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Revista Brasileira de Orientação Profissional

versão On-line ISSN 1984-7270

Rev. bras. orientac. prof vol.13 no.1 São Paulo jun. 2012

 

DOCUMENTO

 

Síntese das discussões e propostas do Grupo de Trabalho: Avaliação psicológica no domínio da orientação profissional e de carreira

 

 

Marco Antônio Pereira TeixeiraI, 1; Maria Célia Pacheco LassanceI; Lucy Leal Melo-SilvaII

IUniversidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre-RS, Brasil
IIFaculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto-SP, Brasil

 

 

O presente documento constitui-se na síntese das discussões realizadas pelo Grupo de Trabalho "Avaliação Psicológica no Domínio da Orientação Profissional e de Carreira", no I Fórum de Pesquisas em Orientação Profissional e de Carreira, promovido pela ABOP e realizado no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, em 19 de julho de 2011, sob a coordenação dos professores Dr. Marco Antônio Pereira Teixeira (UFRGS), Dra. Lucy Leal Melo-Silva (USP-RP) e da Dra. Maria Célia Lassance (UFRGS).

O grupo constituiu-se de 41 profissionais de três países (Brasil, Costa Rica e Portugal). Dentre os brasileiros, contou com 11 professores universitários, 14 profissionais, 12 estudantes de pós-graduação e estudantes de graduação, provenientes dos estados da Bahia, Ceará, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina, São Paulo e Rio Grande do Sul. O objetivo do grupo de trabalho foi realizar um levantamento do que existe sobre avaliação nos âmbitos da avaliação da pessoa e da intervenção, elencar prioridades e discutir as possibilidades de realização de pesquisas multicêntricas que possam aprofundar o conhecimento sobre tal competência com vistas à melhoria da formação dos orientadores e da prestação de serviços qualificados à população, tendo em vista as especificidades dos contextos e cenários.

Em um levantamento inicial, verificou-se que a maior parte da produção sistemática de pesquisas que de algum modo se relacionavam com a avaliação psicológica no campo da orientação profissional estavam vinculadas a pesquisadores pertencentes a instituições que tradicionalmente têm publicado estudos sobre orientação profissional e que estavam presentes no Fórum: FFCLRP-USP, UFRGS, UFSC, Unicamp e UFSM. Duas psicólogas que não atuam em instituições de ensino também referiram realizar pesquisas de avaliação na área, focadas em instrumentos por elas desenvolvidos. Foram lembrados também outros grupos de pesquisa que têm feito contribuições no âmbito da avaliação psicológica e que não estavam representados pelos seus pesquisadores principais no Fórum: a Universidade São Francisco (Itatiba-SP) e a UFBA. Vale mencionar que alguns pesquisadores vinculados a outras instituições vêm realizando pesquisas em parceria com os centros de pesquisa já estabelecidos, especialmente através de programas de mestrado e doutorado, o que sugere que, no futuro, a produção científica na área deve começar a se descentralizar. Em termos das temáticas de pesquisa que vêm sendo desenvolvidas de forma mais sistemática pelos pesquisadores presentes ao Fórum, destacam-se os estudos de desenvolvimento e validação de instrumentos na área de OP e também sobre a efetividade de intervenções. A seguir é apresentada uma síntese das principais questões levantadas na discussão do grupo de trabalho, organizadas por temáticas. Note-se que essa organização visa apenas facilitar o relato, uma vez que os temas estão inter-relacionados.

 

Temas de discussão

1. Instrumentos de avaliação de uso exclusivo de psicólogos

Um primeiro tema debatido pelo GT foi a situação dos instrumentos de avaliação reconhecidos pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) como de uso exclusivo de psicólogos. Como ponto forte de desenvolvimento na área, foi apontado o número crescente de instrumentos que vêm sendo disponibilizados nos últimos anos, especialmente nas áreas de interesses vocacionais, maturidade vocacional e habilidades. Apesar desse crescimento no número de instrumentos, foram destacados alguns pontos que merecem atenção:

1. Faltam trabalhos que explicitem a conexão dos construtos avaliados pelos instrumentos com modelos de intervenção. Ou seja, ainda que os instrumentos apresentem fundamentação teórica sobre os construtos que medem, não está claro como os resultados desses instrumentos são integrados dentro de uma lógica de intervenção teoricamente orientada. Neste sentido, o GT recomenda que a ABOP incentive os pesquisadores da área que desenvolvem instrumentos de avaliação para que incluam, nos materiais relativos aos instrumentos, mais informações sobre como essas ferramentas podem ser inseridas dentro de um processo de orientação profissional, explicitando o modelo ou paradigma de intervenção que orientou a elaboração de cada instrumento.

2. Há necessidade, também, de uma normatização mais ampla dos instrumentos, hoje voltados prioritariamente a populações de estudantes de ensino médio e universitários. Além de normas mais abrangentes, faz-se necessário desenvolver instrumentos voltados a populações específicas (por exemplo, pessoas em reabilitação ou em situação de vulnerabilidade), que podem apresentar necessidades específicas a serem avaliadas (ou potenciais).

