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Revista Brasileira de Orientação Profissional

On-line version ISSN 1984-7270

Rev. bras. orientac. prof vol.10 no.2 São Paulo Dec. 2009

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

Relações entre interesses vocacionais e fatores de personalidade

 

Relations between vocational interests and personality traits

 

Relaciones entre intereses vocacionales y factores de personalidad

 

 

Felipe Valentini I * 1; Maycoln Leôni Martins Teodoro II **; Marcos Alencar Abaide Balbinotti III ***

I Universidade de Brasília, Brasília-DF, Brasil
II Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo-RS, Brasil
III Université du Québec à Trois-Rivières, Trois-Rivières, Québec, Canadá

 

 


RESUMO

Esta pesquisa procurou explorar as relações entre o modelo Hexagonal de Holland (RIASEC) e os fatores de personalidade Neuroticismo, Abertura e Extroversão. Foram estudados 145 universitários (87 mulheres) com idade média de 25 anos (DP=5,65). Os participantes responderam ao Inventário Tipológico de Interesses Profissionais (ITIP-96) e às Escalas Fatoriais de Neuroticismo (EFN), Extroversão (EFEx) e Abertura à Experiência (EFA). Os resultados foram discutidos, destacando as correlações entre o subfator Altivez (Extroversão) e os tipos Artístico (r=0,45) e Empreendedor (r=0,49) para homens, enquanto que, para mulheres, o fator Abertura associou-se ao tipo Investigador (r=0,44). Análises de regressão assinalaram os fatores Abertura e Altivez como importantes variáveis na predição dos interesses vocacionais.

Palavras-chave: Avaliação psicológica, Iinteresses profissionais, Traços de personalidade, Correlação, Estudante universitário.


ABSTRACT

This research aimed to explore relations between Holland’s model of vocational interests (RIASEC) and the personality traits: Neuroticism, Openness and Extroversion. A sample of 145 university students (87 female), averaging 25 years, filled out the following inventories: Career Interest Type (Tipológico de Interesses Profissionais, ITIP-96), Neuroticism Factorial Scale (Escala Fatorial de Neuroticismo, EFN), Extroversion Factorial Scale (Escal a Fatorial de Extroversão, EFEx) and Openness Factorial Scale (Escala Fatorial de Abertura, EFA). The results were discussed. Correlations were found between Haughtiness (an Extroversion facet and the Artistic type (r=0,45) and Enterprising (r=0,49) for men, while for women the correlations were verified between the Openness trait and the Investigative type (r=0,44). Furthermore, the regression analyses showed the Openness and Haughtiness traits to be important variables to explain the vocational interests.

Keywords: Psychological assessment, Vocational interests, Personality traits, Correlation, College students.


RESUMEN

Esta investigación trató de explorar las relaciones entre el modelo Hexagonal de Holland (RIASEC) y los factores de personalidad Neuroticismo, Abertura y Extraversión. Se estudió a 145 universitarios (87 mujeres) con edad media de 25 años (DP=5,65). Los participantes respondieron al Inventario Tipológico de Intereses Profesionales (ITIP-96) y a las Escalas Factoriales de Neuroticismo (EFN), Extraversión (EFEx) y Abertura a la Experiencia (EFA). Los resultados se discutieron destacando las correlaciones entre el subfactor Altivez (Extraversión) y los tipos Artístico (r=0,45) y Emprendedor (r=0,49) para hombres, mientras que para mujeres el factor Abertura se asoció al tipo Investigador (r=0,44). Análisis de regresión indicaron los factores Abertura y Altivez como importantes variables en la predicción de los intereses vocacionales.

Palabras clave: Evaluación psicológica, Intereses profesionales, Indicios de personalidad, Correlación, Estudiante universitario.


 

 

Esta pesquisa procurou explorar as relações entre interesses vocacionais e características de personalidade, a partir de dois modelos teóricos: o Hexagonal de Interesses Vocacionais de Holland (RIASEC) e o dos Cinco Grandes Fatores. A seguir, será feita uma descrição de ambos os modelos, bem como um resumo das pesquisas que relacionaram estes dois construtos.

Modelo Hexagonal de Holland

Dentro da perspectiva teórica de Holland (1959, 1997), uma pessoa desenvolve gostos por certas atividades profissionais e aversões por outras, respaldando as preferências vocacionais. No percurso do desenvolvimento, essas preferências vocacionais vão se transformando em reais interesses profissionais através da interação entre estímulos ambientais e aspectos motivacionais internos. A partir destes interesses profissionais o indivíduo poderá obter sua satisfação profissional e estabilidade em sua carreira (Holland & Gottfredson, 1992). Além disso, um ambiente em congruência com estes interesses sustentará sua motivação interna para o trabalho (Helms, 1996).

Os interesses vocacionais, segundo o Modelo Hexagonal, ainda podem ser agrupados por características em comum (Holland, 1997). Desta forma, grande parte das pessoas pode ser classificada em função de seis tipos de interesses vocacionais: Realista, Investigador, Artístico, Social, Empreendedor e Convencional (RIASEC). Pessoas realistas tendem a preferir atividades realizadas com máquinas; já os do tipo Investigador gostam de se envolver em estudos aprofundados; os artísticos tendem a se envolver naquelas atividades onde possam manifestar suas próprias idéias; enquanto pessoas com escores altos no tipo Social tendem a preferir as atividades que envolvam outras pessoas, nas quais seja possível prestar assistência; os empreendedores preferem aquelas em que seja possível gerenciá-las; e, por fim, os convencionais manifestam maior interesse por trabalhos ordenados e sistemáticos.

