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Revista Brasileira de Orientação Profissional

versión On-line ISSN 1984-7270

Rev. bras. orientac. prof v.10 n.2 São Paulo dic. 2009

 

SEÇÃO ESPECIAL

 

Orientação de carreira: o nexo das práticas das políticas públicas em uma perspectiva internacional1

 

Career guidance: the policy practice nexus an international perspective

 

Orientación de carrera: el nexo de las prácticas de las políticas públicas en una perspectiva internacional

 

 

John McCarthy* 2

International Centre for Career Development and Public Policy, Strasbourg, France

 

 

Em minha apresentação abordarei os seguintes tópicos: (a) aspectos políticos da orientação de carreira; (b) reconhecimento político nacional e internacional; (c) o que os formuladores de políticas públicas3 europeus nos ensinaram sobre orientação de carreira; (d) as implicações para a comunidade que abrange a Orientação de Carreira: profissionais, comunidade acadêmica e os atores em políticas públicas no Brasil e na América Latina.

 

Aspectos políticos da Orientação de Carreira

Comecemos pelas questões relativas à propriedade: a quem pertence a Orientação de Carreira? Aos profissionais? À comunidade acadêmica? Ao governo? À sociedade? A Orientação de Carreira constitui uma atividade profissional ou é uma atividade sócio-política? A Orientação de Carreira é um bem privado ou um bem público? Essas são questões importantes, na medida em que nossas respostas formam o modo como abordamos os aspectos políticos da Orientação de Carreira. Minha opinião é a de que a Orientação de Carreira pertence à sociedade - é um bem público e ao mesmo tempo um bem privado; trata-se de uma atividade sócio-política e profissional. Esta é uma linguagem muito diferente da nossa linguagem e do nosso foco profissional, que se refere aos fenômenos intrapsíquicos e sociais.

O que fez com que a Orientação de Carreira se tornasse foco de interesse político, especialmente na União Européia? Como a União Européia está preocupada com o lugar que a Europa ocupa na economia global e com as exigências da competitividade, já está planejando estrategicamente os dez anos seguintes, de agora até 2020. Sua estratégia leva em consideração as reformas necessárias no âmbito da educação, da formação e das políticas públicas e sistemas de emprego, para que possa se tornar mais competitiva no futuro. Além disso, entende que a coesão social é um valor importante para a sociedade européia e que esse aspecto caminha de mãos dadas com a competitividade econômica, embora possa parecer que são valores inteiramente opostos. A aprendizagem contínua passou a ser o requisito comum, tanto para a competitividade, como para a coesão social, e isso está sendo fortemente promovido em nível nacional. A orientação contínua é vista como essencial para qualquer política de aprendizagem permanente que seja eficaz e global. A competitividade e a coesão social são impulsionadas pela sociedade do conhecimento e pela economia, que também exige aprendizagem contínua para que tenha sustentação. As políticas públicas de aprendizagem contínua em si implicam a valorização da aprendizagem não formal e informal, ou seja, a aprendizagem abrangente4, bem como as competências transferíveis, apoiando, assim, a empregabilidade ao longo da vida. Em termos políticos, o trabalho que realizamos em Orientação de Carreira tem a ver com a preparação e o desenvolvimento da força de trabalho. Esta é uma linguagem muito diferente da nossa linguagem e do nosso foco profissional, que se refere aos fenômenos intrapsíquicos e sociais.

Como se mede o sucesso da educação, da formação e das políticas de emprego? Em geral, dispomos de indicadores de desempenho das políticas públicas, como o percentual de pessoas que obtiveram uma vaga em um curso de nível superior à sua qualificação atual; percentual de pessoas que obtiveram um emprego ou uma qualificação profissional; percentual de pessoas que concluíram um ciclo de formação; a quantidade de tempo que as pessoas ficam desempregadas até obterem trabalho. Profissionais de Orientação de Carreira perguntam: o que esses indicadores têm a ver com meu trabalho? Os tomadores de decisão em políticas públicas5 perguntam: de que maneira a Orientação de Carreira contribui para a consecução desses objetivos e indicadores de desempenho? A comunidade científica deveria perguntar: de que maneira essa contribuição pode ser traduzida em coleta de dados significativos? Os instrutores deveriam perguntar: devo incluir elementos das políticas públicas no meu programa de formação de profissionais? Se a Orientação de Carreira é um evento sócio-político, a resposta à última pergunta deveria ser afirmativa. Questões relativas à propriedade são importantes como afirmei no início. Os serviços de Orientação de Carreira existem para servir à sociedade, não apenas para se auto-perpetuar.

