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Revista Brasileira de Orientação Profissional

versão On-line ISSN 1984-7270

Rev. bras. orientac. prof v.6 n.2 São Paulo dez. 2005

 

ARTIGOS

 

 

Personalidades vocacionais, generatividade e carreira na vida adulta

 

Vocational personalities, generativity and career in adult life

 

Personalidades vocacionales, generatividad y carrera en la vida adulta

 

 

Mauro de Oliveira MagalhãesI 1 *; William Barbosa GomesII **

I Universidade Luterana do Brasil, Canoas
II Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre

 

 


RESUMO

A generatividade foi descrita por Erikson como a preocupação com o desenvolvimento da comunidade humana e o bem-estar das próximas gerações. Em nossa cultura, a atividade profissional é percebida como a forma mais significativa de contribuição individual para a sociedade. Esta pesquisa investigou relações entre generatividade e comportamentos relacionados à carreira profissional. Essa relação foi examinada em grupos definidos pelo tipo de interesse vocacional. Os sujeitos foram 733 profissionais (415 homens e 318 mulheres) com idades entre 25 e 65 anos e com, no mínimo, cinco anos de carreira profissional. Os sujeitos responderam a medidas de interesses vocacionais, generatividade, comprometimento com a carreira e entrincheiramento na carreira. A generatividade correlacionou positivamente com o comprometimento e negativamente com o entrincheiramento. Essas correlações se mostraram diferentes na dependência do tipo de interesse vocacional, revelando que fatores de personalidade podem mediar a relação entre generatividade e carreira.

Palavras-chave: Generatividade, Carreira, Interesses vocacionais.


ABSTRACT

Erikson described generativity as the concern with the development of human communities and the welfare of next generations. In our culture, professional activity is considered to be the main individual contribution to society. This research investigated the relations between generativity and occupational career. This relationship was examined across groups defined according to type of vocational interest. The subjects were 733 workers (415 men and 318 women) with ages ranging from 25 to 65 years and with a minimum of 5 years of occupational career. The subjects answered measure instruments of vocational interests, generativity, career commitment and career entrenchment. Generativity showed positive correlation with career commitment and negative correlation with career entrenchment. Those correlation were different depending on the type of Vocational interest. The results suggested that personality variables may mediate the relationship between generativity and career.

Keywords: Generativity, Career, Vocational interests.


RESUMEN

La generatividad fue descrita por Erikson como la preocupación por el desarrollo de la comunidad humana y el bienestar de las próximas generaciones. En nuestra cultura, la actividad profesional se percebe como la forma más significativa de contribución individual a la sociedad. Este trabajo investigó la relación entre generatividad y comportamientos relacionados a la carrera profesional. Esta relación se examinó en grupos definidos por el tipo de interés vocacional. Los sujetos fueran 733 profesionales (415 hombres y 318 mujeres) con edades de entre 25 y 65 años y con un mínimo de cinco años de carrera profesional. Los sujetos respondieron a medidas de interés vocacional, generatividad, comprometimiento con la carrera y atrincheramiento en la carrera. La generatividad se relacionó positivamente con el comprometimiento y negativamente con el atrincheramiento. Estas relaciones fueran diferentes de acuerdo con el tipo de interés vocacional, revelando que factores de personalidad pueden mediar la relación entre generatividad y carrera.

Palabras clave: Generatividad, Carrera, Interés vocacional.


 

 

No modelo de estágios de vida de Erikson (1998), a generatividade é a questão crucial do desenvolvimento humano na adultez média. Na sua concepção, uma vez que o indivíduo tenha consolidado sua identidade pessoal e estabelecido laços duradouros de intimidade através do casamento e/ ou amizades, ele estará pronto para comprometerse com o mundo social mais amplo, preocupandose com a continuidade e aperfeiçoamento deste. Ou seja, o sentimento de generatividade leva o sujeito a cuidar, ensinar, liderar e promover o bem-estar da próxima geração. De acordo com McAdams e de St. Aubin (1998), a generatividade é um processo que vincula o desejo do indivíduo por uma imortalidade simbólica com a demanda cultural de preocupação com as próximas gerações. Esta preocupação, reforçada pela crença na bondade ou validade do empreendimento humano, levará o sujeito a ações generativas na busca da construção de um legado para a posteridade. A resolução satisfatória das preocupações generativas advém, em grande parte, da definição de qual legado será oferecido às próximas gerações. A generatividade inclui todos os produtos e realizações que beneficiam o sistema social e promovem sua continuidade e melhoria. Portanto, as produções resultantes da vida profissional podem ser fundamentais para a experiência da generatividade (Erikson, 1998).

