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Revista Brasileira de Orientação Profissional

versão On-line ISSN 1984-7270

Rev. bras. orientac. prof v.9 n.1 São Paulo jun. 2008

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

 

Funcionamento e desenvolvimento das crenças de auto-eficácia: uma revisão1

 

Functioning and development of self-efficacy beliefs: a review

 

Funcionamiento y desarrollo de las creencias de autoeficacia: una revisión

 

 

Maiana Farias Oliveira Nunes* 2

Universidade São Francisco, Itatiba-SP, Brasil

 

 


RESUMO

Esse artigo teórico busca apresentar aspectos pertinentes à Teoria Sócio-cognitiva, mais especificamente os que dizem respeito às crenças de auto-eficácia. São abordadas as fontes de auto-eficácia (experiências pessoais, aprendizagem vicária, persuasão verbal e indicadores fisiológicos), os processos cognitivos para a formação dessas crenças, e os vieses de interpretação que podem levar a crenças disfuncionais. Adicionalmente, é feito um resumo sobre a aplicação dessa teoria no desenvolvimento de carreira, com vistas a refletir sobre outros mecanismos sócio-cognitivos como as expectativas de resultado e os interesses vocacionais. Algumas pesquisas são citadas a título de ilustração da aplicação de alguns pressupostos teóricos à Orientação Profissional.

Palavras-chave: Teoria sócio-cognitiva, Crenças de auto-eficácia, Desenvolvimento de carreira, Orientação vocacional.


ABSTRACT

This paper presents some aspects of the Socio-cognitive Theory, more specifically regarding self-efficacy beliefs. This study describes: self-efficacy sources (personal experiences, vicarious learning, ability for verbal persuasion and physiological indicators), the cognitive processes that generate thoses beliefs and the interpretation biases that may lead to dysfunctional beliefs. In addition, an application of this theory to career development is explained, aiming at reflecting about other socio-cognitive mechanisms, such as: outcome expectations and vocational interests. Some researches are mentioned as examples of application of some theoretical frameworks to vocational guindance for the corroboration of some theoretical aspects.

Keywords: Socio-cognitive theory, Self-efficacy beliefs, Career development, Vocational guidance.


RESUMEN

Este artículo teórico busca presentar aspectos pertinentes a la Teoría Sociocognitiva, más específicamente los que se refieren a las creencias de autoeficacia. Se abordan las fuentes de autoeficacia (experiencias personales, aprendizaje “vicario”, persuasión verbal e indicadores fisiológicos), los procesos cognitivos para la formación de esas creencias, y las variantes de interpretación que pueden llevar a creencias disfuncionales. Adicionalmente, se hace un resumen sobre la aplicación de esa teoría en el desarrollo de carrera, con vistas a reflexionar sobre otros mecanismos sociocognitivos como las expectativas de resultado y los intereses vocacionales. Algunas investigaciones se citan a título de ilustración de la aplicación de algunos presupuestos teóricos a la Orientación Profesional.

Palabras clave: Teoría sociocognitiva, Creencias de autoeficacia, Desarrollo de carrera, Orientación vocacional.


 

 

Auto-eficácia: alguns aspectos do seu funcionamento

Esse artigo tem como objetivo descrever aspectos referentes às crenças de auto-eficácia, com destaque às contribuições de Bandura (1986, 1997) e apresentar brevemente a Teoria Sócio-Cognitiva do Desenvolvimento de Carreira (TSCDC), que é um desdobramento da primeira, bem como a aplicação dela ao contexto vocacional.

A Teoria Sócio-Cognitiva (TSC) compreende que a pessoa, nas suas ações, é tanto produto como produtor dos sistemas sociais. Nesse sentido, essa teoria enfatiza que as pessoas podem exercer influência sobre suas ações, assinalando que a maior parte do comportamento humano é determinada por fatores interativos. Desse modo, as pessoas contribuem para o que acontece com elas, mas não determinam os eventos que ocorrem (Bandura, 1986).

Para Bandura (1986, 1997), dentre os mecanismos pelos quais a pessoa exerce influência sobre suas ações, o mais central refere-se às crenças de auto-eficácia, que são definidas como a confiança na capacidade pessoal para organizar e executar certas ações. Essas crenças são muito importantes, uma vez que influenciam as escolhas dos cursos de ação que são realizados, o quanto de esforço empenharão em seus objetivos, por quanto tempo irão perseverar em face de obstáculos e fracassos, sua resiliência à adversidade, os padrões de pensamento de auto-impedimento ou de auto-suporte, o quanto de estresse e depressão vivenciam com demandas do ambiente e, por fim, o nível de realização que alcançam.

Como conseqüência, a menos que as pessoas acreditem que podem obter os resultados desejados por meio de suas ações, como por exemplo, um desempenho adequado, têm pouco incentivo para agir. Desse modo, reforça-se a noção de que as pessoas envolvem-se nas atividades que acreditam ser capazes de executar e nas quais antevêem resultados positivos. Vale destacar que, nesse texto, crenças de auto-eficácia e de eficácia pessoal são usadas como sinônimos.

Bandura (1997) aponta que os tipos de resultados que as pessoas antecipam às suas ações dependem amplamente do seu julgamento de quão bem serão capazes de agir em dadas situações. Aqueles que se julgam altamente eficazes irão esperar resultados favoráveis das suas ações, enquanto os indivíduos com baixa auto-eficácia esperarão performances medíocres e, conseqüentemente, resultados negativos. A noção ressaltada é que as pessoas tendem a ver os resultados de suas ações como contingentes à adequação de sua performance. Sendo assim, elas baseiam-se nos julgamentos de auto-eficácia para tomar decisões sobre quais cursos de ação irão realizar.

