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Revista Brasileira de Orientação Profissional

versão On-line ISSN 1984-7270

Rev. bras. orientac. prof v.10 n.1 São Paulo jun. 2009

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

A influência da situação profissional parental no desenvolvimento vocacional dos adolescentes

 

The influence of parental career on their adolescent children’s vocational development

 

La influencia de la situación profesional parental en el desarrollo vocacional de los adolescentes

 

 

Joana Mafalda Sobral* 1; Carlos Manuel Gonçalves**; Joaquim Luís Coimbra***

Universidade do Porto, Porto, Portugal

 

 


RESUMO

Este estudo centra-se no impacto da situação profissional parental (emprego e desemprego) nos trajectos vocacionais dos filhos. Foi administrada a Escala de Exploração e Investimento Vocacional (EEIV) a 327 adolescentes do 9º e 12º anos de escolaridade de escolas públicas da região do Porto-Portugal. Os resultados indicam que os adolescentes filhos de pais empregados manifestam significativamente mais comportamentos de investimento vocacional do que os adolescentes filhos de pais desempregados. Além disso, os filhos de pais desempregados tendem a apresentar médias mais elevadas em termos de difusão vocacional e tendência a excluir opções do que os filhos de pais empregados. Os resultados são discutidos, retirando-se implicações para a intervenção psicológica e salientando-se direcções para futuras investigações.

Palavras-chave: Desemprego, Pais, Adolescentes, Desenvolvimento vocacional, Psicologia vocacional.


ABSTRACT

This investigation studies the impact of parental job situation (employed or unemployed) on the vocational courses of their children. The sample is composed of 327 adolescents from both school and high school from public institutions in Porto-Portugal. They answered an Exploration and Commitment Career Scale (ECCS). Results indicate that the children of employed parents tend to invest more on their vocational development than the children of unemployed parents. Besides that, the latter also tend to present more vocational diffusion and a tendency to exclude career options than the children of employed parents. From the results implications are drawn for psychological vocational intervention and directions are pointed out for future investigations in this subject.

Keywords: Unemployment, Parents, Adolescents, Vocational development, Psychological vocational.


RESUMEN

Este estudio se centra en el impacto de la situación profesional parental (empleo y desempleo) en los trayectos vocacionales de los hijos. Fue administrada la Escala de Exploración e Inversión Vocacional (EEIV) a 327 adolescentes de 9º y 12º años de escolaridad de escuelas públicas de la región de Porto-Portugal. Los resultados indican que los adolescentes hijos de padres empleados manifiestan significativamente más comportamientos de inversión vocacional que los adolescentes hijos de padres desempleados. Además, los hijos de padres desempleados tienden a presentar promedios más elevados en términos de difusión vocacional y tendencia a excluir opciones que los hijos de padres empleados. Los resultados se discuten, retirando implicaciones para la intervención psicológica y destacándose direcciones para futuras investigaciones.

Palabras clave: Desempleo, Padres, Adolescentes, Desarrollo vocacional, Psicología vocacional.


 

 

A influência do contexto familiar no processo de desenvolvimento vocacional dos adolescentes e jovens está amplamente estudada (Whiston & Keller, 2004), uma vez que este se constitui como o primeiro e mais significativo contexto de desenvolvimento e de transmissão de modelos de referência (Gonçalves, 2008; Malmberg, Ehrman, & Lithén, 2005). No entanto, sabe-se que a vida da família não é estanque, sendo antes pautada por uma série de objectivos e acções diversas que incluem a resposta a diferentes desafios familiares que vão ocorrendo ao longo do tempo (Young e cols., 2006). Alguns desses desafios familiares, como a doença crónica, o desemprego ou mesmo o divórcio podem ser considerados pelas famílias como factores preponderantes na sua capacidade de influenciar o futuro dos seus filhos (Young e cols., 2006). Assim, esta investigação detém, como objectivo geral, estudar a influência que a família, nomeadamente os pais, exerce sobre o desenvolvimento vocacional dos jovens e adolescentes, particularmente através da relação dos primeiros com o mundo do trabalho.

Considera-se, assim, que o desemprego pode ser encarado como uma crise no sistema familiar que interfere significativamente com a rotina da vida da família (Briar, 1988 citado por Cinamon, 2002; Stewart & Barling, 1996) tendo consequências tanto a nível individual, como nas relações estabelecidas nesse contexto. No entanto, e apesar do fenómeno do desemprego não ser recente, atingindo já uma fatia considerável da população, pouca atenção tem sido dada na literatura ao impacto que este poderá exercer na vida familiar, tal como se poderá verificar pela revisão da investigação apresentada neste trabalho.

Abordagem conceptual e revisão da investigação do problema em análise

Apesar dos vários estudos acerca do impacto do desemprego no indivíduo, só por volta dos anos 80 começaram a surgir estudos que se debruçavam sobre a influência dessas mesmas experiências em outros membros da família ou na própria dinâmica familiar (Barling & Mendelson, 1999). Assim, e em geral, no que diz respeito ao impacto do desemprego na vida familiar, algumas investigações apontam a diminuição da coesão familiar e do bem-estar percebido dos elementos da família, bem como o aumento dos conflitos familiares, violência ou irritabilidade parental (Hanisch, 1999). Apesar de esse impacto ser, na maioria dos estudos descrito como indirecto, na medida em que afecta o bem-estar dos pais, os seus comportamentos, influi (na maioria dos casos negativamente) na própria relação com os filhos, podendo perturbar o seu próprio bem-estar e desenvolvimento (Crouter & Bumpus, 2001). Reconhecendo-se o impacto negativo das situações de desemprego parentais na vida familiar, este estudo pretende centrar-se a atenção em estudos que abordem o impacto específico desta situação para a relação pais-filhos, ou para variáveis directamente relacionadas com os jovens.

