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Revista Brasileira de Orientação Profissional

versão On-line ISSN 1984-7270

Rev. bras. orientac. prof v.10 n.1 São Paulo jun. 2009

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

Adaptação à universidade de estudantes internacionais: um estudo com alunos de um programa de convênio1

 

University adjustment of foreign students: a study with undergraduates in a covenant program

 

Adaptación de estudiantes internacionales a la universidad: un estudio con alumnos de un programa de convenio

 

 

Ana Maria Jung de Andrade* ; Marco Antônio Pereira Teixeira** 1

Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - Rio Grande do Sul, Brasil

 

 


RESUMO

Este estudo buscou avaliar adaptação e satisfação globais com o atual contexto de vida, principais dificuldades percebidas e satisfação com aspectos específicos entre alunos estrangeiros de graduação na UFRGS, vinculados ao Programa Estudante Convênio-Graduação (PEC-G). Participaram 29 estudantes (representando 50% da população), majoritariamente africanos. Os dados foram obtidos por meio de questionário. A maioria registrou níveis de adaptação razoáveis ou bons. As principais dificuldades relacionaram-se à família, saúde e moradia; e menor satisfação com atividades de lazer e assistência médica. Os serviços que buscariam neste momento seriam orientação de carreira, busca de moradia e assistência à saúde. A pesquisa evidencia a necessidade de considerar aspectos culturais no atendimento a estes alunos, especialmente no período de recepção, e a necessidade de novas pesquisas avaliando diferentes variáveis de adaptação.

Palavras-chave: Estudantes estrangeiros, Estudantes universitários, Ajustamento.


ABSTRACT

This study intended to evaluate some aspects of foreign students’ adjustment, at one Federal University: global adaptation and satisfaction with their current life context, main difficulties perceived and satisfaction with specific aspects. All students participated in a international covenant program called Undergraduate Student Agreement Program (PEC-G). Twenty-nine undergraduate students (representing 50% of the population), mainly from Africa, answered a questionnaire. Most of the students reported medium or good adaptation level. The major difficulties mentioned were in relation to family, health and housing and less satisfaction was reported about leisure activities and health assistance. The main services they would like to count on at that moment would be career counseling, housing, and health assistance. This study indicates the need for considering cultural aspects when assisting those students, especially when arriving, and the need for further research examining different variables involved in adaptation.

Keywords: Foreign students, Undergraduate students, Adjustment.


RESUMEN

Este estudio buscó evaluar adaptación y satisfacción globales con el actual contexto de vida, principales dificultades percibidas y satisfacción con aspectos específicos entre alumnos extranjeros, de graduación en la UFRGS, vinculados al Programa Estudiante Convenio-Graduación (PEC-G). Participaron 29 estudiantes (representando 50% de la población), mayormente africanos. Los datos se obtuvieron por medio de cuestionario. La mayoría registró grados de adaptación razonables o buenos. Las principales dificultades se relacionaron con la familia, la salud y la vivienda; y la menor satisfacción con actividades de ocio y asistencia médica. Los servicios que buscarían en este momento serían orientación profesional, búsqueda de vivienda y asistencia de salud. La encuesta evidencia la necesidad de considerar aspectos culturales en la atención a estos alumnos, especialmente en el período de recepción, y la necesidad de nuevas encuestas evaluando diferentes variables de adaptación.

Palabras clave: Estudiantes extranjeros, Estudiantes universitarios, Adaptación.


 

 

Diferentes estudos têm evidenciado o impacto das instituições universitárias no desenvolvimento psicossocial, no rendimento acadêmico e na adaptação à universidade dos estudantes (Ferreira, Almeida, & Soares, 2001; Taveira, 2002). Porém, a preocupação com o aconselhamento e o acompanhamento aos alunos universitários é ainda recente no que diz respeito a serviços de apoio e orientação no Brasil, especialmente em relação a alunos internacionais.

No Brasil, apesar do número crescente de estudos que avaliam o impacto da vivência universitária entre estudantes brasileiros, não há pesquisas sistemáticas que analisem como os estudantes internacionais se adaptam ao longo do tempo à educação e ao contexto social do país. Há pouca informação sobre o que contribui para seus diferentes níveis de adaptação e por quê. Tanto alunos brasileiros quanto estrangeiros compartilham algumas dificuldades em relação à experiência universitária. No entanto, o aluno estrangeiro confronta-se com um processo que tem diversas peculiaridades e uma série de transições, começando com a seleção de candidatos e terminando com o retorno ao país de origem. O estudante precisa aprender uma grande variedade de papéis culturalmente definidos e não familiares num curto período de tempo, sob considerável estresse (Gunter & Gunter, 1986). Além disto, enfrenta uma série de dificuldades e desafios como a preparação anterior à saída de seu país, providenciar moradia adequada, documentação e exigências legais de imigração, lidar com idioma, adaptar-se ao clima, alimentação e valores sociais, e ajustar-se à cultura do país (Constantine, Kindaichi, Okazaki, Gainor, & Baden, 2005; Duru & Poyrazli, 2007; Misra & Castillo 2004; Misra, Crist, & Burant, 2003; Nilsson & Anderson, 2004; Ruiz, 2003; Sarriera, Pizzinato, & Meneses, 2005; Sarriera, Wagner, Frizzo, & Berlim, 2002; Wang & Mallinckrodt, 2006; Wei e cols., 2007). Ainda, precisa adequar-se às demandas acadêmicas e adaptar-se ao modelo educacional brasileiro, enfrentar a discriminação percebida, a saudade de casa, e elaborar um projeto pessoal e profissional coerente com suas expectativas e oportunidades (Duru & Poyrazli, 2007; Lee, 2005; Moradi & Risco, 2006; Nilsson & Anderson, 2004; Subuhana, 2007; Wei e cols., 2007).

