SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.9 número2Tornar-se psicólogo: experiência de estágio de Psico-oncologia em equipe multiprofissional de saúdeA Orientação Profissional como método terapêutico e reabilitador de pacientes portadores de doenças crônicas índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Revista Brasileira de Orientação Profissional

versão On-line ISSN 1984-7270

Rev. bras. orientac. prof v.9 n.2 São Paulo dez. 2008

 

RELATO DE EXPERIÊNCIA PROFISSIONAL

 

Orientabilidade ao longo de um processo grupal com adolescentes: relato de uma experiência1

 

Evaluating guiding conditions in an adolescents career counseling group: report of an experience

 

Orientabilidad a lo largo de un proceso grupal con adolescentes: relato de una experiencia

 

 

Gabrielle Ana Selig* 2; Luciana Albanese Valore**

Universidade Federal do Paraná, Curitiba - Paraná, Brasil

 

 


RESUMO

Fundamentado em uma experiência grupal com adolescentes, o estudo relata a trajetória de sete jovens em relação à problemática vocacional. Analisa aspectos do diagnóstico de orientabilidade, antes e após o processo, valendo-se de dados qualitativos obtidos na entrevista inicial, devolutiva e no atendimento grupal. Observou-se uma facilitação da escolha favorecida pela diminuição da ansiedade, pelo estabelecimento de uma relação transferencial de aspiração e pela superação da situação problemática. Os resultados parecem estar relacionados às condições pessoais de orientabilidade apresentadas por ocasião do ingresso no grupo, o que ratifica a necessidade do diagnóstico de orientabilidade. Os resultados também sinalizam a importância da participação da escola e da família na construção de uma postura autônoma, como fator potencializador dos benefícios da orientação profissional.

Palavras-chave: Orientabilidade, Avaliação psicológica, Escolha profissional, Adolescentes, Orientação vocacional.


ABSTRACT

Based on a group experience with seven adolescents, this paper reports how each adolescent dealt with vocational issues. The study analyzes some aspects of the psychological assessment, before and after the intervention, by using the data collected from initial and final interviews and during group tasks. It can be said that the adolescents’ choice was made easier as they became less anxious, established a transference relationship of aspirations and overcame the problematic stage. Such results seem to be related to their personal guiding conditions when joining the group, which confirms the need to carry out the psychological assessment. The results also highlight the importance of school and family participation to help create an autonomous attitude to benefit from career counseling.

Keywords: Guiding conditions, Psychological assessment, Carrer choice, Adolescents, Career counseling.


RESUMEN

Fundamentado en una experiencia grupal con adolescentes, el estudio relata la trayectoria de siete jóvenes en relación con la problemática vocacional. Analiza aspectos del diagnóstico de orientabilidad, antes y después del proceso, valiéndose de datos cualitativos obtenidos en la entrevista inicial, devolutiva y en la atención grupal. Se observó una facilitación de la elección favorecida por la disminución de la ansiedad, por el establecimiento de una relación transferencial de aspiración y por la superación de la situación problemática. Los resultados parecen estar relacionados a las condiciones personales de orientabilidad presentadas en ocasión del ingreso al grupo, lo que ratifica la necesidad del diagnóstico de orientabilidad. Los resultados también destacan la importancia de la participación de la escuela y de la familia en la construcción de una postura autónoma como factor potenciador de los beneficios de la orientación profesional.

Palabras clave: Orientabilidad, Evaluación psicológica, Elección profesional, Adolescentes, Orientación vocacional.


 

 

Ao contrapor à modalidade psicométrica uma nova abordagem da problemática vocacional, Bohoslavsky (1977/2003) sustenta sua proposição no uso da estratégia clínica. Entendida como o planejamento de ações que irá subsidiar o trabalho de orientação, fundamenta-se no método clínico (Bleger, 1984) e, como tal, pressupõe a articulação entre intervenção e investigação, em um processo dinâmico, constantemente sujeito a revisões. Nessa perspectiva, trata-se de investigar a personalidade de quem escolhe, seus conflitos e ansiedades quanto à situação da escolha (Torres, 2001) em paralelo à intervenção; ou seja, ao processo de construção de uma escolha profissional e de um projeto de vida.

Tal “vai-e-vem”, todavia, não isenta o orientador, que atua na modalidade clínica psicodinâmica, da responsabilidade de elaboração de um diagnóstico de “orientabilidade” (Bohoslavsky, 1977/2003), como etapa preliminar, ainda que infindável, de um processo de orientação. Criado por analogia ao termo “analisabilidade” utilizado pelos psicanalistas, para o autor, o conceito de orientabilidade relaciona-se à investigação de alguns aspectos que serão descritos a seguir.

Tendo em vista que “toda escolha implica um projeto e um projeto nada mais é do que uma estratégia no tempo” (Bohoslavsky, 1977/2003, p. 78), importa analisar como o candidato à orientação maneja a dimensão temporal, sempre considerando que o tempo é instrumentalizado pelas pessoas, estando em constante reconstrução. É importante verificar como o adolescente situa suas colocações, se está centrado no presente, passado ou futuro, ou relacionando estas dimensões. Quanto ao presente, cabe observar em que momento se encontra frente à situação de mudança: (a) seleção, discriminação das profissões, dos gostos e aptidões pessoais; (b) escolha, estabelecimento de relações estáveis com os objetos; ou (c) decisão, elaboração de lutos (pela adolescência, pelas escolhas fantasiosas, dentre outras).

Igualmente relevante torna-se a investigação quanto ao(s) tipo(s) e grau(s) de ansiedade, ao(s) objeto(s) ao(s) qual(ais) está ligada, persistência ou variações e mecanismos defensivos que desencadeia. Também é preciso averiguar que fantasias e temores referentes à auto-imagem, ao futuro, à vida universitária, à escola secundária &– classificação proposta por Leibovich de Duarte (1965, citado por Bohoslavsky, 1977/2003, p. 80) &– estão vinculados às ansiedades de tipo persecutória, depressiva ou confusa.

Importa também atentar ao tipo de vínculo estabelecido com o(s) objeto(s) carreira(s), bem como às identificações predominantes, isto é, aos comportamentos de conhecimento e de reconhecimento da situação de oportunidade que o orientando está vivendo, aos gostos e interesses manifestados pelas carreiras e às tentativas de reparação que serão satisfeitas através da opção por uma delas. Outro aspecto a ser considerado refere-se ao tipo de situação vivenciada em relação à problemática vocacional, a qual pode ser predilemática, dilemática, problemática ou de resolução, sendo que cada uma delas remete ao processo de elaboração dos lutos aí implicados. Por fim, cabe investigar as expectativas &– conscientes e inconscientes &– quanto ao processo de orientação profissional, na medida em que este propicia a produção e a explicitação das fantasias referentes à vida futura. Neste aspecto, denominado por Bohoslavsky de “fantasias de resolução”, o vínculo transferencial estabelecido com o orientador merece destaque. Associado a isto, é preciso também considerar o processo de deuteroescolha; ou seja, o modo como o orientando escolheu escolher e isto poderá ser investigado atentando-se, especialmente, à maneira como lida com a situação da primeira entrevista.

