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Revista Brasileira de Orientação Profissional

versão On-line ISSN 1984-7270

Rev. bras. orientac. prof vol.12 no.1 São Paulo jun. 2011

 

ARTIGO

 

Gestão de carreiras e crescimento profissional1

 

Career management and career growth

 

Gestión de carreras y crecimiento profesional

 

 

Elza Fátima Rosa VelosoI, 2; Joel Souza DutraI; André Luiz FischerI; João Eduardo Albino PimentelII; Rodrigo Cunha da SilvaIII; Wilson Aparecido Costa de AmorimIV

IUniversidade de São Paulo, FEA, São Paulo-SP, Brasil
IIBusiness School da Linyi University, Shandong, China
IIIUniversidade de São Paulo, FEA, São Paulo-SP, Brasil
IVFundação Instituto de Administração, São Paulo-SP, Brasil

 

 


RESUMO

Este estudo teve como objetivo verificar a relação entre a adoção de práticas de gestão de carreira por empresas atuantes no mercado nacional e a percepção de seus empregados, executivos e não executivos, sobre suas possibilidades de crescimento profissional no seu emprego atual. Para o cumprimento de tais objetivos, 550 empresas foram pesquisadas e os resultados apurados por meio de estatísticas descritivas e de um modelo Probit. Foi constatado um maior impacto das práticas de gestão de carreira sobre a percepção dos não executivos. Os executivos, provavelmente por terem suas competências mais desenvolvidas que os não executivos, percebem suas possibilidades de crescimento profissional de forma menos dependente da empresa onde trabalham.

Palavras-chave: gestão de carreiras, crescimento profissional, profissões, desenvolvimento profissional, aspirações profissionais


ABSTRACT

This study aimed at investigating the relationship between the adoption of practices of career management by companies, operating in the domestic market, and the perception by its employees, both executives and non-executives, about their chances of career growth at their current job. To that end, 550 companies were surveyed and the results were calculated using descriptive statistics and a Probit model. A greater impact was noted of career management practices on the perception by non-executives. As to the executives, probably because they had developed their skills more fully than the non-executives, perceived their opportunities of career growth in a less dependent way on the company where they work.

Keywords: career management, career growth, occupations, career development occupational, occupational aspirations


RESUMEN

Este estudio tuvo como objetivo verificar la relación entre la adopción de prácticas de gestión de carrera por empresas que actúan en el mercado nacional y la percepción de sus empleados, ejecutivos y no ejecutivos, sobre sus posibilidades de crecimiento profesional en su empleo actual. Para el cumplimiento de tales objetivos 550 empresas fueron encuestadas y los resultados obtenidos por medio de estadísticas descriptivas y de un modelo Probit. Se constató un mayor impacto de las prácticas de gestión de carrera sobre la percepción de los no ejecutivos. Los ejecutivos, probablemente por tener sus capacidades más desarrolladas que los no ejecutivos, perciben sus posibilidades de crecimiento profesional de forma menos dependiente de la empresa donde trabajan.

Palabras clave: gestión de carreras, crecimiento profesional, profesiones, desarrollo profesional, aspiraciones profesionales


 

 

As discussões sobre carreira assumem atualmente dois rumos: um deles foca o papel da pessoa, e o outro, o da organização. Na perspectiva das pessoas, destaca-se a responsabilidade pela gestão do próprio desenvolvimento e competitividade profissional (Dutra, 1996). Neste artigo, as análises são focadas na influência das práticas de gestão de carreira adotadas pelas empresas sobre a percepção de seus empregados sobre as suas possibilidades de crescimento profissional. Tais práticas estão inseridas em decisões empresariais condizentes com o modelo de gestão de pessoas adotado pela empresa.

A evolução dos modelos de gestão de pessoas nas organizações revela a tendência de adoção de mecanismos articulados por competências (Fischer, 2002), que englobam processos e práticas de gestão de carreira, formando o conjunto analítico que, neste trabalho, nós, autores, intitulamos de intenção deliberada de gerenciar carreira. Esse conjunto analítico envolve o planejamento e acompanhamento da vida profissional dos empregados; mecanismos para estímulo e suporte para que o empregado planeje a própria carreira; programa de recrutamento interno, além de informações sobre as possibilidades de carreira na própria empresa.

Paralelamente, a evolução das abordagens conceituais sobre carreira aponta a tendência de surgimento de carreiras sem fronteiras, consideradas carreiras que transcendem as fronteiras organizacionais, que sugerem a diminuição da dependência entre a carreira dos trabalhadores e as empresas (Arthur & Rousseau, 1996; Arthur, Inkson, & Pringle, 1999). No entanto, as carreiras organizacionais, concebidas para considerar um único cenário de emprego ainda influenciam a visão dos trabalhadores sobre crescimento profissional (Arthur & Rousseau, 1996). Neste trabalho, intitulamos o conjunto analítico formado pela crença das pessoas nas oportunidades de crescimento profissional na empresa; a justiça dos critérios de ascensão e o acesso às informações necessárias a esse crescimento de percepção sobre possibilidades de crescimento profissional na empresa.

Os dados aqui apresentados provêm de uma pesquisa realizada com 550 empresas que procuram se destacar em termos de clima organizacional positivo e de adoção de práticas de gestão de pessoas, por meio da participação voluntária em uma pesquisa pública que elege anualmente as Melhores Empresas para se Trabalhar no Brasil. O banco de dados foi cedido pela instituição responsável pela metodologia da pesquisa e pela análise dos resultados.

