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Revista Brasileira de Orientação Profissional

versión On-line ISSN 1984-7270

Rev. bras. orientac. prof vol.12 no.1 São Paulo jun. 2011

 

ARTIGO

 

Escala de Atribuições em relação à Carreira (EAC): um estudo exploratório

 

Career Attributional Scale (EAC): an exploratory study

 

Escala de Atribuciones sobre la Carrera (EAC): un estudio exploratorio

 

 

Isabel Nunes Janeiro1

Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal

 

 


RESUMO

As crenças atribucionais têm sido descritas pelas teorias vocacionais como um dos factores psicológicos determinantes para o desenvolvimento da maturidade e adaptabilidade vocacional. O presente estudo teve como objectivo analisar as características psicométricas e as capacidades discriminativas de uma nova escala para a avaliação das crenças atribucionais em relação à carreira, a Escala de Atribuições de Carreira (EAC). O resultado das análises permitiram identificar três componentes principais associadas à dimensão de causalidade (causalidade interna, causalidade interna associada ao fracasso e causalidade externa). Os índices de precisão para estas escalas foram considerados adequados. A análise dos resultados por subgrupos da amostra indicou uma tendência para os rapazes utilizarem mais estratégias atribucionais de tipo externo do que as raparigas.

Palavras-chave: crenças atribucionais de carreira, maturidade vocacional, aconselhamento de carreira, escala de atribuições de carreira, avaliação de crenças atribucionais


ABSTRACT

Attributional beliefs have been described by vocational literature as a determinant psychological factor for the development of career maturity and adaptability. The objective of the present study was to analyze the psychometric and discriminating properties of a new instrument devised to assess the attributional beliefs related to career, the Career Attributional Scale. The study involved 620 students, out of which 320 from grade 9 and 300 from grade 12. The principal component analysis allowed the identification of three major components associated with the dimension of causality (internal causality, internal causality associated with failure and external causality). Reliability coefficients of the main scales of EAC were satisfactory. The analysis of results by subgroups showed that boys tended to use more external attributional strategies than girls.

Keywords: career attributional beliefs, career maturity, career counseling, career attributional scale, assessment of attributional beliefs


RESUMEN

Las atribuciones han sido descritas por las teorías vocacionales como uno de los factores psicológicos determinantes en el desarrollo de la madurez y adaptabilidad vocacional. El presente estudio examinó las propiedades psicométricas de un nuevo instrumento para la evaluación de las atribuciones con relación a la carrera, la Escala de Atribuciones sobre la Carrera (EAC). El resultado de los análisis permitieron identificar tres componentes principales asociados a la dimensión de causalidad (causalidad interna, causalidad interna asociada al fracaso y causalidad externa). Los índices de precisión para estas escalas fueron considerados adecuados. El análisis de los resultados por subgrupos de la muestra indicó una tendencia de los jóvenes a utilizar más estrategias de atribuciones de tipo externo que las jóvenes.

Palabras clave: atribuciones sobre la carrera, madurez vocacional, asesoramiento de carrera, escala de atribuciones sobre la carrera, evaluación de atribuciones


 

 

As primeiras abordagens do comportamento vocacional situavam a relação de ajuda numa dimensão claramente cognitiva em que o objectivo era fornecer ao indivíduo que a ela recorria as informações necessárias sobre as profissões e sobre ele próprio, de modo a possibilitar um bom ajustamento pessoa-profissão. A introdução das perspectivas desenvolvimentistas de Super (1957, 1983), nomeadamente do conceito de maturidade vocacional, permitiu a redefinição do aconselhamento de carreira, passando a ênfase do processo de aconselhamento a situar-se no desenvolvimento das atitudes e das competências necessárias para lidar eficazmente com as várias tarefas de desenvolvimento que se vão colocando aos indivíduos ao longo da vida.