Em 1987, Galambos e Silbereisen salientam que a redução do salário dos pais, causada por mudança no emprego ou situação de desemprego, como factor que precipita a crise no sistema familiar já teria sido estudada no âmbito da sociologia. Verificaram que a redução de salário aumentará o pessimismo parental que, por sua vez, repercutir-se-á na diminuição de expectativas de sucesso dos filhos (sendo este efeito particularmente verificado nas raparigas), tendo igualmente consequências no que diz respeito às crenças pessoais dos adolescentes acerca da sua probabilidade de sucesso ou satisfação profissional (Galambos & Silbereisen, 1987). Os mesmos autores avançam ainda com a premissa de que se os pais, face à sua redução de salário, desenvolverem uma crença generalizada de que um futuro feliz e bem sucedido será dificilmente alcançável, poderão transmitir aos seus filhos uma visão pessimista do seu próprio futuro ocupacional. No entanto, este efeito poderá ser minimizado pela existência de boas relações pais-filhos, uma vez que “apesar de uma forte diminuição do salário, as crianças que possuem boas relações com os seus pais não experienciam efeitos adversos oriundos das preocupações financeiras” (Galambos & Silbereisen, 1987, p. 142).

McLoyd (1989) estudou, igualmente, os efeitos da redução de salário dos pais nos filhos, reflectindo em torno da socialização e do desenvolvimento dos mesmos em uma economia em mutação. O investigador avança com a proposta de um modelo conceptual explicativo da forma como a redução de salário afecta os filhos, aumentando o negativismo e pessimismo dos pais e que se reflecte em comportamentos mais punitivos para com os filhos, influenciando negativamente a relação entre ambos e contribuindo para a diminuição das expectativas dos jovens (McLoyd, 1989).

Flanagan e Eccles (1993) centraram a atenção no impacto das alterações do estatuto profissional parental e na adaptação dos adolescentes à escola, concluindo que os adolescentes cuja transição escolar coincidiu no tempo com a insegurança no emprego dos pais, viram as suas dificuldades desenvolvimentais associadas a essa situação tornarem-se exacerbadas. Por sua vez, Schliebner e Peregoy (1994) centraram-se nos efeitos do desemprego para as famílias e para as crianças. Salientam os sentimentos de confusão, raiva e insegurança dos filhos que afectam tanto as atitudes destes para com os pais, com a escola, o mundo do trabalho e o seu relacionamento com o meio. Apontam, também, possíveis sentimentos de incerteza, medo do desconhecido, separação e inquietação, afectando particularmente a forma como os adolescentes vêem o seu próprio futuro em um mundo do trabalho. Especificam que, quando os filhos percepcionam a frustração dos pais nas suas tentativas para encontrar emprego, desenvolvem percepções de incontrolabilidade neste domínio, conduzindo a uma falta de confiança em si próprio e no próprio sistema económico. Mantendo esta visão mais pessimista do mundo do trabalho, é compreensível que experienciem alguma ansiedade, baixa auto-estima e bem-estar subjectivo, vendo diminuídas as suas aspirações e oportunidades futuras (Schliebner & Peregoy, 1994).

Em estudos mais recentes Barling, Dupre e Hepburn (1998), debruçaram-se sobre o impacto do emprego/desemprego dos pais na vida dos filhos, estudando diferentes variáveis. Os autores referem-se à existência de vários indicadores de que se as crianças virem os seus pais envolvidos e satisfeitos com o seu trabalho, tendem a apresentar um nível de bem-estar mais elevado, desenvolvendo atitudes positivas face ao trabalho. No entanto, verificaram que as crianças cujos pais manifestam insegurança no trabalho evidenciam mais problemas sociais relacionados com a escola.

Lim e Loo (2003) propõem que a insegurança no trabalho dos pais, sendo uma situação que enseja altos níveis de stresse, afecte directamente os comportamentos autoritários dos pais, isto é, estando mais irritáveis, aumentando as demonstrações de controlo, diminuindo a sensibilidade, a participação parental e o apoio ou suporte aos filhos. Traçando várias hipóteses no seu estudo concluíram que: (a) a insegurança no trabalho parental está positivamente associada aos comportamentos autoritários parentais (apesar do mesmo não se verificar em relação à insegurança no trabalho maternal); (b) tanto a insegurança do trabalho parental como maternal são percebidas pelos seus filhos; (c) os comportamentos autoritários da mãe, mas não do pai, estão negativamente associados à auto-eficácia dos adolescentes; (d) a percepção da insegurança tanto no trabalho do pai, como no da mãe, está associada negativamente à auto-eficácia dos jovens; (e) a auto-eficácia dos adolescentes está positivamente associada aos seus valores vocacionais (Lim & Loo, 2003). Desta série de conclusões, poder-se-á extrair que, sendo a insegurança no trabalho dos pais facilmente percebida pelos seus filhos, a situação profissional parental poderá ter implicações significativas para o seu desenvolvimento vocacional.