O trabalho é um dos aspectos mais relevantes da identidade individual, tal como o próprio nome, o sexo e a nacionalidade (Erikson, 1976). O sucesso e a satisfação no trabalho e na família reafirmam o senso de identidade individual e trazem o reconhecimento social da mesma. Embora esta estreita ligação entre identidade e ocupação possa ser mais verdadeira para indivíduos situados em profissões de nível universitário (“Eu sou um advogado... médico... psicólogo”), as características ocupacionais normalmente se refletem em atitudes, valores e posições políticas, associadas a fatores como classe social e nível de instrução. O tipo de trabalho exercido influencia as metas definidas para a vida e as recompensas que o sujeito espera alcançar com as mesmas (Havighurst, 1982). A identidade individual depende e é alterada pelos relacionamentos sociais. Por outro lado, a participação em atividades sociais fora do âmbito profissional geralmente não é tão importante para o estabelecimento da identidade e do status social quanto as atividades de trabalho (Vondracek, 1998). Neste sentido, o estabelecimento e a consolidação do sujeito nos papéis profissionais são de grande importância para a vivência da generatividade, que pode ser entendida como a experiência adulta da identidade (McAdams & de St. Aubin, 1998).

Por outro lado, não são todas as pessoas que experienciam o trabalho como algo central na vida. Carter e Cook (1995) descreveram três níveis de apego ao papel de trabalho. De acordo com os autores, existem indivíduos que não experienciam o trabalho com uma fonte importante de identidade. Nestas pessoas, o interesse no trabalho pode advir de motivos financeiros ou de interação social, mais do que da necessidade de viver o papel de trabalhador. Este nível foi denominado de “baixo apego ao papel de trabalho”. (Carter & Cook, 1995, p.72) Há pessoas que necessitam ocupar um papel formal de trabalho para se sentirem produtivas, não importando o conteúdo específico da tarefa. Este nível de apego foi denominado de “indivíduo produtivo”, também descrito como aquele que atende à ética protestante do trabalho. (Carter & Cook, 1995, p.73) E por fim, existem indivíduos fortemente identificados com um emprego ou profissão específica, e acreditam que estes oferecem uma fonte de identidade insubstituível. Este nível de apego foi denominado de “trabalho como o self”. (Carter & Cook, 1995, p.73)

Sabe-se que as tendências contemporâneas do mundo do trabalho - contratos temporários, insegurança no emprego, mudanças tecnológicas aceleradas - apresentam obstáculos importantes a uma vivência de estabilidade ou consolidação de carreira. Estes processos têm gerado reflexões sobre o projeto e estilo de vida das pessoas na atualidade, pois significam novos imperativos para o comportamento dos indivíduos com relação as suas carreiras profissionais. Se a estrutura ocupacional estável do passado não demandava a iniciativa e a criatividade em alto grau, o cenário emergente requer o planejamento independente da vida e da carreira. Os conhecimentos, tecnologias e práticas profissionais renovam-se em ritmo acelerado, exigindo que os sujeitos mobilizem-se continuamente para manter suas posições de trabalho através da atualização de suas credenciais (Zunker, 1994). As pesquisas sobre o comportamento vocacional (e.g. Brown, George-Curran & Smith, 2003; Freund, 2005) têm utilizado o construto comprometimento de carreira para caracterizar a qualidade e a intensidade do envolvimento do sujeito na sua vida de trabalho. No modelo de Carson e Bedeian (1994), o comprometimento de carreira é composto de três dimensões: identidade, planejamento e resiliência. A identidade é a importância da atividade profissional para o autoconceito do indivíduo. O planejamento significa a definição de estratégias e metas para o desenvolvimento da carreira. E a resiliência significa a percepção de que os desgastes associados à atividade profissional não são demasiados ou prejudiciais à vida pessoal. A resiliência refere-se, portanto, à capacidade para tolerar aspectos desagradáveis da atividade profissional e perceber os aspectos positivos como compensadores destas dificuldades.