Diante do exposto, os objetivos deste estudo são: (a) relacionar a intenção deliberada das empresas de gerenciar carreira com a percepção de seus empregados sobre crescimento profissional na própria empresa; (b) verificar o grau de influência da intenção deliberada de gerenciar carreira sobre a percepção a respeito de possibilidades de crescimento profissional na empresa, tanto para executivos como para não executivos.

Dessa forma, a pesquisa aqui apresentada procura testar três hipóteses:

  • Hipótese I: A intenção empresarial de gerenciar carreira influencia a percepção dos empregados quanto às suas possibilidades de crescimento profissional na empresa;
  • Hipótese II: A influência dessas práticas não é homogênea para executivos e não executivos;
  • Hipótese III: O perfil dos empregados influencia a percepção sobre possibilidades de crescimento profissional na empresa, independentemente das práticas.

 

Revisão teórica

Um modelo de gestão de pessoas é a maneira pela qual uma empresa se organiza para gerenciar e orientar o comportamento humano no trabalho, definindo então princípios, estratégias, políticas e práticas ou processos de gestão; ou seja, em coerência com o modelo de gestão de pessoas, as empresas definem suas políticas, processos e práticas de gestão de pessoas, sendo que, estes últimos são elementos mais visíveis do modelo e que englobam a gestão de carreiras, tema deste artigo (Fischer, 2002). As políticas de gestão "estabelecem diretrizes de atuação que buscam objetivos de médio e longo prazo para as relações organizacionais" (Fischer, 2002, p. 17). Os processos são fluxos identificáveis de "eventos inter-relacionados que se movem em direção a um objetivo, proposta ou fim" (French, 1974 citado por Demo, 2008, p. 51). No âmbito desses processos, as empresas adotam práticas, entendidas como hábitos, rotinas, ações ou quaisquer atividades deles decorrentes (Demo, 2008).

Em modelos de gestão de pessoas articulados por competências, quando se colocam lado a lado pessoas e organizações, nota-se um processo contínuo de troca de competências, ou seja, as pessoas colocam em prática as competências organizacionais e as adaptam ao contexto (Dutra, 2004).

França (2007), ao analisar a evolução das práticas de gestão de pessoas considera os seguintes períodos: pré-jurídico (1930); burocrático (1930-1950); tecnicista (1950-1960); abordagem sistêmica (1960-1980); relações industriais integradas (1980-1990). A partir dos anos 1990, a autora destaca que, diante das mudanças estruturais profundas, com vetores que envolvem alta velocidade, qualidade e produtividade, qualificação contínua e emprego com vínculos de fidelidade transitória, surge um novo período. Atualmente, a evolução das práticas de gestão de pessoas leva a empregos cuja fidelidade é transitória, fato que é condizente com a evolução das teorias de carreira.

Arthur, Hall e Lawrence (1989a) afirmam que, no início dos anos 1970, ainda não existia um campo estabelecido para a análise das carreiras nos estudos das organizações e da gestão. Porém, na segunda metade dessa década, observações de estudantes sustentaram novas iniciativas e surgiram três livros chave que ajudaram a ampliar o foco em carreiras: Career in organizations (Hall, 1976); Career dynamics (Schein, 1978) e Organizational careers (Van Maaner, 1977).

No início dos anos 1980, eventos e reuniões foram promovidas, consolidando grupos de interesse, que passaram a gerar produção acadêmica sobre os temas relacionados à carreira. A aplicação das ideias desses grupos permitiu a consolidação de teorias e a formação de paradigmas (Arthur et al., 1989). As principais pesquisas dessa década envolviam, segundo Hall (1986a, 1986b), planos de sucessão, avaliação e desenvolvimento do potencial de gerência, além de treinamento de gerentes em forma de coaching e counseling. Surgia também a atenção aos movimentos não tradicionais de carreira, que favoreciam o desenvolvimento profissional das mulheres e das minorias. Hall (1996) explica que essa fase representa o auge das carreiras organizacionais. O Handbook of career theory (Arthur, Hall & Lawrence, 1989b) foi editado no final dessa década e anunciava que os esforços de construção do campo de estudo de carreira, iniciados na década de 1970, estavam se consolidando.

Embora Hall (1996) tenha proposto a reflexão sobre a carreira proteana - onde a carreira é gerenciada pela pessoa e não pela organização nos anos 1970, nos anos 1990, essa discussão ganhou um sentido mais concreto. Nessa época os recursos haviam se tornado mais escassos e culturas organizacionais e sociais haviam mudado o suficiente para que pessoas não tivessem expectativas profissionais de longo-prazo em uma única organização. Surge então a concepção de carreiras sem fronteiras, que não caracteriza nenhuma forma singular de carreira, mas abrange possíveis formas, e que desafia as concepções tradicionais de trabalho. A obra The boundaryless career (Arthur & Rosseau, 1996) foi editada com o propósito de sistematizar textos que tratassem das novas tendências do trabalho, que se refletem na postura do trabalhador e no cotidiano das organizações. No Brasil, até a metade dos anos 1990 não havia literatura nacional sobre carreira. O livro Administração de carreiras (Dutra, 1996) foi preparado com a proposta de suprir essa lacuna.

Nos anos 2000, a atenção das teorias de carreira passou a considerar de forma concreta a perda de fronteiras (Hall, 2002). Mainiero e Sullivan (2006) trataram a questão do gênero na carreira enfatizando o fenômeno alardeado pela mídia a opt-out revolution, que relata a opção de mulheres altamente capacitadas de não aspirar a cargos executivos. As autoras introduziram reflexões sobre carreiras caleidoscópicas, na qual pessoas visam a conciliar suas necessidades de autenticidade, balanceamento e desafios. Nessa mesma década, o Handbook of career studies (Gunz & Peirperl, 2007) foi organizado com a proposta de preencher as lacunas de integração entre várias disciplinas envolvidas no estudo das carreiras e de atender à necessidade de reflexão sobre múltiplos paradigmas ligados ao tema.