As revisões internacionais das políticas públicas em Orientação de Carreira têm mostrado que na maioria dos países os objetivos das políticas públicas para tal estão mal definidos, mal articulados e são mal divulgados. Embora tenhamos muitas descrições sobre os métodos e processos oferecidos nessa área, dispomos de muito poucos dados sobre as realizações6 e o resultado7 que possam ser de interesse para os tomadores de decisão em políticas públicas, e sobre as contribuições da Orientação de Carreira para a concretização das metas estabelecidas por estas.

 

Reconhecimento político internacional

A Europa é a região do mundo na qual um bloco de países e seus ministros da educação se reuniram duas vezes (2004, 2008) a fim de revisar as políticas públicas em Orientação de Carreira, tendo em vista o desenvolvimento de um programa de reformas comum. Durante esse processo reforçaram o valor atribuído à contribuição da Orientação de Carreira para atingir os objetivos da política pública na educação, formação e emprego.

A Orientação de Carreira contribui para atingir objetivos de aprendizagem, pois: (a) auxilia um país a obter uma base de conhecimento e competências adequada para tornar-se competitivo economicamente; (b) melhora a eficiência dos investimentos em educação; (c) fortalece a relação entre educação e trabalho; (d) explora oportunidades de aprendizagem internacional.

Contribui para atingir metas de mercado de trabalho e de desenvolvimento econômico, pois: (a) aborda carências e desajustes do mercado de trabalho; (b) melhora a mobilidade profissional e geográfica dos trabalhadores; (c) ajuda os adultos a ter acesso a oportunidades de aprendizagem, considerando seus interesses, habilidades e a realidade do mercado de trabalho; (d) previne e/ou reduz o desemprego.

A Orientação de Carreira também contribui para atingir os objetivos de coesão social, pois: (a) ajuda a reduzir a evasão em todos os níveis de educação e formação; (b) ajuda os profissionais não qualificados ou pouco qualificados a retomar o processo de aprendizagem; (c) promove a equidade de gênero; (d) auxilia na integração da força de trabalho de grupos de risco, como pessoas com deficiência, imigrantes, minorias étnicas.

As ligações entre a aprendizagem contínua, orientação contínua e as políticas de emprego são importantes. A aprendizagem contínua é um dos pilares da estratégia européia de emprego e da flexigurança8, é a chave para o desenvolvimento da força de trabalho e para competitividade econômica. Entretanto, para que esta possa ser eficiente e eficaz, requer o suporte de orientação contínua. O reconhecimento político da Orientação de Carreira se deu de outras maneiras:

(1) Mais de 60 países tiveram suas políticas nacionais em Orientação de Carreira revisadas por agências externas, como a OCDE, Banco Mundial, Fundação Européia de Formação Profissional, CEDEFOP, sendo as duas últimas agências da Comissão Européia.

(2) Foram estabelecidas Redes de Políticas Internacionais em Orientação de Carreira: (a) Europa - a European Lifelong Guidance Policy Network9 (ELPN); (b) MEDA para os países do Mediterrâneo oriental e meridional, que promovem políticas de formação e compartilhamento.

(3) Tem ocorrido uma significativa cooperação internacional entre a OCDE, a Comissão Européia e o Banco Mundial, resultando, entre outras coisas na criação do Centro Internacional de Desenvolvimento de Carreira e de Políticas Públicas (2005).

(4) Simpósios Internacionais sobre Desenvolvimento de Carreira e Políticas Públicas (cinco desde 1999, o próximo será na Nova Zelândia em novembro de 2009).

(5) Conferências da Presidência da União Européia sobre políticas públicas em Orientação de Carreira (quatro desde 2004).

 

Reconhecimento político nacional

Também é possível observar como alguns governos têm reconhecido a importância política da Orientação de Carreira, por exemplo: (a) Dinamarca: das 330 proposições para uma estratégia nacional na economia global para a Dinamarca (2006), o governo identificou a Orientação de Carreira como uma área prioritária de reformas, com mais de 30 proposições relativas a ela; (b) Estratégias nacionais para requalificação da força de trabalho: Alemanha, Reino Unido, Irlanda, dentre outros países posicionaram a Informação e Orientação de Carreira como componentes essenciais dessas estratégias; (c) Estratégias nacionais de aprendizagem contínua: todos os países da União Européia, desde 2007, dispõem de estratégias de aprendizagem, das quais a Orientação de Carreira é parte integrante; (d) Respostas políticas para a inquietação social e mudanças demográficas: no caso de países como a França (2007) e Japão (2004), a melhoria dos serviços de Orientação de Carreira para os jovens à margem da educação, emprego e formação (NEET) foi um elemento-chave das respostas por parte do governo.