No contexto internacional, diversos pesquisadores têm se dedicado a investigar e compreender os fatores que afetam a adaptação de alunos estrangeiros ao contexto universitário, e têm escrito sobre o tema apontando potenciais dificuldades. Por exemplo, pesquisas demonstram que muitos estudantes podem experimentar choque cultural, dificuldade de adaptação com confusão sobre expectativas de papel no novo país, baixa integração social, alienação, dificuldade com atividades diárias, depressão, ansiedade e discriminação (Constantine, Anderson, Berkel, Caldwell, & Utsey, 2005; Constantine, Kindaichi e cols., 2005; Wang & Mallinckrodt, 2006; Wei e cols., 2007). A perda abrupta do que é familiar, dos sinais e símbolos de interação social conhecidos pode levar a uma sensação de isolamento e baixa auto-estima. Essas conseqüências psicológicas negativas que podem estar associadas com a mudança a uma nova cultura são geralmente referidas na literatura como estresse aculturativo (Duru & Poyrazli, 2007; Wang & Mallinckrodt, 2006), sendo a aculturação entendida, no nível individual, como o processo através do qual o indivíduo vai se socializando na nova cultura e mudando seu repertório comportamental em virtude deste contato com o novo contexto (Berry, 2005). O estresse, em estudos sobre aculturação, refere-se a sentimentos de dúvida, ansiedade e mesmo depressão experimentados pelo indivíduo quando tenta adaptar-se à nova cultura (Berry, 2006).

Ainda que muitos estudantes internacionais possam concluir a graduação com relativamente poucas dificuldades, outros podem apresentar diversos sintomas relacionados à dificuldade de adaptação. Sendo o grupo de estudantes internacionais muito heterogêneo em termos de nacionalidade e background cultural, diferentes estudos apontam uma série de fatores que estão relacionados ao processo de adaptação e aos resultados obtidos pelos indivíduos nesta transição. Entre estes fatores, destacam-se aspectos relacionados: (a) às próprias características da transição, como o suporte recebido anterior e posteriormente à transição e o tempo de inserção na nova cultura; (b) às características do novo ambiente, envolvendo a percepção de aceitação na nova cultura, o grau de diferença entre a cultura de origem do estudante e a cultura em que ele está inserido, o suporte social disponível e a influência dos pares; (c) aos aspectos demográficos e sociais, como idade, gênero, recursos financeiros, escolaridade e vivências interculturais anteriores; e (d) aos fatores de personalidade e comportamentos pessoais, como estratégias de enfrentamento, disposição a enfrentar riscos, abertura à exploração e à busca de rede de apoio, expectativas do aluno, envolvimento acadêmico, habilidade com o idioma, aquisição de comportamentos sociais e senso de identidade étnica (Constantine, Anderson e cols., 2005; Duru & Poyrazli, 2007; Gunter & Gunter, 1986; Lee, 2005; Macedo, 2005; Misra e cols., 2003; Nilsson & Anderson, 2004; Ruiz, 2003; Sarriera, 2000; Subuhana, 2007; Wang & Mallinckrodt, 2006).

No Brasil, pouco tem sido estudado a respeito. O Programa Estudante Convênio-Graduação (PEC-G), um programa de cooperação educacional internacional, foi criado ainda em 1964. Em termos de condições oferecidas e acompanhamento dos alunos participantes no Programa, pouco mudou desde sua criação, apesar dos aperfeiçoamentos em sua legislação inicial. Este acordo de cooperação com diferentes países em desenvolvimento é coordenado pelos Ministérios da Educação e das Relações Exteriores e tem a participação das instituições de ensino superior (IES) do país. O processo de conquista de vaga pelo aluno-convênio inicia com a disponibilidade de vagas pelas IES e contatos entre os ministérios responsáveis nos dois países. O aluno candidato indica o curso que tem preferência e, caso não haja vaga ou não seja selecionado para este curso específico, deve ser realocado em outro curso. A seleção envolve diversos critérios e, depois de distribuídos os alunos conforme as vagas oferecidas, é dado um prazo ao estudante-convênio apresentar-se na cidade destinada, juntamente com toda a documentação solicitada. Durante a graduação, uma série de diretrizes e normas são apontadas pelo Manual do Estudante-Convênio Graduação (Brasil, 1994). Dentre estas normas, destacam-se a proibição de exercer atividades remuneradas no Brasil, a proibição de ser reprovado em mais de uma disciplina por semestre ou de ser reprovado em uma mesma disciplina duas vezes, e a obrigatoriedade de deixar o país em, no máximo, três meses após o término da graduação. O aluno que não cumpre as normas perde o vínculo com o Programa.

Poucas pesquisas nacionais têm sido feitas para avaliar as vivências universitárias e sociais da população que vem ao Brasil pelo PEC-G. Em Porto Alegre, Sarriera e cols. (2002) buscaram identificar alguns aspectos da experiência aculturativa de estudantes internacionais oriundos de países africanos de língua portuguesa. A partir da revisão da literatura, foram selecionadas 12 variáveis (idioma, moradia/habitação, alimentação, família, amizades, vida acadêmica, atividades produtivas, lazer, religião, tradição/costumes, saúde/assistência e cidadania) que foram avaliadas em uma amostra de alunos do Programa PEC-G. Os maiores níveis de dificuldade foram identificados quanto a moradia/habitação, família e cidadania; e os menores níveis de dificuldade nas variáveis idioma, alimentação, religião e saúde/assistência. Neste estudo, foram identificados como principais fatores de risco no grupo de estudantes o distanciamento da família de origem, a constituição de uma rede de relações sociais precária e a discriminação sofrida pelos estudantes pela dupla condição de estrangeiros e africanos.