Bandura (1997) e posteriormente Pajares (2002), um de seus colaboradores, postulam que as crenças de eficácia são formadas por meio do processamento cognitivo, que abarca processos referentes à atenção, memória e integração de informações. Em outras palavras, no dia-a-dia, alguns eventos que ocorrem com as pessoas são notados (processos de atenção), podem passar por processos de retenção de informação (memória) e ser interpretados de maneira variada. Esses autores argumentam que a habilidade de discernir, dar peso e integrar fontes relevantes de informação de eficácia aumenta com o desenvolvimento das habilidades cognitivas para o processamento de informação.

Mais especialmente, é preciso que haja um nível suficiente de habilidades meta-cognitivas de auto-reflexão para ponderar a adequação de suas próprias avaliações. Em termos práticos, isso requer um conhecimento dos tipos de habilidades exigidas para as diferentes atividades e o autoconhecimento das capacidades. Desse modo, as auto-avaliações podem ser testadas quanto ao seu nível de adequação, por meio da comparação do nível de semelhança entre elas e as conquistas reais. Nesse sentido, bons ajustes corroboram a auto-avaliação, enquanto ajustes pobres fazem questionar a capacidade de julgar com maior precisão o que uma pessoa pode fazer, ou seja, quanto mais a auto-avaliação se aproxima do que a pessoa realmente é capaz de fazer ou das habilidades que efetivamente possui, melhor o ajuste.

Vale destacar que o processamento cognitivo não ocorre durante todo o tempo em que a pessoa realiza ações, pois nas atividades habituais as pessoas não re-avaliam continuamente suas habilidades, uma vez que isso envolveria tempo excessivo gasto em pensamento auto-referente redundante. As ocorrências só se tornam instrutivas por meio da apreciação cognitiva. Assim, há uma diferença entre a gama total de eventos que ocorrem na vida do sujeito e da informação provida, e aquelas informações que são selecionadas, que recebem peso e que são integradas aos julgamentos de auto-eficácia (Bandura, 1986, 1997; Pajares, 2002).

O processamento cognitivo pode ocorrer de maneira imprecisa, tal como acontece em situações novas, nas quais as pessoas têm informação insuficiente sobre sua performance e, então, precisam fazer inferências sobre sua capacidade baseando-se em outras situações. Também pode ocorrer que fatores pessoais (e.g.: viés de atenção, de memória ou interpretação) distorçam os processos de auto-avaliação, levando a uma percepção pouco precisa dos sucessos ou fracassos (Bandura, 1997; Pajares, 2002).

Os vieses de atenção e interpretação das informações de eficácia são importantes para manter a estabilidade das crenças, mesmo que em alguns casos levem as pessoas a interpretações imprecisas. Se não houvesse esse efeito de manutenção das crenças, a percepção das pessoas sobre si mesmas mudaria continuamente a cada sucesso ou fracasso momentâneo. O aspecto negativo da estabilidade das crenças é que quando alguém possui uma percepção de si muito incoerente com a realidade, torna-se necessária uma intervenção para que haja maior consistência entre a auto-avaliação e as características reais da pessoa. Essa situação pode ser observada quando, por exemplo, alguém que possui percepção de fraca auto-eficácia, empenha-se para alcançar um determinado objetivo, tem sucesso na tarefa, porém concentra sua atenção nos aspectos negativos da sua performance, mantendo assim uma percepção de fraca auto-eficácia (Bandura, 1997).

Bandura (1997) e Lent e Brown (2006), ao aplicarem a TSC ao contexto do desenvolvimento de carreira, propuseram que os julgamentos de auto-eficácia mais funcionais são provavelmente os que excedem levemente a capacidade da pessoa. Sob essa perspectiva, as pessoas realizam ações com tarefas consideradas desafiantes e assim ganham motivação para o progressivo desenvolvimento dessas capacidades. A percepção acurada das próprias capacidades leva à escolha de ações com alta probabilidade de sucesso. Níveis excessivamente altos de auto-eficácia podem fazer com que as pessoas realizem atividades que ultrapassam muito seu nível de habilidade e, em conseqüência, elas se envolvam em situações de muita dificuldade, diminuindo sua credibilidade e sofrendo fracassos desnecessários. Contrariamente, níveis muito baixos de auto-eficácia fazem com que as pessoas não desenvolvam suas potencialidades e se privem de experiências recompensadoras, pois duvidam da sua capacidade e evitam uma possível frustração de não conseguir realizar certas atividades.

Outro aspecto relevante a ser destacado é o nível de desafio ou de dificuldade percebida nas atividades. O valor autodiagnóstico dos sucessos ou fracassos para julgar a auto-eficácia dependerá da dificuldade percebida da tarefa, de tal modo que ter sucesso em uma tarefa considerada fácil é redundante com o que a pessoa já sabe e, portanto, não requer uma reavaliação da eficácia. Porém, ter sucesso em tarefas difíceis fornece nova informação sobre a capacidade em questão, o que pode elevar a crença de eficácia pessoal nesse domínio. Para Bandura (1997), objetivos muito difíceis ou remotos podem diminuir o significado de ganhos progressivos modestos, ao mesmo tempo em que não promovem o aumento da auto-eficácia. Lent e Brown (2006) sugerem que, ao planejar intervenções que visem a modificar as crenças de auto-eficácia, o nível de dificuldade da tarefa deve ter gradações ou ainda, distintos padrões de performance, a fim de manter a pessoa motivada quanto ao desenvolvimento da crença de competência na atividade.

Bandura (1997) defende que, se a pessoa percebe- se como altamente eficaz em uma atividade que apresenta pouco desafio, essa situação deverá gerar pouco interesse. Os desafios motivam as pessoas a desenvolver e exercitar sua eficácia e servem como determinantes maiores do interesse. Quando o nível de dificuldade para uma atividade for alto, teoricamente deve estar acompanhado de interesse por atividades semelhantes. Uma atividade em que há interesse e é acompanhada por um padrão crescente de excelência no desempenho, porém que continua a apresentar desafios, tende a aumentar o interesse intrínseco, enquanto a mesma atividade com baixo nível de desafio provavelmente não o fará.