A teoria hexagonal mantém-se ainda hoje como uma das mais importantes da área da psicologia vocacional (Guichard & Huteau, 2001). Entretanto, no Brasil, a produção científica acerca da teoria de Holland não é vasta quando comparada à literatura internacional (Balbinotti, Valentini, & Cândido, 2006; Magalhães, 2006; Mansão & Yoshida, 2006; Marocco, Tétreau, & Trahan, 1984; Primi, Moggi, & Casellato, 2004).

O modelo tipológico de Holland (1959, 1997) contempla, além de interesses laborais, características gerais associadas a cada tipo. Pessoas predominantemente realistas, por exemplo, além das preferências por atividades que envolvam o manuseio de máquinas, são, normalmente, inflexíveis, reservadas e práticas. Desta forma, a possibilidade de agrupamento dos interesses ou personalidades vocacionais em tipos aproxima-se muito da noção de traços de personalidade, justamente por tentar reunir características comportamentais. Holland (1997) afirma que aquilo que os teóricos consideravam apenas como interesses profissionais nada mais é do que partes constituintes da personalidade humana.

Modelo dos Cinco Grandes Fatores

Os estudos sobre os cinco fatores iniciaram com as explanações teóricas de McDougall e pelas pesquisas empíricas de Thurstone na década de 1930. Entretanto, o entendimento da teoria ocorreu de uma forma lenta e somente a partir do advento de programas computacionais para análises fatoriais (capazes de realizá-las com maior precisão em menor tempo) que o modelo começou a receber uma maior atenção dos teóricos e pesquisadores (Digman, 2002).

As características de personalidade, segundo este modelo, podem ser agrupadas dentro dos seguintes fatores: Extroversão que avalia a quantidade e intensidade de interações pessoais; Socialização (ou Amabilidade) relativo à quantidade de orientação interpessoal ao longo de um contínuo da compaixão ao antagonismo; Realização (ou Consciência) relacionado ao grau de controle, organização e persistência; Neuroticismo referindo-se ao nível de ajustamento e instabilidade emocional; e Abertura à Experiência que avalia a tolerância e apreciação de novas experiências (Nunes, 2005).

A tentativa de agrupar características dentro dos cinco fatores não significa que esses sejam suficientemente capazes de abarcar todas elas. De fato, a hipótese lexical fundamental (que influenciou o modelo dos Cinco Grandes Fatores) postula que apenas aquelas características mais importantes para as interações sociais são significadas na linguagem. Essas recebem termos semelhantes em grande parte das línguas ao redor do mundo (Goldberg, 1990). As considerações de McAdams (1992) vão ao encontro desta idéia. Segundo esse pesquisador, os cinco fatores referemse aos conjuntos de características e informações que as pessoas desejam saber ao se relacionarem.

Alguns autores pensaram na possibilidade da codificação em cinco fatores ocorrer de forma semelhante em diferentes culturas. McCrae e Costa (1997) encontraram os cinco fatores em sociedades de diferentes línguas, tais como Alemão, Chinês e Hebraico. No Brasil, existem evidências da replicação do modelo (Hutz & Nunes, 2001; Hutz e cols., 1998; Nunes, 2005; Nunes & Hutz, 2006). Essa suposta universalidade da teoria pode ser atribuída às características biológicas da espécie humana (McCrae & Costa, 1997).

Relações entre o Modelo Hexagonal de Holland e o Modelo dos Cinco Grandes Fatores

Diversos estudos propuseram-se a estudar as correlações entre os Cinco Grandes Fatores e os tipos de interesses vocacionais de Holland (Costa, Mccrae, & Holland, 1984; De Fruyt & Mervielde, 1997; Gottfredson, Jones, & Holland, 1993; Sullivan & Hansen, 2004). Alguns destes serão descritos a seguir.

Um dos primeiros estudos abarcando tal temática foi realizado por Costa e cols. (1984). Os autores procuraram avaliar as relações entre os seis tipos de interesses vocacionais de Holland e os fatores Neuroticismo, Extroversão e Abertura à Experiência em uma amostra de 361 pessoas. Os resultados indicaram a existência de correlações fracas e moderadas, positivas e significativas, entre o fator Abertura e os tipos Investigador e Artístico, bem como entre o fator Extroversão e os tipos Social e Empreendedor. Os pesquisadores afirmaram que, teoricamente, o tipo Convencional deveria relacionar-se negativamente com o fator Abertura. Todavia os resultados não forneceram evidências empíricas a tal hipótese. Por fim, não foi encontrada correspondência entre o fator Neuroticismo com qualquer um dos tipos de Holland.

Gottfredson e cols. (1993) estudaram as correlações entre os seis tipos de interesses vocacionais de Holland e os Cinco Grandes Fatores, numa amostra de 725 recrutas da Marinha Americana. Os autores concluíram que os tipos Social e Empreendor estavam positivamente relacionados ao fator Extroversão; os tipos Artístico e Investigador ao fator Abertura; assim como o tipo Convencional com o fator Consciência. Além disso, os fatores Neuroticismo e Amabilidade não se correlacionaram, significativamente, a nenhum dos seis tipos do modelo de Holland. Além disso, os autores ressaltaram a importância de complementar a prática da orientação profissional com avaliações da personalidade, considerando que os fatores Neuroticismo, Amabilidade e Consciência seriam relevantes para a avaliação de alguns problemas vocacionais, tais como ajuste no trabalho, satisfação com o emprego e relações interpessoais no ambiente de trabalho.