O diagnóstico de orientabilidade tem-se tornado uma prática instituída dentre os profissionais da Orientação Profissional (OP) atrelados à modalidade clínica. Oliveira e Holanda (2000), por exemplo, observam que não são todos os orientandos que atingem os objetivos propostos: aprendizado da escolha, conhecimento de si e do mundo ocupacional. Neste sentido, em consonância à proposição de Bohoslavsky, propõem o diagnóstico como parte imprescindível do processo, com a finalidade de evidenciar “os fatores intervenientes no processo de escolha, sejam eles de ordem social, educacional, familiar e/ou psicológica, conscientes e/ou inconscientes” (Oliveira & Holanda, 2000, p. 94) e de elaborar um prognóstico da orientabilidade.

Levenfus (1997) corrobora com tal posicionamento, lembrando que, na medida em que a formação e a consolidação da identidade profissional demandam um longo processo, “orientar vocacionalmente um jovem que ainda não adquiriu determinadas condições prévias e necessárias torna-se uma tarefa contraproducente” (p. 247). Na mesma perspectiva, Souza (1995) entende que a função do diagnóstico consiste em conhecer os eventuais benefícios que o atendimento poderá trazer àquela pessoa naquele determinado momento de sua vida. Isto se torna importante ao considerar que, por vezes, um pedido de orientação pode encobrir a necessidade de um atendimento psicoterápico. Para a autora, o propósito do diagnóstico não é tanto o de recolher dados da história do cliente, mas conhecer sua dinâmica interna. Tal conhecimento, entretanto, será sempre provisório, conforme também atestam Levenfus (1997), Oliveira e Holanda (2000) e Soares e Krawulski (2002), o que não anula sua importância para a eficácia da OP, no sentido de evitar que se conduza de modo “arbitrário e caótico” (Bohoslavsky, 1977/2003, p.73).

Esta modalidade de avaliação em OP pode ser enquadrada naquilo que Sparta, Bardagi e Teixeira (2006) denominam de “Modelo de Avaliação Psicológica Centrado no Processo”, o qual se vale, sobretudo, de entrevistas psicológicas, facultando o uso de testes psicológicos. Estes, quando adotados, voltam-se à avaliação de aspectos como maturidade vocacional, indecisão, exploração, bem estar psicológico, influência familiar, dentre outros. Dentre tais instrumentos, os autores destacam, no Brasil: a Escala de Maturidade para Escolha Profissional (EMEP) (Neiva, 2002), a Escala de Indecisão Vocacional (Teixeira & Magalhães, 2001), o Inventário de Cristalização das Preferências Profissionais (Balbinotti, Marocco & Tétreau, 2003), o Inventário de Levantamento das Dificuldades da Decisão Profissional (Primi e cols., 2000), o Teste das Frases Incompletas, aprimorado da versão original de Bohoslavsky por Lucchiari (1993), o Teste de Fotos de Profissões (BBT-Br) (Achtnich, 1991; Jacquemin, 2000) e o Teste Projetivo Ômega (Villas-Boas Filho, s.d.).

O presente artigo tem como foco tal modalidade de avaliação. Elaborado a partir de uma experiência de orientação clínica em grupo, fundamentada na perspectiva psicodinâmica (Bohoslavsky, 1977/2003; Levenfus,1997; Torres 2001) e ofertada em um projeto de extensão universitária para alunos do ensino médio de Curitiba-PR, relata a trajetória de cada orientando, em relação à problemática vocacional, ao longo do processo de orientação. Como critério de análise adota alguns aspectos contemplados pelo diagnóstico de orientabilidade proposto por Bohoslavsky, a fim de delinear os eventuais avanços na construção da escolha profissional e de identificar as possíveis contribuições da OP reconhecidas pelos orientandos. Para tanto, considera seus depoimentos nas entrevistas individuais &– inicial e devolutiva &– e na própria experiência de OP, particularmente, no momento de aplicação de alguns instrumentos como o Teste das Frases Incompletas de Bohoslavsky e a Autobiografia relatada em forma de Conto de Fadas (adaptada de Levenfus, 2002). Além disto, considera o modo como cada orientando vinculou-se à tarefa de escolher uma profissão e ao processo de OP (expectativas quanto à orientação e ao orientador).

Como bem observam Sparta e cols., (2006), a investigação, qualificação e atualização de instrumentos e procedimentos de avaliação em OP, de modo a torná-los mais condizentes com as transformações do mundo do trabalho, da formação profissional, dos próprios indivíduos e de suas necessidades de orientação, torna-se necessidade iminente no contexto brasileiro. Neste sentido, espera-se que este relato, embora não se configure como pesquisa &– e que nele pesem as limitações associadas à reduzida amostragem e à ausência de instrumentos de mensuração &– venha contribuir para a compreensão e a avaliação do processo de orientação profissional em grupo, em seus alcances e limites, na elaboração da problemática vocacional. Entende-se que a análise de alguns aspectos da orientabilidade, através da leitura clínica das falas dos orientandos antes e após a OP, viabilize tal aspiração, vindo a incentivar o desenvolvimento de novas pesquisas no campo da avaliação psicológica centrada no processo (de cada orientando e da própria orientação).

 

MÉTODO

O atendimento grupal foi realizado nas dependências de uma universidade pública, totalizando oito encontros semanais de duas horas de duração. Através de dinâmicas de grupo, jogos, desenhos, colagens, autobiografia, questionários, pesquisas em guias, entrevistas com profissionais, dentre outras técnicas utilizadas em OP (Lucchiari, 1993), os encontros buscaram atender aos fundamentos e objetivos da abordagem clínica psicodinâmica, sobretudo no que se refere à contínua articulação entre as etapas de autoconhecimento e de informação ocupacional. Assim, abordaram-se temas &– bem como angústias, medos, conflitos e fantasias a eles vinculados &– referentes ao conhecimento de si (interesses, habilidades, valores, história de vida, planos e expectativas quanto ao futuro, relações familiares, critérios e motivações de escolha, transição da adolescência para a vida adulta, dentre outros) e das profissões, cursos superiores/técnicos e mercado de trabalho. O planejamento dos encontros, em seus objetivos, temas, procedimentos técnicos e condução baseou-se nas etapas descritas por Torres (2001) e por Valore (2002), sem deixar de considerar, todavia, a dinâmica do próprio grupo. De acordo com Bohoslavsky (1977/2003), a atenção à singularidade, ao momento e à situação do grupo em cada encontro é o que constitui, precisamente, o caráter clínico da estratégia em questão.

Participantes

Participaram nove alunos do último ano do ensino médio, seis deles estudantes de escola da rede pública. Sete eram do sexo feminino e dois do masculino, sendo que, à exceção de uma adolescente com 17 anos, os demais tinham 16 anos. Por serem menores de idade, solicitou-se a seus pais a assinatura de um termo de autorização para participação no projeto. Os nomes dos participantes aqui relatados são fictícios, a fim de preservar sua identidade.