3. Dada a característica multidisciplinar da orientação de carreira, a exclusividade dos instrumentos submetidos ao SATEPSI (Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos) gera dificuldades a outros profissionais, uma vez que muitos instrumentos de uso exclusivo do psicólogo não são propriamente testes psicológicos. Este é um tema que precisa ser discutido no âmbito da Psicologia e da comunidade de orientadores profissionais.

2. Instrumentos de avaliação não considerados de uso exclusivo de psicólogos

O GT discutiu também o uso de outras ferramentas de avaliação que são empregadas na orientação profissional e que não estão caracterizadas como testes psicológicos junto ao CFP. É o caso de diversas técnicas qualitativas de avaliação e também de alguns instrumentos psicométricos que vêm sendo desenvolvidos com foco em pesquisa. Como ponto forte nesta área, destaca-se também o crescimento no número de ferramentas publicadas nos últimos anos. Estas incluem, além de descrições de diversas técnicas qualitativas de avaliação-intervenção, alguns instrumentos psicométricos que avaliam construtos como eficácia, decisão, exploração e interesses vocacionais. O GT apontou alguns aspectos, contudo, que devem ser considerados no futuro:

1. Há necessidade de estudos que investiguem a eficiência das técnicas qualitativas de um modo mais sistemático. Isso vai requerer, como no caso dos testes psicológicos, uma explicitação do modelo teórico de intervenção que subjaz ao uso da técnica, além de um maior rigor metodológico na avaliação dos seus efeitos.

2. Foi apontado também um descompasso entre a pesquisa acadêmica e a intervenção, no sentido de que parte da pesquisa e desenvolvimento de instrumentos não chega a se refletir em materiais que possam ser utilizados na prática da orientação.

3. É preciso, ainda, clarificar os diferentes níveis de intervenção em Orientação Profissional e de carreira e as diferentes necessidades de avaliação de cada um deles. Os orientadores intervêm com diferentes objetivos e em diferentes níveis de complexidade, sendo que cada situação pode exigir um tipo específico de avaliação (que pode ser caracterizada como psicológica ou não).

3. Adequação da avaliação no contexto da intervenção

Observou-se que a intervenção comumente realizada no Brasil utiliza-se sobremaneira de técnicas lúdicas muitas vezes desconectadas de modelos teóricos que as sustentem. Esta despreocupação com o que a técnica avalia e a ausência de modelos de avaliação de intervenção acarretam processos de orientação de carreira que muitas vezes não oferecem um serviço de qualidade ao usuário. Não se tem clareza do que os instrumentos ou técnicas estão avaliando e como se relacionam com as intervenções ou programas.

Neste sentido, o GT recomenda aos pesquisadores, bem como aos orientadores, que se desenvolva uma cultura de avaliação da intervenção e a preocupação em conhecer e dominar os modelos teóricos, que guiarão a seleção dos instrumentos e técnicas de avaliação e intervenção. Um modelo teórico sólido favorece a estruturação da intervenção o que, por sua vez, possibilita sua avaliação e, consequentemente, maior garantia de um serviço mais qualificado ao usuário.

4. A questão da avaliação na formação do orientador profissional

A formação em orientação profissional no Brasil é muito restrita e de qualidade muito variável. Poucos cursos de graduação em psicologia a oferecem, e são poucos também os cursos de formação e pós-graduação existentes. Em áreas afins, como a pedagogia, a presença da orientação profissional é ainda mais inexpressiva. Além disso, na maioria dos cursos que são oferecidos a ênfase recai mais sobre as técnicas de intervenção e menos no ensino dos modelos teóricos e das técnicas ou instrumentos de avaliação associados. Assim, muitos orientadores confundem a orientação com a avaliação em si, ou então orientam sem sequer pensar em avaliar os efeitos de suas intervenções. O GT sugere, portanto:

1. que a ABOP procure influenciar as instituições de ensino superior no sentido de se criar disciplinas específicas e cursos de pós-graduação na área, incentivando uma prática teórica e cientificamente fundamentada onde a preocupação com a avaliação (no sentido amplo) seja parte integrante da formação.

2. que pesquisadores e orientadores procurem aproximar os interesses da pesquisa e da prática profissional. De um lado, os centros de pesquisa devem esforçar-se para divulgar os resultados de pesquisas e, por outro, orientadores devem buscar, na literatura, os achados científicos que fundamentem suas intervenções, bem como realizar pesquisa através de sua prática, utilizando instrumental de avaliação disponibilizado na literatura. É preciso desenvolver nos orientadores a prática da busca da literatura científica contida em periódicos nacionais, como a Revista Brasileira de Orientação Profissional, além de revistas internacionais.

 

Síntese e considerações finais

A avaliação psicológica no campo da orientação profissional tem apresentado avanços nos últimos anos, especialmente com o aumento no número de instrumentos disponibilizados para a prática profissional e estudos relacionados à sua validade. No entanto, o crescimento do instrumental disponível não tem sido acompanhado de uma devida discussão a respeito dos modelos teóricos que dão sustentação às intervenções nas quais os instrumentos são empregados. O mesmo é válido para os instrumentos de avaliação qualitativos, ou técnicas de avaliação-intervenção. Portanto, é preciso avançar no sentido de contextualizar a avaliação dentro de uma lógica de intervenção e um entendimento teórico claro do que é a orientação profissional e dos seus objetivos.