No que diz respeito ao gênero, Bandura (1986, 1997) sugere que há diferenças nas crenças de auto-eficácia na esfera da escolha ocupacional. Para ele, a criação de estereótipos relacionados a homens e a mulheres é permeada pelas expectativas distintas dos professores, colegas e pela influência da cultura (televisão, livros de estória, material didático, entre outros). Assim, postula que a auto-eficácia é um mediador importante na influência das escolhas durante a vida escolar e para a carreira, que surge por meio das práticas de socialização e pela experiência prévia. O autor propõe, por um lado, que as mulheres que têm orientações muito estereotipadas em função do gênero tendem a ser aquelas que têm dúvidas sobre suas capacidades para objetivos ocupacionais não-tradicionais. Por outro lado, aponta que aquelas que têm uma visão mais igualitária sobre os papéis da mulher, possuem uma tendência a desenvolver uma crença favorável de eficácia pessoal, que se estende tanto às ocupações tradicionalmente femininas como masculinas.

Ao longo do tempo, pesquisas confirmam esse argumento da existência de padrões diferenciados de auto-eficácia para atividades ou campos profissionais específicos para homens e mulheres, a exemplo dos estudos de Hackett (1985), de Lent, Lopez e Bieschke (1991), de Matsui (1994), de Lapan, Shaughnessy e Boggs (1996), de Pajares e Zeldin (2000), de Pajares e Hobbes (2005) e de Williams e Subich (2006). Vale destacar a importância desses achados empíricos, considerando os anos passados entre as pesquisas supracitadas, indo a favor das proposições teóricas de Bandura (1986, 1997), no que diz respeito à formação diferenciada das crenças de auto-eficácia em função do gênero.

As fontes de auto-eficácia

Na seqüência, torna-se relevante uma explicação sobre as fontes de auto-eficácia. Pajares (2002), sintetizando e dando continuidade aos trabalhos de Bandura (1986, 1997), indica que o autoconhecimento sobre a eficácia de uma pessoa é baseado principalmente em quatro fontes. Essas podem ser resumidamente descritas como experiência pessoal, que serve como um indicador de habilidade; aprendizagem vicária, que altera as crenças por meio da transmissão de competências e da comparação com as conquistas dos outros; persuasão verbal e outros tipos de influência social, que funcionam pelo convencimento de que uma pessoa tem certas capacidades; e indicadores fisiológicos, a partir dos quais as pessoas parcialmente julgam sua capacidade, força e vulnerabilidade.

As diferentes fontes de eficácia raramente operam separadamente e de maneira independente. As pessoas não apenas vivenciam o resultado dos seus esforços, mas também observam outros em situações similares e, de tempos em tempos, recebem avaliações sociais sobre a adequação da sua performance. Especialmente considerando que essas influências se afetam entre si, o poder de um dado modo de influência de eficácia pode mudar notavelmente dependendo da força das outras fontes. Assim, generalizações sobre o poder relativo dos diferentes modos de influência de eficácia devem ser qualificadas pelo balanço das forças que interagem (Bandura, 1997; Lent & Brown, 2006). A seguir, as quatro fontes de informação de eficácia pessoal serão analisadas mais detalhadamente.

A fonte da experiência pessoal é obtida por meio da interpretação de experiências prévias. Mais especialmente, as experiências são usadas para desenvolver ou sustentar crenças sobre a capacidade para se envolver em certas tarefas, que posteriormente deverão influenciar na motivação e persistência para se engajar em tarefas do mesmo domínio (Pajares, 2002).

Bandura (1986) aponta que essa é a fonte teoricamente considerada como a de maior influência, uma vez que é baseada em uma experiência de sucesso autêntica. O autor destaca que o sucesso em dadas ações tende a aumentar ou fortalecer as apreciações sobre a eficácia pessoal, enquanto o fracasso repetido tende a diminuir a crença de auto-eficácia, especialmente quando ocorre cedo no curso dos eventos e quando não refletem falta de esforço ou circunstâncias externas adversas.

O peso dado a novas experiências depende da natureza e da força das auto-percepções pré-existentes com as quais as experiências mais recentes devem ser integradas. Depois de ter um senso forte de auto-eficácia por meio do sucesso repetido, o fracasso ocasional provavelmente terá pouco efeito no julgamento da própria capacidade. As pessoas que são seguras das suas capacidades tendem a levar em consideração fatores situacionais, esforço insuficiente ou estratégias inadequadas como causas para os fracassos isolados (Bandura, 1997).

O peso dado a novas experiências depende da natureza e da força das auto-percepções pré-existentes com as quais as experiências mais recentes devem ser integradas. Depois de ter um senso forte de auto-eficácia por meio do sucesso repetido, o fracasso ocasional provavelmente terá pouco efeito no julgamento da própria capacidade. As pessoas que são seguras das suas capacidades tendem a levar em consideração fatores situacionais, esforço insuficiente ou estratégias inadequadas como causas para os fracassos isolados (Bandura, 1997).

O autor salienta ainda que muitos fatores podem afetar o nível de performance que têm pouco a ver com a capacidade da pessoa, o que implica em uma pessoa poder ter sucesso em uma atividade, em função de um fator externo, independente da sua habilidade, ou fracassar quando estiver frente a uma situação muito adversa. Desse modo, destaca-se que a relação entre sucesso e fracasso versus aumento ou diminuição da auto-eficácia não ocorre de maneira linear, uma vez que o que será levado em consideração pelo sujeito é a maneira como interpretou um evento, e não o evento em si. Assim, as mudanças na auto-eficácia resultam do processamento cognitivo de uma informação sobre o desempenho. Esse pressuposto sugere que o mesmo nível de sucesso em uma dada atividade pode aumentar, diminuir ou manter inalterada a auto-eficácia, dependendo de como as diversas contribuições pessoais e situacionais são interpretadas e do valor atribuído a esses eventos pelo próprio sujeito.