Relações entre os fatores de personalidade e interesses vocacionais também foram encontradas por De Fruyt e Mervielde (1997), num estudo realizado com uma amostra de 934 estudantes. Os participantes responderam ao NEO-PI-R e ao SDS. O fator Neuroticismo relacionou-se aos tipos Empreendedor e Convencional; o fator Extroversão, aos tipos Social e Empreendedor; o fator Abertura, aos tipos Artístico, Social e Convencional (sendo esta última negativa); o fator Amabilidade, aos tipos Social e Empreendedor; e o fator Consciência, aos tipos Empreendedor e Convencional. Com base nos resultados encontrados, os autores também concluíram que os tipos Realista e Investigador não apresentaram correlações significativas com o modelo dos Cinco Grandes Fatores.

Utilizando a amostra de De Fruyt e Mervielde (1997), além de outros 1186 estudantes, Armstrong e Anthoney (2009) também conduziram uma pesquisa para avaliar as relações entre personalidade e interesses. Os autores ressaltaram que os estudos devem investigar os subfatores da personalidade além dos fatores para aprofundar a compreensão do tema, o que não fora realizado pela maioria dos estudos anteriores. De maneira geral, as relações entre todos os subfatores do fator Abertura e do tipo Artístico são apontadas como robustas, bem como entre o fator Extroversão e os tipos Empreendedor e Social. Ademais, o fator Socialização/Amabilidade correlacionou-se com o tipo Social. Os resultados correlacionais para o fator Neuroticismo indicaram um tamanho de efeito pequeno e negativo quando associado aos tipos de Holland.

A pesquisa de Schinka, Dye e Curtiss (1997) ampliou a compreensão das relações entre os Cinco Grandes Fatores e o modelo de Holland. Os cientistas utilizaram uma amostra de 1034 trabalhadores adultos de diversas áreas e assinalaram, primeiramente, a importância da realização de análises separadas segundo o sexo. O tipo Realista não apresentou nenhuma associação significativa com as dimensões de personalidade, assim como o fator Neuroticismo não se correlacionou com os tipos de Holland. Os resultados ainda sugerem que os Cinco Grandes Fatores e a teoria de Holland não se sobrepõem. Ou seja, apesar das associações encontradas, é possível afirmar que os modelos avaliam constructos teórica e empiricamente distintos.

A conclusão que os dois modelos não se sobrepõem (i.e. são empírica e teoricamente distintos) também foi postulada por Sullivan e Hansen (2004). Os autores pesquisaram 214 estudantes universitários e os resultados apontam para associações entre os seguintes subfatores e tipos: Cordialidade (warmth - Extroversão) e Social; Assertividade (Extroversão) e Empreendedor; Estética (Abertura) e Artístico; Idéias, Sentimentos (Abertura) e Investigador; Altruísmo, Afabilidade (Tender-Mindedness - Amabilidade) e Social.

Da mesma forma que estudos anteriores, Tokar e Swanson (1995) também salientaram a importância da variável sexo ao realizar as análises. A partir de uma amostra de 359 adultos, os resultados apontaram para uma relação positiva entre o fator Abertura e os tipos Investigador e Artístico e negativa com o tipo Realista. Já o fator Extroversão relacionou-se com tipo Empreendedor e Realista (sendo negativa esta última) para os homens, e com os tipos Realista e Investigador (negativamente) para mulheres. Considerando a ausência de correlações fortes, os pesquisadores afirmam que, apesar das teorias apresentarem relações em alguns aspectos, o modelo de Holland não se sobrepõe à estrutura dos Cinco Grandes Fatores. Conseqüentemente, os autores sugerem que as avaliações de personalidade e interesses vocacionais sejam realizadas concomitantemente.

Uma amostra de 502 estudantes universitários foi pesquisada por Ozone (1998), no que se refere à relação entre os modelos. Os resultados da pesquisa indicaram que a Abertura à Experiência seria um fator discriminante dos tipos de Holland para os homens; enquanto que para as mulheres, este mesmo fator somado à Amabilidade discriminaria os tipos de interesses vocacionais. Ou seja, os interesses vocacionais estariam mais associados aos fatores de personalidade Abertura e Amabilidade. Os autores concluem que os tipos de Holland estão relacionados a uma porção do modelo dos Cinco Grandes Fatores e a dimensão Abertura parece ser relevante dentro deste contexto.

Há poucos anos, Mount, Barrick, Scullen, e Rounds (2005) conduziram uma pesquisa de meta-análise e verificaram correlações moderadas entre Extroversão e Empreendedor e Social, Abertura e Artístico. Mais recentemente, resultados semelhantes foram evidenciados por Duffy, Borges e Hartung (2009). Os autores estudaram uma amostra de 282 estudantes universitários, encontrando associações ente o fator Abertura e o tipo Artístico, bem como entre Extroversão, Empreendedor e Social.

Em suma, os resultados dessas pesquisas sugerem que os interesses vocacionais possuem relações com os fatores de personalidade. De maneira geral, as associações mais significativas, teórica e empiricamente, foram encontradas entre o fator Abertura e os tipos Investigador e Artístico, bem como entre o fator Extroversão e os tipos Social e Empreendedor. Entretanto algumas questões precisam ser aprofundadas. A relação entre o fator Neuroticismo e os tipos de interesses, por exemplo, tem gerado dados contraditórios. Além disso, as associações entre os dois modelos teóricos apresentariam resultados semelhantes em culturas diferentes?