O modelo de avaliação desenvolvimentista de Super (1990) propõe, como um dos primeiros passos para a intervenção, a avaliação da prontidão individual para a tomada de decisão na carreira. Dos aspectos basilares para essa avaliação, Super (1983, 1990) destaca as atitudes de planeamento e de exploração e os seus determinantes, nomeadamente as crenças de causalidade e de controlo pessoal. No modelo de construção de carreira proposto por Savickas (2005), as crenças de controlo são consideradas igualmente como uma das componentes centrais da adaptabilidade de carreira.

Apesar de a literatura referenciar a importância das crenças atribucionais para o desenvolvimento vocacional, estas têm tido uma aplicabilidade modesta na intervenção vocacional. Este alheamento poderá estar relacionado com a falta de instrumentos de avaliação considerados adequados em termos conceptuais e psicométricos. O presente estudo tem como objectivo explorar as potencialidades de um novo instrumento de avaliação das crenças atribucionais relacionadas com a carreira em estudantes do ensino secundário.

 

As Crenças Atribucionais

A investigação atribucional tem seguido duas vias principais: a primeira acentua o impacto motivacional das inferências atribucionais e é representada pela teoria atribucional da motivação e emoção proposta por Weiner (1986, 2010); a segunda assenta numa perspectiva diferencialista e decorre dos trabalhos sobre o desamparo aprendido (learned helplessness) de Abramson, Seligman e Teasdale (1978).

De acordo com a teoria de Weiner (1986), a análise das explicações referidas pelos indivíduos sobre as causas do sucesso ou do fracasso em contextos de realização permite a identificação de um reduzido número de causas particularmente saliente. Estas, referem-se basicamente, às aptidões ou capacidades, ao esforço despendido, ao acaso ou sorte e às características das tarefas. A análise lógica destas explicações causais ou atribuições permite a sua classificação em três dimensões básicas: a primeira é a dimensão de locus de causalidade e refere-se a atribuições de tipo interno, relacionadas com factores internos ao indivíduo, ou a atribuições de tipo externo e portanto exteriores ao indivíduo; a segunda dimensão é designada por estabilidade e distingue as causas percebidas como estáveis no tempo das causas instáveis. A terceira dimensão atribucional referida neste modelo é a controlabilidade. As atribuições podem ser percepcionadas como dependendo da vontade do próprio indivíduo e, portanto, consideradas como controláveis, ou independentes da vontade pessoal, e como tal, percepcionadas como incontroláveis. Por exemplo, o esforço é considerado como uma atribuição interna controlável; já as aptidões ou capacidades são percepcionadas como não controláveis, uma vez que estão para além da vontade pessoal. Assim, e ao contrário do conceito de locus de controlo introduzido por Rotter (1966), que implicitamente associa as características de locus de causalidade e de controlabilidade, estes dois aspectos são consideradas como distintos no modelo proposto por Weiner (1986, 2010).

Uma segunda assumpção da teoria atribucional é a de que o conhecimento causal é funcional (Weiner, 2005), ou seja, a atribuição do sucesso ou do fracasso a factores distintos, tais como a capacidade ou o esforço, produz efeitos diferentes no confronto com novas tarefas de realização. Estes efeitos referem-se, por um lado, às expectativas de resultados futuros e, por outro lado, às emoções associadas às explicações causais encontradas para o sucesso ou fracasso. Por exemplo, o sucesso atribuído a causas internas, quer às capacidades quer ao esforço, desencadeia sentimentos de orgulho e de auto-estima positiva. Já a atribuição do fracasso a uma causa interna controlável suscita, em geral, sentimentos de culpa; a atribuição de fracasso a uma causa interna não controlável desencadeia, por sua vez, sentimentos de vergonha ou embaraço.

Na teoria motivacional de Weiner (2005) a dinâmica comportamental é, deste modo, interpretada como um processo temporal comportando diferentes fases. A sequência motivacional tem início com a interpretação positiva ou negativa de um acontecimento, seguindo-se a elaboração de uma explicação causal, a causa é posteriormente enquadrada no espaço das dimensões causais que, por sua vez, têm consequências psicológicas relacionadas com a expectativa de sucesso ou fracasso futuro e com as emoções associadas às atribuições realizadas.