Já como resposta à demanda por pesquisas sobre a influência das diferenças individuais sobre as atitudes em relação à carreira protena e sem fronteiras, Segers, Inceoglu, Vloeberghs, Bartram e Henderickx (2008) evidenciaram o impacto das características de genêro, idade, nível de instrução e experiência gerencial como significantes preditores à carreira proteana e sem fronteiras.

No Brasil, o livro Gestão de carreiras na era do conhecimento (Martins, 2001) apresentou indícios do comportamento proteano de carreira entre os pesquisados brasileiros. A publicação do livro Gestão de carreiras (Costa & Balassiano, 2006) criticou a réplica de preceitos originados em material publicado no exterior. Dutra (2007, 2008) publicou estudos que mostram a necessidade de adequação da gestão de carreira das organizações que atuam no Brasil à nova realidade do trabalho.

Sullivan e Baruch (2009), em seu levantamento sobre os avanços das teorias de carreira, construíram uma agenda para futuros estudos sobre o tema, baseada em vários autores (por exemplo, Briscoe & Hall, 2006; Wu & Hu, 2009; Sullivan, Forret, Carraher & Mainiero, 2009). Entre os tópicos levantados, podemos destacar a necessidade de ampliação dos estudos sobre carreira proteana e sem fronteiras, inclusive demonstrando seus pontos negativos.

A observação da demanda por novos estudos apoia a importância de analisar as carreiras no contexto organizacional. Isso porque, apesar da abordagem de carreiras sem fronteiras e da carreira proteana sugerirem mobilidade entre organizações, Briscoe, Hall e DeMuth (2006), e Arthur (2007) entendem que esse tipo de carreira pode ser construída durante o trabalho em empregos estáveis.

Tanto na abordagem das carreiras sem fronteiras, como na carreira proteana, enfatiza-se que a gestão pessoal da carreira e a mobilidade profissional se relacionam diretamente com a necessidade de que os trabalhadores desenvolvam de forma constante suas competências (Arthur et al., 1999; Hall, 2002). Portanto, neste trabalho, considera-se que trabalhadores de diferentes faixas etárias, níveis educacionais e posições na estrutura organizacional apresentam níveis diferenciados de desenvolvimento de competências e, portanto, não percebem de forma homogênea suas possibilidades de crescimento profissional na organização.

Ressaltamos aqui que existem contribuições diversas à elaboração dos conceitos relativos a competências (por exemplo, Boyatzis, 1982; Le Boterf, 2003; Zarifian, 1999; Fleury, 2002). Neste trabalho, quando nos referimos às competências de executivos e não executivos, nos baseamos na visão de Dutra (2004). O autor indica que, quanto maior o nível de responsabilidade da pessoa na organização, maior deve ser o desenvolvimento de suas competências, também são maiores os níveis de complexidade e agregação de valor, exigidos de sua atuação. Pelas particularidades da carreira da mulher (Mainiero & Sullivan, 2006), faixa etária, nível de instrução e experiência gerencial (Segers et al., 2008), espera-se também que esses grupos tenham percepção diferenciada sobre essas possibilidades.

Para medir essas percepções, utilizou-se o modelo de pesquisa de clima organizacional, que forneceu subsídios para a obtenção e análise da percepção dos empregados das empresas pesquisadas. Woodman e King (1978) afirmam que o clima organizacional é um conceito que implica compreensão do comportamento das pessoas no ambiente de trabalho.

Para Schneider e White (2004), três são as fontes para o desenvolvimento do clima nas organizações: exposição dos membros às mesmas características estruturais objetivas; práticas e processos de seleção, retenção e designação de tarefas, que produzem um conjunto homogêneo de membros da organização e interações sociais que geram o entendimento compartilhado entre esses membros.

As abordagens conceituais aqui expostas indicam a relevância do objetivo geral deste estudo, que consiste em verificar a relação entre a adoção de práticas de gestão de carreira por empresas atuantes no mercado nacional e a percepção de seus empregados, divididos entre executivos e não executivos, sobre suas possibilidades de crescimento profissional no seu emprego atual.

 

Método

Para a elaboração das hipóteses apresentadas na introdução deste artigo, houve a preocupação de dividir os respondentes em dois grupos: executivos (diretores, gerentes e supervisores) e não executivos (ocupantes de cargos operacionais). Considerou-se também a possibilidade de que as seguintes variáveis de caracterização dos funcionários poderiam ter influência sobre a percepção de possibilidades de crescimento profissional na empresa: número de filhos, idade, grau de escolaridade superior (graduação ou pós-graduação), fato de não trabalhar no Estado de São Paulo, salário mensal superior a R$ 6.000,00, sexo feminino, e número de anos na empresa.

Conforme menção na introdução deste trabalho, os dados utilizados se referem a uma amostra de empresas participantes de uma pesquisa, realizada em 2008, com empresas que procuram se destacar em termos de clima organizacional e práticas de gestão de pessoas. Obteve-se uma amostra de 550 empresas e 142.913 empregados. A participação, tanto de empresas quanto de empregados era voluntária, e a coleta dos dados ocorreu por meio eletrônico e físico, entre fevereiro e maio de 2008. Foi solicitado às empresas que enviassem uma relação numerada de seus funcionários, em ordem alfabética e, a partir dela, foram sorteados, aleatoriamente, os que deveriam responder a pesquisa. Todos os sorteados eram empregados com vínculo formal de trabalho. Além disso, assegurava-se a confidencialidade dos dados individuais dos empregados.