Em 1990, uma pesquisa realizada com estudantes estrangeiros na UFRGS indicou resultados semelhantes e acrescentou, diante das normas de seleção do PEC-G, que muitos estudantes, ao serem selecionados para as vagas, eram mal preparados ou mal informados, pois alguns sequer conheciam a localização da cidade de Porto Alegre (Andreatta, 1990). Este é um fator importante a considerar, pois a cidade, com seu clima frio e chuvoso no inverno, se diferencia do estereótipo existente sobre o clima das cidades brasileiras. Segundo esta pesquisa, os maiores problemas enfrentados foram moradia, comida e instabilidade do clima. Ao escolher um país para estudar, os alunos internacionais muitas vezes avaliam somente a imagem que eles têm do país. Os resultados de Subuhana (2007) com alunos de Moçambique no Programa PEC-G no Rio de Janeiro indicaram que a língua portuguesa é um dos atrativos para esses estudantes, e alguns dos alunos chegam a imaginar que o Brasil é sinônimo de desenvolvimento e progresso, com oportunidades para todos.

Além da desinformação, a entrada na universidade muitas vezes não é alicerçada em projetos vocacionais bem definidos, situação que pode gerar condições para insucesso, insatisfação, desadaptação e abandono do curso (Almeida, Soares, & Ferreira, 2002). Entre os alunos internacionais, diante de tantos aspectos dificultadores, parece possível imaginar que há ainda mais motivos para insatisfação. Os resultados da pesquisa de Subuhana (2007), por exemplo, apontam que muitas vezes os estudantes escolhem realizar um curso superior no Brasil sem ter idéia do que seja o curso em que estão matriculados.

Pela crescente preocupação das universidades em dar suporte a seus alunos, diferentes IES, principalmente estrangeiras, desenvolveram programas e/ou criaram serviços para integração do estudante à vida acadêmica (Almeida e cols., 2002). No entanto, estes serviços ainda são subutilizados por estudantes internacionais, e algumas pesquisas indicam que estes alunos preferem buscar auxílio e conselhos com sua família ou amigos mais próximos, evitando buscar centros de aconselhamento pela preocupação com o estereótipo de auxílio psicológico, pela preocupação em não importunar os outros com seus problemas ou acreditando que o serviço pouco ou nada ajudaria a resolver os seus problemas de adaptação (Andreatta, 1990; Constantine, Anderson e cols., 2005; Merta, Ponterotto, & Brown, 1992; Wei e cols., 2007). Quando buscam um serviço de aconselhamento, este é geralmente um último recurso e, ainda assim, apresentam desconforto em falar sobre suas dificuldades com um estranho (Constantine, Kindaichi e cols., 2005; Merta e cols., 1992). Apesar da baixa procura por centros de aconselhamento, a pesquisa de Andreatta (1990) refere que a maioria dos alunos-convênio observou que é necessária uma maior aproximação entre eles, buscando espaços de convivência e serviços que proporcionem assistência social e cultural, além de servir como apoio e orientação aos alunos.

Diante deste cenário, o objetivo deste estudo foi avaliar índices de adaptação e integração do aluno internacional do Programa PEC-G no contexto de graduação da UFRGS, realizando um estudo exploratório sobre origem e situação sócio-demográfica destes alunos, avaliando dificuldades percebidas de adaptação e integração ao ambiente universitário e à comunidade. Considerando que a participação comunitária se faz imprescindível para levantar as necessidades e expectativas dos grupos que a compõem e comprometer a mesma no processo de interação cultural (Sarriera, 2000), este estudo busca embasar futuras intervenções e práticas dentro da área de aconselhamento ao aluno internacional da UFRGS. Para tanto, é importante conhecer como os alunos estrangeiros estão se adaptando ao novo contexto de vida, as dificuldades que percebem e as necessidades e sugestões desta população específica. Deve-se ressaltar que, nesta pesquisa, a adaptação e a satisfação foram consideradas como a percepção subjetiva dos indivíduos acerca de seu momento de vida atual, tanto de um modo global quanto em relação a aspectos específicos de vida. Trata-se, portanto, de uma auto-avaliação, resultante de um julgamento realizado pelos indivíduos a respeito da intensidade da satisfação ou adaptação percebidas, conforme opções apresentadas pelo instrumento utilizado.

 

MÉTODO

Participantes

Participaram do estudo 29 alunos do Programa Estudante-Convênio Graduação da UFRGS no segundo semestre de 2007, o que correspondeu a 50% da população de estudantes matriculada através desse convênio naquele período, conforme informação da universidade. As idades estiveram no intervalo de 20 a 28 anos, com média de 24,1 e desvio-padrão de 2,29, sendo que a proporção de homens e mulheres na amostra foi aproximadamente a mesma (51,7% de mulheres). Os continentes de origem dos estudantes foram África (82,8%; n=24) &– países de língua portuguesa &– e América Latina (17,2%; n=5) &– países de língua espanhola. Cerca de um terço dos estudantes (34,5%) participava de alguma atividade extracurricular (como pesquisa, estágios, monitoria, atividades de extensão, grupos de estudos ou outras associações de alunos), e 65,5% estavam cursando a segunda metade dos seus cursos. Com relação à vivência no exterior, 89,6% nunca havia morado fora de seu país de origem antes de vir ao Brasil.