Sendo os pais fonte de referência como modelos para os seus filhos, o facto de ultrapassarem uma situação profissional stressante e adversa como o desemprego, e tendo em consideração que esta situação é facilmente percebida pelos adolescentes, podendo estes sentir alterações no comportamento dos pais ou na relação entre ambos, não afectará, esta situação, além do seu bem-estar, do aproveitamento escolar, do autoconceito (entre outros já mencionados), a forma como estes conceptualizam o seu próprio futuro profissional?

Tem sido reconhecido pelos investigadores que os pais podem influenciar as aspirações e expectativas vocacionais dos seus filhos, quer através das atitudes vocacionais que transmitem, quer através dos modelos de comportamento vocacional que apresentam aos seus filhos (Vondracek & Schulenberg, 1986). Apesar disso, poucos investigadores se centraram no impacto que os comportamentos dos pais associados à sua própria dimensão profissional poderiam ter no desenvolvimento vocacional dos jovens. Bacon e Lerner (1975) terão sido os primeiros autores a reportar-se ao efeito do estatuto de emprego da mãe em uma variável do desenvolvimento vocacional dos filhos, comparando o impacto deste no desenvolvimento de percepções de papéis vocacionais nas filhas de mulheres que trabalhavam versus mulheres que não trabalhavam. Partindo do pressuposto de que os papéis vocacionais são veiculados pelos modelos transmitidos no seio da família, defendiam que as filhas cujas mães trabalhavam possuíam visões menos tradicionais ao nível vocacional, do que as filhas de mães que não trabalhavam. Naturalmente que este estudo não pode ser descontextualizado, considerando-se a época em que foi realizado (por volta de 1973), em que a cultura dominante atribuía à mulher o papel de cuidadora dos filhos, cabendo ao homem a responsabilidade de sustentar a família. De qualquer forma, o facto de já defenderem que a situação profissional da mãe podia interferir nas percepções vocacionais das filhas é significativo para este estudo.

Cinamon (2002) focou-se na influência do desemprego parental sobre algumas variáveis relativas ao desenvolvimento vocacional dos jovens adolescentes, nomeadamente valores e maturidade vocacionais, bem como expectativas de sucesso na carreira. A autora encontrou diferenças significativas nas expectativas de sucesso, sendo que adolescentes filhos de pais empregados evidenciariam expectativas de sucesso mais elevadas do que adolescentes filhos de pais desempregados (Cinamon, 2002). Estes dados parecem, então, confirmar a influência do estatuto de emprego dos pais para o desenvolvimento vocacional dos seus filhos, na medida em que por expectativas de sucesso entende-se a crença dos jovens de que serão bem sucedidos e obterão satisfação profissional no seu futuro.

Em um estudo mais recente, Neblett e Cortina (2006) defendem que a percepção do trabalho dos pais pode relacionar-se com a forma como os adolescentes pensam acerca dos seus próprios futuros, relacionando uma percepção positiva do trabalho dos pais e uma melhor competência académica, melhor funcionamento socio-emocional, maior ética profissional e maior optimismo. Salientam, igualmente, que uma percepção negativa estaria associada a um maior pessimismo, sendo este efeito mediado pelo suporte parental, isto é, um menor suporte corresponderia a um menor grau de optimismo. Neste estudo de Neblett e Cortina (2006) a percepção dos adolescentes relativa à profissão dos pais é conceptualizada como a sua interpretação das experiências que os pais têm no emprego, nomeadamente, a percepção das recompensas, autonomia e stresse relacionados com o trabalho, enquanto que a orientação futura foi avaliada através do optimismo, pessimismo e esperança. Os autores salientam a pertinência destas variáveis como preparação para as tomadas de decisão concomitantes com o período da adultez, reforçando a ideia de que possuir uma orientação positiva relativamente ao futuro pode ajudar os adolescentes a tomar decisões, facilitando a tolerância à frustração, manutenção da flexibilidade e resolução de problemas. As conclusões do estudo apontam para uma correlação positiva entre o trabalho dos pais, visto como recompensador e promotor de autonomia (em detrimento de uma visão mais negativa) e um maior grau de esperança no futuro e optimismo, bem como um menor pessimismo (Neblett & Cortina, 2006).

Apesar de vários autores (Cinamon, 2002; Neblett & Cortina, 2006) reconhecerem a pertinência desta temática, poucos estudos têm sido realizados neste âmbito. De qualquer forma, os estudos realizados (Bacon & Lerner, 1975; Castellino, Lerner, Lerner, & Eye, 1999; Cinamon, 2002; Neblett & Cortina, 2006) parecem apontar para a mesma direcção, reconhecendo o impacto da situação profissional parental no desenvolvimento dos filhos, particularmente no que se refere à sua vertente vocacional, seja ao nível dos estereótipos de género, aspirações, expectativas e optimismo/pessimismo quanto ao sucesso do seu futuro profissional.

No presente trabalho, pretende-se estudar como a família, nomeadamente através de variáveis relacionadas com as experiências de emprego dos pais, poderão influenciar a construção de projectos vocacionais dos jovens e adolescentes, ao nível dos seus comportamentos de exploração e investimentos vocacionais. Visa-se assim, tentar compreender se o facto de os pais estarem empregados ou desempregados influencia significativamente as percepções, expectativas e construção de significados dos jovens e adolescentes no que diz respeito ao mundo do trabalho e formações, nomeadamente, das explorações e investimentos futuros a nível vocacional. Deste modo, propõe-se: (a) Analisar como o estatuto de emprego dos pais influencia algumas variáveis do desenvolvimento vocacional dos filhos (exploração e investimento vocacionais); (b) Identificar e analisar as possíveis diferenças no desenvolvimento vocacional, em função do género, nível de escolaridade, nível socioeconómico da família de origem.