Tendo em vista a carência de estudos nacionais sobre o tema, esta pesquisa teve como objetivo investigar a relação entre os fatores de personalidade Neuroticismo, Extroversão e Abertura à Experiência (segundo o modelo dos Cinco Grandes Fatores de Personalidade) e os tipos de interesses vocacionais (segundo o modelo Hexagonal de Holland). Para a escolha desses três fatores, ao invés dos cinco, considerou-se o estudo de Costa e cols. (1984), no qual foram utilizadas as mesmas dimensões. As relações foram avaliadas levando em consideração as variáveis sexo e idade. Finalmente, buscou-se testar, através de análises de regressão linear, algumas variáveis que pudessem explicar as preferências vocacionais. Para tanto foram consideradas as variáveis sexo, os subfatores de personalidade Vulnerabilidade, Desajustamento Psicossocial, Ansiedade e Depressão (Neuroticismo), Nível de Comunicação, Altivez, Assertividade, Interações Sociais (Extroversão) e o fator Abertura à Experiência.

 

MÉTODO

Participantes

Participaram deste estudo 145 estudantes, sendo 58 do sexo masculino (40%), de uma universidade do sul do Brasil. A idade variou de 18 a 51 anos (Média=25,21, DP=5,65). A escolha da amostra foi por conveniência. Os participantes eram graduandos das áreas de Ciências Exatas (Engenharia Elétrica-15,2%, Engenharia Mecânica-13,8% e Física-0,7%), Contábeis (Ciências Contábeis-11%), Biológicas e Saúde (Biologia-6,9%, Educação Física-0,7%, Enfermagem-1,4% e Nutrição-6,2%), e Humanas (Psicologia-43,4% e Serviço Social-0,7%). A Tabela 1 complementa a descrição da amostra.

Tabela 1
Estatísticas descritivas das variáveis Sexo e Área de estudo da amostra e Idade

 

 

Notas: Fr (Frequência Absoluta).

A presente pesquisa foi aprovada pelo comitê de ética da universidade dos autores (Resolução nº 06/26). Após permissão dos coordenadores de cursos, os pesquisadores compareceram nas salas de aula convidando os alunos a participar. Aqueles que aceitaram, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Os participantes responderam aos questionários, de forma coletiva, dentro de um período médio de uma hora.

Instrumentos

Inventário Tipológico de Interesses Profissionais-ITIP-96 (Balbinotti, 2003)

O ITIP-96 foi elaborado com o objetivo de avaliar os seis tipos de interesses vocacionais de Holland. Trata-se de uma escala constituída de 96 itens que descrevem situações de trabalho, avaliadas por uma escala Likert de cinco pontos. Esse instrumento ainda está em processo de validação, e propriedades psicométricas têm sido exploradas e apresentadas em outros estudos (Balbinotti e cols., 2006; Valentini, Balbinotti, & Ostermann, 2005). Cálculos de Alpha de Cronbach foram realizados com amostra deste estudo, e seus coeficientes variaram de 0,81 a 0,93, indicando boa consistência interna.

Escala Fatorial de Neuroticismo (EFN) (Hutz & Nunes, 2001)

A EFN foi desenvolvida no intuito de avaliar o fator Neuroticismo. A escala é composta de quatro subfatores: Vulnerabilidade, que avalia as intensidades do sofrimento decorrente da aceitação ou não dos outros; Desajustamento  Psicossocial, que está associado a comportamentos desajustados, de risco e adição; Ansiedade, em que é possível identificar tendências de instabilidade emocional, variação do humor e disposição; e Depressão, na qual pessoas com escores altos tendem a apresentar baixa expectativa de futuro, poucos objetivos claros na vida e a ser solitárias. A EFN possui 82 itens avaliados por uma escala Likert de sete pontos. Os coeficientes Alpha de Cronbach para cada subfator com a amostra deste estudo variaram de 0,77 a 0,91 (para a escala geral, o coeficiente foi de 0,95). Os Alphas apresentados no manual do instrumento variam de 0,82 a 0,89 (sendo 0,94 para a escala geral).

Escala Fatorial de Extroversão (EFEx) (Nunes & Hutz, 2006, 2007)

A EFEx avalia o fator Extroversão e é composta por quatro subfatores: Nível de Comunicação, que descreve o quão expansivas e comunicativas as pessoas acreditam que são; Altivez, que está associada às percepções de grandiosidade; Assertividade, que está relacionada à liderança, nível de atividade e motivação; e Interações Sociais, que avalia o quanto as pessoas buscam ativamente participar de situações sociais. A EFEx possui 57 itens avaliados por uma escala Likert de sete pontos. Os coeficientes de Alpha de Cronbach variaram de 0,71 a 0,92 (para a escala geral o coeficiente foi de 0,93) para a amostra deste estudo. Os Alphas apresentados pelos autores da escala variaram de 0,78 a 0,90 (e 0,91 para a escala geral), indicando a pertinência do uso da escala neste estudo.

Escala Fatorial de Abertura à Experiência (EFA) (Vasconcellos & Hutz, 2008)

A EFA presta-se a avaliar o fator Abertura à Experiência. Este fator diz respeito à capacidade pró-ativa e ao quanto a pessoa está aberta a novas experiências em sua vida ou fechada a tudo aquilo que não faz parte do cotidiano. O instrumento é composto de 77 itens avaliados a partir de uma escala Likert de sete pontos. Levando em consideração o fato da escala encontrar-se em processo de validação, foram obtidos apenas os escores totais. O coeficiente de Alpha de Cronbach para um único fator foi de 0,83 para esta amostra, indicando que se trata de uma escala com medidas precisas à amostra em questão.