Instrumentos

Foram utilizados um questionário e escalas elaborados para o estudo, abordando aspectos sócio-demográficos e variáveis relacionadas à adaptação do aluno, descritos a seguir:

(1) Variáveis sócio-demográficas e levantamento de opiniões: foram avaliados através de um questionário com questões referentes à nacionalidade, sexo, idade, curso, semestre, se o curso era a primeira opção de carreira ou não, vivência anterior em país estrangeiro, importância da participação no programa PEC-G (opções: obter uma formação superior; profissionalização no curso em que estou matriculado; experiência de viver em outro país), envolvimento em atividades extra-classe (opções: pesquisa, extensão, estágio curricular, estágio extracurricular, monitoria acadêmica, diretório acadêmico, grupos de estudos, outras associações de alunos) e interesse por serviços voltados ao estudante (este tópico foi avaliado por uma pergunta aberta: “Você acha necessário existir um serviço de apoio ao estudante internacional? Por quê?” e também por uma pergunta fechada: “Se estes serviços fossem oferecidos, qual(is) você procuraria?”, com as seguintes opções: Assistência médica/odontológica, Assistência psicológica, Orientação e planejamento de carreira, Assistência à busca de moradia, Espaço de convivência para estrangeiros, Assistência legal, Outros).

(2) Nível geral de adaptação e satisfação global de vida: foram avaliados através de itens únicos: “Como você percebe sua adaptação ao seu atual contexto de vida?” (opções: inadaptado, pouco adaptado, razoável, adaptado, muito adaptado) e “De um modo geral, como você se sente neste momento em relação a sua vida?” (opções: insatisfeito, pouco satisfeito, razoável, satisfeito, muito satisfeito).

(3) Dificuldades percebidas e satisfação com aspectos da vida cotidiana: foram avaliados através de itens elaborados para este estudo, a partir de indicações da literatura. Utilizou-se um formato de resposta tipo Likert de 5 pontos, tanto para os itens de dificuldades (1=pouca dificuldade; 5=muita dificuldade) quanto de satisfação (1=pouco satisfeito; 5=muito satisfeito). As Tabelas 1 e 2 apresentam os itens utilizados.

Procedimentos

Foram contatados por correio eletrônico todos os 58 alunos-convênio de graduação matriculados no período, através de listagem disponibilizada pelo Departamento de Controle e Registro Acadêmico da Universidade (DECORDI). Na mensagem eletrônica, foram explicados os principais objetivos da pesquisa e solicitada a participação voluntária dos alunos. Após este contato inicial, conforme autorização e disponibilidade dos alunos, foram agendadas as coletas de dados no Instituto de Psicologia da Universidade ou nas unidades de ensino dos alunos participantes. A aplicação dos instrumentos foi feita de forma individual ou em pequenos grupos de, no máximo, quatro estudantes. Antes da aplicação dos instrumentos, os participantes assinaram um termo de consentimento de participação no estudo. A pesquisa foi aprovada previamente pelo Comitê de Ética do Instituto de Psicologia da UFRGS.

Análise dos dados

Foram utilizadas análises descritivas de freqüências para a maior parte das variáveis, além de testes de associação de variáveis (teste exato de Fisher) e teste t para comparações de médias. Para a interpretação de efeitos estatisticamente significativos, foi considerado o nível de significância de 5%. As questões abertas foram analisadas através de análise de conteúdo (Bardin, 1977), sendo as respostas categorizadas e posteriormente descritas as categorias.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Um primeiro dado de interesse nesta pesquisa foi verificar se os estudantes estavam em cursos que correspondiam às suas aspirações. Nesta amostra, observou-se que 44,8% dos alunos não estavam matriculados em sua primeira opção de curso superior. Contudo, a busca pela formação profissional específica no curso em que estavam matriculados (independente de ser o curso desejado) foi citada como a razão mais importante de estarem no Programa PEC-G (75,8%), quando comparada às outras opções (ter um diploma de nível superior qualquer &– 10,3% &– e ter uma vivência no exterior &– 13,8%). Este resultado contrasta com o observado por Mullet, Dej, Lemaire, Raiff e Barthorpe (2000) com estudantes franceses, que verificaram entre as motivações preponderantes para estudar no exterior a atração que um determinado país provoca e a necessidade ou desejo de aprender uma nova língua. Na população de estudantes-convênio do presente estudo, porém, a chance &– talvez única &– de obter um diploma de nível superior em uma formação específica destacou-se em relação à oportunidade de vivência no exterior ou à conquista de uma graduação qualquer. A profissionalização obtida no Brasil por estes alunos talvez seja um diferencial importante para a mobilidade social destes estudantes quando regressarem aos países de origem. De fato, a facilidade de acesso à tecnologia de ponta e ao acervo bibliográfico, assim como o aumento das chances de boa colocação no mercado de trabalho no regresso são fatores que já foram identificados como motivações importantes entre estudantes PEC-G no Rio de Janeiro (Subuhana, 2007).