 

MÉTODO

Hipóteses de investigação

Partindo da revisão da literatura sobre o domínio em análise já referida, enunciam-se as seguintes hipóteses de investigação:

(1) Espera-se encontrar uma relação negativa entre o estatuto de emprego dos pais (desempregados) e a exploração e investimento vocacionais dos seus filhos, ou seja, filhos de pais desempregados desenvolverão menos comportamentos de exploração e investimento.

(2) Espera-se encontrar uma relação positiva entre o estatuto de emprego dos pais (desempregados) e a tendência para excluir escolhas nos filhos.

(3) Espera-se encontrar uma relação positiva entre o estatuto de emprego dos pais (desemprego) e a ausência de exploração e investimento (difusão vocacional) nos filhos.

(4) Espera-se encontrar uma relação positiva entre o estatuto de emprego dos pais (empregados) e a exploração e investimento vocacionais dos seus filhos, isto é, filhos de pais empregados tenderão a desenvolver mais experiências e actividades de exploração e investimentos vocacionais.

(5) Espera-se encontrar, diferenças de género, ano de escolaridade (alunos do 9º e do 12º anos)2 , bem como o nível sócio-económico e cultural, relativamente às variáveis vocacionais em análise.

No que diz respeito às quatro primeiras hipóteses salientam-se os estudos que indicam que os filhos de pais desempregados são menos optimistas em relação ao futuro (Cinamon, 2002; Neblett & Cortina, 2006). A par desta constatação surge a afirmação de que uma orientação negativa face ao futuro dificulta a tomada de decisões (Neblett & Cortina, 2006). Assim, os filhos de pais desempregados, sendo menos optimistas, e possuindo uma orientação negativa, terão mais dificuldades em tomar decisões, reflectindo-se nos seus comportamentos de exploração e investimento (diminuição destes comportamentos).

Além disso, se o desemprego for encarado como uma crise familiar que provoca ansiedade (Galambos & Silbereisen, 1987) e se considerar que os adolescentes com níveis de ansiedade mais elevados apresentam menos actividades de exploração (Vignolli, Croity-Belz, Chapeland, Fillipis, & Garcia, 2005), poder-se-á considerar que os filhos de pais desempregados tenderão a evidenciar menores níveis de exploração (surgindo assim projectos outorgados ou ausência de projectos, numa difusão vocacional). Esta evidência parece ser reforçada por estudos que abordam especificamente os efeitos da ansiedade no desenvolvimento vocacional, salientando que níveis mais elevados de ansiedade estão associados a menores níveis de investimentos vocacionais (Hardin, Varghese, Tran, & Carlson, 2006).

Contudo, e se atendermos aos estudos que indicam que os filhos de pais empregados têm expectativas de sucesso mais elevadas (Barling e cols., 1998) ao passo que filhos de pais desempregados têm expectativas de sucesso mais baixas (Galambos & Silbereisen, 1987), podemos considerar que os primeiros evidenciarão níveis mais elevados de exploração e investimento, uma vez que as suas expectativas serão mais elevadas e irão encarar o futuro com maior optimismo. De facto, as investigações sublinham que se os pais, face à sua redução de salário, desenvolverem uma crença generalizada de que um futuro feliz e bem sucedido será dificilmente alcançável, poderão transmitir aos seus filhos uma visão pessimista do seu próprio futuro ocupacional, tendo estes expectativas mais baixas (Galambos & Silbereisen, 1987; McLoyd, 1989).

Sublinha-se, ainda, que estudos acerca da adaptação dos adolescentes à escola concluíram que os adolescentes cuja transição escolar coincidiu no tempo com a insegurança no emprego dos pais, viram as suas dificuldades desenvolvimentais associadas a essa situação tornarem-se exacerbadas (Flanagan & Eccles, 1993), ou seja, os filhos de pais desempregados, vivenciando situações de stresse familiar, poderão experienciar maiores dificuldades no que concerne a exploração e investimentos vocacionais, optando por projectos outorgados ou tendo dificuldade em definir um projecto (difusão vocacional).

Por último, evocam-se os estudos já referidos que salientam a existência de diferenças significativas nas expectativas de sucesso, sendo que adolescentes filhos de pais empregados evidenciariam expectativas de sucesso mais elevados do que adolescentes filhos de pais desempregados, sendo que parece confirmar-se a influência do estatuto de emprego dos pais no desenvolvimento vocacional dos seus filhos, na medida em que por expectativas de sucesso entende-se a crença dos jovens de que serão bem sucedidos e obterão satisfação profissional no seu futuro (Cinamon, 2002; Neblett & Cortina, 2006).

No que diz respeito à hipótese diferencial (H5), é necessário considerar separadamente as variáveis género, nível sócio-económico e ano de escolaridade. No que diz respeito ao género várias investigações sugerem que as práticas educativas familiares diferem de filhos para filhas, acentuando a competitividade, assertividade e independências nos primeiros (Gonçalves & Coimbra, 1994). De facto, as filhas tendem a ser socializadas de forma mais restritiva, inibindo comportamentos ou experiências exploratórias fora de casa (Block, 1983). Além disso, as investigações revelam que os efeitos da ansiedade tendem a ser mais inibidores dos comportamentos de exploração nas filhas (Vignolli e cols., 2005). Apesar de não podermos ignorar que, actualmente, as mulheres começam a assumir, cada vez mais, profissões de prestígio, ocupando a maioria das oportunidades de formação a nível superior (Gonçalves, 1997) espera-se que as filhas apresentem menos comportamentos de exploração e investimento do que os filhos.