Em síntese, Bandura (1997) e Lent e Brown (2006) acrescentam que não há uma equivalência simples entre a performance e a capacidade percebida. A extensão em que as avaliações de eficácia são afetadas por experiências pessoais depende, entre outros fatores, da dificuldade da tarefa, da quantidade de esforço despendido, da quantidade de ajuda externa recebida, das circunstâncias sob as quais se age e do padrão temporal dos sucessos e fracassos.

Mais especificamente, conseguir fazer uma tarefa fácil pouco acrescenta no que alguém sabe sobre sua capacidade, enquanto realizar uma tarefa difícil fornece nova informação de eficácia, podendo aumentá-la. O sucesso atingido com ajuda externa, em geral, tem menor valor de eficácia pois se pode creditar o sucesso a fatores externos ao invés da capacidade pessoal. Do mesmo modo, uma performance pobre sob uma situação adversa terá um efeito menor na percepção de auto-eficácia, do que se ocorresse em condições ótimas. Assim, o foco desta teoria é que a apreciação cognitiva dos eventos que ocorrem com uma pessoa determinam o valor dado às conquistas e fracassos (Bandura, 1986).

A auto-eficácia é afetada não apenas pela forma de interpretação dos sucessos e fracassos, mas também pelos vieses no auto-monitoramento das performances. Cada ação envolve alguma variação na qualidade da performance. Muitos fatores contribuem para essa diferença, incluindo alterações de atenção, físicas e estados emocionais, mudanças no processo de pensamento, influências contextuais e demandas situacionais. Essa variabilidade permite alguma liberdade sobre a observação e recordação das boas ou más performances. As pessoas que seletivamente lembram-se das suas piores performances mais provavelmente subestimarão sua capacidade, apesar de poderem processar a informação corretamente. Nesses casos, o problema está na memória e atenção enviesadas, ao invés de estar nos julgamentos inferenciais sobre as causas dos sucessos e fracassos. O auto-monitoramento seletivo pode fortalecer as crenças de auto-eficácia se os sucessos são especialmente notados e recordados ou diminuí-la quando a pessoa lembra-se dos aspectos negativos da performance, mesmo quando obtém sucesso. Conforme já explicitado, vieses de atenção e memória usadas no auto-monitoramento podem gerar crenças e atitudes disfuncionais, o que deve que ser distinguido, por meio do diagnóstico clínico, por exemplo, de dificuldades no processamento cognitivo das informações (Bandura, 1997).

Outra fonte de auto-eficácia é a aprendizagem vicária. Esse é o fator que gera as crenças de eficácia por meio da observação de outras pessoas realizando certas ações (Pajares, 2002). Observar outras pessoas semelhantes terem sucesso em suas ações pode elevar a auto-eficácia dos observadores, por meio da informação inferencial de que eles também são capazes de agir com sucesso em situações comparáveis. Quando os observadores acreditam que são similares à pessoa que realiza a ação em um domínio específico, eles se convencem de que, se outros semelhantes podem fazer algo com sucesso, eles também devem ser capazes de ao menos alcançar certa melhora na sua performance naquele âmbito. Do mesmo modo, quando o observador vê outros similares terem fracasso em uma dada ação, apesar do alto esforço, esse evento pode diminuir a crença sobre suas próprias capacidades e fazer com que seus esforços se enfraqueçam para aquele domínio específico (Bandura, 1997).

Algumas condições podem tornar as pessoas mais sensíveis a essa fonte, tais como o grau de incerteza sobre sua própria capacidade; quando a pessoa teve pouca experiência prévia para basear as avaliações sobre sua competência e a falta de conhecimento direto sobre suas próprias capacidades (Lent & Brown, 2006). Vale notar que os efeitos da informação vicária também dependerão do critério pelo qual a habilidade é avaliada. Atividades que produzem informações externas claras sobre o nível de desempenho provêem uma base factual para o julgamento da capacidade de uma pessoa. Desse modo, as habilidades pessoais são mais facilmente julgadas nas atividades que produzem indicadores objetivos e independentes sobre sua adequação (por exemplo: ao nadar em situações de treino ou de competição, as pessoas podem comparar seu rendimento com o de outros, tomando como referência o tempo necessário para cumprir uma prova). No entanto, para a maioria das atividades, não há uma medida absoluta de adequação. Assim, as pessoas precisam comparar suas habilidades de modo mais subjetivo, em relação às conquistas dos outros (Bandura, 1997).

A aprendizagem vicária, enquanto fonte de influência para as crenças de eficácia, geralmente é mais fraca que as experiências pessoais, no entanto, pode produzir mudanças significativas e duradouras por meio do seu efeito indireto na melhora das performances. As pessoas que são convencidas por uma informação vicária da sua ineficácia são inclinadas a se comportar de formas ineficazes o que, de fato, tende a gerar evidência confirmatória comportamental da sua inabilidade. Por outro lado, influências modeladoras que aumentam a auto-eficácia podem diminuir o impacto de experiências pessoais de fracasso, por meio da sustentação das tentativas de performance, mesmo frente ao fracasso (Bandura, 1997; Pajares, 2002).

A similaridade com um modelo, qualquer pessoa que o observador acredita possuir um nível adequado de desempenho na atividade em questão, é um fator que aumenta a relevância da informação de performance para a percepção dos observadores sobre sua própria eficácia. Quanto maior a similaridade assumida com o modelo, mais persuasivos os sucessos e fracassos desse. Com relação a um nível supostamente ideal de comparação, as pessoas que têm habilidade similar ou levemente mais alta provêem informação comparativa mais útil para a aferição da capacidade de uma pessoa (Bandura, 1997; Lent & Brown, 2006).

Os autores acrescentam que a referência para a comparação com outros pode tomar formas diferentes para as distintas atividades. Em alguns casos há dados normativos (de grupos representativos) sobre performances em uma dada atividade. Mais freqüentemente, as pessoas se comparam com companheiros em situações similares, colegas de classe, companheiros de trabalho, concorrentes ou pessoas em cenários parecidos, que buscam a mesma coisa. A avaliação da auto-eficácia irá variar substancialmente dependendo do talento daqueles escolhidos para a comparação social.

