dos alunos. Os estudantes receberam o questionário e foram solicitados a responder às questões formuladas. Antes da aplicação do questionário, uma breve explicação sobre os objetivos e as considerações éticas do estudo foi fornecida aos estudantes, juntamente com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para ser assinado.

 

RESULTADOS

Os dados coletados foram submetidos à análise estatística descritiva (freqüência) e inferencial (diferença de proporções), utilizando-se para tanto o Saltstat Statistics Package2. Os resultados analisados dizem respeito à percentagem total de escolha de cada alternativa proposta pelo instrumento (vestibular, curso pré-vestibular, curso profissionalizante, ingresso no mercado de trabalho e outros) e à influência do sexo, do tipo de escola e do nível de escolaridade parental sobre o percentual encontrado. As alternativas não foram mutuamente excludentes.

A Tabela 1 apresenta as diferenças nas escolhas das alternativas entre sexos e entre tipos de escola. Na comparação entre sexos foi encontrada diferença significativa apenas na escolha da alternativa outros. Os rapazes citaram com maior freqüência serviço ou carreira militar (2,0 %) e jogador de futebol (1,7 %). As moças citaram com maior freqüência concurso público (1,1 %) e estudo de línguas estrangeiras (1,1 %). As diferenças entre escolas nas escolhas dos demais itens foram claras, com alunos de escolas particulares maciçamente preferindo o vestibular. Note-se que, apesar da diferença entre os grupos ter sido significativa para a alternativa vestibular, essa foi escolhida com maior freqüência pelos dois grupos. As maiores concentrações em escolhas para curso pré-vestibular, curso profissionalizante e ingresso no mercado de trabalho ficaram com os alunos das escolas públicas.

Tabela 1 - Influência por sexo e por tipo de escola sobre as alternativas escolhidas

 

 

 

Sexo

 

Escola

 

Alternativas

n

F

M

 

Púb.

Part.

 

 

%

%

%

p

%

%

p

Vestibular

86,2

85,3

87,2

0,46

77,0

95,4

0,00

Curso Pré-Vestibular

34,6

34,.3

33,6

0,78

43,0

24,7

0,00

Curso Profissionalizante

20,2

20,5

19,8

0,75

35,5

4,9

0,00

Ingresso no Mercado de Trabalho

47,6

49,6

45,3

0,20

64,2

31,0

0,00

Outros

5,5

3,9

7,4

0,02

5,8

5,2

0,57

n

659

361

298

 

330

329

 

 

A Tabela 2 mostra a associação entre a escolaridade de mães e de pais sobre a freqüência de escolha das cinco alternativas. Os resultados indicaram que o nível de escolaridade das mães e dos pais estava relacionado com a freqüência de escolha das alternativas vestibular, curso pré-vestibular e curso profissionalizante.

 

DISCUSSÃO

O vestibular foi a escolha dominante entre as cinco alternativas de atividades possíveis a serem assumidas pelos jovens, após o término do ensino médio. Esse dado indica que o estudante do ensino médio atribui grande importância ao ingresso na educação superior. Em estudo recente, Sparta, Nachtigall e Bardagi (2003) indicaram que 20,7 % de uma amostra, composta por alunos da terceira série do ensino médio de escolas públicas e particulares de Porto Alegre, possuíam planos que excluíam o ingresso na educação superior. Os resultados do presente estudo mostraram que apenas 13,8 % da amostra não marcaram a alternativa vestibular. Tais diferenças, contudo, podem estar relacionadas às características das amostras pesquisadas. De qualquer modo, o propósito destes estudos é a exploração de uma tendência no comportamento estudantil e não uma inferência probabilística para toda a população.

A diferença de escolha entre sexo apareceu apenas na alternativa outros. A informação confirma os efeitos positivos de uma educação que não faz mais distinções entre os sexos. Neste sentido, a educação superior apresenta-se como uma oportunidade eminentemente igualitária. Quanto às especificidades, os rapazes mostraram interesse pelo serviço e a carreira militar, e a carreira de jogador de futebol. Tais atividades sugerem a procura por estabilidade profissional e a possibilidade de ingresso imediato no mercado de trabalho. Já a opção pela carreira de jogador de futebol parece estar diretamente ligada à tradição desse esporte no país que pode proporcionar, a quem tiver talento e perseverança, ascensão financeira e social. As moças, por sua vez, apontaram à realização de concursos públicos e o estudo de línguas estrangeiras como atividades alternativas, o que parece indicar preocupação com a estabilidade e com a qualificação profissional.

Com relação ao tipo de escola, os alunos das escolas particulares indicaram com maior freqüência a alternativa vestibular. Em contraste, os alunos das escolas públicas indicaram com maior freqüência as alternativas curso pré-vestibular, curso profissionalizante e ingresso no mercado de trabalho. A distribuição encontrada sugere que o tipo de escola está associado à escolha de atividades a serem realizadas após o término do ensino médio.

A freqüência de escolha pela alternativa vestibular foi maior tanto para os alunos das escolas particulares quanto das escolas públicas. Estes dados indicam que a importância atribuída ao ingresso na educação superior por estudantes do ensino médio é hegemônica, o que já havia sido apontado pela literatura (Sparta e colaboradores, 2003). Tal fato pode ser explicado pelo desejo de ascensão social das classes populares, tendo como estímulo a valorização das profissões de nível superior; e pela desvalorização de outras formas de ocupação em nossa sociedade.

