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Revista Brasileira de Orientação Profissional

versão On-line ISSN 1984-7270

Rev. bras. orientac. prof vol.12 no.2 São Paulo dez. 2011

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

Escala de Valores WIS: Um estudo comparativo com amostras de estudantes

 

The Work Importance Study Values Scale: A comparative study with student samples

 

Escala de Valores WIS: Un estudio comparativo con muestras de estudiantes

 

 

Alexandra Figueiredo de Barros1; Maria Odília Teixeira

Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal

 

 


RESUMO

O presente trabalho analisa indicadores de validade da Escala de Valores WIS, em duas amostras portuguesas de estudantes, que frequentam o ensino secundário (n = 1228) sendo 64% do sexo feminino e 36% do masculino e o ensino superior (n = 683) sendo 48% do sexo feminino e 52% do masculino. As medianas de idade são, respectivamente, 17 e 21 anos. Nos resultados, salientam-se as semelhanças encontradas na hierarquia dos resultados médios e nas estruturas fatoriais e estes dados são concordantes com os estudos transnacionais. A convergência dos resultados nas duas amostras confirma a estrutura fatorial da Escala e corrobora o sentido universal dos valores de auto-actualização e de realização pessoal, como objectivos de vida e de carreira.

Palavras-chave: valores, desenvolvimento de carreira, avaliação psicológica, escala de valores WIS


ABSTRACT

The present work analyzes validity indicators for the Work Importance Study (WIS) Values Scales, in two Portuguese samples: one with high school students (n = 1228), with 64% females and 36% males, and one with higher education students (n = 683), with 48% females and 52% males. Referring to age, the medians are, respectively, 17 and 21 years old. Analysis of results shows similarities for both the hierarchies for the average results and for the factorial structures for both samples and transnational studies. Convergence of results in the two samples confirms the factorial structure of the scale as well as the universal meaning of the values of self up-dating and personal achievement as life and career targets.

Keywords: values, career development, psychological assessment, WIS values scale


RESUMEN

El presente trabajo analiza indicadores de validez de la Escala de Valores WIS en dos muestras portuguesas de estudiantes que cursan la enseñanza secundaria, (n = 1228) 64% del sexo femenino y 36% del masculino, y la enseñanza superior (n = 683) 48% del sexo femenino y 52% del masculino. Las medianas de edad son, respectivamente, 17 y 21 años. En los resultados se destacan las semejanzas encontradas en la jerarquía de los resultados medios y en las estructuras factoriales y estos datos son concordantes con los estudios transnacionales. La convergencia de los resultados en las dos muestras confirma la estructura factorial de la Escala y corrobora el sentido universal de los valores de auto-actualización y de realización personal como objetivos de vida y de carrera.

Palabras clave: valores, desarrollo de carrera, evaluación psicológica, escala de valores WIS


 

 

Actualmente, as intervenções de carreira com destinatários em várias fases etárias - desde a adolescência à 3ª idade, passando por todas as transições da idade adulta - assumem objectivos diversos mas sempre direccionados para ajudar os indivíduos a construirem vidas produtivas e satisfatórias no trabalho e em outros contextos da vida (Richardson, Constantine, & Washburn, 2005). No âmbito do aconselhamento de carreira, para além das dimensões tradicionais, como os interesses e as capacidades, a avaliação psicológica centra-se também nos papéis que são importantes para as pessoas, nos valores procurados em cada papel e na prontidão do indivíduo para as escolhas de carreira. A motivação face ao trabalho e o grau de maturidade vocacional são aspectos que devem condicionar a análise dos dados de avaliação psicológica. Estas dimensões fornecem informações sobre os recursos que as pessoas precisam de desenvolver para, com sucesso, lidarem com decisões ou transições de carreira que vão surgindo no seu percurso (Niles, 2001). Assim, as variáveis envolvidas nas intervenções de carreira ultrapassam necessariamente a clássica concepção de avaliação psicológica nestes contextos - centrada, em geral, na avaliação dos interesses e das capacidades - que ignorava variáveis que remetem para os processos de desenvolvimento vocacional diferenciadores das necessidades de intervenção.