Em resposta à insegurança e à turbulência do mercado atual, muitos trabalhadores têm decidido criar novas alternativas de vida e carreira. Entre estas possibilidades estão a abertura de um empreendimento próprio, a diversificação da capacitação profissional e a mudança de emprego. Porém, há aqueles profissionais que ficam imobilizados em suas posições de trabalho, incapazes ou desinteressados pela busca de novos desafios de carreira (Carson & Carson, 1997). Este comportamento foi denominado de entrincheiramento e definido como um processo de estagnação da carreira no qual o sujeito não apresenta aspectos de adaptabilidade ou motivação para encontrar alternativas de desenvolvimento profissional (Carson, Carson & Bedeian, 1995). O entrincheiramento é composto de três dimensões: custos emocionais, investimentos de carreira e falta de alternativas. Estas três dimensões expressam tipos diferentes de empecilhos percebidos pelo sujeito para fazer uma transição na carreira. Os custos emocionais significam a magnitude percebida do dano emocional implicado no caso de uma mudança na carreira, revelando o grau de apego do sujeito à sua área de trabalho. Os investimentos de carreira incluem as estimativas de perda de investimentos em educação para a área de trabalho atual, a perda do tempo de dedicação à mesma, e os prejuízos financeiros decorrentes de uma mudança. A falta de alternativas quer dizer a percepção da disponibilidade e da diversidade de opções de carreira no caso de uma transição.

Os comportamentos de carreira (comprometimento e entrincheiramento) e a generatividade referem-se aos dois âmbitos básicos da experiência humana em nossa cultura: o âmbito do trabalho e da realização profissional, e o âmbito da vida social e das motivações comunais. As pesquisas de McAdams e Azarow (1996) e De St. Aubin e McAdams (1995) encontraram relações entre generatividade e medidas de satisfação na vida/felicidade e bem-estar. E a meta-análise conduzida por Tseng (2004) revelou que o comprometimento com a carreira é um correlato importante da satisfação no emprego. Deste modo, a relação entre generatividade e comportamentos de carreira encontra paralelo nas pesquisas sobre a relação entre satisfação na vida e satisfação no emprego. A literatura aponta três hipóteses sobre esta relação: transbordamento, compensação e segmentação (Murphy & Zelenski, 2005). A hipótese de transbordamento supõe uma associação positiva entre satisfação no emprego e satisfação na vida, onde as vivências de satisfação num contexto afetariam o outro no mesmo sentido. A idéia da compensação sugere que quando ocorre insatisfação em um domínio, o indivíduo irá procurar compensar este déficit no outro. Portanto, uma correlação negativa entre estas variáveis seria esperada. E a hipótese da segmentação sugere que não há correlação significativa entre construtos relativos a satisfação na vida e satisfação no trabalho. As pesquisas, em sua maioria, apóiam a concepção de transbordamento. Porém, em menor escala, também apresentam evidências favoráveis às demais hipóteses (Judge & Watanabe, 1994). Judge e Watanabe (1994) encontraram que a relação entre satisfação na vida e no emprego é positiva para a maioria das pessoas, mas não para todas, e argumentaram que diferenças individuais são mediadores importantes deste processo. De acordo com Murphy e Zelenski (2005), a pesquisa de traços de personalidade mediadores das relações entre satisfação na vida e no emprego, embora recomendável, ainda é incipiente. Os autores sugeriram que esta abordagem pode ser útil no entendimento destas variáveis e suas relações.

Deste modo, considerando uma analogia entre a relação entre generatividade e comprometimento de carreira e a relação entre satisfação na vida e no emprego, algumas sugestões podem ser feitas. No caso de uma associação positiva entre generatividade e comprometimento de carreira, esta corroboraria uma hipótese que, ao invés do termo transbordamento, poderia ser denominada de sinergia ou complementaridade entre as atividades generativas dentro e fora do contexto formal de trabalho. Uma correlação negativa poderia ser interpretada como a compensação de frustrações generativas no trabalho através de outras atividades na comunidade, e viceversa. E a ausência de correlação apoiaria uma hipótese de independência entre generatividade e carreira profissional.