Todas as empresas tinham 100 ou mais empregados, e atuavam no mercado brasileiro e/ou internacional por mais de cinco anos. Houve variações em relação ao porte (mínimo de 100 e máximo de 108.824 empregados), a média do número de empregados foi de 2.685 e a mediana de 623. Os setores de atuação foram alimentos, bebidas e fumo; atacado e comércio exterior; automotivo; bancos; comércio varejista; confecções e têxteis; construção; cooperativas; eletroeletrônico; farmácia, higiene e limpeza; indústria moveleira; indústrias diversas; mecânica; metalurgia e siderurgia; mineração; papel e celulose; plásticos e borracha; química e petroquímica; serviços financeiros; serviços de saúde; serviços diversos; serviços públicos; serviços de transporte; tecnologia e computação, e telecomunicações. Quanto ao faturamento, os valores em Reais foram (mínimo -100 mil, mediana - 158 milhões, máximo - 52 bilhões).

Para a apuração da percepção dos empregados, foi utilizado um instrumento, cujas respostas se deram por escala de Likert (Gil, 1999). O formulário de pesquisa continha 64 afirmações, e as alternativas de resposta variaram da seguinte forma: (1) Discordo totalmente; (2) Discordo na maioria das vezes; (3) Não concordo nem discordo; (4) Concordo na maioria das vezes; (5) Concordo totalmente; NS/NR) Não sei ou não quero responder. Quanto à amostragem, foram disponibilizados 227.400 formulários, proporcionalmente distribuídos conforme o número total de empregados de cada empresa; o índice de retorno foi de 63,04%. Para obter representatividade em cada uma das organizações, determinou-se uma amostra mínima que variou entre 60% e 65% do número de formulários enviados.

Adicionalmente, cada uma das empresas, representada por um funcionário da área de Recursos Humanos, respondeu a um questionário sobre suas políticas e práticas de Gestão de Pessoas, onde as práticas de gestão de carreiras analisadas neste trabalho estavam inseridas, que obedeceu ao critério de múltipla escolha (Almeida & Botelho, 2006).

Seleção e preparação dos dados

Foram selecionados na base de dados, proveniente da pesquisa anteriormente descrita, três conjuntos de variáveis para a realização de testes de hipóteses sobre os temas de interesse deste artigo. Em primeiro lugar, um conjunto composto por três afirmações, para medir percepção sobre a possibilidade de crescimento na carreira dentro da empresa, com as quais os funcionários da empresa poderiam concordar ou discordar, segundo a escala de Likert de cinco pontos descrita anteriormente. Foi então realizada uma transformação dos dados originais, a fim de obter variáveis de resposta binária: Foi atribuído valor 0 às respostas "discordo totalmente", "discordo na maioria das vezes" e "às vezes concordo, às vezes discordo". Já as respostas "concordo na maioria das vezes" "concordo sempre" receberam o valor 1. As afirmações utilizadas, retiradas do formulário aplicado aos empregados, geraram as variáveis descritas a seguir.

  • Percep1: Sei o que devo fazer para crescer profissionalmente nesta empresa.
  • Percep2: Acredito que trabalhando nesta empresa terei oportunidade de fazer carreira e crescer.
  • Percep3: Considero justos os critérios de promoção e carreira adotados nesta empresa.

O segundo grupo de variáveis procurou medir a adoção de processos e práticas de gestão de carreira por parte das empresas. Foram utilizados quatro processos:

  • Proc1: Processo formal de planejamento e acompanhamento do desenvolvimento profissional dos empregados;
  • Proc2: Mecanismos formais para estimular e oferecer suporte para que o empregado planeje sua carreira;
  • Proc3: Recrutamento interno;
  • Proc4: Mecanismos formais para que seus empregados estejam informados sobre as suas possibilidades de carreira.

Para cada um desses processos, a resposta possível distingue a aplicação aos diferentes grupos de funcionários (executivos e demais funcionários: os não executivos). Além disso, não é possível uma resposta afirmativa simples, sendo necessário designar práticas específicas que são aplicadas pela empresa, e sua abrangência, tanto em termos absolutos (se apenas parte ou todos os funcionários são beneficiados) como em relação à categoria dos funcionários (executivos ou demais funcionários). Desta forma, mais uma vez, foi necessário proceder a uma transformação nos dados, a fim de obter resultados mais adequados à realização dos testes de hipóteses selecionados. Para cada uma das práticas, a variável correspondente recebe o valor 1 quando a prática é aplicada a todos ou parte do funcionários; ou 0, quando não é adotada. Obtiveram-se resultados distintos para executivos e para demais funcionários. Vale ressaltar que foi encontrado um elevado índice de confiabilidade interna entre essas práticas, obtendo-se um alfa de Cronbach acima de 0,9 em todos os casos.

Por fim, o último grupo de variáveis é composto por informações sobre o perfil dos indivíduos e das empresas em que trabalham: idade, sexo, tempo de casa, nível de escolaridade, número de filhos e salário. Essas variáveis representam uma forma de controle para a mensuração dos efeitos da adoção de práticas deliberadas de gestão de carreira sobre a percepção de possibilidade de crescimento profissional dos empregados, na medida em que também podem exercer alguma influência sobre essa última variável.