Os alunos das escolas públicas consideraram o ingresso imediato no mercado de trabalho como uma opção relevante, mostrando-se interessados na formação profissionalizante. Esses resultados podem estar associados à situação socioeconômica dos participantes, já que a entrada imediata no mercado de trabalho subentende o aumento da renda familiar. Por outro lado, a importância atribuída pelos estudantes das escolas públicas à alternativa curso prévestibular pode ter relação com uma preocupação com a qualidade de formação escolar, questão esta já apontada pela literatura (Schiesse & Sarriera, 2000).

A escolaridade parental apareceu como uma variável de influência sobre a escolha das alternativas propostas pelo instrumento. Filhos de mães e pais com ensino superior foram os que mais escolheram a alternativa vestibular. Filhos de mães e pais com ensino médio foram os que mais marcaram a alternativa curso pré-vestibular. E filhos de mães e pais com ensino fundamental foram os que mais indicaram as alternativas curso profissionalizante e ingresso no mercado de trabalho. Tanto filhos de mães e pais com ensino superior quanto filhos de mães e pais com ensino médio e fundamental indicaram a alternativa vestibular com maior freqüência. No entanto, os filhos de mães e pais com ensino fundamental marcaram com a mesma freqüência a alternativa ingresso no mercado de trabalho. Esses resultados indicam que o ingresso na educação superior aparece como a alternativa mais freqüente, independente da influência da escolaridade parental sobre a escolha por caminhos a serem seguidos após o término do ensino médio.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados encontrados corroboram a idéia de que o ingresso na educação superior tem sido valorizado como alternativa principal de escolha para os jovens que chegam ao fim do ensino médio. Os dados informaram que o tipo de escola e o nível de escolaridade parental estão associados às escolhas dos jovens. No entanto, o interesse por educação superior parece estar consolidado entre os jovens.

O objetivo deste trabalho foi chamar a atenção para a pressão que a preparação para o ingresso na educação superior exerce sobre o ensino médio. Tal pressão faz com que o ensino médio deixe de lado seu papel de formação integral para centrar-se na preparação bem ou mal sucedida para o concurso vestibular das principais universidades, principalmente as públicas. Com efeito, há sobra de vagas em universidades particulares para muitos cursos. A preocupação excessiva com o concurso vestibular pode se sobrepor aos cuidados e considerações concernentes ao processo de escolha. Há um desestimulo ao desenvolvimento vocacional dos estudantes que, por sua vez, desconhecem as novas alternativas de educação superior e de educação profissional de nível superior previstas em lei. Uma das prováveis conseqüências da falta de informação sobre desenvolvimento de carreira é a evasão universitária (Gaioso, 2005). Outra, certamente seria a inadimplência nas escolas particulares, mas essa questão foge do âmbito desta discussão.

Os dados indicam que apesar do discurso do poder público em favor de uma educação profissional de maior qualidade e de uma educação superior mais ampla, a sociedade brasileira ainda se encontra extremamente influenciada por concepções antiquadas sobre tais esferas educacionais. Assim, as influências marcantes de escolha profissional acabam se reduzindo ao papel histórico do ensino médio como preparatório para a educação superior, à desvalorização da educação profissional como alternativa de estudo para a população carente ou para quem não tem interesse no ensino superior, e a percepção da educação superior como alternativa de profissionalização de maior status social. Em contraste, os dados alertam aos gestores de ensino superior sobre a necessidade de adequação do oferecimento de cursos e das condições de ensino às expectativas do jovem e do mundo contemporâneo. Certamente, a complexidade do mundo atual requer maior tempo de formação e treinamento, o que não será de modo algum atendido pela estrutura tradicional do ensino superior, preparando alunos para campos de trabalho à beira do esgotamento ou para o bacharelismo.

Os dados oferecidos pelo presente estudo instigam especulações diversas sobre as políticas educacionais e o marketing de instituições privadas para recrutamento de candidatos ao ensino superior. No entanto, o método utilizado não permitiu a investigação de causas sociais ou políticas na percepção dos adolescentes sobre o processo de escolha. Qualquer interpretação neste sentido seria pura especulação. Sendo assim, são necessárias novas pesquisas que complementem e aprofundem o assunto e permita uma maior compreensão desse fenômeno.

 

REFERÊNCIAS

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Recebido: 10/03/05
1ª revisão: 27/11/05
2ª revisão: 17/03/06
Aceite final 22/03/06

 

 

2 Programa de acesso gratuito disponível na web: http://saltstat.sunsite.dk. Última consulta em 25/11/2005.

 

1 Endereço para correspondência: Instituto de Psicologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Rua Ramiro Barcelos, 2600, 90035-003, Porto Alegre, RS. E-mail: msparta@uol.com.br; gomesw@ufrgs.br

 

Sobre os autores
* Mônica Sparta é Psicóloga com formação em Orientação Profissional, Mestre em Psicologia do Desenvolvimento e Doutoranda em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
** William Barbosa Gomes é Psicólogo, Especialista em Aconselhamento Psicológico pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas), mestre em Reabilitação, Administração e Serviços e Doutor em Educação Superior pela Southern Illinois University-Carbondale (SIUC-EUA) e Professor Adjunto da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

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