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Revista Brasileira de Orientação Profissional

versão On-line ISSN 1984-7270

Rev. bras. orientac. prof vol.14 no.2 São Paulo dez. 2013

 

ARTIGO

 

Sucesso e fracasso na integração do estudante à universidade: um estudo comparativo

 

Success and failure in students' integration to the university: a comparative study

 

Éxito y fracaso en la integración del estudiante a la universidad

 

 

Mauro de Oliveira Magalhães

Universidade Federal da Bahia, Salvador-BA, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo qualitativo exploratório comparou experiências de sucesso e fracasso na integração de estudantes à universidade. A fim de selecionar os participantes, uma amostra de 334 estudantes matriculados no primeiro semestre de cursos de graduação de uma IES privada respondeu a medidas de integração social e acadêmica a universidade. Foram selecionados e entrevistados 12 estudantes, seis com escores indicativos de integração e seis com escores indicativos de não-integração à universidade. A análise de conteúdo temático-categorial dos depoimentos sugere que intenções de evasão dependem primariamente da frustração de expectativas sobre a vida universitária. A credibilidade institucional e a percepção de retorno do investimento financeiro se mostraram influentes no vínculo dos estudantes com a instituição. Diferenças individuais mostraram papel importante neste processo.

Palavras-chave: estudante universitário, evasão, ensino superior


ABSTRACT

This qualitative exploratory study compared experiences of success and failure of student's integration to higher education. In order to select participants, a sample of 334 students enrolled in the first semester of graduation from a private institution responded to measures of social and academic integration into the university. Were selected and interviewed 12 students, six had scores indicative of integration and six had scores indicative of non-integration into the university. The thematic-categorical content analysis of the reports revealed that attrition intentions are primarily a result of frustration of expectations about college life. The institutional credibility and perception of return on financial investment proved influential in students' connection to the institution. Individual differences played an important role in this process.

Keywords: college students, attrition, higher education


RESUMEN

Este estudio cualitativo-exploratorio comparó experiencias de éxitos y fracasos en la integración de estudiantes a la universidad. Una muestra de 334 estudiantes matriculados en el primer semestre de cursos de graduación de una IES privada respondió, para seleccionar a los participantes, a medidas de integración social y académica a la universidad. Se seleccionaron y entrevistaron 12 estudiantes, seis con calificaciones indicativas de integración y seis con calificaciones indicativas de no-integración a la universidad. El análisis de contenido temático-categorial de las declaraciones sugiere que las intenciones de evasión dependen, principalmente, de la frustración de expectativas sobre la vida universitaria. La credibilidad institucional y la apreciación del retorno de la inversión financiera se mostraron influyentes en el vínculo de los estudiantes con la institución. Las diferencias individuales mostraron un papel importante en este proceso.

Palabras clave: estudiante universitario, evasión, enseñanza superior


 

 

No Brasil, o ensino superior tem sido alvo de políticas e ações governamentais na direção da ampliação do acesso. Essa expansão tem sido acompanhada pelo crescimento dos índices de abandono ou trancamento de matrículas. De acordo com o Censo da Educação Superior (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), 2010), a evasão gira em torno dos 40%, considerando o ensino público e privado. Esse índice alcança os 70% quando se considera somente as instituições privadas e cai para 35% em relação às públicas. Apesar disto, são poucas as instituições que possuem um programa regular de combate à evasão (Silva Filho, Motejunas, Hipólito, & Lobo, 2007).

A expansão do ensino superior também resultou no contraste entre as características de universidades públicas, possuidoras de tradição e prestígio, e a proliferação de IES privadas que surgiram em resposta às oportunidades do mercado. As instituições públicas se caracterizam por maior dinamismo e complexidade, atuando nas áreas de ensino, pesquisa e extensão. No entanto, a grande maioria dos estudantes universitários do país encontra-se matriculada em instituições particulares (INEP, 2010).

O tema da evasão de curso tem sido investigado predominantemente em instituições públicas de ensino (Barlem et al., 2012; Lima, Silveira, & Ostermann, 2012; Sampaio, Sampaio, Melo, & Melo, 2011). A presente pesquisa é um estudo qualitativo sobre experiências de sucesso e fracasso na integração ao ensino superior em uma instituição privada. A comparação entre os depoimentos de estudantes que avaliam positivamente suas experiências acadêmicas e aqueles que se mostram majoritariamente insatisfeitos pode revelar aspectos ainda não identificados por estudos com foco exclusivo em experiências de estudantes insatisfeitos e/ou evadidos. Portanto, nesta pesquisa considera-se a experiência de sucesso como a percepção predominantemente positiva do estudante sobre sua integração acadêmica e social ao contexto da universidade, incluindo os sentimentos de satisfação com e o desejo de permanecer na instituição. Em contraste, percepções e experiências marcadamente negativas em relação a estes aspectos são consideradas reveladoras do fracasso do processo de transição para o ensino superior. A seguir serão apresentadas as características da transição para o ensino superior, os conceitos teóricos centrais sobre o tema e um breve panorama das pesquisas brasileiras.