Uma segunda abordagem do impacto das atribuições no funcionamento psicológico assenta numa perspectiva diferencialista e analisa as diferenças individuais no processo atribucional. Esta abordagem decorrente dos trabalhos sobre o desamparo aprendido (learned helplessness; Abramson et al., 1978; Peterson & Seligman, 1984) parte, igualmente do pressuposto de que a forma como as pessoas explicam os acontecimentos influencia o confronto posterior com acontecimentos idênticos, no entanto complementa a interpretação do processo de atribuição causal com a introdução de uma variável explicativa das diferenças individuais na forma como se percebem as explicações causais. Esta variável define-se, de acordo com estes autores, como um estilo ou traço de personalidade que caracteriza o modo típico de atribuição causal utilizado por cada indivíduo.

De acordo com esta perspectiva, alguns estilos são mais adaptativos que outros (Cheng & Furnham, 2001; Gillham, Shatté, Reivich, & Seligman, 2001). As pessoas com um estilo explanatório depressivo ou pessimista caracterizam-se por atribuírem os acontecimentos negativos a causas internas, estáveis e globais, ou seja, têm tendência para se responsabilizarem a si próprias pelas consequências negativas de uma situação, para verem a causa dos acontecimentos negativos como estáveis no tempo e para generalizarem ao longo de diversas situações. Em contrapartida, as pessoas com um estilo explanatório optimista tendem a atribuir os problemas da sua vida a causas externas, específicas e temporárias. Este estilo optimista está associado a níveis mais elevados de motivação, de realização e bem-estar físico, assim como a níveis baixos de sintomatologia depressiva (Gillham et al., 2001; Snyder & Lopez, 2007).

 

Crenças Atribucionais e Desenvolvimento Vocacional

A investigação sobre as crenças atribucionais no âmbito da psicologia vocacional tem sido diminuta. Com efeito, a maior parte dos estudos têm incidido no conceito de locus de controlo (Rotter, 1966), analisando, por exemplo, a influência do locus de controlo nos processos de indecisão vocacional (Fuqua, Blum, & Hartman, 1988; Taylor, 1982; Trice, Haire, & Elliott, 1989), ou na maturidade vocacional (Lokan, Boss, & Patsula, 1982). Já a investigação tendo por base os modelos atribucionais tem sido mais reduzida.

Luzzo e Jenkins-Smith (1998) apresentaram um modelo atribucional relacionado com a tomada de decisão na carreira, colmatando de alguma forma a lacuna existente sobre esta temática na psicologia das carreiras. Tomando como referência a teoria atribucional de Weiner (1986), Luzzo e Jenkins-Smith (1998) sugerem que, tal como para outras situações, os indivíduos também constroem explicações causais para as situações de natureza vocacional. Deste modo, ao reflectirem sobre as suas experiências de carreira desenvolvem um estilo atribucional relacionado com a tomada de decisão na carreira, podendo este estilo atribucional ser caracterizado como sendo optimista (definido por atribuições internas, controláveis e instáveis) ou pessimista (definido por atribuições externas, não controláveis e estáveis).

Para a avaliação do estilo atribucional associado à tomada de decisões na carreira, os autores conceberam uma escala designada por Assessment of Attributions for Career Decision-Making (AACDM), composta por nove itens, três para cada dimensão referida no modelo de Weiner (1986), causalidade, controlabilidade e estabilidade. Os resultados da aplicação desta escala a estudantes americanos (Powell & Luzzo, 1998) revelaram relações positivas e significativas entre as três subescalas da AACDM e as atitudes de planeamento e de exploração da carreira. Apesar de significativas, as correlações foram, no entanto, de fraca magnitude, colocando os autores a questão sobre a relevância dos resultados encontrados assim como a necessidade de novas investigações neste domínio.