Em termos da pesquisa na área, além de se ampliar o número de estudos de construção, adaptação e validação de instrumentos, há a necessidade de criação de instrumentos e modelos de intervenção para populações específicas, como em situação de vulnerabilidade, e outros grupos com características diferentes do público típico da orientação profissional no Brasil (adolescentes e universitários). Até onde se sabe já existem algumas iniciativas nesse sentido, mas elas devem vir associadas à avaliação da efetividade dessas intervenções. As pesquisas necessitam, ainda, incluir delineamentos longitudinais que permitam avaliar o desenvolvimento vocacional ao longo do tempo e também os efeitos temporais das intervenções.

Apesar da necessidade de avançar em diversos aspectos, as perspectivas para a avaliação em orientação profissional no Brasil são promissoras. Percebe-se um aumento da preocupação com a temática, como se pode verificar através das discussões deste grupo de trabalho. Além disso, está-se criando uma cultura de produção científica na área, cuja divulgação vem sendo feita em grande parte pela Revista Brasileira de Orientação Profissional. Espera-se que nos próximos anos a avaliação em orientação profissional no Brasil possa sofisticar-se cada vez mais e contribuir para demonstrar a importância social desse tipo de intervenção.

 

 

Sobre os autores
Marco Antônio Pereira Teixeira é Doutor em Psicologia (UFRGS), Professor Adjunto no Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, editor associado da Revista Brasileira de Orientação Profissional, bolsista de Produtividade em Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Maria Célia Pacheco Lassance é doutora em Psicologia, professora do Instituto de Psicologia da UFRGS, coordenadora do CAP-SOP (Centro de Avaliação Psicológica, Seleção e Orientação profissional/UFRGS) e membro da equipe técnica do NAE (Núcleo de Apoio ao Estudante/UFRGS).
Lucy Leal Melo-Silva é Professora Associada do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, editora da Revista Brasileira de Orientação Profissional, bolsista de Produtividade em Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
I Endereço para correspondência: Rua Ramiro Barcelos, 2600, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Psicologia, 90035-003, Porto Alegre-RS, Brasil. E-mail: mpteixeira@yahoo.com.br

 

 

Anexo A

O GT Avaliação Psicológica no domínio da Orientação Profissional e de Carreira foi realizado em 19 de julho de 2011, durante o I Fórum de Pesquisas em Orientação Profissional e de Carreira, no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Foi coordenado por Marco Antonio Pereira Teixeira, Maria Célia Pacheco Lassance e Lucy Leal Melo-Silva e contou com a presença dos seguintes participantes:

  • Adriana Rodriguez (Universidad de Costa Rica/Costa Rica);
  • Alix Rocca Ogihara (URCAMP/RS);
  • Cecília Pereira Santos (SP);
  • Cynthia Mara;
  • Elisabete Naoum (SP);
  • Gisele Gasparotto (SP);
  • Glaucia Pasqualin Batista (SP);
  • Guilherme Fouçatti (aluno aprimoramento/SP);
  • Joseane Freitas (mestranda Unicamp/SP);
  • Juliana Maria Cava (mestranda USP-RP/SP);
  • Karla Carneiro Correia (mestranda UNIFOR/CE);
  • Kathia Neiva (SP);
  • Leila Cambui Ribeiro (SP);
  • Liliane Ortolan (aluna aprimoramento USP/SP);
  • Lucy Leal Melo-Silva (USP-RP/SP);
  • Lucy Lilian Sposito (SP);
  • Luiza Alice de Lima Bezerra (SP);
  • Mara de Souza Leal (mestranda USP-RP/SP);
  • Maria Bernardete Zanusso (aluna graduação UFMS/MS);
  • Maria Célia Pacheco Lassance (UFRGS/RS);
  • Maria Eduarda Duarte (Universidade de Lisboa, Lisboa/Portugal);
  • Maria Socorro Batista Leite (aluna graduação Faculdade Ipirapuera/SP);
  • Marco Antônio Pereira Teixeira (UFRGS/RS);
  • Marina Cardoso de Oliveira (UFMS/MS / doutoranda USP-RP/SP);
  • Marlene Alves da Silva (doutoranda USF-Itatiba/SP);
  • Marúcia Bardagi (UFSC/SC);
  • Meire Luzia de Freitas (SP);
  • Milena Rindeika (aluna aprimoramento USP/SP);
  • Milena Shimada (doutoranda USP-RP/SP);
  • Nerielen Martins Neto Fracalozzi (mestranda USP-RP/SP);
  • Norma Coelho Rodrigues (GO);
  • Regiane Fava (SP);
  • Rosana Laura Martins Velloso (BA);
  • Rosane Schotgues Levenfus (RS);
  • Ruth Martins Coelho (Ibmec/MG);
  • Tânia Costa de Souza (BA);
  • Thaís Bruschi (PR).