 

Prioridades de reforma para a Orientação de Carreira na União Européia

Em 2004, os ministros da Educação da União Européia se reuniram duas vezes para discutir as prioridades de reforma para a Orientação de Carreira, em resposta às mudanças necessárias para o desenvolvimento e implementação das estratégias nacionais de aprendizagem contínua, e aos resultados das revisões das políticas nacionais em Orientação de Carreira realizadas pelo OCDE, pela Comissão Européia e suas agências, e pelo Banco Mundial. Foram acordadas as seguintes prioridades:

(1) Estabelecimento de sistemas de orientação contínua.

(2) Garantia de acesso aos serviços de Orientação de Carreira para todas as camadas da população ao longo das suas vidas

(3) Desenvolvimento de sistemas centrados nos cidadãos que garantam a qualidade dos serviços de orientação e produtos oferecidos.

(4) Transmissão das competências necessárias para gerir seus caminhos de aprendizagem e de vida profissional aos cidadãos.

(5) Melhoria da coordenação e da cooperação das políticas públicas entre os diferentes setores (educação, emprego/trabalho) e serviços.

(6) Melhoria da formação inicial e contínua dos orientadores de carreira.

(7) Desenvolvimento de uma sólida base de evidências para apoiar as políticas públicas em Orientação de Carreira e o seu papel nas estratégias no âmbito da educação, formação e emprego

(8) Envolvimento de um amplo leque de interessados (ministérios, parceiros sociais, sociedade civil, orientadores profissionais) no desenvolvimento, acompanhamento e avaliação das políticas públicas e dos sistemas de Orientação de Carreira.

Os ministros também acordaram uma definição política de Orientação de Carreira: uma gama de atividades que permitem aos cidadãos de qualquer idade e em qualquer momento de suas vidas: (a) identificar suas capacidades, competências e interesses; (b) tomar decisões educacionais, de formação profissional e ocupacionais significativas; (c) gerenciar os caminhos de vida individuais em relação à aprendizagem, trabalho ou outras situações, nas quais essas capacidades e competências são adquiridas e/ou utilizados. Exemplos dessas atividades são: (a) informar e orientar; (b) aconselhamento; (c) avaliação de competências; (d) mentoring; (e) advocacia; (f) ensinar a tomar decisão e a desenvolver competências de gestão de carreira. Essa definição deu ênfase especial à importância do significado no processo de tomada de decisão de carreira e à natureza contínua e abrangente da aprendizagem e sua relação com a Orientação de Carreira. Em 2008, os ministros da educação se reuniram novamente para discutir o progresso da implantação da reforma das políticas e dos sistemas de Orientação de Carreira. Eles confirmaram tanto as prioridades da reforma de 2004, como a definição política de orientação, e atribuíram papel essencial à Rede Européia de Políticas de Orientação Contínua para apoiar a implantação das prioridades de reforma.

 

O que os tomadores de decisão em políticas públicas europeus nos ensinaram sobre a Orientação de Carreira?

Visão do indivíduo nas políticas de Orientação de Carreira

O indivíduo é visto como alguém que é: (a) uma fonte valiosa de informação para ajudar a melhorar os serviços de Orientação de Carreira: “aprendemos com ele da mesma forma como ele aprende conosco”; (b) capaz de aprender as competências necessárias para gerir a própria carreira e de aprender sobre os caminho da vida; (c) um contribuinte para desenvolvimento de políticas públicas e sistemas.

O serviço de orientação

O modelo emergente de um serviço de orientação contínua é aquele que: (a) é fornecido através de uma combinação de diferentes meios: telefone, web, face a face, de forma integrada; (b) é fornecido por meio de uma abordagem em rede intra e entre educação, emprego e setores da comunidade.

O modelo profissional

Conforme este modelo: (a) os indivíduos são atendidos por uma gama de orientadores de carreira com uma gama de qualificações e competências (do não-especialista a especialista), dependendo do tipo e da intensidade da ajuda requerida; (b) especialistas trabalham com e por meio de não-especialistas, em um modelo profissional aberto.

O sistema

Trata-se de um sistema onde: (a) a orientação contínua implica superar a fragmentação de serviços existente em todos os setores, decorrente do acidente histórico da criação de redes formais de provedores em nível local e regional; (b) também envolve a ampliação do acesso aos serviços, por exemplo, a prestação de orientação no local de trabalho e a utilização de representantes da aprendizagem no local de trabalho.