 

O ingresso no ensino superior

Os desafios que o jovem enfrenta ao ingressar no ensino superior incluem temas acadêmicos, institucionais, de relacionamentos sociais, e do seu desenvolvimento psicossocial e vocacional. No domínio acadêmico/institucional, as exigências cognitivas, de organização e de compromisso com os estudos e com a própria aprendizagem serão mais elevadas. No âmbito social, será chamado a estabelecer relacionamentos interpessoais mais maduros com colegas e professores, e deverá adquirir novas competências e estratégias de tolerância às diferenças e de relações com autoridade. Em termos do seu desenvolvimento pessoal, um sentido de identidade mais cristalizado e um código de valores mais organizado serão necessários. Por fim, a autonomia, o comportamento de exploração de carreira, tomadas de decisão e comprometimento com metas serão atitudes e competências fundamentais para lidar com as tarefas do seu desenvolvimento psicossocial e vocacional (Almeida & Soares, 2003; Bardagi, Lassance, & Paradiso, 2003; Chickering & Reisser, 1993; Machado, Almeida, & Soares, 2002).

Diante dos desafios acima descritos, sabe-se que o primeiro ano da vida universitária é um período crítico para processos de permanência/evasão escolar (Almeida & Soares, 2003). Pachane (2003) destacou as expectativas equivocadas de ingressantes no ensino superior e a probabilidade de decepções no confronto com a realidade. Guerreiro-Casanova e Polydoro (2011) observaram a redução da força de crenças de auto-eficácia relacionadas a diversos aspectos da adaptação à vida universitária em estudantes no decorrer do primeiro ano da graduação. As autoras relataram que a maior parte dos participantes de sua amostra percebeu-se menos capaz para planejar, organizar e executar ações direcionadas às suas metas educacionais após um intervalo de seis meses no decorrer do primeiro ano de graduação. Este dado foi interpretado como resultante da constatação pelos estudantes da maior complexidade e exigência das tarefas acadêmicas no ensino superior, que demandam maior capacidade de tomada de decisões e de auto-regulação comportamental. Neste sentido, as crenças de auto-eficácia também se enfraqueceram no que se refere às competências de esforço e motivação acadêmicas. Por fim, sobre as competências de interação social, as experiências universitárias do período também impactaram negativamente. A maior parte dos estudantes informou diminuição da autoconfiança em capacidades de relacionamento com colegas e professores para fins acadêmicos e sociais. As autoras concluíram que os níveis elevados de auto-eficácia obtidos no início do período estão associados com a experiência de sucesso no ingresso ao ensino superior e por expectativas pouco realistas sobre o próprio desempenho.

 

Preditores da evasão no ensino superior: integração social e acadêmica

No âmbito internacional, a interação entre as características do estudante e da universidade foi o ponto de partida para a construção de teorias explicativas dos fenômenos de persistência ou evasão no ensino superior. O modelo de Vincent Tinto é claramente o mais estudado, revisado e criticado na literatura, sendo que mais de 700 pesquisas o citaram (Braxton & Hirschy, 2005; Gilardi & Guglielmetti, 2011). O autor postula que o sentimento de pertencer e de ser membro de uma comunidade é o componente essencial das decisões dos estudantes em relação ao seu investimento e permanência na universidade. Estudantes decidem persistir quando percebem congruência intelectual, social e normativa com a qualidade acadêmica, as regras sociais e os valores da comunidade universitária (Tinto, 1993, 2003, 2005).

Os conceitos centrais do modelo são a integração acadêmica e social à instituição. Os indivíduos entram na universidade com uma variedade de atributos e características (sexo, etnia, habilidades específicas), experiências pré-universitárias (desempenho acadêmico anterior, talentos acadêmico e social) e background familiar (atributos de status social, renda, valores e expectativas). Estes antecedentes influenciam no desenvolvimento de expectativas e comprometimentos educacionais que o indivíduo traz para o ambiente universitário, que podem ser divididos em comprometimento com metas educacionais, mais especificamente a meta de graduação universitária, e comprometimento com a instituição particular em que se matriculou. Estes comprometimentos são afetados majoritariamente e continuamente pelo grau de integração acadêmica e social do estudante no ambiente universitário. Portanto, o processo de evasão deve ser visto como longitudinal, de interação entre o indivíduo e os sistemas acadêmico e social na instituição. Durante esta interação, as experiências do estudante modificam seus comprometimentos iniciais com a instituição e com o objetivo de graduar-se, de forma a levá-lo a permanecer ou optar por evadir (Tinto, 1993, 2003, 2005).

Tinto (1993) sugeriu que a integração acadêmica pode ser medida através do desempenho na forma de notas e em termos do desenvolvimento intelectual vivenciado durante os anos da universidade. O primeiro aspecto está relacionado aos padrões explícitos do sistema acadêmico, já o segundo diz respeito à identificação e avaliação do indivíduo em relação aos valores deste sistema. As notas são uma recompensa explícita e extrínseca para o indivíduo. O desenvolvimento intelectual representa uma forma mais intrínseca de recompensa, sendo um aspecto integrado ao desenvolvimento pessoal e acadêmico do estudante. Neste sentido, é importante fazer a distinção entre os estudantes que fracassam nos estudos e aqueles que voluntariamente deixam a universidade. Tinto (1993) argumentou contra o pressuposto que a saída da universidade reflete alguma deficiência ou fragilidade no indivíduo. O autor entende que o estudante pode revelar comportamentos e desempenhos excelentes e ainda assim decidir evadir por razões outras que limitações pessoais.