Quanto aos níveis gerais de adaptação, 55,2% declararam-se razoavelmente adaptados, 41,4% adaptados ou muito adaptados e 3,4% inadaptados ou pouco adaptados. A fim de verificar associações entre adaptação e continente de origem, as categorias “razoavelmente adaptados”, “pouco adaptados” e “inadaptados” foram reunidas em uma só categoria, assim como as categorias “adaptados” e “muito adaptados”. Verificou-se, no grupo “adaptados/muito adaptados”, um percentual significativamente maior de latino-americanos (100%) do que de africanos (70,8%) [teste exato de Fisher; p=0,007].

Já em relação à satisfação de vida, 48,3% responderam estar satisfeitos ou muito satisfeitos, 44,8% indicaram satis-fação razoável e 6,9% mostraram-se insatisfeitos ou pouco satisfeitos. Entre os latino-americanos, 80% declararam-se satisfeitos ou muito satisfeitos, enquanto apenas 41,7% dos africanos relataram esses níveis de satisfação. Contudo, a diferença não foi estatisticamente significativa (teste exato de Fisher; p=0,169), possivelmente devido ao pequeno número de latino-americanos na amostra.

De um modo geral, os resultados obtidos revelam poucos casos de inadaptação, predominando uma adaptação “razoável”. Do mesmo modo, foi baixa a proporção de estudantes “pouco satisfeitos” ou “insatisfeitos” com sua situação de vida. Esses baixos índices de inadaptação e insatisfação sugerem que as experiências vividas por esses estudantes possivelmente não estão sendo fortemente estressoras, ou então que eles possuem, em sua maioria, recursos para lidar com as eventuais dificuldades de adaptação. Tal resultado é coerente com o achado de um estudo norueguês que também verificou que a satisfação geral de vida de estudantes universitários estrangeiros tende a ser positiva, apesar das dificuldades (Sam, 2001).

Uma estratégia que pode estar auxiliando os alunos a lidar com as dificuldades de adaptação é o suporte social que os estudantes encontram entre seus pares e compatriotas, como referido informalmente por alguns participantes no momento da aplicação do instrumento. Quando os alunos chegam ao país onde já há outros estudantes de mesma nacionalidade, eles tendem a agrupar-se e criar uma rede própria de suporte inicial que auxilia no processo de adaptação, promovendo compartilhamento de valores, bem-estar psicológico e senso de identidade étnica (Constantine, Kindaichi e cols., 2005; Mullet e cols., 2000; Pizzinato & Sarriera, 2004). O senso de identidade étnica é um aspecto importante da identidade pessoal, e refere-se ao sentimento de pertencer a um certo grupo étnico, adotando comportamentos e atitudes comuns a esse grupo (Yeh & Huang, 2000).

No entanto, há que se destacar a diferença nos níveis de adaptação e satisfação geral entre os alunos de diferentes origens étnicas. Apesar de a amostra de alunos latino-americanos ter sido substancialmente menor, observou-se que os alunos africanos relataram índices menores de adaptação e satisfação. Isso pode ser em parte explicado pelas diferenças culturais que Porto Alegre apresenta em relação aos países africanos, que são muito maiores do que as apresentadas em relação aos países latino-americanos. Localizada no sul do país, a região possui forte influência das colonizações européias, especialmente alemã e italiana, diferente de outras partes do país, onde a presença de descendentes africanos é mais acentuada. E, de acordo com Nilsson e Anderson (2004), o grau de diferença entre a cultura de origem e a nova cultura é um dos indícios do grau de adaptação.

As possíveis dificuldades vivenciadas pelos estudantes que foram investigadas nesta pesquisa podem ser visualizadas na Tabela 1, juntamente com as avaliações dos alunos. As maiores dificuldades foram observadas em questões relativas a vínculo familiar, saúde e moradia. As percepções mais baixas de dificuldade dizem respeito à prática de crenças e valores religiosos e uso do sistema de transporte na cidade.

Tabela 1
Nível de dificuldades percebidas pelos estudantes

 

 

Outras dificuldades percebidas foram avaliadas através de uma questão aberta a todos os participantes. Somente 14 pessoas responderam, as 15 respostas obtidas foram categorizadas em quatro grupos:

(1) Apoio/orientação por parte da Universidade (9 respostas &– 60%). Ex: recepção e orientações gerais na chegada dos alunos; desencontro e equívocos de informações em diferentes setores da universidade; falta de vontade para atender e auxiliar; respaldo e acompanhamento durante permanência na Universidade.

(2) Amizades e relacionamentos (3 respostas &– 20%). Ex: estabelecer amizades com gaúchos, receber atenção e expor dúvidas em sala de aula.

(3) Estrutura física do curso e universidade (2 respostas derespostas &– 13,3%). Ex: salas de piano, casa para estudantes-convênio.

(4) Apoio/orientação por parte do país de origem (1 resposta &– 6,6%). Ex: Acompanhamento do cumprimento das exigências do Programa por parte dos órgãos responsáveis no país de origem.

A Tabela 2 apresenta os resultados obtidos nos itens relacionados à satisfação percebida em diferentes aspectos. Nota-se que em 12 dos 14 itens, a média foi superior a 3 (ponto médio da escala), sugerindo um grau geral de satisfação de médio a elevado. Contudo, em dois quesitos a satisfação ficou abaixo do ponto central: atividades de lazer e assistência médica.

Tabela 2

Nível de satisfação percebido pelos estudantes em diferentes aspectos

 

 

Em caráter exploratório, calculou-se um índice total de dificuldades percebidas, fazendo-se o cômputo das médias das respostas dadas aos itens de dificuldades, e depois comparou-se o escore médio dos que estavam na primeira metade dos cursos (M=2,32) com o dos que estavam na segunda metade (M=2,92). Um teste t mostrou que o escore dos estudantes mais avançados foi significativamente mais alto do que o dos iniciantes [t(27)=2,90; p=0,007].