Houve duas desistências (uma no terceiro encontro, por motivo desconhecido, e outra no quinto, por incompatibilidade com o horário escolar). A escolaridade dos pais variou: um pai e uma mãe tinham ensino fundamental incompleto; quatro pais e três mães, ensino fundamental completo; uma mãe, ensino médio completo; três pais e três mães ensino superior completo; e um pai e uma mãe não tiveram sua escolaridade identificada (por serem falecidos). Salienta-se que os pais com ensino superior completo são dos alunos provenientes de escolas particulares.

Procedimentos

Iniciou-se o processo com a exploração da problemática vocacional dos adolescentes (aprofundamento dos aspectos abordados no diagnóstico de orientabilidade desenvolvido na entrevista inicial), passando-se à investigação e à análise das opções ocupacionais possíveis (através do estudo das potencialidades, desejos e identificações dos orientandos e dos eventuais limites concretos em relação às referidas opções). Em seguida, procedeu- se à tarefa de informação ocupacional (com pesquisas sobre cursos e profissões), com vistas ao afunilamento da escolha e à construção de um projeto de vida. Deste modo, através do movimento contínuo do olhar, de dentro (autoconhecimento) para fora (conhecimento da realidade ocupacional) e de fora para dentro (novos sentidos atribuídos às escolhas e ao “quem quero ser” a partir das informações recebidas), chegou-se ao término do trabalho, finalizando-o com uma avaliação (da OP e de si mesmos no processo).

O limite de espaço que a redação de um artigo comporta inviabiliza o detalhamento do processo e das técnicas utilizadas. Contudo, dado o uso de extratos discursivos produzidos em resposta à aplicação da Autobiografia (no segundo encontro) e das Frases Incompletas (no terceiro), convém destacar que ambas objetivaram propiciar maior autoconhecimento mediante a reflexão sobre a história de vida, as escolhas já feitas e suas possíveis influências na escolha profissional, e o levantamento de características pessoais relacionadas à escolha, abordando aspectos diferenciados, como o grupo de pares, o futuro, as ansiedades, as expectativas dos pais, entre outros.

O trabalho grupal foi precedido de uma entrevista individual, cujo objetivo principal consistiu na elaboração do diagnóstico de orientabilidade. Neste ficou clara a demanda voltada à escolha profissional, o que justificou o encaminhamento dos adolescentes para o grupo. Ao término da OP, realizou-se nova entrevista no intuito de construir uma devolutiva junto a cada orientando, a partir da avaliação de sua trajetória nos atendimentos. As entrevistas seguiram um roteiro estruturado de perguntas, algumas delas repetidas antes e após a OP, a fim de possibilitar a comparação pretendida.

Os temas tratados na entrevista inicial giraram em torno da escolha profissional (situação, motivações, dúvidas, condutas e sentimentos relacionados a escolhas já feitas), família (expectativas e posicionamentos quanto à escolha e ao futuro do adolescente, dinâmica familiar), escola (trajetória e desempenho, expectativas quanto ao vestibular), grupo de pares (relações com amigos/namorados, situação dos pares em relação à escolha), autoconceito (o que mais e menos gosta em si, características pessoais relacionadas ao exercício da profissão), ideais e idealizações profissionais (por exemplo, pessoas e profissionais admirados, aspirações relacionadas às profissões pretendidas), futuro (imagens de si, preocupações e aspirações em relação ao futuro, projeto de vida) e expectativas relacionadas à OP. Por ocasião da entrevista devolutiva retomaram-se alguns destes temas, incluindo-se questões voltadas à avaliação da OP e de si mesmos. Utilizou-se, inicialmente, a avaliação não-verbal conforme proposta por Lucchiari (1993). Colocaram-se duas cadeiras, em lados opostos da sala, representando o início e o final da OP. De frente à primeira cadeira, os orientandos deveriam mostrar, através de mímica, como se sentiam quando chegaram e, frente à outra cadeira, como estavam se sentindo ao sair. Após esta avaliação, cada orientando fez um comparativo verbal sobre o processo, dizendo em que ajudou, o que faltou, qual encontro foi mais significativo e por quê.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A problemática vocacional ao longo do processo de OP

A análise aqui desenvolvida abarca o processo de OP como um todo. Assim, consideraram-se apenas os sete orientandos que o concluíram. Os aspectos investigados foram os critérios de orientabilidade propostos por Bohoslavsky (1977/2003). Buscando-se apresentar um panorama o mais abrangente possível, para este artigo, dentre os oito critérios elencados pelo autor, delimitaram-se cinco: (a) momento em relação ao processo de decisão; (b) ansiedades predominantes; (c) situação quanto à escolha; (d) fantasias de resolução; (e) manejo do tempo.

As produções discursivas obtidas nas entrevistas e nos atendimentos grupais foram transcritas durante e após os mesmos pelas duas orientadoras do grupo. Sua análise seguiu os procedimentos propostos pela análise de discurso desenvolvida por Guirado (2004). Agruparam-se os enunciados relacionados a cada critério de orientabilidade selecionado (análise horizontal), tomando-se o cuidado de identificar as falas de cada orientando. Tal classificação foi realizada com o auxílio da supervisora do trabalho e dos colegas do grupo de supervisão, no intuito de se estabelecer a concordância entre juízes. Posteriormente, também com o auxílio da supervisora, realizou-se a análise vertical dos discursos, isto é, a análise das falas de cada orientando ao longo do processo, a fim de permitir o acompanhamento de suas trajetórias. A apresentação dos resultados agrupa, para cada critério de orientabilidade considerado, os principais aspectos constatados. Os extratos discursivos resgatados de suas falas foram colocados entre aspas.

1. Momento no processo de decisão

A Figura 1 mostra os diferentes momentos do processo de decisão em que cada orientando se encontrava &– seleção, escolha, decisão &– antes e após a OP.

 

 

Figura 1. Momento em que os jovens se encontram quanto ao processo de decisão.

Ao iniciarem a OP, um adolescente encontrava- se no momento de seleção, três no de escolha, um no de decisão e outros dois naquele que poderia ser denominado de pré-seleção (não discriminação em relação a gostos e capacidades). Larissa ingressou na fase de seleção, ou seja, de discriminação de seus gostos, aptidões, valores. Terminou na fase de escolha, de estabelecimento de relações estáveis entre duas carreiras. Jaqueline iniciou no momento de escolha dentre três carreiras, decidindo-se por uma delas. Sua decisão não superou, de todo, a dificuldade relatada em ter que deixar outras opções, a qual, como pressupõe Bohoslavsky (1977/2003), relaciona-se ao luto pelas escolhas não feitas e pelo “quem” se deixou de ser. Do mesmo modo, Beatriz, em dúvida entre educação física e nutrição, finalizou a OP decidida por educação física e Angélica, inicialmente em dúvida entre jornalismo, hotelaria e turismo, concluiu decidida pelo primeiro. Já Marina e André iniciaram dizendo não ter a menor idéia de que curso fazer (momento prévio ao de seleção).