A avaliação psicológica dos valores é, actualmente, parte integrante das intervenções de carreira, em diferentes momentos da vida do indivíduo, consubstanciada no objectivo de ajudar as pessoas a encontrarem formas de os concretizar nos vários papéis que desempenham, seja no trabalho, na família, nos seus tempos livres ou na comunidade. Assim, a avaliação dos valores passa pela utilização fundamentada de modelos de aconselhamento e desenvolvimento da carreira, pelo domínio de técnicas diferenciais e ainda pela preparação do psicológo, nas suas competências científicas, técnicas e deontológicas (Duarte, 2004). Nesta acepção, perspectiva-se a avaliação psicológica como meio de fornecer ao sujeito informação sobre si próprio, no sentido de promover o auto-conhecimento, suscitando a reflexão, a metacognição e a auto-regulação, num processo de crescimento e desenvolvimento pessoal que permita o desenvolvimento das potencialidades do indivíduo e a construção de projectos pessoais (Abreu, 2002).

Os valores são dimensões diferenciadoras no desenvolvimento de carreira, que podem mudar com a idade e a experiência, adquirindo grande importância no processo de tomada de decisão. Embora se configurem como fatores individuais na forma de objectivos gerais que influenciam as escolhas, situados - de acordo com o modelo hierárquico de Super (1990) - entre os interesses, mais ligados às actividades específicas, e as necessidades, que definem uma direcção geral e um impulso para a acção, os valores resultam também de uma partilha social de códigos. A componente cultural dos valores tem sido evidenciada nos estudos transnacionais (Šverko & Super, 1995), sendo os valores conceptualizados como uma dimensão de personalidade, que está associada aos processos de socialização. A este propósito, a investigação tem revelado que os valores são variáveis diferenciadoras dos estudantes em diferentes cursos de formação e o seu efeito discriminativo é mais expressivo nos grupos do 12º ano do que nos de 9º ano (Teixeira, 2004).

Diversos estudos têm ainda procurado relacionar os valores com outras variáveis como a personalidade (Barros & Marques, 1999), auto-conceito (Barros, 2007), necessidades ou interesses (Teixeira, 2000, 2005). Num estudo baseado no modelo dos cinco factores de personalidade (Costa & McCrae, 1992), identificam-se relações positivas entre a Conscienciosidade e valores relacionados com o desenvolvimento pessoal e a progressão na carreira; entre a Extroversão e a Amabilidade e valores de relacionamento interpessoal; entre a Abertura à Experiência e os valores de realização, expressão individual e desenvolvimento pessoal. Neuroticismo estabelece relações negativas com valores de progressão para a carreira e valores de expressão individual (Barros & Marques, 1999). O estudo da relação dos valores com dimensões do auto-conceito revela relações positivas e significativas a p<0,01 nas subescalas da Escala de Valores WIS com a auto-percepção de competência em áreas próximas (Actividade física com Competência atlética, Criatividade - valor - com Criatividade - competência, Interacção social - valor - com competência para manter amizades, Utilização das capacidades com competência escolar) (Barros, 2007). Numa investigação fundamentada no modelo de personalidade de Super (1995), os dados demonstram a conjugação dos valores, das necessidades e dos interesses em fatores que representam dimensões de natureza inter-pessoal (Teixeira, 2000). Por um lado, os dados fatoriais distinguem uma categoria de índole relacional, que associa escalas como Altruísmo, Apoio, Serviço social, e outra de tendência mais marcada para a vertente de interacção ascendência social, que conjuga escalas de Autoridade, Prestígio, Exibição, Dominância, Reconhecimento social, Liderança e Agressão (Teixeira, 2000). No mesmo sentido, um outro estudo que relaciona a escala de Valores com o Inventário de Preferências Vocacionais (VPI) de Holland, revela relações positivas e significativas entre a escala tipo Social e o valor Altruísmo, bem como entre a escala Convencional e os valores materiais de Prestígio, Económico e Condições de Trabalho (Teixeira, 2005).