Quanto às dificuldades percebidas, os maiores níveis observados em aspectos como moradia e assistência médica refletem a estrutura de recepção que a cidade oferece ao estudante-convênio e são similares aos resultados de Sarriera e cols. (2002), em que as questões relacionadas a moradia e família foram as principais dificuldades, e os aspectos ligados à religião foram relatados como de menor dificuldade. As dificuldades em relação à moradia podem ser explicadas principalmente pela pouca oferta de moradia estudantil na universidade, pela rede social ainda não estabelecida para facilitar a divisão de moradia com outros estudantes, pela busca de um bom local com preço razoável e pela necessidade de fiador exigida pelas imobiliárias. As preocupações com crenças e valores religiosos como fator percebido com menor dificuldade pela amostra deste estudo pode ser porque, como alguns deles relataram informalmente durante a coleta de dados, a maioria dos estudantes não possui costumes voltados à religião.

Quanto à discriminação, Subuhana (2007) observou dados interessantes em seu estudo. Ele nota que, em sua amostra, o reconhecimento de ser universitário e estrangeiro atenua a experiência negativa de desvantagem social pelos traços e características étnicas e, assim, alguns alunos, quando se preparam para ir à rua, buscam fazer um penteado típico e sair com uma roupa que os identifique como diferentes, ou seja, estrangeiros. Estas estratégias de identificação também foram observadas entre os participantes desta pesquisa, através da percepção da pesquisadora sobre roupas, acessórios e penteados dos participantes nos momentos de coleta de dados. Este senso de identidade étnica também é um fator apontado em alguns estudos como um possível facilitador da experiência de adaptação à nova cultura (Duru & Poyrazli, 2007; Lee, 2005; Misra e cols., 2003). A identidade étnica pode auxiliar o indivíduo a manter um ponto de referência identitário à medida que vai se integrando ao novo contexto e se transformando nesse processo, mas sem negar seus costumes e valores, preservando assim um sentimento de auto-valorização. Claro que, se a expressão da identidade étnica for vivenciada como uma oposição à nova cultura, ou uma forma de evitar a integração à mesma, então ela será um fator dificultador da adaptação. Nesse sentido, manter aspectos da cultura de origem ao mesmo tempo em que se busca estabelecer relações com os grupos na nova cultura parece ser uma estratégia adaptativa para lidar com o estresse aculturativo (Berry, 2006).

É importante lembrar também que a total integração do aluno estrangeiro à nova cultura não é, de fato, esperada, e talvez não seja mesmo desejada, na medida em que o estudante só terá que permanecer aqui pelo período de sua graduação e depois retornará ao país de origem. Sarriera e cols. (2002), ao avaliarem as estratégias utilizadas pelos estudantes internacionais para lidar com o novo contexto, perceberam o sentimento de provisoriedade da condição de estudantes como um fator de proteção do grupo de estrangeiros, juntamente com a participação em grupos organizados de integração.

Outro resultado que chamou a atenção neste estudo foi a maior percepção geral de dificuldades entre os estudantes na segunda metade do seu curso quando comparados com os que estavam na primeira metade. Uma hipótese que pode ser levantada para justificar este dado refere-se à possível diferença de expectativas entre estes dois grupos de alunos. A chegada à universidade traz um sentimento de ansiedade e muitas expectativas em relação ao novo ambiente, incluindo a esperança de que a universidade dará apoio e que as dificuldades serão passageiras e naturais. Com o tempo, a excitação inicial provavelmente diminui, e as dificuldades podem passar a ser percebidas como permanentes e não situacionais, sendo que a universidade pouco contribui para solucioná-las. Assim, globalmente, alunos com mais tempo de permanência talvez vivenciem, de fato, um maior número de dificuldades no que diz respeito à adaptação, apesar de terem mais experiência que os novatos.

Os participantes foram ainda questionados sobre se achavam necessário haver algum serviço de atenção voltado ao estudante internacional e por quê. Todos os alunos da amostra referiram ser necessário um serviço de apoio específico. As principais razões apontadas pelos alunos para a necessidade de tal serviço são a falta de orientação na chegada à cidade, as diferenças culturais com as quais têm que lidar e a falta de um espaço ou serviço que ouça suas dificuldades e favoreça a convivência e integração dos alunos à universidade. A Tabela 3 apresenta os tipos de serviço que os estudantes mais procurariam, caso fossem oferecidos pela universidade nesse momento. Note-se que, apesar da satisfação relatada em relação ao curso e à profissão, grande parte dos alunos afirmou que procuraria um serviço de orientação e planejamento de carreira para auxiliá-lo. Em seguida, os serviços que seriam mais procurados são assistência à busca de moradia e assistência à saúde. Na categoria “outros serviços”, foram citadas quatro sugestões: um serviço de acompanhamento, assistência e orientação específico ao aluno-convênio durante todo o processo de admissão, permanência e retorno ao país de origem (2 respostas); um local com maior disponibilidade de atividades culturais (1 resposta); e um serviço de apoio financeiro ao aluno, caso ele precisasse (1 resposta). Embora não tenham sido observadas diferenças estatisticamente significativas entre estudantes da primeira e da segunda metade dos cursos, é interessante observar que, em quase todos os tipos de serviços, os alunos na primeira metade do curso mostraram-se mais propensos a buscá-los.