Para Marina tal situação persiste até o final, quando afirma “A OP me ajudou pessoalmente, mas não em relação à escolha de uma carreira”. Mesmo após os encontros, demonstrou confusão quanto às classificações afetivas que faz das profissões: embora afirmasse gostar de medicina, sem saber dizer por que, não conseguiu estabelecer uma relação estável com esta carreira ou com qualquer outra. Neste sentido, pode-se pensar no que hipotetiza Bohoslavsky: “O fato de não mencionar nenhuma carreira ou de colocar que nenhuma carreira lhe interessa em especial revela um mundo externo confuso, não catetizado, no qual o ego imaturo fracassa nas suas tentativas de discriminação” (Bohoslavsky, 1977/2003, p. 82). A contribuição dos atendimentos para Marina limitou-se à possibilidade de selecionar as carreiras que não pretendia seguir, conforme relatado pela própria orientanda na entrevista devolutiva.

No caso de André, parecia sequer dar-se conta de estar em um momento de realizar uma escolha profissional. Seu pedido remetia a algum tipo de “curso” sobre as profissões. Ao longo dos encontros, contudo, pôde entrar na fase de seleção, de discriminação de seus gostos e aptidões, passando ao momento de escolha, de estabelecimento de relações estáveis com os objetos-carreira (no caso, educação física ou psicologia).

Por fim, Eduardo, que começou quase decidido pela engenharia elétrica, no decorrer da OP ampliou sua relação com as profissões. Saiu mais indeciso, porém mais consciente das motivações atreladas à escolha inicial. Muito embora parecesse ter ingressado no momento de decisão, esta, provavelmente, cumpria ao propósito de dissipar a ansiedade diante da crença de que somente ele estava confuso. Ao perceber que existiam outras pessoas na mesma situação, pôde ampliar um pouco as possibilidades, saindo no momento de escolha entre os objetos-carreira que discriminou como sendo de seu interesse (engenharia elétrica, engenharia de telecomunicações ou jornalismo).

Pôde-se perceber que a OP trouxe resultados positivos em relação ao estatuto frente à escolha. Três adolescentes saíram completamente decididos, três saíram em dúvida entre duas carreiras e somente um continuou afirmando não ter idéia de que profissão seguir.

2. Ansiedades predominantes

Para a maioria dos adolescentes, a ansiedade inicial predominante era do tipo persecutória, sendo que quatro deles (Eduardo, André, Jaqueline e Larissa) traziam consigo a expectativa dos pais, que não puderam cursar o ensino superior, de que eles realizassem este sonho. Jaqueline, por exemplo, traz como seu maior temor o vestibular e não a escolha da carreira. O medo de fracassar apareceu em sua autobiografia, redigida em forma de contos de fadas “mas a felicidade durou até os 16 anos, pois em sua casa baixou o terror do vestibular, Jaqueline não sabe o que fazer em seu futuro mesmo vendo seus pais apoiando-a em qualquer escolha profissional” e nas frases incompletas de Bohoslavsky: “A maior mudança na minha vida foi quando eu me vi mais perto do Vestibular”; “Se eu fosse mais dedicada poderia passar no vestibular”; “Sempre quis passar no vestibular, mas nunca poderei fazê-lo se não estudar mais”. Para esta adolescente, passar no vestibular representava a felicidade de realizar um sonho, ao qual seus pais não tiveram acesso. Nas frases incompletas traz ainda: “Meus pais gostariam que eu fosse alguém na vida”.

Como afirma Soares (2002, p. 31), “as profissões dos pais influem de forma decisiva na maneira como o jovem representa o mundo do trabalho”. Para Jaqueline, o mundo do trabalho digno, do “ser alguém na vida”, era o mundo de quem faz ensino superior. A possibilidade de ser barrada neste sonho produziu o medo de perder o reconhecimento de seus pais. Contudo, ao falar sobre esse medo e redimensioná-lo, pôde elaborar seus conflitos internos e decidir-se por uma profissão. Ao avaliar a OP, afirmou não estar mais confusa e com medo.

Do mesmo modo, para Eduardo, a ansiedade persecutória relacionava-se à expectativa dos pais. Na autobiografia, redigida em forma de conto de fadas, relatou: “seus pais, mesmo sendo humildes, queriam que seu filho fosse um grande guerreiro do exército real, pois desejavam a ele uma vida melhor que a deles (...) sentia-se no dever de dar esse orgulho”. Na entrevista inicial disse sentir-se “muito inseguro” para escolher a profissão “certa” por ser esta “algo para o resto da vida”. Por sentir-se despreparado nos estudos, tinha muito medo do vestibular. Tal sentimento era agravado pela sensação de que apenas ele estaria confuso. No último encontro, porém, afirmou que a principal aprendizagem obtida era a de que não estava sozinho, confirmando o que observou Soares (2002, p. 130): “O fato de a orientação profissional realizar-se em grupo cria também uma dimensão mais afetiva e de identificação recíproca ao se observar outras pessoas compartilhando dos mesmos sentimentos e dificuldades”. Percebeu também que poderia mudar sua escolha, demorar um pouco mais para fazê-la e não passar esse ano no vestibular (permitir-se errar). Assim, embora finalizando com dúvida, afirma: “Saí aliviado em relação ao nervosismo”, o que sinaliza uma redução do nível de ansiedade.

No caso de Marina, a maior fantasia referia-se à auto-imagem, com o reconhecimento de uma impotência frente ao momento de escolha e uma dificuldade extrema de imaginar-se no futuro. Muito angustiada, referiu, mais de uma vez, que após as discussões nos encontros chorava muito. Como adverte Bohoslavsky (1977/2003, p. 79), “o fracasso da função de discriminação pode conduzir tanto a projeções como introjeções maciças, que se traduzem em um ‘não poder ver e não poder se ver’”. Essa impotência diante da escolha vinculava-se, sobretudo, à influência da família, mais especificamente do pai, que, segundo ela, esperava que ingressasse numa universidade pública tendo lhe prometido um carro como recompensa. Tal ansiedade, vinculada ao medo de fracassar no vestibular e à crença de que a família tinha muitas expectativas em relação ao seu desempenho, levava-a a afirmar, recorrentemente, que pensava em escolher um curso que fosse fácil de passar, independente de gostar ou não. Ao final dos encontros, porém, percebe-se menos ansiosa: “cheguei desesperada, confusa e saio em dúvida, mas melhor, mais tranqüila”.

Angélica, por sua vez, tinha como maior medo fazer uma escolha errada. Seu medo persecutório de fracassar na decisão foi atenuado a partir da compreensão de que as escolhas podem mudar e de que, através do autoconhecimento e da informação, poderia obter subsídios para uma escolha melhor fundamentada.