Análise de dados

Os dados coletados foram digitalizados e armazenados num banco de dados. Foram realizados cálculos de Alpha de Cronbach para análise de consistência interna das escalas, Teste t de Student para a diferença de médias entre os sexos e Correlação de Pearson para testar a associação entre a idade e os tipos de interesses e fatores de personalidade. As relações entre os interesses vocacionais e a personalidade foram analisadas através de cálculos de Correlação de Pearson. Por fim, os modelos explicativos dos tipos de Holland foram calculados por meio de Análise de Regressão Múltipla. Para tanto o método Stepwise foi escolhido, considerando o interesse em testar, de forma exploratória, os diferentes fatores e subfatores de personalidade como variáveis explicativas. O programa estatístico utilizado foi o SPSS (versão 14.0).

 

RESULTADOS

Para responder adequadamente os objetivos desta pesquisa, procedeu-se a exploração dos escores obtidos a partir das escalas ITIP-96, EFN, EFEx e EFA. Em seguida, são apresentados os resultados das análises dos tipos de interesses vocacionais e fatores de personalidade: suas diferenças segundo as variáveis sexo e idade, correlações e análise de regressão linear.

Diferenças nas médias das variáveis sexo e idade

Foram conduzidos, primeiramente, testes t de Student a fim de verificar diferenças nas médias dos tipos de interesses vocacionais e dos fatores de personalidade segundo a variável sexo. Não foi encontrada diferença significativa para os fatores Neuroticismo, Extroversão e Abertura em relação ao sexo do participante. Do mesmo modo, não houve diferença de gênero no tipo Convencional. Porém as mulheres apresentaram escores significativamente superiores aos dos homens nos tipos Investigador (t[143]=-3,60, p<0,01), Artístico (t[143]=-3,93, p<0,01) e Social (t[110]=-6,83, p<0,01). Os homens obtiveram escores significativamente superiores nos tipos Realista (t[80,84]=7,26, p<0,01) e Empreendedor (t[143]=2,4, p=0,02), se comparados ao grupo feminino.

Correlações de Pearson foram realizadas testando as associações entre a variável idade e tipos de interesses vocacionais e fatores de personalidade. Foram encontradas correlações significativas (ainda que fracas) entre o tipo Investigador (r=-0,18, p<0,05) e o fator Neuroticismo (r =-0,24, p<0,01).

Correlações entre os tipos de interesses vocacionais e os fatores de personalidade

As associações entre os tipos de interesses vocacionais de Holland e os fatores Neuroticismo, Extroversão e Abertura à Experiência foram analisadas através da Correlação de Pearson. Tendo em vista a influência da variável sexo, estas análises foram realizadas, separadamente, para o grupo masculino e para o feminino. A Tabela 2 descreve estes resultados.

Tabela 2
Correlações entre os Tipos de Interesse Vocacionais e os Fatores e Subfatores de Personalidade (n=145)

 

 

Nota: Na tabela são apresentados os valores decimais após a vírgula (os “zeros vírgula” foram omitidos). * <005; ** <001.
ªR (Realista), I (Investigador), A (Artístico), S (Social), E (Empreendedor), C (Convencional);

Para o sexo masculino, correlações moderadas foram encontradas entre o subfator Altivez e os tipos Artístico (r=0,45) e Empreendedor (r=0,49). Enquanto que para o sexo feminino encontraram-se associações moderadas entre o fator Abertura à Experiência e o tipo Investigador (r=0,44). Além disso, outras associações foram encontradas, todavia mais fracas do que as anteriormente descritas (Tabela 2).

Análise de regressão linear múltipla

As análises de regressão linear múltipla foram realizadas testando o efeito das variáveis explicativas (subfatores de personalidade e sexo) nas dependentes (tipos de interesses vocacionais de Holland), através do método Stepwise. É preciso ressaltar que essas foram realizadas, primeiramente, considerando também a idade como variável explicativa. Entretanto, a quantidade da variância explicada por essa variável foi pequena para todos os tipos de interesses vocacionais, tendo valores associados de t entre 0,15 a 1,9 e p entre 0,051 a 0,88, não justificando sua inclusão nas análises finais. Assim, foram inseridas, no modelo inicial de regressão, as variáveis explicativas sexo e fatores de personalidade. Entretanto o método Stepwise gera um modelo teórico-estatístico excluindo as variáveis que pouco contribuem para a explicação da variância. Desta forma, serão apresentadas, na Tabela 3, apenas as variáveis mais significativas, segundo as análises, para cada interesse vocacional. Os coeficientes de regressão são demonstrados na Tabela 3.

Tabela 3
Análise de Regressão Linear para os Tipos de Interesses Vocacionais (n=145)

 

 

Nota: * p<0,05; ** p<0,01; *** p <0,001.
a Na coluna são apresentados as contribuições de cada variável, à medida que entram na análise (stepwise),
para a explicação da variância dos tipos de interesses vocacionais, bem como a variância total explicada pelo modelo.
b Codificação: 1 - Masculino,
                       2 - Feminino.

O modelo obtido na regressão do tipo Realista mostrou-se significativo (F[2, 142]=35,38, p<0,001). O sexo e o fator Abertura à Experiência formaram o grupo preditor, explicando juntos cerca de 33% da variância do tipo Realista. Os coeficientes de regressão padronizados indicam que pertencer ao sexo masculino e um maior índice no fator Abertura produzem um aumento do tipo Realista.