Em geral, o sucesso modelado por outros similares aumenta a auto-eficácia, enquanto o fracasso destes, diminui. Ao julgar a eficácia pessoal por meio da comparação social, o observador pode se basear tanto na performance passada do modelo como nos atributos deste, que são presumivelmente preditivos da habilidade em questão. Quando se compara a partir da similaridade com as características do modelo, muitas vezes usam-se aspectos que não são relevantes para predizer a performance (Lent e cols., 1991). Com relação à prática de esportes, por exemplo, pode-se ter a mesma idade ou sexo de um modelo, mas isso não necessariamente significa nível semelhante de habilidade para a prática da atividade (Bandura, 1986).

Outra forma de influência da informação vicária é quando um modelo competente ensina ao observador estratégias de ação efetivas para lidar com situações desafiadoras ou ameaçadoras. Essa situação é especialmente importante quando um baixo nível de eficácia percebida está ligado a uma habilidade deficiente. A influência de um modelo, que, nesse caso, pode ser chamado de mentor, pode alterar a percepção da dificuldade da tarefa e tornar a percepção dos desafios como mais manejáveis do que os observadores originalmente acreditavam (Bandura, 1986).

Bandura (1997) aponta que as influências modeladoras funcionam não apenas como simples parâmetros sociais de comparação. As pessoas buscam ativamente modelos que possuam as competências a que elas aspiram. Por meio do seu comportamento e das suas formas de pensamento expressas, modelos competentes transmitem conhecimento e ensinam aos observadores habilidades efetivas, além de estratégias para lidar com as demandas ambientais. Por fim, a aquisição de estratégias efetivas aprimora a performance e, conseqüentemente, aumenta a crença de auto-eficácia.

Em acréscimo, a maior parte da modelação (modeling) psicológica ocorre nas redes de contato do dia-a-dia, ou seja, as pessoas com quem regularmente nos associamos, seja por preferência ou por imposição, determinam os tipos de competência, atitudes e orientações motivacionais que serão repetidamente observadas. Num âmbito mais amplo, o autor sugere que a forma como uma sociedade é estruturada e diferenciada em termos de idade, gênero e linhas socioeconômicas determina os tipos de modelos a que os seus membros têm pronto acesso (Bandura, 1997).

A fonte da persuasão verbal diz respeito às persuasões sociais recebidas, que servem como meio adicional de fortalecer as crenças das pessoas de que elas possuem as capacidades para atingir o que buscam (Pajares, 2002). É mais fácil manter um senso de eficácia, especialmente quando se lida com dificuldades, quando outros significativos expressam fé na capacidade pessoal, do que quando eles expressam dúvida. É importante destacar ainda, que a persuasão verbal não é construída como uma breve e limitada informação verbal. Durante os anos de formação, modelos significativos na vida das pessoas têm um papel central no estímulo da crença no potencial e no poder de controlar a direção de suas vidas (Bandura, 1997).

Lent e cols. (1991) e Lent, Brown e Hackett (1994) afirmam que nesse modo de influência, tenta-se convencer as pessoas de que elas têm as habilidades necessárias para alcançar o que buscam, bem como, tenta-se convencer as pessoas da sua pouca habilidade para a atividade em questão. A informação de eficácia por persuasão é freqüentemente dada no feedback avaliativo, de tal maneira que aumente ou que diminua a auto-eficácia. A persuasão social isoladamente pode ter um poder limitado no aumento da auto-eficácia permanente ou duradoura, mas ainda assim, pode contribuir para performance de sucesso, se a área considerada está dentro de limites realistas. Em contrapartida, a persuasão da ineficácia pode diminuir o esforço e gerar a esquiva de atividades desafiadoras, o que pode ser considerado um modo de restringir os comportamentos e de criar uma confirmação empírica para a autodesvalorização. No entanto, muitas vezes as pessoas são persuadidas a tentar coisas que elas antes evitavam ou a persistir em tarefas que estavam prontas para desistir, para posteriormente descobrir que realmente eram capazes de realizar aquilo.

As pessoas que são convencidas de que possuem capacidade para realizar determinadas tarefas provavelmente mobilizarão maior esforço sustentado que se tiverem dúvidas e basearem-se nas deficiências pessoais quando as dificuldades aparecerem. Ao se esforçar o suficiente para ter sucesso, elas promovem o desenvolvimento de habilidades e adicionalmente, um aumento nas crenças de auto-eficácia. Assim, a persuasão verbal tem um efeito maior naquelas pessoas que têm alguma razão para acreditar que produzirão algum resultado por meio das suas ações (Bandura, 1986, 1997).

Algumas pessoas tornam-se especialmente suscetíveis a essa fonte uma vez que nem sempre possuem conhecimento suficiente para se auto-avaliar ou condições para utilizar adequadamente essas informações. Nessas situações, a opinião de outros que possuem competência avaliativa torna-se fundamental. Mais especialmente, a persuasão verbal deve ser avaliada em termos de quem persuade, sua credibilidade e o quanto eles sabem sobre a natureza das atividades. O impacto da persuasão será tão forte quanto a confiança do observador na pessoa que o persuade. As pessoas são inclinadas a acreditar nas avaliações de outros que são hábeis naquela atividade, que têm acesso a preditores objetivos das conquistas de performance ou que possuem grande conhecimento alcançado, observando e comparando vários aspirantes diferentes e suas conquistas posteriores. No entanto, mesmo pessoas com crédito para julgar podem fazer avaliações imprecisas se não conhecerem as demandas específicas da tarefa ou a circunstância em que ocorre (Bandura, 1986, 1997).

As avaliações sociais variam no quão discrepantes são das crenças das próprias pessoas sobre suas capacidades. O nível ótimo de disparidade irá depender da proximidade temporal dos objetivos e da natureza da atividade. As avaliações sociais que diferem muito do julgamento pessoal podem ser acreditáveis para um futuro distante, mas não em curto prazo. O nível ótimo de disparidade será muito menor em um nível temporalmente próximo de funcionamento que para o futuro (Bandura, 1997; Pajares, 2002).