No que concerne ao nível socioeconómico, a investigação sugere que “o estatuto socioeconómico representado, sobretudo, pelos níveis de educação e profissional do pai, mas também, em menor grau, da mãe, é determinante na construção e planeamento dos projectos vocacionais dos filhos, apresentando-se como indicador do sucesso profissional destes”, particularmente nos filhos rapazes pelo carácter sexista da educação (Gonçalves & Coimbra, 1994, p. 45). De facto, os pais tendem a transmitir aos filhos as suas valorizações da realidade do mundo do trabalho; isto é, as dimensões que eles próprios consideram importantes e nucleares para o sucesso profissional. Assim, por exemplo os pais de níveis sócio-económicos mais elevados, onde o sucesso profissional depende da capacidade de auto-direcção, valorizam muito mais a autonomia dos filhos e proporcionam experiências exploratórias que vão no sentido da competitividade, independência, auto-suficiência e assertividade.

Pelo contrário, “os pais de níveis socioeconómicos mais desfavorecidos, onde o sucesso profissional depende da conformidade à autoridade, tendem a desvalorizar mais as atitudes de obediência na educação dos seus filhos, reduzindo assim as oportunidades de exploração vocacional e as suas expectativas de formação e sucesso profissional.” (Gonçalves, 1997, p. 95). A família de origem desempenha um papel fundamental na promoção de actividades de aprendizagem intelectuais e culturais diversas, dependente do seu nível cultural e socioeconómico, que permitem aos jovens adquirir confiança, promovendo o seu desenvolvimento (Hargrove, Creagh, & Burgess, 2002). Além disso, nem todos os adolescentes têm acesso às mesmas oportunidades de exploração, sendo que, em certos casos a exploração é um privilégio de se pertencer a um determinado estatuto socioeconómico, podendo assim ver diminuídas as suas experiências de exploração e investimento. Espera-se, assim que os adolescentes pertencentes a um nível sócio-económico mais baixo exibam menos comportamentos de exploração e investimento, apresentando, igualmente, maior tendência a excluir opções ou alternativas de exploração.

Quanto à variável ano de escolaridade, espera-se comportamentos de exploração mais elevados nos alunos do 9º ano, justificável pela transição eminente com a qual se encontram confrontados, pela organização do sistema de ensino, educação-formação português que impele o questionamento vocacional. Além disso, os adolescentes mais novos encontram-se numa fase primordial de construção da identidade e de progressiva autonomização face à família (Gonçalves, 2008) e consequente aproximação do grupo de pares (Papalia, Olds, & Feldman, 2001). Os alunos do 12º ano, quer pelas escolhas do passado, quer pela organização do sistema de ensino português, encontram- se em uma fase de maior sustentação dos seus projectos de vida, sendo esperados maiores níveis de investimento vocacionais (Gonçalves, 2008).

Caracterização da amostra

 A amostra é composta por sete turmas do 9º ano de escolaridade (n=179) e oito do 12º ano (n=148), perfazendo um total de 327 alunos, de três escolas públicas da região do Grande Porto-Portugal, estando uma localizada na zona central da cidade e duas na periferia, bem como os seus respectivos pais. A média total das idades dos alunos que constituem a amostra é de 15,8 anos (desvio padrão de 1,54), sendo, para os alunos do 9º ano de escolaridade de 14,7 anos e para os do 12º ano de 17,25 anos. Em relação ao género, a amostra encontra-se relativamente equilibrada, sendo 42,5% dos indivíduos pertencentes ao género masculino e 57,5% ao feminino. No que concerne ao nível socioeconómico, a maioria da população da amostra foi enquadrada no nível baixo, representando 52% do total, seguido do nível médio (29,7%) e o nível alto (18,3%). A respeito da situação profissional parental, 89,92% identificou o pai como estando empregado e 70,2% são filhos de mães empregadas. A amostra é caracterizada na Tabela 1.

Tabela 1
Caracterização da amostra

 

 

Instrumentos e procedimentos

O desenvolvimento vocacional foi avaliado através da Escala de Exploração e Investimento Vocacional (EEIV) (Gonçalves & Coimbra, 2003), composta por 40 itens, que operacionaliza o desenvolvimento vocacional nas seguintes dimensões: comportamentos de exploração (momentos de procura, questionamento e moratória vocacional), investimento (processo psicológico em que sujeito parte para a acção), investimento sem exploração (tendência para a exclusão de opções vocacionais (TEE), excluindo a exploração de outras alternativas e/ou investimentos outorgados, isto é, investimentos sem a realização prévia de exploração) e ausência de exploração e de investimento (difusão vocacional).

A análise factorial exploratória, com rotação ortogonal varimax, segundo o método de eixos principais (principal axis factoring), confirmou a estrutura factorial original da EEIV com as cinco dimensões nomeadas anteriormente, revelando a consistência interna e coerência ao nível dos itens que compõe cada sub-escala. Apresenta-se, na Tabela 2, o resultado da estrutura factorial da EEIV, bem como a respectiva percentagem de variância explicada e os valores de consistência interna (alfas de Cronbach) de cada sub-escala, comparando os resultados do estudo de Gonçalves e Coimbra (2003) e a actual investigação (Sobral, 2008).