Análise dos dados

A análise dos dados obtidos pelas transformações descritas na seção anterior foi realizada em três fases. A primeira delas foi a análise do perfil da amostra por meio de estatísticas descritivas (análise de frequências), a fim de verificar a coerência desse perfil com as hipóteses que foram aventadas pela teoria sobre carreiras. Em seguida, na segunda e terceira fases, foram realizados testes de hipóteses por meio de modelos estatísticos capazes de medir a influência das variáveis dos grupos 2 e 3 sobre a percepção dos funcionários a respeito de suas possibilidades de crescimento na empresa.

Utilizou-se o modelo Probit (Vasconcellos & Alves, 2000; Wooldridge, 2002), uma vez que a variável dependente (percepção sobre as possibilidades de crescimento profissional na empresa) tem resposta binária (0 ou 1). Esse modelo difere dos modelos de regressão linear simples, na medida em que não apresenta uma estrutura linear. A equação testada é inserida em uma função normal, de forma que o resultado obtido sempre varie entre 0 e 1. Por não ser um modelo linear, a estimação dos coeficientes é feita por máxima verossimilhança e não por mínimos quadrados, o que impede que se utilizem medidas padrão de confiabilidade do modelo. Os coeficientes obtidos não representam contribuições marginais com relação à variável dependente, como aconteceria num modelo linear, mas sim, indicam a direção da contribuição para a probabilidade de se obter o valor 1 nessa variável (Vasconcellos & Alves, 2000; Wooldridge, 2002).

Na primeira fase da análise, foi calculado um modelo Probit para cada um dos instrumentos de medida de percepção, tendo como variáveis independentes as de adoção de processos deliberados de gestão de carreira e as de perfil dos respondentes. Isso permitiu verificar quais processos têm um efeito sobre a probabilidade de que o empregado perceba suas possibilidades de crescimento profissional na empresa positivamente. Em seguida, foram calculados modelos distintos para executivos e não executivos, tendo como variáveis independentes as que indicam a adoção de cada uma das práticas constituintes dos processos que tenham se revelado significativamente influentes sobre a percepção.

 

Resultados

A análise descritiva, apresentada na Tabela 1 mostra que, na maioria dos casos, a proporção de empregados que percebem positivamente suas possibilidades de crescimento profissional é maior nas empresas que adotam práticas deliberadas de gestão de carreira. Isso é um indício de que existe uma relação positiva entre essas duas variáveis.

Também é possível perceber diferenças quanto à percepção com relação aos diferentes grupos de empregados. Em geral, os executivos percebem positivamente sua possibilidade de crescimento profissional numa proporção mais elevada do que os demais funcionários, mesmo em empresas que não adotam processos e práticas deliberadas de gestão de carreira. A Tabela 2 mostra essa tendência no caso da adoção do processo 1 (proc1). Ao se analisar da mesma forma a adoção dos quatro processos, percebe-se que, em geral a proporção de percepção positiva entre os executivos aumenta menos do que entre os não executivos. Em alguns casos, encontrou-se uma proporção menor de executivos com percepção positiva em empresas que adotam o processo. Pode-se deduzir, portanto, que a influência dos processos sobre a percepção se comporta de forma diferente em executivos e não executivos.

 

 

Outro resultado da análise de frequências da amostra é a relação entre o nível de escolaridade e a percepção das possibilidades de crescimento profissional na empresa. Tanto para executivos como para não executivos, encontrou-se uma proporção menor de percepção positiva entre os indivíduos que possuem nível superior. As diferenças são, no entanto, mais marcantes no caso dos não executivos. Ou seja, o fato de possuir nível superior afeta mais a percepção dos não executivos do que a dos executivos de uma mesma empresa. Esse resultado pode estar ligado ao próprio fato de que há uma menor predominância de indivíduos com nível superior entre os não executivos, sendo este um atributo de diferenciação mais intensa do que no caso dos executivos.

Para verificar de forma mais sistemática essas e outras possíveis relações entre as variáveis, procedeu-se uma análise estatística, utilizando o modelo Probit. Primeiramente, calcularam-se modelos tendo como variável dependente cada um dos três instrumentos de medida de percepção, contra as variáveis indicativas da adoção de cada um dos quatro processos de gestão de carreira e as variáveis de perfil dos indivíduos. A Tabela 3 mostra os resultados obtidos para o modelo usando percep1.

 

 

Esse modelo mostra que, dentre os processos analisados, apenas proc3 não exerce efeito significativo, considerando-se um grau de significância de pelo menos 5%, sobre a probabilidade de ter uma percepção positiva quanto às possibilidades de crescimento na carreira (usando o instrumento percep1). As práticas que constituem esse processo não foram, portanto, incluídas nos modelos da próxima fase da análise. Os outros processos, por sua vez, têm um efeito positivo, estatisticamente significativo, sobre a probabilidade de ter uma percepção positiva quanto às possibilidades de crescimento profissional na empresa. Ter nível superior, ser mulher, além do maior tempo de trabalho na empresa têm efeito negativo sobre essa probabilidade. O fato de ser executivo, de estar fora do estado de São Paulo e o maior número de filhos têm efeitos positivos sobre a probabilidade.

Para a segunda medida de percepção (percep2), os padrões são mantidos (proc3 não é estatisticamente significativa novamente), salvo pelo fato de que a idade (efeito negativo) e o salário elevado (efeito negativo) também são estatisticamente significativos. Com relação à última medida de percepção (percep3), apenas proc2 é significativa. Com relação às outras variáveis, o padrão se mantém, salvo para salário elevado, que passa a ter um efeito positivo, e sexo e idade que não são estatisticamente significativas.