As políticas

O desenvolvimento de políticas públicas para a Orientação de Carreira já não é mais preocupação exclusiva de um ministério específico. Há muitos interessados e provedores de serviços de orientação contínua na iniciativa privada, como outros ministérios, parceiros sociais, sociedade civil e lideranças entre os orientadores, que podem e devem contribuir para o desenvolvimento das políticas públicas. Concebe-se que: (a) as políticas de Orientação de Carreira são partes de macropolíticas para a educação, formação e emprego. Adquirem sua legitimidade a partir dessas políticas, pois elas não existem em esplêndido isolamento; (b) a Orientação de Carreira deveria estar no centro das estratégias nacionais para educação, formação e emprego.

Coleta e comunicação de evidências

Por fim, a comunidade de orientadores profissionais precisa dar mais atenção à coleta de dados sobre as realizações e os resultados obtidos em Orientação de Carreira. Ela precisa tornar esses resultados visíveis e publicamente valorizados. Um quadro útil sobre realizações e resultados poderia ser: (a) em curto prazo: melhoria do conhecimento e das competências, incluindo o planejamento de ações, atitudes e motivação; (b) em médio prazo: estratégias de pesquisa e atividades de exploração sustentadas; implantação de planos de ação (participação de processos seletivos, gerenciamento de obstáculos); (c) em longo prazo: início, continuidade e conclusão com êxito das oportunidades de aprendizagem; entrada e reentrada no mercado de trabalho, mudança de emprego; mudança de cargo/promoção, aumento salarial; maior empregabilidade.

Os resultados para a economia e sociedade poderia ser algo como: (a) para os empregadores e prestadores de oportunidades de aprendizagem: maior produtividade; maior flexibilidade; mais matrículas, retenção e realizações; (b) para a economia: crescimento do PIB, redução da escassez de competências; menor desemprego; investimento de fundos públicos mais eficientes em termos de custos. É necessário que haja negociação e discussão entre os profissionais, tomadores de decisão em políticas públicas e pesquisadores, para que possam estabelecer uma abordagem comum de coleta de dados significativos, que permita mostrar o valor da Orientação de Carreira. A comunidade acadêmica e de pesquisadores carrega o ônus da busca por abordagens metodológicas relevantes a partir de todas as disciplinas, por exemplo, a análise das contribuições e estudos contra-fatuais, visando à demonstração do valor agregado dos serviços de Orientação de Carreira.

Agradeço à ABOP e à RBOP pelo amável convite, para que eu pudesse explanar sobre este importante tema.

 

 

Recebido: 08/11/2009
1ª Revisão: 23/11/2009
Aceite final: 25/11/2009

 

 

1 Conferência internacional proferida no II Congresso Latino-Americano de Orientação Profissional da ABOP e IX Simpósio Brasileiro de Orientação Vocacional & Ocupacional realizado de 1 a 3 de outubro de 2009 em Atibaia-SP, Brasil. Tradução de Giselle Mueller-Roger Welter.
2 Endereço para correspondência: Dr John McCarthy. 16 Rue Brackenhoffer, 67100 Strasbourg, France, Tel. 0033388611329. E-mail: jmc@iccdpp.org.
3 O termo no original policy maker não tem correspondente direto em português, sendo usualmente utilizado enquanto tal. Optou-se pela tradução para fluidez da leitura.
4 Aprendizagem abrangente corresponde ao conceito de life-wide learning.
5 O termo decision maker no original não tem correspondente direto em português, é utilizado para representar os atores sociais com poder de decisão no âmbito das políticas públicas de uma maneira geral.
6 O autor usou o termo output aqui, que representa o produto final da saída de um sistema, as realizações.
7 O termo outcome foi traduzido como resultado, pois se trata de uma expressão oriunda da “teoria dos jogos”, onde representa o resultado final de uma partida.
8 Flexicurity é um neologismo, e como tal foi mantido na tradução para o português.
9 Rede Européia para Políticas de Orientação Contínua.

 

 

Sobre o autor
* John McCarthy é Diretor do Centro Internacional para o Desenvolvimento de Carreira e Políticas Públicas, Strasbourg, França (www.iccdpp.org). Ocupou os postos de Gerente de Projetos no Centro Europeu para o Desenvolvimento do Treinamento Vocacional e no Centro Nacional para Orientação em Educação na Irlanda. Trabalhou como consultor internacional para a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e Fundação para a Formação Européia (European Training Foundation-ETF), como supervisor universitário de orientadores profissionais, pesquisador e orientador profissional. Co-editor do livro Orientação de Carreiras: Manual para formuladores de políticas, publicação conjunta da OCDE-Europa (CEDEFOP, 2008) e Aprimorando Políticas e Sistemas de Orientação em longo prazo (CEDEFOP, 2005).

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