Ao contrário dos demais, Beatriz não se mostrou muito ansiosa. Em mais de um momento expressou tranqüilidade em relação à escolha e ao vestibular. No início, sua única ansiedade referia-se à assunção da escolha perante o pai caso optasse por educação física, uma vez que, segundo ela, ele gostaria que seguisse profissões mais tradicionais, como administração ou direito. Ao avaliar os encontros, conta que chegou com muita dúvida entre nutrição e educação física, decidindo-se pelo segundo por ser o que mais gostava e isto, independentemente da opinião do pai, era o mais importante.

André também chamou a atenção pela baixa ansiedade. Demonstrou claramente estar na fase pré-dilemática, sem qualquer preocupação quanto à escolha ou à necessidade de fazê-la. A maior contribuição da OP foi sensibilizá-lo para a questão. Ao final, comenta que chegou “atrapalhado” e que saía consciente do que queria para o futuro, que estava “em um caminho mais seguro”.

3. Situações que o adolescente atravessa

Na Figura 2 pode-se observar a trajetória de cada orientando relativamente às fases do processo de escolha.

 

 

Figura 2. Fase do processo de escolha em que o adolescente se situa.

Ao iniciarem a OP, um adolescente estava na fase pré-dilemática, dois na dilemática e quatro na problemática. Ao final dos encontros, uma adolescente continuou na fase dilemática, três na problemática e três na de resolução. Jaqueline, Beatriz, Angélica e Larissa iniciaram o processo na fase problemática, revelando que estavam preocupadas, demonstrando comprometimento ao fazerem todas as tarefas solicitadas e ao participarem ativamente dos encontros. As três primeiras adolescentes, ao término da OP, estavam em processo para a fase de resolução, isto é, de elaboração dos lutos pelas escolhas que foram deixadas de lado. A última, embora tenha permanecido na fase problemática, demonstrou maior clareza quanto às profissões que desejava seguir (administração ou publicidade e propaganda).

Marina iniciou e terminou na fase dilemática: sabia que precisava escolher, mas continuou confusa. Eduardo, que também iniciou na situação dilemática, com um alto grau de ansiedade, terminou na problemática, menos ansioso e mais disponível para pensar, olhar e agir sobre seu futuro. Em se tratando deste adolescente, uma das questões centrais consistiu na ampliação do universo de escolha, haja vista que sua aparente decisão inicial por engenharia elétrica poderia estar relacionada a uma identificação com o pai, eletricista, e ao seu desejo não realizado de cursar o ensino superior. Como afirma Bohoslavsky (1977/2003, p.31), “uma escolha baseada em identificações não é, necessariamente, má. Pode ser uma boa escolha se realizada com autonomia dos motivos originais que deram lugar à identificação com determinada pessoa que desempenha um papel ocupacional”. Então, durante o processo, procurou-se possibilitar a reflexão sobre os motivos de sua escolha, o que lhe permitiu concluir em dúvida entre engenharia elétrica e engenharia de telecomunicações, mencionando sua preferência pela segunda, embora ainda pensasse em elétrica por imaginar que, talvez, seu pai não aceitasse outro curso. Por fim, André, que iniciou na fase pré-dilemática, terminou na situação problemática, dizendo-se comprometido com a escolha que realizará.

4. Fantasias de resolução

Três adolescentes (Marina, Eduardo e Angélica) trouxeram a expectativa de que a OP identificasse “para que eles serviam”, posicionando-se de forma passiva em relação à escolha, buscando apoio da orientadora. Inicialmente, sua expectativa quanto ao vínculo transferencial era o estabelecimento de uma relação do tipo mágica, na qual o psicólogo é investido de características onipotentes (Bohoslavsky, 1977/2003).

Marina esperava que a orientadora revelasse seu dom, pois acreditava que “a profissão é algo que as pessoas trazem desde pequenas”. Do mesmo modo, Angélica, embora reconhecesse que ninguém poderia escolher por ela, expressou o desejo de ter alguém que direcionasse sua escolha, dizendo-lhe o que a faria feliz.

No decorrer do processo, esses adolescentes compreenderam que a escolha dependia deles e que, para escolher, como observou Angélica, “é preciso se conhecer” (ainda que admitisse que, no começo, não entendia o sentido de tantas atividades de autoconhecimento). Ao término da OP conseguiram estabelecer uma relação transferencial de aspiração.

Eduardo concluiu que, apesar de sua expectativa inicial de um teste que indicasse qual profissão seguir, gostou muito das dinâmicas e que o fato de ver que estavam “todos no mesmo barco” o tranqüilizou. Contou que sentia que era muita responsabilidade escolher algo para a vida toda, mas que acabou percebendo que deveria “tomar a frente” em sua escolha e que esta, se necessário, poderia ser revista.

Jaqueline, Beatriz e Larissa posicionaram-se como sujeitos ativos, com autonomia para decidir, procurando na orientadora uma permissão: Jaqueline diz que procurou a OP para que pudesse “escolher melhor”; Beatriz queria ter certeza sobre a escolha (percebeu-se que esta certeza significava a confiança para assumir sua escolha perante o pai); Larissa afirmava saber que a escolha era algo que ela deveria realizar, mas acreditava que poderia receber ajuda para isso. Desde o início, estas adolescentes estabeleceram com a orientadora uma relação transferencial de aspiração que “caracteriza-se pelo senso de oportunidade que o adolescente atribui ao processo de orientação” (Bohoslavsky, 1977/2003, p. 87), estabelecendo um vínculo de cooperação.

Ao avaliar a OP, Beatriz afirmou que o que mais a ajudou a escolher foi pensar o que queria como profissão, para fazer todos os dias. Se fosse dar um conselho a alguém, falaria da importância de fazer uma lista com as coisas de que gosta e depois pensar no que quer como profissão e não como lazer. Jaqueline afirmou ter dissipado a confusão inicial tendo escolhido sua profissão e, se fosse aconselhar alguém em dúvida, diria “procure a OP e pesquise sobre os cursos”. Observou que pôde conhecer-se melhor e que, fazendo isso e pesquisando sobre os cursos, conseguiu tomar uma decisão. Larissa avaliou ter iniciado bem confusa e, embora não tivesse se decidido, pôde eliminar várias carreiras. Afirmou que o grupo a ajudou a encontrar um caminho para escolher (aprendeu que terá que procurar mais informações sobre os cursos) e que gostou muito dos encontros, pois pôde conhecer-se mais e sentir-se bem melhor em relação ao processo de escolha.

André, posicionando-se inicialmente de modo passivo, ao longo dos atendimentos pôde perceber que estava em um momento de escolha de uma carreira e, assim, aproximar-se da realidade das profissões. Avaliou que o contato com pessoas diferentes ajudou a abrir caminho para a escolha e que, tendo aprendido mais sobre as profissões e sobre si, pôde rever sua escolha inicial, optando por outro curso.