Tabela 3

Serviços de apoio que procurariam (%), considerando amostra total e subgrupos conforme período no curso

 

 

A aparente maior propensão dos estudantes em início de curso para buscar serviços de apoio pode ser resultado de uma crença de que serviços desse tipo poderiam ajudá-los a superar as dificuldades, enquanto aqueles que já estão mais para o fim dos seus cursos talvez se encontrem desesperançados quanto a obter algum tipo de apoio efetivo. Além disso, uma vez que o momento de retornar aos seus países de origem está mais próximo para os alunos em fim de curso, estes estudantes podem acreditar que serviços de auxílio são menos importantes ou que não valem mais a pena.

De qualquer modo, principalmente pela sensação de falta de apoio e assistência da Universidade, todos os participantes desta pesquisa julgaram necessário que houvesse um serviço específico ao estudante internacional que os acompanhasse e orientasse durante o período universitário. E, apesar dos resultados terem indicado satisfação em relação ao curso e à profissão como os aspectos mais satisfatórios, e da percepção de que a formação no curso específico em que está matriculado é mais importante do que vivência no exterior ou do que o diploma universitário em si, 65,5% dos alunos buscaria um serviço de orientação e planejamento de carreira se esse fosse oferecido.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Muitas vezes as IES oferecem serviços de apoio e orientação de carreira sem considerar a diversidade de características dos seus estudantes. Nesse sentido, este estudo buscou mapear a adaptação de estudantes estrangeiros, participantes do programa PEC-G, à universidade, enfatizando as dificuldades percebidas. Um ponto que se destacou na pesquisa foi a sensação de falta de apoio percebido pelos estudantes, expressa no desejo por diversos serviços que fossem oferecidos pela Universidade.

Sabe-se, contudo, que dificilmente os alunos internacionais buscam os centros de aconselhamento ou de convivência com receio de expor suas dificuldades a um estranho, pelo estereótipo que significa buscar auxílio psicológico ou por não querer importunar os outros com seus problemas, julgando que devem resolvê-los sozinhos (Andreatta, 1990; Constantine, Anderson e cols., 2005; Wei e cols., 2007). Por isso, torna-se importante encontrar formas de aumentar a qualidade do relacionamento dos estudantes com as pessoas que coordenam e administram o PEC-G dentro da universidade, e que irão auxiliá-los diretamente, desde a sua chegada. Uma melhor acolhida e orientação aos alunos nos setores administrativos da universidade que os recebe pode ser a ponte que falta para que esses alunos efetivamente busquem os serviços que são oferecidos quando sentirem necessidade.

Parece contraditório que os participantes desta pesquisa tenham mencionado a necessidade de serviços de apoio, quando outros estudos mostram que há uma resistência dos estudantes internacionais para procurar tais serviços. Isso pode indicar, exatamente, que falta criar na universidade uma cultura que torne a busca por ajuda um comportamento valorizado, e não um incômodo ou sinal de fracasso pessoal. O grande interesse dos alunos em início de curso por quase todos os tipos de serviços que foram avaliados na pesquisa parece refletir a desorientação com que chegam ao novo contexto. O resultado obtido no estudo, que indica que os alunos julgam importante um serviço de apoio específico para o estudante estrangeiro, pode estar relacionado à esperança de acolhimento por parte da universidade.

Como esta população geralmente busca auxílio em sua rede mais próxima, é interessante também que se incentive nestes alunos estratégias que ajudem a desenvolver esta rede do alunos-convênio dentro da universidade. A princípio, estudos como este podem embasar o fornecimento de informações aos recém-chegados sobre aculturação, estressores, suporte e questões de adaptação com as quais eles podem se defrontar. E diversos estudos apontam outras sugestões de atividades que facilitariam a integração e adaptação destes alunos, como envolver professores, técnicos e estudantes no processo de acolhimento aos novos alunos (Misra e cols., 2003), programas de tutoria entre estudantes nacionais e estrangeiros (Constantine, Kindaichi e cols., 2005; Misra e cols., 2003; Wei e cols., 2007), seminários e workshops sobre questões culturais do país em que o estudante está inserido (Constantine, Kindaichi e cols., 2005), e intervenções em grupo para facilitar a troca de experiências entre os alunos, recém-chegados ou que estão há mais tempo no país (Constantine, Kindaichi e cols., 2005; Wei e cols., 2007). Além disso, os próprios professores destes alunos, em cada curso, poderiam ser orientados a conversar com eles a respeito de seus planos profissionais dentro da profissão (Nilsson & Anderson, 2004).

No que diz respeito a serviços de aconselhamento de carreira, o mais necessário na visão dos entrevistados, deve-se salientar a importância de adequar as intervenções levando em consideração o contexto de origem dos estudantes. Expectativas sociais, familiares e pessoais em relação à carreira podem ser muito diferentes das expectativas que afetam as decisões e o comprometimento com a carreira de estudantes brasileiros. Auxiliar os alunos estrangeiros a construírem um sentido das suas experiências de estudantes no Brasil, resgatando os fatores que os trouxeram para cá e delineando um projeto de vida futuro pode ser um papel importante a ser cumprido pela universidade, e que certamente ajudará os alunos a enfrentarem melhor as dificuldades encontradas.