A consciência da natureza motivacional dos valores tem servido, nas últimas décadas, como base para o desenvolvimento de instrumentos de medida dos valores de vida como o LVI - Life Values Inventory (Crace & Brown, 1996) ou a Escala de Valores WIS, tendo sido esta elaborada no âmbito do projecto Work Importance Study, estudo internacional designado WIS (Marques & Miranda, 1995). O Projecto WIS (Work Importance Study) reuniu equipas de vários países de diferentes continentes com três propósitos: identificar os valores que as pessoas procuram ou desejam encontrar nos vários papéis da vida, avaliar a importância relativa do papel de trabalho no contexto dos outros papéis da vida e criar medidas para os valores e para a saliência dos papéis. Os conceitos de valor e de papel foram, aqui, estudados numa dimensão intercultural. A taxonomia de valores adoptada decorre das revisões de literatura efectuadas na primeira fase do projecto WIS, de que se destacam os trabalhos que incidiram nas concepções de Spranger, Allport, Vernon e Lindzey, e que foram determinantes no conceito teórico de valor como "orientação geral" de vida, segundo o grau de "importância relativa (Marques & Miranda, 1995).

Em consequência destes procedimentos, a Escala de Valores WIS tem uma natureza internacional e mesmo intercultural. É o mesmo instrumento nas várias línguas, mas preserva simultaneamente a especificidade de cada um dos países. Na versão final da Escala de Valores WIS (2ª edição) (Nevill & Super, 1986) há três itens internacionais e dois itens específicos de cada um dos países. Por outro lado, a própria construção e desenvolvimento da Escala foi realizada pelos contributos das diferentes equipas nacionais, numa visão internacional de conjunto. Este aspecto foi assegurado nas revisões de literatura efectuadas, sobretudo por Descombes (1980) e Kidd e Knasel (1979) e pelos estudos efectuados em países com grande diversidade de fatores económicos, culturais e até religiosos como os Estados Unidos, o Canadá, o Japão, a Jugoslávia, actualmente Croácia, e a Polónia, a Itália, Portugal, Israel ou África do Sul, para focar apenas alguns. São estes aspectos que posicionam a Escala de Valores num contexto privilegiado na investigação intercultural dos valores.

A definição assumida para valor foi a de "um objectivo (seja um estado psicológico, uma relação ou uma condição material) que se procura atingir ou obter" (Super, 1980, p.86), podendo os valores ser realizados no desempenho de diferentes papéis. À noção de valor de trabalho aplica-se a mesma definição mas referida especificamente ao desempenho do papel de trabalhador. Tal como assumido no Projecto WIS, os valores são, no presente trabalho, considerados como dimensões motivacionais ao longo do desenvolvimento vocacional, no âmbito dos diferentes papéis de vida e de carreira. Procurando enriquecer os dados obtidos sobre este instrumento, o estudo que agora se apresenta examina indicadores de validade da Escala de Valores WIS, em duas amostras portuguesas de estudantes de ensino secundário e do ensino superior, através da análise das hierarquias dos resultados médios e das estruturas fatoriais, e tendo como referência os resultados dos estudos transnacionais com o mesmo instrumento.

 

Método

Participantes

As análises foram realizadas em duas amostras de estudantes que frequentavam, respectivamente, o 12º ano e o ensino superior. As aplicações foram feitas em contexto escolar, nas turmas de origem, pelas autoras do estudo. Foram respeitados os preceitos éticos adequados a este tipo de pesquisa e todos os participantes deram o seu livre consentimento à participação neste estudo.

A amostra do 12º ano é constituída por 1228 estudantes, sendo 64% do sexo feminino e 36% do sexo masculino; as idades estão compreendidas entre 16 e 21 anos, com mediana 17 anos. Os estudantes estão distribuídos por diferentes cursos do ensino secundário, nas áreas curriculares de estudos científicos (33%), estudos com uma componente mais técnica (24%), estudos económicos e sociais (34%), estudos artísticos (6%) e estudos de línguas e literaturas (3%).

A amostra do ensino superior é constituída por 683 estudantes do ensino superior, sendo 48% do sexo feminino e 52% do sexo masculino; as idades estão compreendidas entre os 19 e os 25 anos com mediana de 21 anos. Os estudantes frequentam os 2º e 3º anos dos cursos superiores de Engenharia Mecânica (19%), Medicina (17 %), Arquitectura (16%), História (16%), Gestão (18%), Contabilidade e Administração (16%).

As duas amostras são heterogéneas em relação à formação frequentada; as diferentes áreas curriculares correspondem, até certo ponto, aos tipos de meios (RIASEC) da teoria de Holland (1997). Esta foi uma opção metodológica que teve por objectivo representar vários perfis motivacionais.