Para o tipo Investigador a análise de regressão também apresentou significância (F[2, 142]=19,55, p<0,01), explicando 21,6% da variância. Os resultados apresentaram as variáveis Abertura e sexo como modelo explicativo. Neste caso, pertencer ao sexo feminino produz um aumento na variável dependente. Entretanto, para o tipo em questão o fator Abertura à Experiência possui mais força de relação do que o sexo.

A análise de regressão para o tipo Artístico também foi significativa (F[3, 141]=13,86, p<0,01). As variáveis sexo, Abertura e Altivez explicaram 22,8% da variância do tipo em questão. Os coeficientes padronizados beta indicam que ser mulher e ter maiores escores no fator Abertura e subfator Altivez produzem um aumento no tipo Artístico.

O modelo para o tipo Social também foi significativo (F[2, 142]=28,50, p<0,01). O grupo preditor explicou 28,6% da variância do tipo Social. A variável sexo, sozinha, explicou 25,7% da variância do tipo Social. Os coeficientes padronizados betas indicam que esta variável tem maior força preditiva do que o subfator Interações Sociais.

Os resultados para o modelo do tipo Empreendedor também foram significativos (F[3, 141]=13,55, p<0,01), demonstraram a pertinência da análise de regressão. O modelo encontrado explicou 22,4% da variância do Empreendorismo. Os subfatores Altivez (Extroversão) e Depressão (Neuroticismo) explicaram 18,7%. Cabe ainda salientar que a associação entre o tipo Empreendedor e o subfator Depressão foi negativa.

Finalmente, a análise para o tipo Convencional também foi significativa (F[2, 142]=8,6, p<0,01). O fator Abertura à Experiência e o subfator Altivez formaram o grupo preditor indicado como o mais adequado, explicando juntos aproximadamente 11% da variância do tipo em questão.

 

DISCUSSÃO

O presente estudo buscou verificar associações entre os tipos de interesses vocacionais de Holland e os fatores Neuroticismo, Extroversão e Abertura. A amostra utilizada foi constituída de universitários de diversos cursos, selecionada por conveniência. Deste modo, os resultados encontrados não podem ser generalizados para a população total. Apesar desta limitação, considera-se importante estes achados por tratar-se de uma primeira discussão dessas relações com dados brasileiros.

As diferenças encontradas entre as médias dos tipos de interesses vocacionais com relação à variável sexo eram esperadas. De fato, autores e pesquisas anteriores já haviam destacado a existência de tais diferenças em outros países (Costa e cols., 1984; Holland, 1997; Schinka e cols., 1997). Por um lado, segundo os resultados desta pesquisa, mulheres interessam-se mais por atividades que envolvam: a observação e estudo aprofundado (tipo Investigador); que possibilitem a manifestação de idéias próprias e sentimentos através da escrita, música, teatro ou dança (tipo Artístico); e que permitam o contato com outras pessoas, auxiliando-as ou educando-as (tipo Social). Por outro lado, homens preferem: as atividades concretas que podem ser realizadas com máquinas e ferramentas (tipo Realista); e aquelas associadas ao gerenciamento e convencimento (tipo Empreendedor). Em suma, as preferências encontradas vão ao encontro da cultura brasileira, na qual profissões associadas aos tipos Investigador, Artístico e Social (tais como enfermeiro, dançarino, pintor artístico, professor e psicólogo) são percebidas como predominantemente femininas. Enquanto cargos profissionais empreendedores e realistas (tais como engenheiro, mecânico, administrador e gerente) são percebidos como masculinos (veja, por exemplo, Castro & Yamamoto, 1998; Romero, Strey, & Marques, 2001).

Com relação aos fatores de personalidade, não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre os grupos masculino e feminino. Nunes (2005) avaliou o fator Extroversão e apesar de ter encontrado diferenças estatisticamente significativas entre os dois grupos, ressalta que esta é muito pequena e, possivelmente, decorrente do tamanho da amostra. Todavia, resultados diferentes do presente estudo foram encontrados por Hutz e Nunes (2001) na investigação de três subfatores do fator Neuroticismo. De maneira geral, as mulheres apresentam maiores escores neste fator, com exceção do subfator Desajustamento Psicossocial. Schinka e cols. (1997) evidenciaram diferenças entre estes grupos tanto para os tipos de interesses vocacionais, quanto para os fatores de personalidade. Tais discrepâncias podem ser atribuídas, hipoteticamente, à amostra do presente estudo, composta por universitários e escolhida por conveniência. Desta forma, sugerem-se novas pesquisas aprofundando a discussão de tal problemática.

Para a idade, foram encontradas correlações significativas e fracas (r<0,25) apenas com o tipo Investigador e com o fator Neuroticismo, não justificando a inclusão de diversas tabelas de correlação considerando tal variável. De fato, as pesquisas encontradas relacionando tipos e fatores também não apresentam diferentes resultados considerando a faixa etária (Costa e cols., 1984; Schinka e cols., 1997; Sullivan & Hansen, 2004). Para o fator Extroversão, o estudo de Nunes (2005) descreve uma correlação fraca entre a idade e o fator Extroversão. Desta forma, os resultados do presente estudo confirmam a hipótese de que a relação entre a idade e os tipos de interesses vocacionais e fatores de personalidade não é significativa.