Num estudo mais recente, Janeiro (2010) testou através de modelos de equações estruturais a influência de diferentes variáveis psicológicas na maturidade vocacional. Os resultados do estudo mostraram que as crenças atribucionais, apesar de não exercerem efeitos directos significativos nas atitudes de planeamento de carreira, exerciam um efeito directo significativo sobre a perspectiva temporal de futuro, o que, por sua vez, revelou ser um determinante importante para as atitudes de planeamento e de exploração de carreira. As crenças atribucionais, parecem assim, estar na base de uma rede de interacções importantes para o desenvolvimento vocacional: a noção de controlo pessoal sobre o sucesso na carreira exerce uma influência directa sobre a forma como os jovens perspectivam o futuro, factor este que se assume como determinante fundamental para se iniciar o processo de planeamento e exploração vocacional.

Outros estudos têm testado a relevância de programas de treino atribucional para o desenvolvimento de competências vocacionais. Em geral, os resultados confirmam a vantagem da utilização de estratégias atribucionais ajustadas para o desenvolvimento de atitudes mais favoráveis em relação ao planeamento e exploração vocacional, assim como, para a facilitação dos processos de tomada de decisão vocacional (Luzzo, Funk, & Strang, 1996; Luzzo, James, & Luna, 1996; Szabo, 2006).

Partindo da teoria atribucional de Weiner (1986, 2005) e da formulação de atribuições para a carreira de Luzzo e Jenkins-Smith (1998), este estudo apresenta como objectivos específicos: (a) analisar as características psicométricas de uma nova escala especialmente construída para a avaliação das crenças atribucionais (EAC) numa amostra de estudantes do ensino secundário, (b) analisar comparativamente os resultados obtidos por rapazes e raparigas e (c) analisar comparativamente os resultados obtidos por estudantes do 9º ano e do 12º ano.

 

Método

Instrumentos

A Escala de Atribuições de Carreira (EAC) foi construída com base nos resultados obtidos num estudo prévio sobre a relação entre atribuições e expectativas atribucionais de carreira (Janeiro, 2006). A versão inicial da EAC incluía dois conjuntos de itens, o primeiro pretendia estimar as atribuições em relação a experiências escolares de sucesso e de insucesso, o segundo grupo de itens procurava avaliar a expectativa atribucional em relação a situações vocacionais futuras. A validade de conteúdo dos itens foi avaliada por três especialistas em psicologia da motivação e em psicologia vocacional. Os resultados das análises em componentes principais e de consistência interna deste primeiro estudo permitiram seleccionar um conjunto final de 22 itens referentes a crenças atribucionais relacionadas com situações vocacionais.

A versão final de EAC é, assim, composta por 22 itens organizados em duas escalas principais, uma escala de crenças atribucionais de tipo interno (11 itens) e outra de crenças atribucionais de tipo externo (11 itens). Cada uma destas duas escalas subdivide-se, por sua vez, em três subescalas parciais, compondo um total de seis subescalas: atribuições internas relacionadas com o sucesso (4 itens), atribuições internas relacionadas com o fracasso (4 itens), tomada de decisão de tipo interno (3 itens), atribuições externas relacionadas com o sucesso (4 itens), atribuições externas relacionadas com o fracasso (4 itens) e tomada de decisão de tipo externo (3 itens).

Para responderem os participantes devem indicar numa escala de 7 pontos o seu grau de concordância com cada uma das frases propostas. A Figura 1 apresenta a estrutura do instrumento, assim como exemplos de itens de cada uma das subescalas.

 

Participantes

Participaram no estudo 620 estudantes portugueses de cinco escolas públicas da região de Lisboa. Destes, 320 estudantes frequentavam o 9º ano, com idades compreendidas entre os 13 e os 17 anos (M = 14.3; SD = 0.4) e 320 o 12º ano, com idades compreendidas entre 15 e 21 (M = 17.9; SD = 0.6). A distribuição por géneros foi relativamente equilibrada: 342 são raparigas e 278 rapazes.