Para situar melhor a trajetória deste orientando, é importante ressaltar que, no início, a maior preocupação com André foi a responsabilidade sentida para com a família, mais especificamente com sua irmã deficiente. Uma identificação com o papel de cuidador evidenciada na entrevista inicial e expressa em seu desejo de cursar terapia ocupacional, o qual pareceu, à primeira vista, destoante de seus gostos e aptidões. Conforme afirma Soares (2002, p. 87):

A escolha pode também responder à necessidade de reparar situações passadas traumatizantes, como jovens com problemas de saúde ou que tenham familiares doentes (pais ou irmãos) podem escolher medicina, enfermagem, ou outra profissão da área de saúde na tentativa de compreender tudo o que passou e, quem sabe, resolver o problema. Essa situação nem sempre é percebida pelo jovem, pois se refere a conflitos de natureza inconsciente.

Não que esta fosse necessariamente uma má escolha, mas era importante auxiliá-lo a clarear sua relação com a problemática familiar (o que, no futuro, poderia trazer mais desprazer do que alegria). No decorrer dos encontros, pareceu refletir sobre esta situação, terminando o processo em dúvida entre psicologia e educação física, tendendo sobretudo para este último &– mais afinado com seus gostos pessoais e experiência (ele trabalhava como recreacionista) e, como afirmou, “ligado à saúde e não à doença” (ainda que, do mesmo modo, remeta ao cuidado com o corpo).

5. Manejo do tempo

Dos sete orientandos, somente uma apresentou dificuldades em relação ao manejo do tempo. Pôde-se perceber que as técnicas de autoconhecimento contribuíram para a gradativa conscientização da relação existente entre passado (quem fui), presente (quem sou) e escolhas futuras (quem quero ser).

No início, a dificuldade em retomar suas histórias, em falar de seus sonhos e planos (passados e atuais) em relação ao futuro era significativa. A pergunta “o que isso tem a ver com profissão?” era recorrente, contrastando com seus desejos de falar de profissão/cursos e de que alguém lhes dissesse “para que eles serviam”. Como se a escolha fosse algo mágico, desvinculado de uma reflexão sobre gostos, habilidades, história de vida, dentre outros (o que apareceu, particularmente, nos discursos de Angélica e Eduardo). No entanto, ao apropriarem-se de suas trajetórias e conscientizarem-se dos múltiplos determinantes de uma escolha profissional, puderam fazer várias descobertas.

Jaqueline, por exemplo, percebeu que seu desejo por uma profissão criativa tinha relação com “a menina que sempre inventava moda”, que “gostava de desenhar nas paredes”. Beatriz conseguiu articular seu desejo inicial de fazer nutrição &– relatado através do discurso de “continuar com meu trabalho atual (junto ao pai) na venda de produtos para dieta” &– ao temor de enfrentar o desejo paterno de que não cursasse educação física.

Marina, porém, diferenciou-se do grupo, demonstrando ter muita dificuldade em imaginar-se no futuro imediato, relacionando-o às ações do presente: conquanto, a partir do terceiro encontro, pudesse ver-se como médica, mais especificamente como obstetra, não conseguia ver-se na faculdade, insistindo em pautar sua escolha em um curso “mais fácil de passar no vestibular”. Assim, embora assumisse gostar da carreira de médico, parecia não conseguir assumir o preço de tal escolha: ter que estudar mais e talvez não obter aprovação numa instituição pública, não ganhar o carro prometido pelo pai e ter que estudar muito na faculdade. Nas frases incompletas escreve: “sempre pensei em fazer medicina, mas nunca poderei fazê-lo porque não estudei a minha vida para isso, não me dediquei”. Observou-se nessa adolescente uma dificuldade de projetar-se no futuro, a qual não pôde ser superada. As fantasias sobre esse projeto, embora presentes, não foram devidamente transpostas para a realidade, pois isto implicaria em aceitar seus limites e frustrações. Como observa Soares (2002, p. 174), “muitas vezes as pessoas preferem ficar com seus sonhos a torná-los realidade”. Resta esperar que a OP possa tê-la sensibilizado para esta necessidade, através da observação do trabalho empreendido por seus colegas de grupo.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Dentre as contribuições da experiência relatada, destaca-se a produção de um reconhecimento da implicação pessoal na escolha de uma profissão. Neste sentido, avalia-se, como principal avanço, a mudança na posição subjetiva, com a passagem de uma postura heterônoma para uma postura autônoma, o que atende aos propósitos da OP na abordagem clínica psicodinâmica.

Com vistas a contemplar os fundamentos e objetivos desta abordagem, o atendimento oferecido priorizou a aprendizagem da auto-avaliação e da auto-observação contínuas, o trabalho de conscientização, na medida do possível, dos determinantes inconscientes da escolha (identificações, desejo de reparação, lugar ocupado na dinâmica familiar), o suporte e a construção de uma postura ativa na busca de informações e no reconhecimento do que, de si, pode ser relacionado a estas informações. Pode-se afirmar que a utilização de técnicas de autoconhecimento, o estímulo e a instrumentalização à/da investigação sobre a realidade ocupacional auxiliaram os adolescentes na superação dos medos, conflitos e ansiedades relacionados à situação da escolha.

Assim, a conscientização das motivações vinculadas à escolha, a aceitação de que precisariam conhecer um pouco mais de si, sua história, seu momento atual e suas expectativas para o futuro e a busca de informações sobre as profissões resultaram em mudanças positivas em relação ao momento da escolha e ao manejo do tempo, possibilitando a discriminação de gostos, habilidades e valores, a criação de vínculos mais estáveis com o(s) objeto(s) carreira(s) e a percepção de continuidade entre passado, presente e futuro. Como observa Pimenta “colocar-se como temporalidade permite ao orientando compreender-se não como resultado causal de seu passado, mas como possibilidade de vir a ser a partir do que é” (1984, citado por Soares, 2002, p. 26).

No início dos encontros percebeu-se uma grande ansiedade, um sentimento de urgência quanto à escolha, associada ao temor de ficarem atrasados em relação aos demais, caso decidissem errado ou não passassem no vestibular. Uma conseqüência disto pode ser a paralisação do ato de decidir, na fantasia de poder “segurar”/controlar o tempo (Bohoslavsky, 1977/2003).

A diminuição desta ansiedade constituiu, também, uma das contribuições da OP, lembrando que isto se dá através da elaboração dos conflitos que originaram a ansiedade e não de sua negação. O incentivo para que falassem sobre seus medos e fantasias, em relação às expectativas familiares, ao vestibular e à idealização de uma escolha “certa para a vida toda”, permitiu seu redimensionamento, favorecendo a necessária elaboração de ansiedades persecutórias e lutos para a superação das situações pré-dilemáticas, dilemáticas e problemáticas. Favoreceu, igualmente, “a melhor escolha possível para aquele momento e em determinadas condições” (Soares, 2002, p. 39).

Aos fatores facilitadores da escolha mencionados até aqui (os quais remetem ao tipo de abordagem e ao modo com que a OP foi conduzida), podem-se associar ainda (como atributos pessoais desejáveis para a orientabilidade): o ingresso no processo já na situação problemática e o estabelecimento de uma relação transferencial de aspiração logo de início ou ao longo da OP.

