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Revista Brasileira de Orientação Profissional

versão On-line ISSN 1984-7270

Rev. bras. orientac. prof v.7 n.2 São Paulo dez. 2006

 

RESENHA

 

 

Para refletir sobre a avaliação psicológica na orientação profissional1

 

 

Marco Antônio P. Teixeira* 2; Maria Célia P. Lassance**

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

 

 

A literatura sobre avaliação psicológica na área de orientação profissional e desenvolvimento de carreira, em língua portuguesa, é extremamente limitada. Por isso, o livro Avaliação Psicológica em Orientação Escolar e Profissional, coordenado por Lígia Mexia Leitão e publicado em Portugal em 2004, representa uma contribuição importante para a comunidade de profissionais e pesquisadores que se ocupa dessa temática. O livro está organizado em sete partes e treze capítulos, abrangendo diversos aspectos envolvidos na avaliação psicológica no campo vocacional.

A primeira parte introduz o tema da avaliação psicológica em orientação vocacional, e traz um capítulo de Mark Savickas no qual é apresentado um modelo conceitual de avaliação de carreira, relacionando diversos tipos de demanda em orientação profissional com diferentes enfoques teóricos, instrumentos de avaliação e modalidades de intervenção. Merece destaque a distinção feita pelo autor entre vários tipos de intervenções de carreira: a colocação profissional, a orientação, o aconselhamento, a educação para a carreira, a terapia e o treino. Para cada uma dessas modalidades de intervenção, o texto apresenta sugestões de estratégias de avaliação específicas. Trata-se de uma boa introdução ao tema da avaliação psicológica em orientação profissional e que fornece valiosas indicações de intervenção em relação às diversas demandas que chegam aos orientadores.

A segunda parte aborda o tema da entrevista de avaliação na orientação profissional, sendo também composto por um capítulo. As autoras Lígia Leitão e Ludovina Ramos definem a entrevista como um diálogo através do qual o sujeito poderá vir a conhecer mais sobre si mesmo e definir seus projetos de carreira. A partir dessa compreensão abrangente do conceito de entrevista, as autoras descrevem como diferentes abordagens teóricas entendem o processo de entrevista na orientação profissional, destacando os principais aspectos de cada abordagem.

Na terceira parte do livro é abordada a avaliação das aptidões no contexto da orientação vocacional. O capítulo sobre inteligência, de Leandro Almeida e Mário Simões, discute diferentes abordagens teóricas à inteligência e descreve alguns testes validados em Portugal, assim como suas aplicações nos âmbitos escolar e vocacional. O capítulo seguinte, de Lígia Leitão, trata da avaliação do potencial de aprendizagem. O conceito de potencial de aprendizagem é entendido como uma alternativa à noção tradicional de inteligência, sendo definido como a capacidade de aprender apresentada pelo indivíduo quando este pode experimentar situações de aprendizagem favoráveis à expressão de suas potencialidades. Além dos aspectos teóricos envolvidos, a autora também descreve uma estratégia de avaliação dinâmica do potencial de aprendizagem. Por sua vez, Helena Pinto traz uma reflexão sobre a avaliação das aptidões na orientação vocacional, apresentando uma perspectiva histórica do conceito e de seu uso em diversos modelos teóricos de orientação, juntamente com a descrição de alguns instrumentos de avaliação de aptidões existentes em Portugal.

Os valores e interesses constituem o tema da quarta parte do livro. Os valores são abordados por Maria Eduarda Duarte, que examina o desenvolvimento histórico do conceito de valores na psicologia, bem como suas relações com outros construtos como motivação, interesses e papéis vitais. A avaliação dos valores e sua aplicação no âmbito vocacional são discutidos considerando modelos como os de traço-e-fator e desenvolvimentista. Outro conceito central na área de orientação profissional, os interesses constituem o tema tratado por Lígia Leitão e José Miguel no capítulo seguinte do livro. Os autores apresentam uma revisão teórica sobre o conceito de interesse, além de discutirem a origem, a estrutura e o desenvolvimento dos interesses no plano individual. São ainda abordadas diferentes estratégias de avaliação de interesses vocacionais (quantitativas e qualitativas), e descritos alguns instrumentos disponíveis, suas características psicométricas e modelos teóricos subjacentes.