 

Procedimento

A recolha de dados foi autorizada pelos Conselhos Directivos das escolas e realizou-se em tempos gentilmente cedidos pelos docentes das escolas. Todos os participantes que acordaram em participar no estudo foram informados das condições de anonimato e de confidencialidade dos dados obtidos.

 

Resultados

Análise em Componentes Principais

A estrutura de agregação dos itens foi examinada utilizando uma análise em componentes principais. A análise permitiu identificar cinco componentes principais com valores próprios superiores a 1.00. A consideração do critério suplementar baseado na análise paralela (Velicer, Eaton, & Fava, 2000) indicou as três primeiras componentes para retenção. Estas três componentes explicam cerca de 40 % da variância total. A Tabela 1 apresenta as saturações de cada item nas três componentes principais retidas após rotação varimax dos eixos.

 

 

A matriz após rotação definiu três componentes principais relevantes em termos estatísticos e teóricos. A análise de cada uma das componentes definidas mostra que a primeira componente, explicativa de cerca de 14% da variabilidade dos resultados, surgiu nitidamente relacionada com a causalidade de tipo externo, sendo definida por todos os itens propostos para a escala de causalidade externa (sete itens com saturações superiores a 0.50 e os outros quatro com saturações positivas e também elevadas, rondando os 0.40). A segunda componente principal representa, igualmente 14 % da variabilidade dos resultados, e agrupa os quatro itens de causalidade interna relacionados com o sucesso e os três itens sobre a tomada de decisão de tipo interno, todos com saturações superiores a 0.50. Por seu turno, a terceira componente explica 11% da variância dos resultados e é definida pelos quatro itens de causalidade interna relacionados com o fracasso, que deste modo se autonomizam dos restantes itens de causalidade interna. Ao definir componentes com base nas variáveis de tipo externo e variáveis de tipo interno, a análise em componentes principais evidencia uma estrutura da EAC assente na dimensão de causalidade.

Análise da consistência interna

A Tabela 2 apresenta as correlações e os coeficientes de consistência interna para as diferentes subescalas da EAC.

A análise da Tabela 2 permite observar correlações positivas e significativas entre a maioria das subescalas que compõem cada uma das escalas principais e entre cada uma das subescalas e o total da escala respectiva. Apenas a subescala de causalidade interna associada ao fracasso se destacou por apresentar correlações fracas com as outras subescalas de causalidade interna. Estes resultados parecem, assim, confirmar a relativa independência estrutural da subescala de causalidade interna associada ao fracasso em relação às outras duas subescalas de causalidade interna.

Os coeficientes alfa de Cronbach obtidos para a escala total de causalidade interna (α = .70), e para a escala total de causalidade externa (α = .73) foram considerados adequados (Tabela 2). Os coeficientes por subescalas parciais já foram mais modestos, evidencia-se, no entanto a subescala de crenças atribucionais internas relacionadas com o fracasso por registar individualmente um coeficiente de 0.70.

Comparação de resultados entre grupos de participantes

A Tabela 3 apresenta os resultados médios obtidos por rapazes e raparigas do 9º e do 12º ano nas diversas subescalas da Escala de Atribuições de Carreira e nas escalas compósitas de Causalidade Interna e Causalidade Externa.

A análise da interacção dos efeitos ano de escolaridade e género nos resultados totais (MANOVA) revelou não ser significativa Rao's R (2, 615) = 0.85; p = n.s., já o efeito da variável género nos resultados totais foi considerado significativo Rao's R (2, 615) = 16.99; p < 0.001, assim como, o efeito ano de escolaridade Rao's R (2, 615) = 3,32, p = 0.036.