A fase seguinte da análise foi a verificação de quais práticas, constituintes dos processos que se mostraram estatisticamente significativas são mais influentes em executivos e demais funcionários. A Tabela 4 traz os resultados da análise da primeira medida de percepção para executivos e demais funcionários. Os resultados indicam que, das práticas de gestão de carreira analisadas, 12 são estatisticamente significativas para os não executivos, e apenas cinco para os executivos. Isto está de acordo com as hipóteses aventadas pelo artigo, de que os efeitos dessas práticas são diferentes entre executivos e demais funcionários. O fato de um número menor de práticas influenciar a probabilidade de executivos perceberem positivamente sua possibilidade de crescimento profissional na empresa é coerente também com o fato de que os executivos têm uma percepção mais positiva, independentemente da adoção das práticas.

Quanto às variáveis de perfil, o efeito do nível de escolaridade mais elevado permanece negativo em ambos os grupos, bem como o efeito de ser do sexo feminino. Pessoas que trabalham em outros Estados (que não sejam São Paulo) têm uma maior probabilidade de ter uma percepção positiva, em ambos os grupos. A variável idade apenas é significativa para os executivos, e tem um efeito positivo, bem como o salário mais elevado. O tempo de casa, por sua vez, apenas é significativo para os não executivos, tendo um efeito negativo sobre a probabilidade de ter percepção positiva. Esses resultados levam à necessidade de aprofundamento futuro das análises aqui apresentadas para melhor entender o significado desses resultados e sua importância para a gestão das organizações.

Analisando-se as práticas que se mostraram significativas, percebe-se que a maioria delas que se referem a proc2 (adoção de mecanismos formais para estimular e oferecer suporte para que o empregado planeje sua carreira) são estatisticamente significativas para os não executivos. Apenas p1dem6 (coaching) não foi significativo. Todas as práticas, salvo p1dem7 (mentoring) têm efeito positivo sobre a probabilidade de perceber positivamente as possibilidades de crescimento profissional na empresa. Quanto aos outros dois processos, proc1 e proc4, houve equilíbrio entre práticas significativas e não significativas. O fato de que p4dem2 e p4dem4 são estatisticamente significativas e positivas revela que a obtenção de informações sobre a adoção de práticas de gestão de carreira pela empresa é importante para que os demais funcionários tenham uma percepção positiva. As práticas referentes a proc1 mostram a importância da avaliação da chefia pelo empregado e do estabelecimento e acompanhamento das metas de performance.

Quanto aos executivos, o processo com o maior número de práticas influentes foi proc4, em que apenas p4ex1 (plano de carreira estruturado, formalizado e praticado) não foi significativa. A disposição de informações sobre processos de carreira tem um impacto positivo sobre a percep1, ao passo que p4ex3 e p4ex4 têm influência negativa.

Ao analisar o modelo com percep2 como variável dependente, obtêm-se resultados similares, salvo que p1dem8, p4dem3, p1ex4 e p2ex5 passam a ser significativas estatisticamente. Outra diferença é o fato de que tempo de casa passa a ter influência negativa sobre a percepção dos não executivos.

Por fim, o modelo que utiliza percep3 como instrumento de mensuração da percepção de possibilidade de crescimento profissional na empresa apresenta um maior equilíbrio entre executivos e não executivos. Isto pode decorrer do fato de que apenas as práticas referentes a proc2 foram testadas. Os padrões quanto ao perfil dos indivíduos se mantêm, com o nível de escolaridade e o fato de ser do sexo feminino exercendo um efeito negativo sobre a percepção. Uma diferença é que, para ambas as categorias de empregados, o salário elevado tem uma influência positiva e significativa sobre a probabilidade de perceber positivamente as possibilidades de crescimento profissional na empresa.

 

Discussão

O objetivo deste artigo, de verificar a existência de relação entre a intenção deliberada das empresas de gerenciar carreira e a percepção de possibilidades de crescimento profissional na empresa , foi atingido de duas formas. Em primeiro lugar, a própria análise descritiva dos dados mostrou que, de alguma forma, a adoção de processos de gestão de carreira pela empresa pode ser responsável pela percepção positiva dos funcionários quanto a suas possibilidades de crescimento profissional. Isto porque a proporção de percepção positiva é em geral maior para as empresas que adotam esses processos. Em segundo lugar, o modelo estatístico comprovou essas tendências e permitiu também verificar as hipóteses relacionadas a diferenças de percepção entre executivos e não executivos, e características do perfil dos funcionários.

A confirmação da hipótese I, de que a intenção empresarial de gerenciar carreira influencia a percepção dos empregados quanto às suas possibilidades de crescimento profissional na empresa onde trabalham, mostra a relevância de iniciativas empresariais voltadas à carreira, pois essas atitudes influenciam a visão das pessoas sobre suas perspectivas profissionais. Por outro lado, essa afirmação, em parte, contradiz a tendência apontada nos estudos sobre carreiras sem fronteiras, que prevêem um gerenciamento pessoal da carreira menos atrelado às possibilidades oferecidas pelas organizações (Arthur & Rousseau, 1996).

Verificou-se que há mais práticas de gestão de carreira adotadas pelas empresas que têm impactos sobre a percepção dos não executivos, confirmando-se assim, a hipótese II. Isso leva a crer que as abordagens mais atuais sobre carreira - carreiras sem fronteiras e carreira proteana - são mais compatíveis com a visão que os executivos têm sobre seu crescimento profissional. Provavelmente esses profissionais enxergam suas possibilidades de carreira menos atreladas à empresa onde trabalham. Essa dedução deve-se ao fato de que as exigências que recaem sobre esses profissionais os estimulam a se responsabilizar mais diretamente pela própria carreira, o que é um requisito das carreiras sem fronteiras. Nessas carreiras, é preciso desenvolver redes de relacionamento, encontrar significado pessoal no trabalho, além de aprimorar capacidades técnicas (Arthur et al., 1999).