O desenvolvimento de carreira é o tema da quinta parte do livro. No primeiro capítulo desta parte, José Tomás da Silva aborda o conceito de maturidade de carreira, sua evolução histórica e relação com outros construtos, e analisa os principais instrumentos de avaliação disponíveis no cenário internacional e português. A seguir, Maria do Céu Taveira trata da exploração vocacional, discutindo o significado do construto, sua origem e modos de avaliálo. A indecisão vocacional é abordada na seqüência por José Tomás da Silva. O autor discorre sobre a evolução do conceito de indecisão e descreve alguns dos instrumentos mais utilizados para avaliá-lo. No último capítulo desta parte, Maria Paula Paixão enfoca a avaliação dos processos motivacionais envolvidos na orientação vocacional. A autora faz uma revisão teórica do conceito de motivação, enfatizando as suas implicações para o comportamento vocacional. Outros conceitos relacionados a processos motivacionais no contexto de desenvolvimento de carreira, como estabelecimento de objetivos, organização subjetiva de futuro, crenças de auto-eficácia, percepção de barreiras e estilo atribucional, também são discutidos pela autora, juntamente com comentários sobre instrumentos usados para avaliar essas variáveis.

A sexta parte, dedicada à avaliação do contexto, traz um capítulo de Fred Vondracek no qual é apresentado um modelo de avaliação que busca integrar tanto os aspectos individuais quanto os ambientais e sociais que concorrem para o desenvolvimento de carreira. O autor chama esse modelo de contextualista desenvolvimentista, e sugere um conjunto de fatores que deveriam ser considerados nesse tipo de avaliação abrangente.

Na sétima e última parte do livro, Arnold Spokane aborda o importante tópico da avaliação do processo das intervenções de carreira. Neste capítulo, são apresentados resultados de pesquisas que mostram, de um modo geral, a eficácia de diversas modalidades de intervenção. Contudo, o autor chama a atenção para o fato de que também há discrepâncias nos achados dessas pesquisas, sendo necessários mais estudos que revelem quais os componentes específicos que aumentam a eficácia do processo e do resultado das intervenções.

Em seu conjunto, o livro “Avaliação Psicológica em Orientação Escolar e Profissional” nos remete a uma oportuna reflexão sobre o lugar e a importância da avaliação psicológica no âmbito do desenvolvimento de carreira. Dada a relevância que a orientação profissional tem para os indivíduos e a sociedade, precisamos nos perguntar até que ponto nossas intervenções estão sendo adequadas às necessidades dos orientandos e eficientes nos seus resultados. Tal pergunta só pode ser respondida se dispusermos de modelos teóricos consistentes e instrumentos de avaliação válidos e confiáveis que permitam investigar as variáveis mais relevantes envolvidas nas problemáticas vocacionais e no próprio processo de orientação. O livro mostra que não apenas é possível, como também necessário abordar a orientação profissional de uma forma científica, avaliando seus processos e resultados. Isso não significa adotar modelos teóricos simplistas ou uma redução do processo de orientação a uma bateria de testes. Como o livro sugere, especialmente nos capítulos que tratam do papel da entrevista psicológica e da avaliação dinâmica e contextualizada na orientação, instrumentos de avaliação e modelos de intervenção devem ser desenvolvidos e refinados continuamente, a fim de que possam dar conta da complexidade envolvida na orientação profissional e também justificar as próprias intervenções que são realizadas. Caso contrário, corre-se o risco de apenas reproduzir a aplicação de técnicas de orientação, sem uma adequada avaliação de sua pertinência ou eficiência. Sem dúvida, os esforços empreendidos nesse sentido pelos colegas portugueses são um exemplo e devem constituir um estímulo para que também nós avancemos nesta área tão importante.

Enfim, o livro em questão pode ser considerado, hoje, uma obra de referência, em língua portuguesa, para todos aqueles que se interessam pelo tema da avaliação psicológica relacionada à escolha profissional e ao desenvolvimento de carreira. Seus diversos capítulos não apenas descrevem instrumentos de avaliação, mas trazem também uma reflexão teórica sobre os principais conceitos e modelos que fundamentam a pesquisa e a prática em orientação profissional na atualidade, constituindo-se em uma obra de interesse tanto para principiantes quanto para profissionais e pesquisadores avançados na área.

 

 

1 Resenha do livro: Leitão, L. M. (2004). Avaliação Psicológica em Orientação Escolar e Profissional. Coimbra: Quarteto.
2 Endereço para correspondência: Rua Ramiro Barcelos, 2600, sala 117, 90035-003, Porto Alegre, RS. E-mail: mapteixeira@yahoo.com.br.

 

 

Sobre os autores
* Marco Antônio P. Teixeira, psicólogo, professor do Departamento de Psicologia do Desenvolvimento e da Personalidade do Instituto de Psicologia / UFRGS e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia / UFRGS. Membro da equipe do CAP-SOP (Centro de Avaliação Psicológica, Seleção e Orientação Profissional) e coordenador do NAE (Núcleo de Apoio ao Estudante / UFRGS).
** Maria Célia P. Lassance, psicóloga, professora do Departamento de Psicologia do Desenvolvimento e da Personalidade do Instituto de Psicologia / UFRGS. Membro da equipe do CAP-SOP (Centro de Avaliação Psicológica, Seleção e Orientação Profissional) e do NAE (Núcleo de Apoio ao Estudante / UFRGS).