Inúmeras pesquisas trouxeram evidências de relações entre personalidade e comportamentos de carreira (e.g., Holland, 1997), e entre personalidade e generatividade (e.g., Bradley & Marcia, 1998), sugerindo que as relações entre generatividade e comportamentos de carreira também sejam mediadas por diferenças individuais. Os níveis de apego ao papel de trabalho, descritos por Carter e Cook (1995), parecem atuar neste sentido. Ora, considerando variações na importância da atividade profissional para a identidade do indivíduo, quanto maior o grau de apego e identificação com a mesma tanto mais positiva será a relação entre comportamentos de carreira e generatividade. Sobre este aspecto, Magalhães (2005) encontrou relações entre o tipo de interesse vocacional e a magnitude do apego emocional do indivíduo a sua atividade de trabalho.

A tipologia de interesses vocacionais de Holland (1997) apresenta um modelo de personalidade associado ao contexto do trabalho. O autor propõe que os membros de uma profissão têm personalidades similares e também histórias similares de desenvolvimento pessoal. As pesquisas geradas pelo modelo corroboram estas idéias e, de acordo com Isaacson e Brown (1999), fazem-no o mais influente no campo da Psicologia das Carreiras. Para Holland (1997), em nossa cultura, as pessoas podem ser classificadas de acordo com seis tipos de interesse ou personalidade vocacional: realista, investigativo, artístico, social, empreendedor e convencional (R, I, A, S, E, C). O tipo realista prefere tarefas que exijam habilidades técnicas e destreza física, através da manipulação de objetos, ferramentas e máquinas. O investigativo tem preferência por aspectos teóricos e abstratos, preferindo atividades que envolvam raciocínio e entendimento. O artístico prefere usar a intuição e a criatividade, e tende a ser desordenado e passional. A inclinação social preocupa-se com o bem-estar de pessoas dependentes e confia mais nos sentimentos do que em recursos intelectuais. O empreendedor quer realizar suas ambições de sucesso e busca as pessoas para dirigi-las, influenciá-las e persuadi-las na busca de seus objetivos. O tipo convencional caracteriza-se por ser metódico e conservador. Nas últimas décadas, os tipos de Holland têm se mostrado consistentemente relacionados com fatores de personalidade. As inclinações realistas e investigativas apresentaram traços de introversão e carência de habilidades sociais. As tendências artísticas e investigativas correlacionaram com a abertura à experiência. O tipo social está associado com traços de amabilidade e extroversão. O interesse empreendedor se caracterizou por traços de extroversão e assertividade. E o interesse convencional mostrou inclinação para a disciplina, responsabilidade e necessidade de realização (Larson, Rotinghaus & Borgen, 2002).

Magalhães (2005) examinou as correlações entre identidade de carreira (dimensão de comprometimento) e custos emocionais (dimensão de entrincheiramento) em cada tipo vocacional. Sugere-se que esta análise possa indicar o grau de apego do indivíduo à sua atividade profissional, considerando o custo emocional que este percebe no caso de uma transição de carreira. As magnitudes destas correlações em cada tipo vocacional, da maior para a menor, foram as seguintes: investigativo (r = 0.63, p < 0.01), artístico e social (r = 0.56, p < 0.01), empreendedor (r = 0.32, p < 0.05), realista (r = 0.26, p < 0.05) e convencional (r = 0.20, ns). De acordo com os autores, estes achados indicam que indivíduos com interesses predominantemente investigativos, artísticos e sociais apresentem um apego mais elevado a sua atividade específica de trabalho, pois os custos emocionais de uma transição de carreira seriam maiores em comparação com indivíduos caracterizados pelos interesses realistas, empreendedores e convencionais.

Portanto, esta pesquisa investigou relações entre comportamentos de carreira (comprometimento e entrincheiramento) e generatividade, considerando as preocupações generativas como a questão central da identidade na vida adulta (Mcadms & de St. Aubin, 1988) e a importância do trabalho para o autoconceito e a identidade em nossa cultura. O estudo partiu da hipótese de uma associação positiva entre comprometimento com a carreira e generatividade, e de uma relação inversa entre entrincheiramento e generatividade. E, a fim de explorar mediadores disposicionais desta relação, os resultados foram analisados nos grupos constituídos pelo tipo de interesse vocacional.