No caso dos não executivos, as práticas adotadas pela empresa são mais influentes, o que pode ser um indício de que sua visão sobre a própria carreira é mais dependente das políticas e práticas empresariais. É possível supor, neste caso, que os executivos tenham competências individuais mais desenvolvidas, que aumentam o seu valor profissional fora da empresa onde trabalham, o que resulta em uma percepção sobre suas possibilidades de crescimento profissional menos voltada para dentro da empresa. Conforme o modelo proposto por Dutra (2004), o aumento da complexidade do trabalho, que acontece quando a pessoa assume cargos de chefia, faz com que os executivos tenham que desenvolver competências não requeridas de cargos operacionais como, por exemplo, contribuição na estratégia organizacional, responsabilidade sobre os resultados da sua área de atuação, articulação de pessoas, etc. Essas reflexões não indicam que os empregados de nível operacional não tenham competências valiosas para o mercado de trabalho, porém, o próprio fato de se posicionarem em níveis inferiores na hierarquia organizacional faz com que essas pessoas tenham mais espaço de crescimento na carreira proporcionada pela organização que os executivos, o que certamente aumenta sua crença no sistema de crescimento profissional oferecido.

Deve-se levar em consideração, no entanto, que a percepção sobre as possibilidades de crescimento profissional dos executivos é mais elevada, independentemente das práticas de gestão de carreira adotadas pela empresa. A diversidade de percepções pode decorrer do fato de que o Brasil, como país em desenvolvimento, convive com várias realidades, algumas já voltadas à sociedade informacional, outras à sociedade pós-industrial, e algumas ainda condizentes com a sociedade industrial (Teixeira & Zaccarelli, 2007). Entre os não executivos, a carreira ainda dependeria da empresa onde trabalham; já para os executivos, em uma visão mais atual, a carreira apresentaria fatores de independência em relação à empresa.

Verificada a maior proporção de respostas positivas dos executivos quanto ao crescimento profissional na organização, em comparação com os demais empregados, pode-se sugerir a necessidade de que tais práticas sejam aprimoradas para atender empregados que ocupem posições de menor complexidade, contribuindo assim com a preparação e desenvolvimento das competências de possíveis futuros executivos da organização (Dutra, 1996, 2004).

Quanto às características de perfil dos funcionários, foram obtidos alguns resultados significativos, comprovando-se assim a Hipótese III. O efeito do nível de escolaridade e de ser do sexo feminino é negativo sobre o tipo de percepção estudada, ou seja, pessoas com mais anos de estudos e mulheres têm uma probabilidade menor de perceber positivamente suas possibilidades de crescimento profissional na empresa, independentemente da adoção de práticas de gestão de carreira. Quanto ao nível de escolaridade, é possível inferir que pessoas com mais anos de estudo são mais exigentes e críticas em relação ao que lhes é oferecido na empresa onde trabalham. É importante também ressaltar a relação entre gênero e crescimento profissional, pois, conforme apontaram Mainiero e Sullivan (2006), mulheres altamente qualificadas tendem a optar por não seguir ou abandonar a carreira executiva, buscando mais equilíbrio entre vida pessoal e profissional. Talvez esse fenômeno tenha relação com a visão menos positiva quanto ao crescimento profissional.

Pessoas que trabalham em outros Estados, que não São Paulo, têm uma maior probabilidade de ter uma percepção positiva, o que provavelmente tem relação com a oferta de oportunidades profissionais. Uma vez que uma metrópole como a cidade São Paulo tem um conjunto empresarial maior que outras localidades, que permite maior concorrência entre as empresas por trabalhadores qualificados, a visão de oportunidades de crescimento profissional de trabalhadores do estado de São Paulo pode extrapolar as fronteiras organizacionais, o que os torna mais críticos.

A variável idade é significativa apenas para os executivos; conforme ela aumenta, tem um efeito positivo, bem como o salário mais elevado. Isso leva a crer que o profissional mais maduro, com uma situação financeira mais estável, valoriza mais suas oportunidades dentro da empresa onde trabalha. A elevação do tempo de casa, por sua vez, é significativa apenas para os não executivos, tendo um efeito negativo sobre a probabilidade de ter percepção positiva. Certamente esse trabalhador percebe restrições em seu crescimento profissional futuro, com base em suas experiências passadas na própria empresa, uma vez que este se mantém atuando em um nível operacional ao longo do tempo.

A observação dos resultados aqui apresentados, permite constatar que a implantação de um sistema de gestão de carreiras tende a apresentar impactos distintos na percepção de crescimento profissional dos empregados. Esse sistema deve considerar o contexto contemporâneo, em que a carreira das pessoas não está restrita ao horizonte oferecido pela organização (Arthur & Rousseau, 1996; Arthur et al., 1999). Da mesma forma, a influência das diferenças individuais deve ser considerada (Segers et al., 2008).

 

Considerações finais

As empresas decidem sobre os investimentos de seus recursos e adotam práticas de gestão de pessoas esperando certo reconhecimento de seus empregados. Neste artigo, procuramos mostrar a importância de observar o impacto dessas práticas sobre a percepção das pessoas. De forma geral, foi possível perceber que diferentes grupos percebem de formas diversas certos aspectos da vida organizacional e são impactados em diferentes graus pelo esforço organizacional em gerenciar pessoas.