Os resultados por subescalas (Tabela 3) mostram algumas diferenças entre os vários grupos. As raparigas do 9º ano registaram resultados significativamente mais elevados na subescala de tomada de decisão de tipo interno t (318) = -2.52; p = 0.01. Os rapazes, em contrapartida, registaram resultados mais elevados nas escalas de atribuições externas, sendo as diferenças consideradas estatisticamente significativas nas subescalas de atribuições externas relacionadas com o sucesso t (318) = 2.05; p = 0.04 e com a tomada de decisão t (318) = 3.31; p = 0.01, assim como na escala compósita total de Causalidade Externa t (318) = 3.29; p = 0.01.

No 12º ano as diferenças de resultados entre rapazes e raparigas acentuaram-se. As raparigas registaram respostas médias mais elevadas em duas das subescalas de causalidade interna, sendo o resultado na subescala de tomada de decisão de tipo interno considerado significativamente superior t (298) = -2,85; p < 0.01. Por seu turno, os rapazes do 12º ano registaram resultados significativamente mais elevados em todas as subescalas de causalidade externa e ainda na subescala de causalidade interna associada ao fracasso.

Os participantes do 12º ano registaram resultados médios mais elevados nas subescalas atribucionais de tipo interno, sendo as diferenças consideradas significativas na subescala de tomada de decisão de tipo interno t (618) = -4.06; p < 0.001, e resultados médios mais baixos nas subescalas de atribuições externas relacionadas com o sucesso t (618) = 3.26; p = 0.001 e com o fracasso t (618) = 2.60; p = 0.01.

Apesar de se verificarem diferenças entre os dois níveis de escolaridade, a análise diferenciada dos rapazes e das raparigas evidencia tendências díspares. Com efeito, a comparação dos resultados dos dois grupos femininos confirma um efeito significativo da variável nível de escolaridade nos resultados, F (6,335) = 5.34; p = 0.001. Já os resultados dos dois grupos masculinos foram considerados equivalentes em termos estatísticos, F (6, 271) = 1.69; p = n.s.

 

Discussão

A investigação tem demonstrado a importância das crenças atribucionais como elementos reguladores e motivadores do comportamento humano em diversos contextos sociais e de realização. No campo da psicologia vocacional a investigação sobre esta temática tem sido ainda escassa. Neste sentido, a concepção de novos instrumentos de avaliação torna-se um meio essencial para o aprofundamento do conhecimento sobre a influência destas dimensões psicológicas na dinâmica do desenvolvimento vocacional.

A Escala de Atribuições de Carreira foi organizada com o objectivo de avaliar as crenças atribucionais em relação à carreira de estudantes do ensino básico e secundário. A análise das características psicométricas revelou coeficientes de precisão satisfatórios ao nível das duas escalas principais. A análise em componentes principais ao nível dos itens identificou três componentes principais, uma relacionada com a causalidade externa, outra com a causalidade interna associada ao fracasso e uma outra com a causalidade interna associada ao sucesso. Estes resultados sugerem que cada um dos pólos de causalidade tem estruturas diferenciadas. Com efeito, os itens de causalidade externa apresentam uma estrutura aproximadamente unifactorial, já os itens de causalidade interna definem uma estrutura bifactorial, apresentando, em factores distintos, as atribuições associadas ao sucesso e as atribuições associadas ao fracasso.

A distinção estrutural entre as atribuições relacionadas com o sucesso e as atribuições relacionadas com o fracasso tem sido observada, de igual modo, noutros estudos (Peterson et al., 1982). Esta independência estrutural aponta para a necessidade de se tomar em consideração na avaliação atribucional, para além dos resultados globais de causalidade interna e de causalidade externa, os resultados das subescalas parciais, diferenciando, sobretudo nas atribuições de causalidade interna, as atribuições relacionadas com o sucesso das atribuições relacionadas com o fracasso.