Tabela 2
Estrutura factorial da Escala de Exploração e Investimento Vocacional-EEIV

 

 

Os dados relativos ao estatuto de emprego dos pais, bem como o género, o ano de escolaridade e o nível socioeconómico, como variáveis independentes, foram recolhidos mediante a formulação de questões num questionário socio-demográfico aplicado simultaneamente à EEIV. O nível socioeconómico e cultural foi avaliado a partir da profissão e ano de escolaridade do pai e da mãe. Incluíram- se no nível sócio-económico e cultural baixo trabalhadores indiferenciados e com níveis de escolaridade igual ou inferir à escolaridade obrigatória; no nível sócio-económico e cultural médio, incluíram-se trabalhadores qualificados com uma escolaridade igual ou superior ao Ensino Secundário; por último, no nível sócio-económico alto, profissões de quadros superiores da administração e gestão pública ou privada, grandes proprietários, empresários profissionais liberais, com escolaridade igual ou superior à licenciatura do Ensino Superior.

A administração dos questionários foi realizada durante blocos de aulas de algumas disciplinas (como Educação Física ou Área Projecto), prolongando-se por cerca de 30 minutos. A administração foi, em todos os casos, da responsabilidade do investigador principal, assegurando- se a confidencialidade dos dados recolhidos.

 

RESULTADOS

Para dar resposta às primeiras quatro hipóteses que relacionam o desenvolvimento vocacional dos jovens directamente com o estatuto de emprego dos pais realizou-se uma análise de variância simples (One way ANOVA) dividindo-se os adolescentes em dois grupos: filhos de pais empregados e filhos de pais desempregados. Consideraram-se como filhos de pais desempregados todos os adolescentes que reportassem pelo menos uma figura parental (pai ou mãe) em situação de desemprego. Os resultados tendem a confirmar as hipóteses formuladas, tal como pode ser verificado na Tabela 3.

Tabela 3
Análise de variância das dimensões vocacionais consoante a situação profissional parental

 

 

*Nível de significância *p<0,05;**p<0,01;***p<0,001

A análise da Tabela 3 permite verificar a existência de diferenças estatisticamente significativas nos dois grupos (empregados e desempregados) quanto às dimensões vocacionais do investimento, difusão, foreclosure e tendência a excluir opções, apenas não se verificando diferenças quanto à dimensão da exploração.

No sentido de analisar as diferenças intergrupos-género, ano de escolaridade (9º e 12º) e nível sócio-económico (NSE) &– quanto às variáveis vocacionais, procedeu-se à realização de análises de variância, apresentando-se os resultados na Tabela 4.

Tabela 4
Análise das diferenças intergrupos quanto ao desenvolvimento vocacional

 

 

*Nível de significância *p<0,05;**p<0,01;***p<0,001

Pela análise da Tabela 4, e no que diz respeito às diferenças intergrupos relativas ao desenvolvimento vocacional, conclui-se que:

(1) Quanto ao género, apenas se encontram diferenças estatisticamente significativas quanto à difusão e à tendência para excluir opções com base nos significativos, apresentando em ambas as variáveis valores mais elevados nos rapazes;

(2) Quanto ao ano de escolaridade, encontram-se diferenças significativas quanto às variáveis de exploração, investimento, foreclosure e tendência a excluir opções, apresentando os alunos do 9º ano médias mais elevadas (na variável difusão não se verificam diferenças significativas);

(3) Por último, quanto ao NSE, verificam-se diferenças significativas quanto à exploração, difusão, foreclosure e tendência a excluir opções, apresentando o NSE baixo médias mais elevadas em todas estas dimensões (no investimento vocacional não se verificam diferenças significativas).

 

DISCUSSÃO

De uma maneira geral, os resultados da investigação demonstram que os filhos de pais desempregados tendem a evidenciar um menor grau de investimento vocacional, a par de uma maior tendência para a ausência que de investimento, quer de exploração (difusão vocacional), bem como a realização de investimentos sem a existência prévia de exploração (foreclosure) ou com a realização de projectos outorgados por significativos. De facto, os filhos de pais desempregados, tendo expectativas de sucesso mais baixas (Galambos & Silbereisen, 1987), tenderão a sentir-se mais dispersos no domínio vocacional, podendo ter uma visão mais pessimista do seu próprio futuro profissional (McLoyd, 1989) e sentindo-se mais desmotivados relativamente às suas escolhas futuras. Além disso, contactando, no contexto da família, com situações de insegurança profissional e discursos negativos face ao trabalho, terão dificuldades acrescidas no investimento escolar (Flanagan & Eccles, 1993), podendo ter maiores dificuldades para se envolver em projectos que impliquem trabalho e persistência (nem explorando, nem investindo), podendo adoptar projectos definidos pelos seus significativos no sentido do desinvestimento perpetuando os deficits da família de origem. Contudo, os filhos de pais empregados sentirão maior confiança, uma vez que evidenciam expectativas de sucesso mais elevadas, acreditando que serão bem sucedidos e obterão satisfação profissional no seu futuro (Cinamon, 2002; Neblett & Cortina, 2006), por isso investindo mais no domínio vocacional.