 

MÉTODO

Participantes

Participaram do estudo 733 profissionais (415 homens e 318 mulheres) com idades entre 25 e 65 anos (média = 41,1) e com, no mínimo, 5 anos de carreira profissional.

Instrumentos e Procedimentos

Os sujeitos responderam a quatro instrumentos: escala de generatividade, escala de comprometimento de carreira, escala de entrincheiramento de carreira e escala de personalidades vocacionais. Todos os instrumentos foram respondidos numa escala Likert de 5 pontos A escala de generatividade (McAdams & de St. Aubin, 1998), composta de 20 itens, obteve índice de consistência interna (alpha de Cronbach) de 0.83. A escala de comprometimento de carreira (Carson & Bedeian, 1994) possui 12 itens e 3 fatores, a saber: identidade, resiliência e planejamento. A escala apresentou consistência interna de 0.82. Para os fatores identidade, resiliência e planejamento, os índices de consistência interna foram, respectivamente 0.75, 0.72 e 0.76. A escala de entrincheiramento de carreira (Carson, Carson & Bedeian, 1995) possui 12 itens e três fatores com 4 itens cada, a saber: investimentos de carreira, custos emocionais e falta de alternativas. A escala apresentou consistência interna (alpha de Cronbach) de 0.84. Para os fatores investimentos, custos emocionais e falta de alternativas, os índices de consistência interna foram, respectivamente 0.75, 0.73 e 0.72. A escala de personalidades vocacionais corresponde a escala de atividades do Self Directed Search (SDS - Holland, 1997). É constituída de seis conjuntos de 11 itens correspondentes aos seis tipos de interesse vocacional (R, I, A, S, E, C). Esta escala mostrou qualidades psicométricas satisfatórias em amostras brasileiras (Balbinotti, Magalhães, Callegari & Fonini, 2004). Os sujeitos assinalaram o quanto gostam ou não destas atividades. Os sujeitos responderam aos instrumentos no local de trabalho ou estudo. Após esclarecimentos sobre a pesquisa, os sujeitos assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

Delineamento

Foram realizadas provas de correlação de Pearson entre as medidas de generatividade, comprometimento e entrincheiramento na carreira na amostra total e em cada categoria de tipo vocacional. Foram criados os seis agrupamentos de personalidade vocacional de acordo com o interesse mais elevado (R, I, A, S, E, C). O interesse predominante foi definido a partir dos escores brutos, considerando as diferenças intrasujeito, de acordo com as recomendações de Holland (1997).

 

RESULTADOS

Na amostra total, as correlações (Tabela 1) mostraram associação positiva entre generatividade e comprometimento de carreira, respectivamente nos fatores identidade (r = 0.41), planejamento (r = 0.45), e com resiliência a correlação é inferior (r = 0.11), mas ainda significativa (p < 0.05). A associação é baixa e negativa entre generatividade e o resultado total de entrincheiramento de carreira (r = -0.14), sendo superior, e ainda negativa, na dimensão falta de alternativas (r = -0.36, p < 0.01).

Tabela 1 - Correlações entre Generatividade e Dimensões de Comprometimento e Entrincheiramento de Carreira (N = 733).

 

 

Para cada tipo vocacional apresentam-se na Tabela 2 as correlações entre generatividade e comportamentos de carreira. Nos seis grupos definidos pelos tipos vocacionais, os coeficientes são positivos entre generatividade e comprometimento de carreira, e ainda nos fatores identidade de carreira e planejamento de carreira. Contudo, no fator resiliência as correlações são baixas e apenas significativa (r = 0.17, p < 0.01) nos resultados do grupo de tipo social. Nas correlações dos resultados da generatividade e de entrincheiramento de carreira, no grupo de tipo realista o coeficiente é negativo e significativo (r = -0.33, p < 0.01), e neste grupo as correlações são ainda negativas e significativas, respectivamente nos fatores investimento de carreira (r = -0.30, p < 0.05) e falta de alternativa (r = -0.47, p < 0.01). Salienta-se que em todos os grupos definidos pelo tipo vocacional, os resultados das escalas generatividade e falta de alternativa mostram correlações superiores a 0.30, estatisticamente significativas e negativas, denotando uma relação inversa entre as duas dimensões em todos os grupos. Na Tabela 2 se observam ainda correlações significativas entre os resultados de generatividade e de entrincheiramento de carreira, no grupo de tipo empreendedor (r = -0.21, p < 0.01), e entre generatividade e custo emocional nos grupos social (r = 0.20) e empreendedor (r = -0.12), sendo negativo este último coeficiente.