Esses autores sugerem que é mais provável que se acredite em um comentário encorajador quando esses são moderadamente acima do que uma pessoa pode fazer naquele momento. Nesse nível de discrepância, melhores performances são alcançáveis por uma melhor seleção de estratégias e por esforço extra. O nível ótimo de disparidade também varia se performances deficientes refletem déficits básicos de habilidades ou uso ineficiente das habilidades pré-existentes. No caso do mau uso de habilidade, a persuasão verbal pode trazer ganhos na performance ao convencer a pessoa de que ela tem o necessário para ter sucesso. Já no caso da falta de habilidades básicas, a persuasão verbal sozinha não substitui o desenvolvimento delas.

Por fim, a fonte dos indicadores fisiológicos atua quando as pessoas avaliam sua confiança para realizar certas ações pelo seu estado emocional ao executar certos cursos de ação (Pajares, 2002). Para julgar suas capacidades, as pessoas baseiam-se parcialmente em informação somática oferecida pelos estados fisiológicos e emocionais. Os indicadores somáticos de auto-eficácia são especialmente relevantes em domínios que envolvem conquistas físicas, funcionamento saudável e coping com estressores. As pessoas freqüentemente “lêem” sua ativação fisiológica em situações estressantes ou que demandam muito como sinais de vulnerabilidade (Bandura, 1986, 1997).

Essa fonte é especialmente sensível aos fatores selecionados pela atenção e pelo significado dado a eles. Por exemplo, oradores que atribuem seu suor aos desconfortos da sala, lêem sua reação fisiológica de forma bem diferente daqueles que percebem seu suor como reação de estresse gerada pelo fracasso pessoal (Bandura, 1986, 1997; Pajares, 2002). Ainda, os autores apontam que um baixo senso de auto-eficácia provavelmente aumenta a sensibilidade a estados corporais de emoção nos domínios de funcionamento em que as pessoas não confiam nas suas capacidades de coping.

O processo de julgamento da reação fisiológica é complicado pelo fato de que não é a reação em si, mas sim seu nível que têm maior peso no julgamento das capacidades. Como uma regra geral, níveis moderados de reação fisiológica facilitam a disposição das habilidades, enquanto níveis altos de reações não o fazem. Essa regra é especialmente útil em atividades complexas que requerem organização intrincada e execução precisa, nas quais as pessoas tornam-se mais vulneráveis ao enfraquecimento das crenças de auto-eficácia pelos altos níveis de ativação emocional (Bandura, 1986, 1997).

Bandura (1986, 1997) sugere que o nível ótimo de reação fisiológica depende não apenas da natureza da tarefa, mas também das inferências causais sobre a reação. Aquelas pessoas inclinadas a ver suas reações fisiológicas como indicadores de inadequação pessoal são mais prováveis de sofrer uma diminuição na sua percepção de auto-eficácia que aquelas que vêem suas reações como reações transitórias, comuns frente a situações de tensão, que mesmo os mais experientes naquele domínio vivenciam.

O autor acredita que o estado de humor também afeta o processamento cognitivo das reações fisiológicas. Se pensamentos tristes imediatamente levam a pensamentos de fracassos passados, as crenças de auto-eficácia tendem a ser diminuídas, enquanto que se os humores positivos ativam pensamentos de conquistas, isso tende a aumentar a auto-eficácia. A título de ilustração, do mesmo modo, as reações de estresse ao autocontrole ineficaz intensificam o estresse em razão da emoção antecipada. Ao ter pensamentos aversivos sobre sua inaptidão ou reações de estresse, as pessoas criam níveis elevados de estresse, que produzem as disfunções que eles temiam. Porém, assinala-se que essa é a fonte que possui menor influência na construção ou alteração das crenças de auto-eficácia (Bandura, 1986,1997).

As atividades freqüentemente são realizadas em situações que contêm vários eventos evocativos, o que cria ambigüidade sobre o que causou a reação fisiológica. Do mesmo modo que para as outras fontes de informação, o impacto na auto-eficácia dependerá dos fatores situacionais que são observados e do significado dado a eles. Os fatores contextuais salientes, ao diminuir o foco da atenção, determinam fortemente como a expressão fisiológica será julgada. Resumidamente, aqueles que se percebem como ineficazes são especialmente suscetíveis a julgar mal suas emoções, considerando-as como sinais das suas deficiências de coping (Bandura, 1997; Pajares, 2002; Lent & Brown, 2006).

Os autores argumentam que as pessoas variam em suas crenças sobre as fontes que originam suas expressões emocionais e sobre como esses estímulos afetarão sua performance. A informação somática ocorre em um contexto no qual estão presentes outros indicadores diagnósticos de auto-eficácia. Esses, por sua vez, incluem experiências prévias de sucesso, geração de credibilidade para a própria capacidade em comparação a outros e feedback de pessoas significativas para o domínio em questão. Em áreas de funcionamento que se baseiam fortemente nos recursos físicos (por exemplo: para esportistas profissionais), os indicadores fisiológicos têm uma contribuição única como informação de eficácia para o julgamento da capacidade física de uma pessoa.

 

Conceitos básicos da Teoria Sócio-Cognitiva do Desenvolvimento da Carreira

Tendo descrito o funcionamento e a formação das crenças de auto-eficácia, é válido apresentar, ainda que brevemente, uma aplicação do estudo da auto-eficácia no contexto de carreira. Mais especialmente, será abordada a Teoria Sócio-Cognitiva do Desenvolvimento da Carreira (TSCDC), que estuda o processo mediante o qual as pessoas formam seus interesses acadêmicos e profissionais, realizam escolhas nesses âmbitos e alcançam diferentes níveis de sucesso na escola e no trabalho. Os primeiros trabalhos datam da década de 1980 (Hackett & Betz, 1981), tendo sido iniciados nos Estados Unidos e, posteriormente, adotados por pesquisadores em diferentes culturas (Matsui, 1994; Fouad, Smith & Enochs, 1997; Flores & O’Brien, 2002; Leong & Hardin, 2002; Koumoundourou, 2004). No Brasil, podem-se citar estudos sobre a auto-eficácia associada ao mundo do trabalho, baseados nessa perspectiva teórica, como o de Vieira, Soares e Polydoro (2006) e o de Nunes (2007).