No que diz respeito à ausência de diferenças significativas na dimensão da exploração vocacional, talvez seja pertinente considerar o momento da aplicação dos questionários, que coincidiu com o término do ano lectivo e a consequente transição iminente, sendo as questões vocacionais bastante prementes. De facto, o Sistema Educativo Português encara o 9º e o 12º como anos de transição de ciclos (final do nível básico para o 9º ano e final do nível secundário para o 12º ano). Assim, em ambos os anos, os adolescentes deverão tomar uma decisão no sentido da persecução dos estudos (seguindo para o Ensino Secundário no caso dos alunos do 9º ano ou para o Ensino Superior no caso dos alunos do 12º ano, definindo em ambos os anos a área de formação pretendida) ou finalização dos estudos e inserção no mercado de trabalho. Desta forma, e no final do ano lectivo, quer os alunos do 9º ano quer os do 12º anos são confrontados com a realização desta escolha constituindo-se, assim, um momento decisivo que impele os adolescentes a explorar, questionar, e confrontar-se definitivamente com as várias possibilidades e alternativas face a escolha vocacional.

Tal como referido anteriormente, esperava-se que as filhas, pelas práticas educativas familiares diferenciadas de que são alvo (Gonçalves & Coimbra, 2000), exibissem menos comportamentos de exploração e investimento. No entanto, as únicas diferenças de géneros significativas encontradas em termos de comportamentos vocacionais prendem- se com a difusão e a tendência a excluir opções (ambas acentuadas nos rapazes). Neste sentido, há que reconhecer que, progressivamente, as práticas educativas das famílias tendem a homogeneizar-se entre rapazes e raparigas, diminuindo, assim, possíveis diferenças na socialização de ambos os géneros (Hoffman, 1974). Contudo, os resultados nos rapazes tendem a seguir as tendências da investigação (Gonçalves, 2008). Assim, há que ter em consideração as próprias características do sistema de ensino português que, “valorizando atitudes como a persistência, a regularidade, a tolerância à frustração e acentuando saberes enciclopedistas pouco articulados com o mercado de trabalho” (Gonçalves, 2008, p. 241) tendem a dificultar a adaptação dos rapazes que abandonam mais precocemente o sistema de ensino, enveredando mais cedo pela entrada no mundo do trabalho (explorando e investindo menos numa formação superior).

Quanto ao ano de escolaridade, os resultados da investigação seguem, de uma maneira geral, os resultados das investigações mais recentes, apresentando os alunos do 9º ano médias mais elevadas do que o 12º ano (em todas as dimensões, excepto a difusão). Estas diferenças devem ser entendidas, novamente, no enquadramento do sistema de ensino e formação português, bem como considerando as diferentes etapas de desenvolvimento em que os jovens de ambos os grupos se encontram. Os alunos do 9º ano encontram-se em um processo predominantemente activo de exploração e questionamento vocacional, sendo confrontados com um primeiro momento de investimento, correspondente a uma decisão concreta quanto a uma área específica de formação e tipo de curso para prosseguimento de estudos ao nível do ensino secundário. Além disso, dada a exigência deste tipo de processo, os adolescentes mais novos poderão tentar demitir-se do processo activo de exploração, optando por investimentos não explorados, isto é, preferindo delegar a tarefa em figuras significativas dos seus contextos de vida (evidenciando assim uma tendência para excluir opções). Contudo, os alunos do 12º ano de escolaridade, já terão explorado e investido anteriormente, na transição anterior pelo 9º ano, pelo que já terão projectos relativamente configurados, mais centrados num certo domínio de formação (Gonçalves, 2008). No que diz respeito à difusão vocacional, situação que importa analisar separadamente dada a inversão da tendência de médias mais elevadas no 9º ano, há que considerar que uma parte da amostra desta investigação reside precisamente em adolescentes filhos de pais desempregados, que, tal como se verificou anteriormente, diferem significativamente dos adolescentes filhos de pais empregados no que diz respeito à ausência de investimentos e exploração, evidenciando maior tendência para situações de difusão.

Os dados relativos ao NSE evidenciam a existência de diferenças significativas em todas as dimensões vocacionais (excepto o investimento), resultados que seguem a tendência da investigação. De facto, os adolescentes provenientes de níveis sócio-económicos mais baixos encontram-se em situações de maior difusão, realizando escolhas outorgadas, excluindo opções e seguindo projectos definidos por figuras significativas, o que pode ser atribuído a um menor grau de recursos disponíveis do que os adolescentes provenientes de NSE mais elevados, sendo reconhecido que “o nível sócio-económico e cultural de proveniência influencia as expectativas que conduzem ao investimento da formação /profissão dos jovens” (Gonçalves, 2008, p. 243). Assim, possuindo expectativas de sucesso mais baixas, os adolescentes de NSE mais baixos, tendem a evidenciar um certo desinvestimento dos seus próprios projectos vocacionais.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em traços gerais, a principal conclusão que se retira, à semelhança de outras investigações na área (Gonçalves, 2008; Pinto & Soares, 2001, 2002; Young e cols., 2006) é de que a família é um contexto de vida decisivo e primordial de aquisição e promoção de competências de vida, podendo ser facilitadora ou inibidora do desenvolvimento global do indivíduo (no qual se insere, como já referido, o desenvolvimento vocacional). Depreende-se, igualmente, o impacto significativamente negativo das situações de desemprego parental quer para os pais (Brenner & Bartel, 1983; Hanisch, 1999; Hepworth, 1980; Price, 1992), alvos particulares dessa situação, quer junto dos adolescentes (Barling e cols., 1998; Barling & Mendelson, 1999; Flanagan & Eccles, 1993; Galambos & Silbereisen, 1987; McLoyd, 1989; Schliebner & Peregoy, 1994), particularmente no que diz respeito ao desenvolvimento vocacional destes, (Cinamon, 2002; Neblett & Cortina, 2006; Vondracek & Schulenberg, 1986), salientando-se os comportamentos de exploração e investimento.