Buscamos contribuir com a gestão das organizações, uma vez que a mensuração da percepção das pessoas sobre aspectos do ambiente organizacional, que deveria ser impactada positivamente por investimentos organizacionais em determinadas práticas de gestão de pessoas, nem sempre tem esse impacto comprovado.

Para os profissionais ligados à psicologia organizacional e orientação vocacional, entendemos que uma possível contribuição desses achados seria o indício de que, embora a visão atual sobre carreira sugira maior independência entre a carreira dos empregados e os esforços organizacionais, essa relação ainda é evidente. Porém, é necessário considerar diferentes perfis dos trabalhadores. Além disso, outra contribuição seria a ampliação das possibilidades de interpretação dos resultados de pesquisas de clima organizacional, relacionando-as com ações organizacionais correlatas.

A adoção de práticas de gestão de carreira pela empresa, no geral, tem efeito positivo sobre a percepção de seus funcionários quanto às suas possibilidades de crescimento profissional. Porém, a ausência de relação significativa na percepção dos executivos, denota a importância de uma reflexão apurada das organizações e profissionais de orientação vocacional. Tal observação deve-se ao fato de que, geralmente, os investimentos e ações em aconselhamento e orientação de carreira são direcionados especificamente para esse grupo de profissionais. Assim, podem ser plausíveis duas explicações: (a) a percepção de crescimento profissional dos executivos pode não estar relacionada apenas à organização na qual estão atualmente trabalhando e (b) a intenção da organização em gerir carreiras pode não estar alinhada às expectativas e necessidades desses profissionais, que atuam em nível mais estratégico.

Estas observações demonstram a potencialidade deste estudo para gerar premissas, que podem ser associadas à aplicação de métodos qualitativos de pesquisa.

É importante salientar a necessidade de cautela na generalização dos resultados aqui apresentados, uma vez que estes se referem a empresas que procuram se destacar em termos de clima organizacional e adoção de práticas de gestão de pessoas. A justificativa para tal cautela consiste no fato de que a comparação das melhores empresas para se trabalhar (posição a que as empresas pesquisadas aspiravam) com as empresas brasileiras, por meio da RAIS (Relação Anual de Informações Sociais - Ministério do Trabalho e Emprego), indicou que as melhores empresas são maiores e empregam trabalhadores mais qualificados, com maiores níveis de escolaridade, que recebem salários maiores, portanto, correspondem a apenas uma parte da realidade do país (Amorim, Fischer, Dutra, Veloso, Pimentel, & Pires, 2009). Nas empresas pesquisadas, espera-se obter naturalmente resultados mais elevados tanto em termos de percepção das possibilidades de crescimento profissional como em termos de intenção deliberada de gerenciar carreira.

Para estudos futuros seria importante a aplicação do mesmo instrumento em outros conjuntos de empresas. Para as discussões atuais sobre carreira, fica a intenção de contribuir com as reflexões sobre os laços entre trabalhadores e organizações que, embora não sejam mais como antes, ainda existem, e apresentam muitos aspectos a serem explorados pelos pesquisadores interessados em gestão de carreira, tanto no aspecto pessoal quanto no organizacional.

 

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Recebido: 06/05/2010
1
ª Revisão: 11/08/2010
2
ª Revisão: 17/10/2010
3
ª Revisão: 03/12/2010
Aceite final: 18/12/2010

 

 

Sobre os autores
Elza Fátima Rosa Veloso é Doutora em administração pela FEA-USP, é coordenadora executiva do Programa de Estudos de Gestão de Pessoas (PROGEP) da FIA, onde, entre outras atividades, gerencia a pesquisa As melhores empresas para você trabalhar. É também professora universitária, na FIA e no Mackenzie.
Joel Souza Dutra é Livre Docente pela FEA-USP e professor na mesma instituição. É também coordenador do Programa de Estudos de Gestão de Pessoas (PROGEP) da FIA, onde coordena a pesquisa As melhores empresas para você trabalhar. Autor de vários livros e artigos. Atua como consultor de gestão de pessoas.
André Luiz Fischer é Doutor em administração e professor pela FEA-USP. Coordena o Programa de Estudos de Gestão de Pessoas (PROGEP) e o MBA RH da FIA. Desenvolve e aplica projetos de gestão de RH, clima, cultura e aprendizagem organizacional, sendo responsável pela metodologia hoje adotada pela pesquisa As melhores empresas para você trabalhar.
João Eduardo Albino Pimentel é Mestre em administração de empresas pela FEA-USP e em economia pela Universidade Pierre Mendès France, Grenoble, França. Atualmente é professor da Business School da Linyi University, em Shandong, China.
Rodrigo Cunha da Silva atuou por vários anos como técnico da pesquisa As melhores empresas para você trabalhar, no Programa de Estudos de Gestão de Pessoas (PROGEP), da FIA. Atualmente é mestrando em administração pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo- FEA/USP.
Wilson Aparecido Costa de Amorim é Doutor em administração pela FEA-USP, é coordenador executivo do Programa de Estudos de Gestão de Pessoas (Progep) da FIA, onde, entre outras atividades, atua no gerenciamento da pesquisa As melhores empresas para você trabalhar. É também professor universitário na FIA e no INSPER.
1 Agradecimento ao Programa de Estudos de Gestão de Pessoas (PROGEP), da Fundação Instituto de Administração (FIA), pelo apoio aos autores e pela cessão dos dados utilizados para a elaboração deste artigo.
2 Endereço para correspondência: Av. Prof. Luciano Gualberto, 908, sala C-14, Butantã, 05508-900, São Paulo-SP, Brasil. Fone: 11 3818 4032. E-mail: elzafr@usp.br

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