A TSCDC entende a transição entre a escola e o trabalho como um processo que ocorre ao longo dos anos e não como um evento isolado. Essa transição é incluída em uma estrutura maior de desenvolvimento de carreira, e considera-se necessário passar por uma série de tarefas (por exemplo: exploração de carreira, formação da habilidade de tomada de decisão, entre outras) para se obter sucesso nesta transição. Mais recentemente, Lent, Hackett e Brown (2004) argumentaram que as tentativas de compreender e facilitar este processo deveriam começar no Ensino Fundamental, assumindo uma perspectiva ainda mais ampla. Essa abordagem baseia-se na Teoria Social Cognitiva de Bandura (1986), conforme mencionado, que, por sua vez, enfatiza as variáveis cognitivas pessoais (auto-eficácia, expectativas de resultado e metas) e a interação destas com outras importantes variáveis pessoais e ambientais (gênero, raça, apoios e obstáculos sociais), dentro do contexto do desenvolvimento de carreira das pessoas.

Concordando com a definição de Bandura (1986, 1997), Lent e cols. (1994) indicam que a auto-eficácia refere-se à confiança de uma pessoa em suas habilidades para realizar com sucesso uma tarefa ou um grupo de tarefas específicas, sendo uma variável que ajuda a explicar se um indivíduo terá iniciativa, perseverança e se conseguirá ter êxito em um determinado curso de ação. Já as expectativas de resultado são as crenças pessoais acerca dos possíveis resultados das ações, ou seja, as conseqüências imaginadas de certos atos. As metas se relacionam com a determinação pessoal de se comprometer com uma dada atividade para alcançar um resultado futuro. Nessa mesma direção, a seleção das metas orienta os comportamentos futuros e constitui-se como um elemento crítico, mediante o qual as pessoas exercem controle pessoal sobre suas ações.

No início das pesquisas da TSCDC, seus precursores (Hackett & Betz, 1981) forneceram um modelo causal do desenvolvimento de carreira no qual o construto da auto-eficácia era considerado como um dos principais mediadores na predição de desempenho acadêmico e da escolha profissional. Os pesquisadores sustentavam que o que faz a diferença na escolha de uma carreira não são as habilidades possuídas, mas sim como os estudantes as percebem e as usam, reforçando assim a importância da auto-eficácia nesse processo.

Lent e cols. (1994) acrescentaram aspectos essenciais a essa formulação teórica. Esses autores estudaram, entre outros construtos relevantes no processo de escolha profissional, os interesses vocacionais, que são definidos como padrões de gostos, aversões e indiferenças acerca de atividades e ocupações relacionadas a uma carreira. Defende-se que as crenças de auto-eficácia e as expectativas de resultado precedem a formação dos interesses, atuando de forma direta sobre eles. Mais especificamente, o interesse sustentado ao longo do tempo por determinadas atividades é desenvolvido naqueles domínios em que as pessoas consideram-se eficazes e nas quais antecipam resultados positivos. As percepções de eficácia e expectativa positiva acerca das recompensas futuras (intrínsecas ou extrínsecas) por um lado, geram os interesses por atividades e estimulam intenções de continuar se comprometendo com elas. Por outro lado, aquelas situações vinculadas a crenças de eficácia e expectativas de resultado negativas provocam desgosto e esquiva da atividade, gerando exclusões das opções de carreira ligadas a essas crenças.

Especificamente quanto ao desenvolvimento dos interesses, inicialmente a auto-eficácia e as expectativas de resultado são formadas por meio das experiências do sujeito (fontes de auto-eficácia e das expectativas de resultado). Esses dois fatores, conjuntamente, influenciam a formação dos interesses, uma vez que é mais provável que o sujeito se interesse pelas atividades nas quais se considera eficaz e nas quais antecipa resultados favoráveis. O próximo elemento do modelo (formação de metas/objetivos) é influenciado tanto pela auto-eficácia, como pelas expectativas de resultado e interesses. Essas informações são integradas e é feita uma avaliação sobre os aspectos que serão priorizados na escolha de atividades com que o indivíduo se envolverá. Por fim, a seleção das atividades nas quais a pessoa irá se engajar gera certo desempenho ou certos resultados, que são avaliados e que retroalimentam as fontes das crenças de auto-eficácia e as expectativas de resultado. Desse modo, pode-se observar a associação entre os construtos e, ao mesmo tempo, a sua diferença.

Lent e cols. (1994) argumentam a necessidade de considerar fatores moderadores, que enfraquecem ou fortalecem as relações entre os interesses e as escolhas profissionais, tais como os sociais, físicos, educativos e financeiros. Esses podem determinar que a ocupação preferida por um indivíduo seja trocada por outra mais facilmente alcançável ou aceitável para seu sistema de apoio. Assim, esses autores indicam que a escolha ocupacional pode ser guiada pela acessibilidade das ocupações concretas (por exemplo: que trabalho está disponível?), pela auto-eficácia (por exemplo: eu posso realizar esse trabalho?) e pelas expectativas de resultados (por exemplo: que benefícios eu terei com esse trabalho? o que ocorrerá se eu não optar por esse trabalho?), mais que pelos interesses vocacionais.

Dessa forma, a auto-eficácia e as expectativas de resultado possuem influência direta e indireta (por meio dos interesses) sobre os comportamentos de escolha. Tendo em vista o exposto, destaca-se a importância de analisar os construtos supra-citados em processos de orientação profissional, de forma a obter uma visão mais global dos elementos envolvidos em processos de decisão de carreira. No Brasil, o estudo de Teixeira e Gomes (2005) já apontou que a auto-eficácia é um dos indicadores que contribui de maneira significativa na previsão da decisão de carreira em estudantes no final do curso universitário, sugerindo o potencial de investigação desse construto em fases mais avançadas do desenvolvimento de carreira, e não apenas relacionado à primeira escolha profissional.