Assim, e perante estas constatações, fará todo o sentido considerar o contexto familiar como alvo particular de intervenção, desenvolvendo-se projectos de consulta psicológica vocacional junto aos pais de adolescentes. Nestes projectos, nos quais se sugere a adopção de uma postura marcadamente de consultoria psicológica, pretender-se-á que os consulentes (os pais), trabalhando numa relação de colaboração com os consultores (os psicólogos), possam adquirir competências para lidarem autónoma e satisfatoriamente com as tarefas de desenvolvimento vocacional dos seus filhos, prestando-lhes um apoio mais qualificado (Gonçalves, 1997).

Naturalmente que, partindo-se das conclusões deste estudo, dever-se-á ter em particular atenção a população em situação de desemprego, tentando-se apoiar e promover competências para os próprios pais lidarem com este desafio pessoal, de forma a que não se repercuta, tão significativamente, nos seus filhos. Assim, e em termos de objectivos específicos de intervenção nesta população, sugere-se, por exemplo, o questionamento das construções pessoais relativas à orientação vocacional, a promoção de reflexão, discussão e integração das representações face à actual organização do mundo escolar e do mundo do trabalho, a exploração dos significados atribuídos ao trabalho bem como a exploração da complementaridade inter-papéis (como a conciliação pai-filho; pai-profissional; filho-pai; filho-estudante;) e da forma como alterações no desempenho de um papel poderão repercutir-se no desempenho de outros papéis.

No que diz respeito à intervenção junto dos adolescentes (quer a nível individual, quer em intervenções em grupo) cujos pais se encontrem em situações profissionais de desemprego, considera-se que se deverá dar particular relevo quanto à desconstrução de potenciais mitos ou ideias negativas preconcebidas relativas à sua própria entrada/evolução no mercado de trabalho, promovendo e apoiando-os na construção e integração de novos significados. De facto, contactando de perto com as situações de desemprego dos pais e tendendo a investir significativamente menos no seus trajectos vocacionais, apresentando padrões mais difusos e maior tendência a excluir opções, será importante estimular a reflexão dos jovens acerca das possíveis influências (como o contexto familiar) inerentes ao seu próprio desenvolvimento vocacional, reflectindo e questionando as suas opções e (re)construindo os seus investimentos. Neste sentido, será igualmente importante promover a reflexão dos jovens quanto às características pessoais (valores, interesses, competências) e, muito particularmente, as características ambientais (contextos de vida, situação económico-social, etc.) que poderão ser potenciadoras e/ou limitadoras das suas escolhas vocacionais.

Em jeito de conclusão, e apesar de se considerar este trabalho um contributo válido, reconhece-se que, tratando- se de um estudo de carácter exploratório, há ainda um longo percurso a trilhar. Sendo a família um contexto de vida primordial no desenvolvimento, há inúmeras variáveis processuais que certamente interferem em todo este processo. Considera-se e sugere-se, por exemplo, a exploração do papel mediador da vinculação em todo este processo, uma vez que as investigações neste domínio reconhecem que “apesar de não haver evidências no que diz respeito ao papel da vinculação na formação de modelos relativos ao trabalho, há boas razões para acreditar que a vinculação aos pais pode estar também associada ao desenvolvimento de representações positivas ou negativas do trabalho e pode até prever continuidades e/ou descontinuidades no significado que cada geração atribui ao trabalho” (Nascimento, Menezes, & Coimbra, 2005, p. 137). Além disso, reconhece-se que “a natureza da relação afectiva que exista entre pais e filhos pode, assim, influenciar o grau no qual os conteúdos da experiência se tornam significativos para a geração seguinte” (Nascimento & Coimbra, 2001, p. 102). Assim, mais do que se considerar o impacto da situação profissional parental no desenvolvimento vocacional dos filhos, poder-se-á agora avançar com a exploração da forma como esse impacto poderá ser mediado considerando a própria relação pais-filhos.

 

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Recebido: 01/10/2008
1ª Revisão: 12/01/2009
Aceite final: 23/03/2009

 

 

1 Endereço para correspondência: Universidade do Porto. Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação. Rua Dr. Manuel Pereira da Silva, 4200-392, Porto, Portugal. Fone: (351) 22 6079700. Fax: (351) 22 6079725. E-mail: carlosg@fpce.up.pt.

 

Sobre os autores
* Joana Mafalda Sobral é psicóloga, Mestre do Centro de Desenvolvimento Vocacional e Aprendizagem ao Longo da Vida da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto.
** Carlos Manuel Gonçalves é Professor Auxiliar da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, membro do Centro de Desenvolvimento Vocacional e Aprendizagem ao Longo da Vida.
*** Joaquim Luís Coimbra é Professor Associado da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, coordenador do Centro de Desenvolvimento Vocacional e Aprendizagem ao Longo da Vida.

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