Efetivamente, os adolescentes que concluíram na fase de resolução, saindo decididos por uma carreira, apresentavam uma disposição inicial para a problematização da escolha. Além disto, (exceção feita a Angélica) estabeleceram, desde o início, um vínculo de cooperação com o orientador. Tal resultado sugere uma correlação entre a situação que o adolescente atravessa e suas fantasias de resolução, sinalizando maior ou menor autonomia em relação à escolha, e indica a necessidade de analisar e trabalhar a relação transferencial para que possa atuar em favor do orientando, auxiliando-o a assumir o lugar de protagonista em sua escolha e projeto de vida.

Em relação aos critérios de orientabilidade e aos objetivos da orientação, apenas para uma adolescente, com dificuldades no manejo do tempo e situada em um momento caracterizado como de pré-seleção, a OP não foi eficaz (ainda que tenha avaliado o processo positivamente, admitindo alguns ganhos pessoais, como a diminuição da angústia). Como já mencionado, mesmo sem discernir os fatores relacionados à sua motivação e reconhecer que havia estudado “quase nada”, Marina insistia no curso de medicina (o que, para quem tem em mente um curso tão concorrido, não deixa de chamar a atenção e denota ambivalência em relação ao desejo de atender à expectativa paterna).

Parece que a associação de fatores, como a pressão familiar em relação ao seu êxito no vestibular, a proximidade do concurso, sua autopercepção de despreparo (para a prova e para lidar com a frustração de um eventual fracasso), seu medo de decepcionar o pai e de perder o carro prometido (que, para ela, era sinônimo de independência), em muito contribuiu para o aumento de sua ansiedade. Como resposta, em vez de lidar com os conflitos subjacentes a esta ansiedade, Marina “optou” por negá-los. Sua urgência em passar no vestibular, possivelmente um deslocamento do desejo de sentir-se aceita e reconhecida pelos familiares, levava-a a pensar na escolha de um curso menos concorrido (sem ter idéia de qual fosse). Uma dissociação entre o vestibular e uma carreira adulta, portanto, provavelmente atrelada ao medo de crescer e de assumir-se responsável pela escolha e por suas conseqüências. Como adverte Bohoslavsky (1977/2003, p.64), “a urgência, ligada ao medo de ‘perder tempo’, revela o medo de perder aquilo que, com o correr do tempo, perde de si mesmo”, ou seja, o medo de deixar de ser adolescente.

Muito embora fosse falante e extrovertida, Marina demonstrava receio de expor suas questões pessoais perante os outros. Tal fato pode estar associado à presença de uma pessoa de sua escola no grupo (dentre outros fatores que não puderam ser identificados durante o atendimento, a não ser uma certa resistência em falar de suas relações familiares). Após os encontros, não raro, permanecia na sala para conversar mais abertamente com as orientadoras, o que sugere que sua avaliação da OP como algo que lhe trouxe “uma sensação de ser aceita e compreendida” refira-se ao acolhimento propiciado por aquelas.

Conclui-se que, para esta adolescente, o indicado seria uma OP individual (o que lhe foi sugerido na devolutiva), com vistas a trabalhar suas questões pessoais, em especial, seus vínculos familiares. Uma psicoterapia, em paralelo, também poderia ser producente. A partir deste caso, sugere-se a análise combinada dos critérios (manejo do tempo e momento no processo de decisão), na entrevista inicial, como um importante indicador no diagnóstico de orientabilidade. Além disto, a realização de um maior número de entrevistas preliminares, pode ser importante em situações em que, já de início, percebam-se maiores dificuldades em relação à problemática vocacional. Isto contribuiria para um encaminhamento mais adequado quanto ao tipo de OP.

O final do processo demonstrou como a OP grupal constituiu-se, de modo singular para cada orientando, numa ferramenta produtiva de autoconhecimento, de construção da escolha profissional e de si mesmos: desde a diminuição da ansiedade frente à responsabilidade de se ser o primeiro da família a ingressar em uma universidade (Jaqueline, Larissa, Eduardo); a oportunidade de se conhecer melhor e de pensar em si (Marina); uma maior aproximação com a realidade das profissões e diminuição das idealizações (André); a possibilidade de ampliar o leque das profissões (Eduardo); até a oportunidade de identificação grupal.

Como bem observa Levenfus (1997), a individuação do adolescente decreta o fim dos sonhos megalômanos da infância e isto, geralmente, vem acompanhado de sentimentos de isolamento, solidão e confusão. Neste sentido, um fator significativo para os avanços em relação à problemática vocacional desses adolescentes configurou-se na oportunidade que lhes foi propiciada de compartilhar a desafiadora tarefa de crescer. O que corrobora a validade da OP grupal para essa população.

Como se pode depreender da discussão feita até aqui, a facilitação da escolha depende de fatores associados à condução da OP e ao perfil psicológico dos orientandos. Este último aspecto chama a atenção para a importância das condições pessoais prévias à orientação. E, se isto não é novidade, posto que reitera as proposições de Bohoslavsky quanto às condições, mais ou menos promissoras, da orientabilidade e reafirma a necessidade de um diagnóstico inicial, ainda assim parece produtivo considerá-lo na medida em que evidencia a importância dos fatores, externos ao orientando, que contribuem para a construção dessas suas condições pessoais.

Dentre eles, merecem destaque as relações familiares e as práticas educativas como agentes potencializadores da eficácia de uma OP. Inseridas num contexto social cada vez mais ordenado pela lógica dos projetos de “curto prazo” (Sennett, 2004), competitividade, individualismo e pavor do envelhecimento (Bauman, 2001; Calligaris, 2000), tais práticas e relações acabaram incorporando, e conseqüentemente transmitindo às novas gerações, os imperativos da pressa e do sucesso a qualquer preço. Como bem observam Sayão e Aquino (2006) os adolescentes de hoje sofrem de hiperestimulação: obrigados a estarem sempre “na dianteira”, sobretudo pelos pais, acabam vivenciando “uma espécie de fragilização civil que se traduz num tremendo medo de errar, de não obter sucesso em tudo o que fazem” (p. 58). Daí a naturalizar a sensação de “ficar para trás” como fracasso pessoal, é apenas um passo.

Num mundo onde tudo acontece aceleradamente, não surpreende haver cada vez menos espaço para a interiorização. Exige-se que os adolescentes decidam “para ontem” o que desejam fazer, mas pouco se faz no sentido de ouvir suas angústias e medos, pois não se trata somente de escolher uma profissão, mas de deixar de ser criança e entrar para o mundo adulto.

Na experiência com este projeto de extensão tem-se observado que as instituições educativas, e mesmo as famílias, pouco têm estimulado essa reflexão. As escolas particulares, preocupadas em transmitir os conteúdos exigidos no vestibular, raramente promovem discussões sobre como estes adolescentes poderiam escolher e, mesmo, sobre os conflitos e as conseqüências que tais escolhas acarretam. Quando muito, oferecem dezenas de informações sobre as profissões como se isto, por si só, fosse suficiente. Não por acaso, acaba sendo esse o discurso trazido ao início da OP: “quando é que vocês vão falar sobre os cursos?” “Para que estas tarefas sobre mim?”. Percebe-se que não há uma integração do que ocorre na universidade com o ensino médio, nem com o que acontecerá depois. Como afirma Soares (2002, p.44), “a escolha não é dada como opção; não somos educados e estimulados a realmente escolher, ao contrário do que nos apregoa o capitalismo”. As escolas públicas, por sua vez, não raro, assumem (embora nem sempre de forma explícita) o discurso instituído a respeito da “inutilidade” de tal discussão, uma vez que seus alunos não teriam outra escolha além da de inserirem-se, o quanto antes, no mercado de trabalho. Sem muitas escolhas, portanto.