Tabela 2 - Correlações entre Generatividade e Comportamentos de Carreira para cada Tipo Vocacional

 

 

DISCUSSÃO E CONCLUSÕES

A relação positiva entre generatividade e comprometimento com a carreira é coerente com a importância do trabalho para a vivência de aspectos como identidade, auto-estima, reconhecimento e inclusão social. O comprometimento com a carreira também pode significar a preocupação com o reconhecimento da própria contribuição para o desenvolvimento da comunidade e da espécie humana, ou seja, uma preocupação generativa. As correlações entre generatividade e comprometimento de carreira sugerem a sinergia ou complementaridade entre as atividades generativas situadas no contexto da vida profissional e as demais atividades significativas do indivíduo na comunidade, tais como a participação em movimentos sociais, trabalho voluntário, associações civis, clubes, etc.

Entre as dimensões do comprometimento, a identidade e o planejamento mostraram-se mais importantes para a generatividade do que a resiliência de carreira. Portanto, a importância do trabalho para a identidade do indivíduo tende a fortalecer a relação entre generatividade e comprometimento de carreira. Por outro lado, o planejamento da carreira é o aspecto dinâmico do comprometimento, pois embora a identidade seja uma variável relevante para a escolha de uma ocupação e para a permanência do sujeito na mesma, o planejamento refere-se à disposição para fazer algo com respeito a esta escolha, isto é, em relação ao efetivo desenvolvimento da carreira. Neste sentido, o planejamento parece revelar aspectos atitudinais importantes em termos generativos, indicando a disposição do indivíduo para a realização generativa através do trabalho.

A resiliência de carreira (dimensão de comprometimento) se mostrou associada à generatividade somente no grupo de sujeitos de interesse social. Considerando a preocupação generativa como um movimento espontâneo do indivíduo na direção do bem comum, este processo não implica, necessariamente, na percepção de menor ou maior sacrifício em prol da comunidade. Porém, nos sujeitos de personalidade tipicamente social a generatividade parece significar a capacidade de tolerar e superar os desgastes inerentes ao trabalho. Além disto, somente no tipo social, a generatividade correlacionou positivamente com os custos emocionais de uma transição de carreira (dimensão de entrincheiramento). Estas correlações sugerem que, para o tipo social, a generatividade implica num envolvimento emocional significativo no trabalho e na capacidade de superar experiências desagradáveis relacionadas ao mesmo. Talvez esta seja a razão de altos índices de burn-out em profissões de ajuda (Gabassi, Cervai, Rozbowsky, Semeraro & Gregori, 2002).

A falta de alternativas de carreira correlacionou negativamente com generatividade em todos os tipos vocacionais. Ora, a generatividade está ligada à capacidade de criar e mudar o estabelecido na busca de novas realizações que contribuam para o melhoramento da vida humana. E a falta de alternativas de carreira expressa a dificuldade do indivíduo para contribuir profissionalmente num espectro mais amplo de atuação, revelando sua incapacidade de gerar alternativas e/ou encontrar novos canais de realização profissional e, consequentemente, obter novas possibilidades de generatividade. Sendo assim, a relação inversa entre generatividade e entrincheiramento revela as polaridades opostas de uma dimensão comum a estes construtos, que pode ser descrita como uma maior ou menor disposição para a criatividade e a inovação.