Instrumento utilizado

Escala de Valores WIS (2ª edição)

No caso da versão portuguesa, a Escala de Valores WIS (2ª edição) é constituída por 18 escalas: Utilização das Capacidades, Realização, Promoção, Estético, Altruísmo, Autoridade, Autonomia, Criatividade, Económico, Estilo de Vida, Desenvolvimento Pessoal, Actividade Física, Prestígio, Risco, Interacção Social, Relações Sociais, Variedade e Condições de Trabalho. Tem o formato de questionário auto-descritivo e a resposta é dada numa escala de quatro pontos, segundo a importância atribuída, no presente ou no futuro, a determinado objectivo: 1. Significa "pouca ou nenhuma importância", 2. Significa "alguma importância", 3. Significa "bastante importante" e 4. Significa "muito importante". A Escala de Valores WIS tem sido amplamente estudada, evidenciando propriedades psicométricas que permitem uma avaliação válida e precisa dos valores de vida em diversos grupos etários. Em aconselhamento vocacional tem sido usada com populações a partir dos 16-17 anos.

Na maioria dos países, tal como em Portugal, tanto os índices de homogeneidade como os de estabilidade temporal confirmam a consistência e a estabilidade da medida e evidenciam que a Escala de Valores WIS possui índices de precisão mais elevados em adultos, em estudantes do ensino superior e em estudantes do 12º ano do que em estudantes do 9º ano (Barros, 2007; Marques & Miranda, 1995; Šverko, 1995; Teixeira, 2000, 2004; Teixeira & Gago, 2009). Estes dados estão de acordo com a concepção dos valores como uma variável que estabiliza a partir do meio da adolescência (Ginzberg, 1984; Seligman, 1994).

A validade da Escala de Valores WIS foi confirmada interculturalmente e em cada um dos países, sendo encontradas estruturas fatoriais estáveis de quatro ou cinco fatores, indicadores significativos da validade de construto (Šverko, 1995). Os fatores identificados equivalem hipoteticamente às dimensões gerais de motivação, designadas "orientações de valores" (Šverko, 1995). O primeiro fator, relativo a uma orientação utilitária, define-se por cinco valores: Económico, Promoção, Prestígio, Autoridade e Realização e associa-se à importância das condições económicas e do progresso na carreira, designadamente nos aspectos materiais. Um segundo fator, orientação para a auto-actualização, define-se basicamente pelas escalas Utilização das Capacidades, Desenvolvimento Pessoal e Altruísmo, (embora Realização, Estético e Criatividade também apareçam com saturações elevadas nalgumas amostras) e relaciona os valores associados à auto-realização e ao desenvolvimento pessoal. Um terceiro fator é designado orientação para a expressão individual e definido a partir do Estilo de Vida e da Autonomia (nalgumas amostras, também aparecem saturações importantes em Criatividade e Variedade). Este fator corporiza a importância de um estilo de vida autónomo. Um quarto fator, de orientação social, é definido principalmente a partir da Interacção Social e das Relações Sociais (nalgumas amostras a Variedade e o Altruísmo também aparecem com saturações elevadas) e corresponde à orientação de motivação para o grupo. O quinto fator, referente à orientação aventureira ou de desafio define-se a partir da escala Risco, embora nalgumas amostras, a Autoridade e a Actividade Física surjam também com saturações elevadas (Šverko, 1995). Os dados, referidos na introdução, sobre as diferenças entre grupos e as correlações com outras medidas, particularmente Inventários de Auto-Conceito, Interesses, Necessidades e Personalidade, são também indicadores da validade da medida (Barros, 2007; Barros & Marques, 1999; Teixeira, 2000, 2004).

 

Resultados

Os coeficientes de consistência interna, avaliados a partir do coeficiente alfa de Cronbach são satisfatórios, situando-se entre 0,60 e 0,89 na amostra do ensino secundário e entre 0,62 e 0,89 na amostra do ensino superior; as medianas são respectivamente 0,75 e 0,79. Uma vez mais, a precisão da medida é mais elevada nas amostras com mais idade, tal como anteriormente observado (Teixeira, 2000).

Nas Tabelas 1 e 2 apresentam-se as hierarquias dos resultados médios, verificando-se que as médias mais elevadas são observadas nos valores Realização, Desenvolvimento Pessoal e Utilização das Capacidades nas duas amostras. Na amostra dos estudantes do ensino superior, Utilização das Capacidades surge em segundo lugar na ordenação enquanto nos participantes do ensino secundário surge em terceiro lugar. Nas duas amostras, as escalas com médias mais baixas surgem nos valores Risco, Autoridade e Actividade Física.