É necessário, portanto, que os orientadores desenvolvam competências para o aconselhamento multicultural, que se refere ao preparo e à prática de aconselhamento que integram conhecimentos, habilidades e consciência multiculturais, ou seja, implica reconhecer e saber lidar com as especificidades culturais de cada cliente (Arredondo e cols., 1996). Ainda, segundo Repetto (2002), a competência multicultural em orientação pode ser entendida como a capacidade para compreender a dinâmica cultural dos clientes e para relacionar cada um desses aspectos culturais entre si, de tal forma que se facilite o desenvolvimento do orientando. Em um mundo globalizado, onde cada vez mais estudantes e trabalhadores vão estudar ou trabalhar em culturas diferentes das suas de origem, este aspecto torna-se evidentemente necessário de ser desenvolvido durante a formação e atualização dos profissionais que trabalham com aconselhamento.

A maioria das teorias de desenvolvimento de carreira enfatiza o grau de controle que o sujeito tem sobre o processo de tomada de decisão e sobre os aspectos psicológicos que contribuem para o êxito e a satisfação profissional (Repetto, 2002). No entanto, indivíduos de grupos minoritários experimentam diversas barreiras que dificultam o controle sobre o desenvolvimento de sua carreira. Para eles, estas questões estão muitas vezes associadas a outros problemas (econômicos, culturais ou pessoais), o que evidencia a importância de se adotar um enfoque multicultural no aconselhamento. Através do desenvolvimento de competências multiculturais, orientadores estarão melhor preparados para entender como as próprias questões culturais interferem na percepção dos valores do cliente e assim poderão desenvolver intervenções mais adequadas, eficazes e que respeitem as particularidades culturais de cada um.

Certamente, mais pesquisas são necessárias para aumentar o conhecimento sobre as diferenças culturais de adaptação à universidade. A partir do conhecimento das diferenças culturais e dos problemas enfrentados é que se torna possível adequar os serviços de educação às características específicas dos grupos, facilitando a permanência na universidade. Nesse sentido, seria importante que outros estudos sobre adaptação de estudantes estrangeiros fossem conduzidos em cidades diferentes, uma vez que cada comunidade tem especificidades que podem influenciar o modo como o aluno internacional se relaciona com a nova cultura. Como apontam Wang e Mallinckrodt (2006), por exemplo, um dos fatores de influência no processo de aculturação refere-se às atitudes das pessoas na cultura dominante e pode variar de uma alta tolerância à diversidade cultural a uma alta pressão para um padrão cultural homogêneo.

Os resultados deste estudo são limitados em diversos aspectos. A amostra de alunos, apesar de representar cerca de metade do total de estudantes no período, não pode ser generalizada a toda a população dos estudantes-convênio. Isto porque a participação pode ter sido justamente daqueles que estão mais satisfeitos e melhor ajustados ao novo contexto. Outro viés da amostra é que os alunos que participaram são aqueles que se interessaram pelo tema da pesquisa, do que podemos inferir que eles procuram expressar suas dificuldades e buscar possíveis soluções, demonstrando características pessoais e estratégias de enfrentamento mais adequadas.

Ainda, o auto-relato nos questionários pode não proporcionar os resultados mais confiáveis na hora de avaliar a situação dos estudantes, pois eles podem ter respondido de maneira socialmente desejável para evitar imagem de inadequação ou incapacidade de adaptar-se. Este tipo de comportamento poderia ser originado do antigo modelo bidirecional de aculturação apontado por Sarriera (2000), em que o estrangeiro é visto como o único responsável por sua adaptação à nova cultura e o insucesso nesta tarefa significaria fracasso pessoal. No entanto, é difícil realizar pesquisas que não sejam baseadas no auto-relato, pois geralmente é a via de acesso às informações. O que se deve procurar fazer é proporcionar um ambiente e uma relação confortável para o participante ser o mais franco possível, o que se acredita ter-se conseguido nesta pesquisa.

Outras limitações e indicações para futuros estudos são as variáveis não avaliadas nesta pesquisa. O nível de aculturação não foi avaliado diretamente, bem como características de personalidade que podem estar ligadas ao processo de integração e adaptação. Duru e Poyrazly (2007), além disso, apontam que variáveis demográficas e fatores ligados à personalidade e aspectos psicossociais ainda são pouco estudados na literatura sobre processo de aculturação e estresse aculturativo.

Para concluir, a revisão de literatura e os resultados desta pesquisa indicam a importância de prestar serviços mais eficientes a estes alunos, pois os estudantes internacionais geralmente percebem maiores problemas de adaptação e menos recursos ao entrar na universidade do que os demais universitários (Misra & Castillo, 2004). A partir deste estudo exploratório, é possível avaliar que há necessidade de serviços específicos voltados ao estudante internacional. Espera-se, ainda, que outras pesquisas sobre o tema sejam desenvolvidas e possam ser importantes para diferentes âmbitos do Programa PEC-G.

 

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Recebido: 22/ 07/2008
1ª Revisão: 19/01/2008
Aceite final: 27/03/2009

 

 

1 Endereço para correspondência: Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Instituto de Psicologia. Rua Ramiro Barcelos, 2600, sala 117, 90035-003, Porto Alegre-RS, Brasil. Fone: (51) 33085454. E-mail: mapteixeira@yahoo.com.br.

 

Sobre os autores
* Ana Maria Jung de Andrade é graduada em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Especialista em Psicologia Clínica pela mesma instituição e colaboradora do Núcleo de Apoio ao Estudante da UFRGS.
** Marco Antônio Pereira Teixeira é Doutor em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Professor no Instituto de Psicologia e do Programa de Pós-graduação em Psicologia da mesma instituição, membro da equipe do CAP-SOP (Centro de Avaliação Psicológica, Seleção e Orientação Profissional) e coordenador do Núcleo de Apoio ao Estudante da UFRGS.

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