Os resultados correlacionais entre os tipos de interesse vocacional e fatores de personalidade confirmam, de modo geral, os da literatura internacional. Para ambos os sexos, foram encontradas associações, estatisticamente significativas, fracas e moderadas entre o fator Abertura e o tipo Investigador. Estudos anteriores apontam para associações moderadas entre o fator Abertura e o tipo Artístico em ambos os sexos (Armstrong & Anthoney, 2009; Costa e cols., 1984; De Fruyt & Mervielde, 1997; Duffy e cols., 2009; Sullivan & Hansen, 2004) e fracas entre este fator e o tipo Investigador para os homens (De Fruyt & Mervielde, 1997) e para as mulheres (Costa e cols., 1984). Tokar e Swanson (1995) também encontraram associações, através de análises discriminantes, entre esse fator e os tipos em ambos os sexos. Assim, pessoas com características de personalidade abertas e tolerantes a novas experiências, pró-ativas, curiosas e imaginativas tendem a manifestar preferências por atividades investigativas (próprias de profissões como pesquisador, médico e dentista) e artísticas (próprias de profissões como pintor artístico, cantor e escritor). Para mulheres essa associação foi mais forte entre o fator Abertura e o tipo Investigador, enquanto que para homens ela manifestou-se mais fortemente entre o fator Abertura e o tipo Artístico. Entretanto tais correlações não são exacerbadamente discrepantes (r=0,44 e 0,34, respectivamente), podendo ser atribuída, inclusive, à amostra utilizada. Ademais, as características de personalidade abertas e pró-ativas parecem mais relevantes para as mulheres com interesses do tipo Investigador, do que para homens. Ou seja, enquanto esses interesses, para mulheres, estão moderadamente associados às características de personalidade; para os homens, profissões que envolvam a investigação aprofundada devem estar mais associadas a outras variáveis. Ressalta-se que tais interesses são típicos de profissões tradicionais e de prestígio social, tais como médico, dentista e veterinário. Pesquisas que considerem os valores e prestígio na escolha das profissões poderiam aprofundar tais questões.

As análises para o grupo feminino mostraram que os subfatores Depressão (Neuroticismo) e Comunicação (Extroversão) associaram-se negativamente, ainda que de maneira fraca, aos tipos Empreendedor e Convencional, respectivamente; enquanto que para os homens tal relação não foi observada. Desta forma, quanto menor a presença de características como desesperança e depressão em mulheres, menor seria o interesse por atividades empreendedoras. Além disto, as mulheres descritas como comunicativas, expansivas e com facilidade de desenvolver vínculos (subfator Comunicação) também preferiram atividades menos metódicas, relacionadas ao tipo Convencional.

A quantidade e a nomenclatura dos subfatores utilizados pelas pesquisas internacionais diferem um pouco das
utilizadas pelas escalas Fatorial de Neuroticismo (EFN) (Hutz & Nunes, 2001) e de Extroversão (EFEx) (Nunes & Hutz, 2006, 2007), o que dificulta, nesse aspecto, a comparação entre esta pesquisa e as anteriores. Entretanto, Gottfredson e cols. (1993) apresentam correlações mais fracas, para mulheres, entre o subfator Depressão e o tipo Empreendedor (r=-0,13), bem como entre todos os subfatores (Warmth, Gregariousness, Assertiveness, Activity, Excitement seeking e Positive emotions) do fator Extroversão e o tipo Empreendedor (-0,15< r <0,05). Esses resultados relativizam a hipótese anteriormente apresentada, reforçando a necessidade de mais estudos na área.

O subfator Altivez (Extroversão) associou-se de forma positiva e moderada com os tipos Artístico e Empreendedor, para participantes do sexo masculino, mas apenas de forma fraca com o tipo Empreendedor, quando considerado o grupo feminino (Tabela 2). Gottfredson e cols. (1993) encontraram correlações fracas para os homens entre alguns subfatores da Extroversão e o tipo Empreendedor (r<0,25), e entre Emoções Positivas e o tipo Artístico (r=0,13). De Fruyt e Mervielde (1997) apresentaram correlações maiores do que as evidenciadas por Gottfredson, embora no máximo moderadas, entre todos os subfatores do fator Extroversão e o tipo Empreendedor (0,21> r <0,59), conforme citado anteriormente. Ainda que os dados obtidos pela literatura apresentem algumas diferenças, os resultados desta pesquisa, tendo em vista a evidência de correlações moderadas, parecem ser mais claros: pessoas que se percebem como grandiosas, de grande valor e descritas como pouco modestas (subfator Altivez) também manifestariam interesses, em ambos os sexos e mais acentuadamente em homens, por atividades de chefia, gerenciamento, em que seja possível convencer outras pessoas através de argumentos e convicções pessoais (tipo Empreendedor). Especificamente para o sexo masculino, estas características também estariam associadas a atividades que possibilitem a estes sujeitos manifestar sua criatividade, seja através da escrita e das artes ou até mesmo propondo novos métodos e maneiras de trabalho, intervenção, etc. (tipo Artístico).

As análises de regressão, de maneira geral, apontaram para o sexo como uma variável importante na predição dos interesses vocacionais, com exceção do tipo Convencional. Esses resultados vão ao encontro dos provenientes de pesquisas internacionais (Ozone, 1998; Schinka e cols., 1997) e podem indicar que, de fato, a variável sexo é importante para a avaliação dos interesses vocacionais e, conseqüentemente, para a escolha profissional. Avaliar essa variável na prática de orientação profissional pode ser útil, justamente por considerar um importante aspecto de análise, abarcando o fenômeno de maneira mais ampla.