Tipos realistas e empreendedores foram os únicos a apresentar correlações negativas entre escores de entrincheiramento e generatividade. Isto sugere que indivíduos de personalidade predominantemente realista ou empreendedora sentem-se particularmente desconfortáveis e estagnados em suas vidas quando entrincheirados na carreira, pois, além da falta de alternativas, também tendem a perceber os investimentos na sua área profissional (tipos R) e os custos emocionais de uma transição (tipos E) como fatores opostos à generatividade. Ou seja, as correlações encontradas sugerem que o apego à posições ou áreas de carreira tem impacto negativo na generatividade de tipos realistas e empreendedores. Eles tenderiam a perceber este tipo de vínculo como uma restrição indesejável. Uma possibilidade de entendimento destes dados refere-se à consideração do significado do papel de trabalho para estas pessoas. Ora, para alguns indivíduos, o conteúdo da atividade de trabalho pode não ser a fonte principal do sentimento de identidade (Carter & Cook, 1995). O tipo empreendedor pode perceber a sua identidade mais conectada com a capacidade de iniciar e implementar empreendimentos que abandonará num curto ou médio prazo a fim de se dedicar a outro desafio. Portanto, ele pode participar de empreendimentos variados ao longo de sua carreira sem obter o seu senso de identidade a partir do conteúdo intrínseco dos mesmos. De acordo com Nordvik (1996), o interesse empreendedor está associado com a necessidade de estimulação e a preferência pelo trabalho administrativo em contraposição ao desenvolvimento de habilidades técnicas específicas. Enfim, a identificação com uma área de especialidade técnica não é característica do tipo empreendedor, mas sim de tipos investigativos. Estes últimos apresentaram uma correlação positiva entre custos emocionais e generatividade, que, embora baixa e não significativa, sugere uma contraposição à tendência empreendedora e indica que tipos investigativos não percebem o entrincheiramento como um empecilho a generatividade. Sobre este aspecto, no estudo de Magalhães (2005), os tipos investigativos se mostraram mais entrincheirados na carreira em comparação com tipos empreendedores e realistas, devido à percepção de maiores custos emocionais no caso de uma transição de carreira. No mesmo estudo, tipos investigativos mostraram-se os mais apegados ao conteúdo específico da sua tarefa profissional, em contraste com tipos convencionais, realistas e empreendedores.

Outras pesquisas também sugeriram que tipos realistas e empreendedores se preocupam mais com os aspectos extrínsecos da tarefa (salário, status, promoções) e, portanto, sentem-se menos apegados afetivamente a áreas específicas de trabalho, adotando uma postura mais generalista (e.g., Amabile, Hill, Hennessey & Tighe, 1994). Neste sentido, as correlações encontradas no presente estudo indicam que alguns indivíduos experienciam o apego emocional a uma tarefa, emprego ou área específica como particularmente problemático em termos da sua realização generativa. Em contraste, para outros trabalhadores a generatividade parece implicar num grau mais elevado de apego emocional as suas atividades de trabalho.

Esta pesquisa corroborou uma hipótese de complementaridade entre as atividades generativas empreendidas dentro e fora dos papéis profissionais. As relações entre generatividade e comportamentos de carreira foram influenciadas pelo tipo de interesse vocacional. Estas diferenças individuais mostraram-se mais influentes nas relações entre generatividade e entrincheiramento na carreira. O entrincheiramento associado com a intensidade do envolvimento emocional no trabalho se revelou favorável para a generatividade em tipos sociais. De modo semelhante, tipos investigativos não percebem este vínculo como desfavorável a generatividade. Em contraste, tipos empreendedores experienciam este envolvimento como prejudicial para a sua experiência de generatividade. Ora, as atividades profissionais do tipo social requerem mais investimento emocional, e tipos investigativos valorizam o aperfeiçoamento de competências específicas, enquanto as atividades empreendedoras requerem comportamentos de desapego e abertura para transições. Enfim, as preferências vocacionais parecem ter implicações no modo como os indivíduos conduzem as suas carreiras no sentido de contribuir socialmente e deixar o seu legado para a posteridade.

 

REFERÊNCIAS

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Recebido em: 03/10/05
1ª revisão: 12/12/05
Aceite Final: 22/01/06

 

 

1 Endereço para correspondência: Rua Sinimbu, 78, apto 303, 90470-470, Porto Alegre, RS. E-mail: mauro.m@terra.com.br

 

Sobre os autores
* Mauro de Oliveira Magalhães é psicólogo Doutor em Psicologia do Desenvolvimento de Carreiras, professor da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), vice-presidente da ABOP.
** William Barbosa Gomes é professor do Progama de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, bolsista Produtividade CNPq.

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