 

 

 

 

Foram estudadas as diferenças de médias, obtidas para o sexo masculino e para o sexo feminino. Os resultados são apresentados nas Tabelas 3 e 4.

 

 

 

 

Como se pode ver pela análise da tabela 3, na amostra do ensino secundário, encontram-se médias significativamente superiores para o sexo feminino em Realização, Variedade e Relações Sociais (p < 0,05), Estético e Al-truísmo (p < 0,001). Os valores Autoridade e Económico têm médias significativamente superiores para o sexo masculino (p < 0,001). No que se refere à amostra do ensino superior (tabela 4), encontram-se diferenças significativas entre as médias de quase todas as escalas a partir das amostras definidas pelo sexo. Assim, com médias significativamente superiores para o sexo masculino, estão as referentes a Criatividade (p < 0,05), a valores de orientação para a aventura como Actividade Física e Risco (p < 0,01), e a Autoridade (p < 0,001). A maioria das outras escalas surge com médias significativamente superiores para o sexo feminino. É o caso de Prestígio e Condições de Trabalho (p < 0,05), Utilização das Capacidades e Interacção Social, (p < 0,01) e Realização, Estético, Altruísmo, Desenvolvi-mento Pessoal e Relações Sociais (p < 0,001).

Os resultados de cada uma das amostras foram ainda submetidos a análise exploratória em componentes principais. Para isso, seguiu-se o critério de Kaiser. A síntese dos resultados obtidos, após rotação varimax, é apresentada na Tabela 5.

Na amostra do ensino secundário, a solução fatorial revela quatro fatores que explicam cerca de 61% da variância total. O fator I explica cerca de 35% da variância total e associa o valor Realização aos valores Económico (0,81), Promoção (0,79), Prestígio (0,70), Autoridade (0,69) e Condições de Trabalho (0,51). Este fator tende a representar a orientação utilitária (Šverko, 1995), que reúne também a componente de realização. O fator II é definido pelos valores Altruísmo (0,79), Estético (0,69), Interacção Social (0,68) e Relações Sociais (0,63). O fator III é definido pelo Risco (0,80), Actividade Física (0,66) e Variedade (0,50), e no fator IV têm saturações elevadas os valores Estilo de Vida (0,79), Autonomia (0,77), Desenvolvimento Pessoal (0,67), Criatividade (0,60) e Utilização das Capacidades (0,56). Os fatores II, III e IV correspondem, respectivamente, às orientações social, aventura e auto-actualização (Šverko, 1995).

Na amostra do ensino superior resulta uma solução de 5 fatores que, no conjunto, representam cerca de 69% da variância dos dados. O primeiro fator é essencialmente definido pelas escalas Económico (0,81), Promoção (0,78), Prestígio (0,68), Autoridade (0,64), Realização (0,60) e Condições de Trabalho (0,52), podendo considerar-se que representa uma dimensão de orientação utilitária (Šverko, 1995). Este fator representa a importância do progresso de carreira ao nível material, de prestígio, de poder e ao nível mais pessoal de realização. O segundo fator é definido principalmente a partir de saturações de Relações Sociais (0,82) e de Interacção Social (0,76) mas também com uma importante saturação da escala Variedade (0,54) e da escala Condições de Trabalho (0,51), correspondendo a uma orientação social. O terceiro define-se a partir de elevadas saturações das escalas Estético e Altruísmo (ambas de 0,72), de Utilização das Capacidades (0,69) e também de saturações das escalas Realização (0,55) e Desenvolvimento Pessoal (0,42), representando um componente de orientação para a auto-actualização, que se define pela importância de valores relacionados com a auto-realização e o desenvolvimento pessoal. O quarto fator define-se a partir de saturações elevadas nas escalas Estilo de Vida (0,84), Autonomia (0,81), Desenvolvimento Pessoal (0,57) e Criatividade (0,55), agrupando escalas relacionadas com a importância atribuída a um Estilo de Vida autónomo e à expressão de si próprio. O quinto fator define-se a partir das elevadas saturações de Risco (0,81) e de Actividade Física (0,67), e corresponde à orientação para a aventura-desafio.