Diante de tal realidade, parece oportuno resgatar o papel das instituições sociais na construção da condição de orientabilidade. E isto coloca aos orientadores mais um desafio: o de sensibilizar tais instituições para a parte que lhes cabe nessa construção. Nesse sentido, a experiência aqui relatada, embora voltada à trajetória individual dos orientandos, não deixa de insinuar a necessidade iminente de elaboração de políticas públicas de orientação profissional.

 

REFERÊNCIAS

Achtnich, M. (1991). O BBT - Teste de Fotos de Profissões: Método projetivo para clarificação da inclinação profissional (J. Ferreira Filho, Trad.). São Paulo: CETEPP. (Original publicado em 1979)         [ Links ]

Balbinotti, M. A. A., Marocco, A., & Tétreau, B. (2003). Verificação de propriedades psicométricas do Inventário de Cristalização das Preferências Profissionais. Revista Brasileira de Orientação Profissional, 4(1-2), 71-86.         [ Links ]

Bauman, Z. (2001). Modernidade líqüida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.         [ Links ]

Bleger, J. (1984). Psico-higiene e Psicologia Institucional. Porto Alegre: Artes Médicas        [ Links ]

Bohoslavsky, R. (2003). Orientação vocacional: A estratégia clínica (11a ed.). São Paulo: Martins Fontes. (Original publicado em 1977)         [ Links ]

Calligaris, C. (2000). A adolescência. São Paulo: PubliFolha.         [ Links ]

Guirado, M. (2004). Instituição e relações afetivas: O vínculo com o abandono. São Paulo: Casa do Psicólogo.         [ Links ]

Jacquemin, A. (2000). O BBT-Br - Teste de Fotos de Profissões: Normas, adaptação brasileira: Estudos de caso. São Paulo: CETEPP.         [ Links ]

Levenfus, R. S. (Org.). (1997). Psicodinâmica da escolha profissional. Porto Alegre: Artes Médicas.         [ Links ]

Levenfus, R. S. (2002). O uso da autobiografia escrita na orientação vocacional. Em R. S. Levenfus (Org.), Orientação vocacional ocupacional: Novos achados teóricos, técnicos e instrumentais para a clínica, a escola e a empresa (pp. 263-274). Porto Alegre: Artes Médicas.         [ Links ]

Lucchiari, D. H. P. (Org.). (1993). Pensando e vivendo a orientação profissional (6a ed.). São Paulo: Summus.         [ Links ]

Neiva, K. M. C. (2002). Escala de Maturidade para Escolha Profissional (EMEP). Em R. S. Levenfus & D. H. P. Soares (Orgs.), Orientação vocacional ocupacional: Novos achados teóricos, técnicos e instrumentais para a clínica, a escola e a empresa (pp. 239-246). Porto Alegre: Artmed.         [ Links ]

Oliveira, I. D., & Holanda, L. (2000). Os fatores que sobredeterminam a escolha profissional: Relato de uma pesquisa junto a alunos de escolas públicas e particulares do Recife. Em I. D. Oliveira (Org.), Construindo caminhos: Experiências e técnicas em orientação profissional (pp.87-109). Recife: EdUFPE.         [ Links ]

Primi, R., Hernandez, A. M. M., Bighetti, C. A., Porto, E. N., Pellegrini, M. C. K., & Moggi, M. A. (2000). Desenvolvimento de um inventário de levantamento das dificuldades da decisão profissional. Psicologia Reflexão e Crítica, 13(3), 451-463.         [ Links ]

Sayão, R., & Aquino, J. G. (2006). Família: Modos de usar. São Paulo: Papirus.         [ Links ]

Sennett, R. (2004). A corrosão do caráter: Conseqüências pessoais do trabalho no novo capitalismo (8a ed.). Rio de Janeiro: Record.         [ Links ]

Soares, D. H. P. (2002). A escolha profissional do jovem ao adulto. São Paulo: Summus.         [ Links ]

Soares, D. H. P., & Kravulski, E. (2002). Modalidades de trabalho e utilização de técnicas em orientação profissional. Em R. S. Levenfus & H. P. Soares (Orgs.), Orientação vocacional ocupacional: Novos achados teóricos, técnicos e instrumentais para a clínica, a escola e a empresa (pp. 291-305). Porto Alegre: Artmed.         [ Links ]

Souza, S. P. (1995). Diagnóstico de orientação profissional: O uso do T.A.T. Em A. M. B. Bock (Org.), A escolha profissional em questão (2a ed.). São Paulo: Casa do Psicólogo.         [ Links ]

Sparta, M., Bardagi, M. P., & Teixeira, M. A. (2006). Modelos e instrumentos de avaliação em orientação profissional: Perspectiva histórica e situação no Brasil. Revista Brasileira de Orientação Profissional, 7(2) 19-32.         [ Links ]

Teixeira, M. A. P., & Magalhães, M. O. (2001). Escala de indecisão vocacional: Construção de um instrumento para pesquisa com estudantes do ensino médio. Aletheia, 13, 21-26.         [ Links ]

Torres, M. L. C. (2001). Orientação profissional clínica: Uma interlocução com conceitos psicanalíticos. Belo Horizonte: Autêntica.         [ Links ]

Valore, L. A. (2002). Orientação Profissional em grupo na escola pública: Direções possíveis, desafios necessários. Em R. S. Levenfus (Orgs.), Orientação vocacional ocupacional: Novos achados teóricos, técnicos e instrumentais para a clínica, a escola e a empresa (pp. 115-131). Porto Alegre: Artes Médicas.         [ Links ]

Villas-Boas Filho, J. (s.d.). TPO: Teste Projetivo Omega. Rio de Janeiro: CEPA.         [ Links ]

 

 

Recebido: 04/07/2008
1ª Revisão: 06/10/2008
Aceite final: 26/11/2008

 

 

1 As autoras agradecem a Roberta Hofius pelo auxílio na coleta dos dados utilizados no presente artigo.
2 Endereço para correspondência: Av. Sete de Setembro, 5388/1201, 80240-000, Curitiba, PR. Fone: (41) 30858591. E-mail: gabrielle@cuorecorpore.com.br; luvalore@uol.com.br.

 

Sobre os autores
* Gabrielle Ana Selig é psicóloga pela Universidade Federal do Paraná, Bacharel em Direito pela mesma instituição.
** Luciana Albanese Valore é professora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Paraná, Doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo.

Creative Commons License