Para os tipos Realista e Social, apesar de terem suas variâncias explicadas também pelo fator Abertura e o subfator Interações Sociais, respectivamente, os coeficientes de regressão foram baixos se comparados com a variável sexo. Esses dados corroboram os demonstrados pelas correlações bivariadas, nos quais foram encontrados os menores coeficientes de Pearson (ver Tabela 2). Para o tipo Convencional, a análise de regressão apresentou o fator Abertura (de forma negativa) e o subfator Altivez como variáveis preditoras. Entretanto, ambas foram capazes, em conjunto, de explicar apenas 10,8% da variância. Outros estudos também apresentaram, com raras exceções, tais associações como fracas, utilizando análises de correlação (Costa e cols., 1984; Gottfredson e cols., 1993; Schinka e cols., 1997) e regressão múltipla (De Fruyt & Mervielde, 1997). Ou seja, os três fatores de personalidade avaliados exercem apenas uma influência pequena na definição dos três tipos de interesses vocacionais em questão. Assim, a avaliação dos níveis de Neuroticismo, Extroversão e Abertura à experiência possuem baixa relevância para os estudos científicos e para a prática clínica da orientação profissional no que refere aos tipos Realista, Social e Convencional. Entretanto, não é possível afirmar que a personalidade, como um todo, não esteja relacionada a esses tipos. Pesquisas que considerem outros fatores de personalidade (como, por exemplo, Socialização e Realização) poderiam ser úteis, ampliando a discussão.

Para os tipos Investigador, Artístico e Empreendedor as análises de regressão apresentaram maiores relações com os fatores de personalidade se comparados aos demais tipos. O fator Abertura à Experiência foi capaz de explicar, sozinho, 12 ,4% da variância do tipo Investigador. O tipo Artístico teve 8,6% de sua variância explicada pelo fator Abertura e 4,3% pelo subfator Altivez. Estes resultados, assim como os provenientes das correlações bivariadas e de outros estudos (Armstrong & Anthoney, 2009; Duffy e cols., 2009; Schinka e cols., 1997; Sullivan & Hansen, 2004), reforçam a associação entre as características da personalidade aberta a novas experiências (curiosidade, pró-atividade, idéias e valores não convencionais) e interesses investigadores (atividades que envolvam a observação e estudo aprofundado) e artísticos (atividades nas quais seja possível a manifestação de idéias próprias, através da arte, escrita, etc), sendo também influenciada pela variável sexo. O modelo compreendendo os subfatores Altivez e Depressão e a variável sexo explicou 22,4% da variância do tipo Empreendedor. Cabe destacar que a Altivez foi responsável, sozinha, por mais da metade desta explicação. Esse resultado aponta para a existência de uma tendência de pessoas com auto-percepção de grandiosidade (altivas) desenvolverem interesses por atividades de gerenciamento e direção e que envolvam a argumentação e convencimento (tipo Empreendedor).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De modo geral os resultados do presente estudo confirmam os encontrados por estudos anteriores. Tendo em vista a ausência de correlações fortes, evidenciou-se que os dois modelos teóricos não se sobrepõem. Ou seja, uma vez que correlações fracas entre interesses vocacionais e personalidade forma encontradas, é possível afirmar teórica e empiricamente, que os modelos de Holland (RIASEC) e dos Cinco Grandes Fatores avaliam constructos distintos. Tal hipótese também foi discutida por pesquisas anteriores (Ozone, 1998; Schinka e cols., 1997; Tokar & Swanson, 1995), sugerindo a necessidade de complementar o estudo dos interesses vocacionais com o da personalidade (Gottfredson e cols., 1993). Esta conclusão pode ser útil a todos profissionais que trabalham com orientação profissional. As avaliações de personalidade poderiam acrescentar informações importantes às intervenções nessa área ao investigar aspectos relacionados às características motivacionais, problemas de ajustamento, relações interpessoais, tolerância, controle e persistência, dentre outros.

Entretanto, na interpretação dos resultados, é necessário levar em consideração algumas limitações da pesquisa. A primeira refere-se à amostra utilizada, composta por universitários. Em segundo lugar, não foram utilizados todos os fatores de personalidade do Modelo dos Cinco Grandes Fatores. Finalmente, são necessários estudos futuros que confirmem as relações encontradas em outras amostras mais representativas da população brasileira. Além disso, outros fatores de personalidade (tais como a Socialização e a Realização) poderiam ser considerados em pesquisas futuras, ampliando a compreensão das suas relações com os interesses vocacionais, principalmente com os tipos Realista, Social e Convencional.

 

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Recebido: 17/04/2009
1ª Revisão: 02/10/2009
2ª Revisão: 16/11/2009
Aceite final: 27/11/2009

 

 

1 Endereço para correspondência: Rua: Francisco de Aquino, 122, 91.320-230, Porto Alegre-RS, Brasil. Fone: (51) 3334-0450. E-Mail: valentini_felipe@yahoo.com.br.

 

 

Sobre os autores
* Felipe Valentini é Doutorando em Psicologia da Universidade de Brasília (UnB), Mestre em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Graduado em Psicologia pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). Foi bolsista do Núcleo de Orientação Vocacional da Unisinos. Desenvolve pesquisas, principalmente, nas áreas de Psicometria e Avaliação Psicológica.
** Maycoln Leôni Martins Teodoro é Doutor em Psicologia Clínica e do Desenvolvimento. Docente do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, coordenador do Núcleo de Estudos da Família (NEFA).
*** Marcos Alencar Abaide Balbinotti é PhD em Psicologia e teve duas formações em pós-doutoramento na Université de Montréal e na Université de Sherbrooke, no Canadá. Pesquisador do Centre de Recherches Interuniversitaires sur l’Éducation et la Vie au Travail, Professor na Université du Québec à Trois-Rivières, Trois-Rivières, Québec, Canadá. Suas pesquisas são nas áreas da Psicologia dos Interesses, Psicometria e Avaliação Psicológica.

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