Mais especificamente sobre as possibilidades de uso da investigação da auto-eficácia em Orientação Profissional, Betz e Borgen (2000) afirmam que esse construto funciona como um mediador do comportamento de escolha, que pode ser observado por meio dos comportamentos de aproximação versus evitação de atividades, da qualidade do desempenho na atividade e na persistência face a obstáculos. Vale destacar que o comportamento de aproximação é especialmente importante no contexto de decisão de carreira, pois se refere às atividades, cursos ou ocupações que o sujeito quer tentar ou irá perseguir. Por outro lado, as ações de evitação provavelmente ocorrem quando há crenças fracas de auto-eficácia, que levariam à eliminação de opções de carreira. Além disso, concordando com as proposições de Lent e cols. (1994), os autores salientam o efeito indireto da auto-eficácia na escolha de carreira, por meio da limitação do desenvolvimento dos interesses, já que, em alguns casos, podem gerar a evitação de novas experiências e oportunidades de aprendizagem.

Desse modo, é possível observar que a análise da auto-eficácia dentro do contexto de intervenção em orientação profissional e educacional é relevante por algumas razões. Uma delas é que a observação das atividades em que o sujeito apresenta crenças fortes de auto-eficácia, aliadas a expectativas de resultado positivas e interesses congruentes, pode sugerir possíveis caminhos para a decisão profissional. Por outro lado, a análise das atividades em que o sujeito possui interesse, porém em que há uma crença fraca de eficácia pessoal poderá ser um foco para a intervenção do psicólogo, no sentido de verificar a existência de vieses de interpretação dos eventos ou ainda pela comparação entre as habilidades reais e as crenças de auto-eficácia. Por fim, um fator relevante que pode ser alvo de intervenção é a situação em que as pessoas possuem uma crença fraca de auto-eficácia associada a questões de gênero ou sócio-econômicas, ou seja, é possível trabalhar no sentido de fortalecer a auto-eficácia de pessoas que evitam atividades ou profissões por achar que elas não são adequadas para alguém do seu gênero ou status sócio-econômico.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esse artigo buscou introduzir conceitos fundamentais da Teoria Sócio-Cognitiva, mais especificamente do estudo da auto-eficácia e suas aplicações na área do desenvolvimento de carreira. Não se pretendeu, contudo, esgotar as discussões sobre o tema, mas sim apresentar referências importantes na área, suas argumentações e algumas pesquisas. Esse tipo de material torna-se relevante uma vez que grande parte da literatura especializada em auto-eficácia encontra-se disponível apenas em língua estrangeira, de modo que presentemente buscou-se divulgar parte da teoria e pesquisa sócio-cognitiva em português.

As crenças de auto-eficácia e suas fontes são um tema importante para a psicologia e outras áreas do conhecimento. Na orientação profissional, tanto em pesquisas e como em intervenções, a auto-eficácia tem se revelado um elemento relevante, o que pode ser observado pela variedade e continuidade dos artigos que envolvem o tema (Betz, Schifano & Kaplan, 1999; Pajares & Zeldin, 2000; Anderson & Betz, 2001; Pajares, 2002; O’Brien, 2003; Koumoundourou, 2004; Pajares & Hobbes, 2005; Vieira & Coimbra, 2006; Quimby, Wolfson, & Seyala, 2007).

Dentro da orientação profissional, já existem pesquisas sobre a auto-eficácia para a transição para o mundo do trabalho (Vieira & Coimbra, 2006), a relação da auto-eficácia com o desenvolvimento de carreira (Anderson & Betz, 2001), as associações com escolhas de áreas profissionais específicas (Gillepsie & Hillman, 1993; Lent e cols., 1991; Lent, Brown & Larkin, 1986), a relação do construto com os interesses (Feehan & Johnston, 1999; Nauta, 2004; Nunes & Noronha, 2008), a validação de escalas específicas para uso na área (Kelly & Nelson, 1999) e as diferenças de gênero expressas nas escolhas de carreira (Matsui, 1994). Desse modo, pode-se observar uma expansão dos trabalhos de Bandura (1986, 1997) e das proposições de Lent e cols. (1994) sobre o desenvolvimento de carreira. No entanto, no Brasil, ainda se observa a necessidade de realização de pesquisas sobre a auto-eficácia aplicada ao contexto vocacional, de modo a testar achados empíricos de outros países e detalhar características e demandas específicas de intervenção para a população brasileira.

Sugere-se, desse modo, a realização de pesquisas sobre a auto-eficácia aplicada ao contexto de orientação profissional no âmbito nacional. Entre os campos específicos de aplicação já destacados, ressalta-se a investigação das diferenças de gênero ou de oportunidades providas pelo ambiente sócio-econômico expressas nas escolhas profissionais, a comparação entre as percepções de eficácia pessoal e as habilidades reais, além da análise de peculiaridades associadas a outros momentos do desenvolvimento de carreira, tais como a mudança de emprego ou aposentadoria.

 

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1 Agradecimentos à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior-CAPES e à Editora Casa do Psicólogo. Esse artigo corresponde à parte do material publicado na dissertação de mestrado da autora.
2 Endereço para correspondência: Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia. Universidade São Francisco. Rua Alexandre Rodrigues Barbosa, 45, 13251-900. Itatiba-SP. E-mail: maiananunes@mac.com.

 

 

Recebido em: 19/02/2008
1ª Revisão: 11/06/2008
Aceite final: 29/06/2008

 

 

Sobre os autores
* Maiana Farias Oliveira Nunes é psicóloga pela Faculdade Ruy Barbosa, Mestre e Doutoranda em Psicologia na Universidade São Francisco, Itatiba-SP, bolsista CAPES.

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