A análise das respostas dadas pelos diversos grupos de participantes mostrou algumas diferenças entre grupos. De facto, a comparação entre géneros revelou diferenças consistentes entre rapazes e raparigas nas crenças atribucionais em relação à carreira. As raparigas, tanto no 9º ano como no 12º ano, evidenciaram uma tendência mais elevada para atribuírem o sucesso na carreira a factores de ordem interna e os participantes masculinos para realizarem atribuições de tipo externo. Embora os resultados da investigação sobre as diferenças entre géneros nas crenças atribucionais não sejam consensuais (Faria, 1997), a tendência para os rapazes, nestas faixas etárias, atribuírem o sucesso e o fracasso em tarefas de realização a factores externos tem sido notada em alguns estudos realizados em contextos escolares (Cerezo Rusillo & Casanova Arias, 2004).

O ano de escolaridade foi considerado como exercendo, de igual forma, um efeito significativo nos resultados, verificando-se que os estudantes do 12º ano apresentaram uma menor frequência de atribuições de tipo externo nas questões relacionadas com a carreira. A comparação entre anos de escolaridade tomando também em consideração a variável género mostra, no entanto, resultados diversos nos rapazes e nas raparigas, indicando uma evolução mais acentuada das raparigas em relação aos rapazes na passagem do 9º ano para o secundário.

Em termos gerais, estes resultados sugerem a utilização de estratégias atribucionais mais adaptativas por parte das raparigas em relação aos rapazes, o que poderá estar relacionado com os níveis mais elevados de empenho e de sucesso académico das raparigas nestes níveis de ensino. No futuro seria importante prosseguir esta linha de investigação e perceber o real impacto destas diferenças no confronto com as diversas tarefas normativas de natureza vocacional.

A avaliação de programas de treino atribucional tem, em geral, confirmado a importância da utilização de estratégias atribucionais ajustadas para a integração e adaptação escolar (Hall, Hladkyj, Perry, & Ruthig, 2004; Perry, Stupnisky, Hall, Chipperfield, & Weiner, 2010), assim como, para o desenvolvimento de atitudes e competências vocacionais (Luzzo, Funk, et al., 1996; Luzzo, James, et al., 1996; Szabo, 2006). A utilização de instrumentos de avaliação das crenças atribucionais em processos de aconselhamento vocacional poderá ajudar na identificação de crenças desajustadas e possibilitar, deste modo, a concepção de programas de intervenção mais adaptados às necessidades dos estudantes.

Este estudo teve algumas limitações que importa notar, a primeira refere-se às características psicométricas da EAC. Com efeito, apesar de se terem verificado índices satisfatórios ao nível das duas escalas principais, verificam-se algumas fragilidades, nomeadamente ao nível dos índices de precisão de algumas subescalas, indicando a necessidade de aperfeiçoar e reajustar este instrumento em futuras investigações. Um segundo aspecto a tomar em consideração prende-se com as limitações decorrentes da amostra utilizada, constituída por estudantes provenientes de escolas de uma zona urbana. No futuro seria importante tentar replicar estes resultados com outras amostras noutros contextos sociais e culturais. Finalmente, seria importante analisar a validade preditiva das atribuições em relação à carreira com outros indicadores de adaptabilidade e bem-estar pessoal e vocacional.

 

Considerações finais

Embora referenciada pela literatura vocacional (Savickas, 2005, Super, 1983), a investigação sobre as crenças atribucionais no âmbito da psicologia vocacional tem sido diminuta. Neste sentido, a construção de novos instrumentos de avaliação das crenças atribucionais pode constituir uma etapa determinante para desenvolver a investigação nesta área. Os resultados obtidos com a Escala de Atribuições de Carreira relevam que este instrumento tem potencialidades para a avaliação vocacional.

 

Referências

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Recebido: 07/09/2010
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ª Revisão: 21/02/2011
Aceite final: 03/03/2011

 

 

Sobre a autora
Isabel Nunes Janeiro é Professora auxiliar na Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa (FPUL). Lecciona cadeiras na área da Psicologia Vocacional e dos Métodos de Investigação em Psicologia.
1 Endereço para correspondência: Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa, Alameda da Universidade, 1649-013, Lisboa, Portugal. Fone: 351 21 4535178. E-mail: injaneiro@fp.ul.pt

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