 

Discussão e conclusões

Na comparação dos resultados das duas amostras emerge um carácter sistemático dos resultados, no sentido dos adolescentes e dos jovens adultos atribuírem uma maior importância aos valores Realização, Utilização das Capacidades e Desenvolvimento Pessoal, salientando-se que a natureza destes dados é consentânea com as hierarquias das médias dos estudos transnacionais (Šverko & Super, 1995). Os resultados obtidos em relação às hierarquias de médias são, assim, convergentes nas duas amostras e coincidem com os dados dos estudos transnacionais. Conclui-se que, ao longo das últimas três décadas, independentemente das amostras, a estabilidade da hierarquia dos valores tem perdurado no tempo, realçando-se o significado dos valores de auto-actualização e de realização pessoal como objectivos de vida e de carreira.

No que diz respeito às diferenças de médias por sexo, embora, nas duas amostras não surjam diferenças estatisticamente significativas nas mesmas escalas, os resultados obtidos vão no mesmo sentido. Assim, o grupo do sexo feminino revela médias superiores nos valores de orientação social como Altruísmo, Estético, Interacção Social e Relações Sociais e de auto-actualização como Desenvolvimento Pessoal, Realização e Utilização das Capacidades, enquanto o grupo do sexo masculino revela médias superiores em valores de orientação utilitária como Autoridade ou Económico e em valores de orientação para a aventura como Actividade Física e Risco. A comparação com resultados obtidos noutros estudos com estudantes do ensino básico, secundário e superior (por exemplo, Barros, 2004; Marques, 1995; Teixeira, 1995, 2000) mostra semelhanças com estes dados.

No entanto, apesar da tendência dos resultados confirmar que os valores estão associados à identidade de género, estudos anteriores têm evidenciado que as diferenças tendem a esbater-se quando se comparam os resultados dos valores do grupo masculino e do grupo feminino dentro de uma mesma área de formação ou actividade profissional (Teixeira, 1995, 2000). Nas implicações para a prática, estes dados tendem a sublinhar o papel da aprendizagem social na formação dos valores.

Os dados obtidos pela análise em componentes principais nos presentes estudos portugueses permitem reproduzir as Orientações de Valores definidas por Šverko (1995), a partir de amostras de dez países, num total de 18.318 participantes - orientação utilitária, orientação para a auto-actualização, orientação para a expressão individual, orientação social e orientação aventureira ou de desafio.

Contudo, apesar de se enfatizarem as semelhanças como indicadores de validade da medida, as diferenças encontradas nos resultados das duas amostras também têm significado do ponto de vista do desenvolvimento vocacional, e replicam alguns dos dados anteriores. Na presente investigação, os resultados dos estudantes portugueses do ensino superior reproduzem a estrutura em cinco fatores, enquanto nos jovens mais novos os resultados se organizam em quatro fatores, observando-se, neste caso, uma associação entre os valores de auto-realização e os valores da expressão individual para a auto-actualização (fator III). Estes dados tendem a corroborar estudos anteriores (Teixeira, 2000), cujos resultados evidenciam a natureza desenvolvimentista dos valores, ao longo da adolescência, cujos processos de diferenciação estão associados à idade, em níveis mais abstractos e de integração progressiva das várias dimensões psicológicas.

A investigação tem confirmado os valores como factores cruciais na escolha, na progressão e na auto-percepção de satisfação, e a sua avaliação é uma parte integrante e fundamental do aconselhamento de carreira. A presente investigação confirma, uma vez mais, a validade desta medida dos valores, devendo o significado dos resultados ser contextualizado nas fases de vida e nos diferentes papéis em que se estruturam os projectos de vida e de carreira.

 

Referências

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Recebido:28/12/2010
1ª Revisão:09/05/2011
2ª Revisão:04/07/2011
Aceite final: 01/08/2011

 

 

Sobre as autoras
Alexandra Figueiredo de Barros é Doutora pela faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa e professora auxiliar da Univeridade de Lisboa.
Maria Odília Teixeira é Doutora em Psicologia pela Universidade de Lisboa, Docente do programa de Pós-graduação da Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa, investigadora do Centro de Investigação em Psicologia, da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT).
1 Endereço para correspondência: Faculdade de Psicologia, Universidade de Lisboa, Alameda da Universidade,1649-013, Lisboa, Portugal. Fone: 351 217 943600. E-mail: afbarros@fp.ul.pt

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