A integração social refere-se à percepção do estudante sobre o grau de sua congruência pessoal com as atitudes, valores, crenças e normas da comunidade universitária, bem como ao seu grau de afiliação social. Esta integração pode ocorrer em diferentes níveis, tais como a subcultura de um curso particular ou a universidade como um todo. Acredita-se que o grau percebido de integração social modifique o comprometimento inicial do estudante com a instituição (Tinto, 1993, 2003, 2005).

A integração do estudante no meio social da universidade ocorre através da convivência no grupo de pares, em atividades extracurriculares e nas interações com o corpo docente. O sucesso e gratificação em cada uma destas atividades influem na avaliação geral do indivíduo sobre os custos e benefícios de estar na universidade, modificando a sua experiência educativa e o seu comprometimento institucional. Em contraste, os estudantes que evadem percebem a si próprios como tendo menos interações sociais do que os demais. Neste sentido, dificuldades no relacionamento interpessoal e percepções de apoio social insuficiente têm sido apontadas como antecedentes de evasão (Bardagi & Hutz, 2012).

 

Pesquisas brasileiras sobre evasão universitária

Assim como no cenário internacional, as pesquisas brasileiras indicam que a evasão tende a ocorrer nos primeiros anos do curso (Magalhães & Redivo, 1998; Oliveira et al., 2004; Veloso & Almeida, 2001). Dentre os motivos apontados para evasão, observa-se: (a) desconhecimento do curso e escolhas profissionais inadequadas; (b) problemas de desempenho e reprovações; (c) falta de apoio familiar à escolha; (d) frustração de expectativas; (e) descontentamento com normas institucionais; (f) dificuldade para conciliar trabalho e estudo; (g) dificuldades financeiras; (h) dificuldades no relacionamento com professores e colegas, entre outros menos citados (Machado, Melo Filho, & Pinto, 2005; Moura & Menezes, 2004; Oliveira et al., 2004; Veloso & Almeida, 2001).

Os estudantes evadidos entrevistados por Bardagi e Hutz (2012) destacaram as dificuldades de interação e a pouca identificação de valores e interesses com o grupo de pares como razões importantes para o desengajamento e a evasão. Por outro lado, alguns participantes desse estudo qualitativo declararam que os vínculos de amizade estabelecidos postergaram a evasão. Os autores observaram uma conexão entre integração social e identificação com o curso, uma relação já apontada por modelos consagrados da psicologia vocacional (por exemplo, Holland, 1997). O sentimento de pertencer a uma comunidade acadêmica específica, compartilhando valores e interesses, é uma experiência necessária à consolidação da escolha profissional, pois reforça as percepções de autoconceito vocacional compatíveis com a opção realizada (Bardagi & Hutz, 2012, Holland, 1997). Estudantes que se percebem alienados do seu grupo de pares no ambiente universitário tendem a concluir que fizeram uma escolha equivocada. Kienen e Botomé (2003) observaram que as dificuldades de interação com colegas costumam ser descritas como a predominância do individualismo, falta de cooperação e solidariedade, e até mesmo a ocorrência de rivalidade.

Ainda, no estudo de Bardagi e Hutz (2012), observou-se a importância das relações com os professores. Os estudantes evadidos relataram decepção com o tipo de vínculo estabelecido com os professores, considerado mais distante e formal, e oferecendo pouca interação social. Estes alunos tinham a expectativa de manutenção dos vínculos de proximidade e proteção vivenciados no ensino médio. Os autores consideraram que as demandas institucionais por maior independência e autonomia possam ter sido interpretadas por seus entrevistados como um distanciamento geral da universidade em relação ao aluno. Neste sentido, é possível que alguns estudantes ingressem no ensino superior mantendo a expectativa de um tratamento paternalista, à maneira do que costumavam receber no ensino médio.

Nas comparações realizadas por Soares, Poubel e Mello (2009), alunos de instituições públicas apresentaram maior adaptação acadêmica ao ensino superior e maior autoconfiança em suas competências cognitivas do que alunos de instituições privadas. Os autores consideraram que o processo seletivo para instituições públicas requer maior disciplina nos estudos em comparação à seleção para ingresso em instituições particulares; e que os estudantes aprovados sentem orgulho por seu sucesso. Sarriera, Paradiso, Schütz e Howes (2012) concluíram que as especificidades das características de cada instituição e dos seus estudantes resultam em contextos e experiências peculiares de integração discente a cada IES.

A presente investigação examinou a experiência de estudantes de uma IES privada, com objetivo de explorar a perspectiva subjetiva dos estudantes sobre os fatores que contribuíram para sua maior ou menor integração acadêmica e social à instituição, comparando experiências de integração e de não-integração ao ensino superior neste contexto, e examinando suas relações com intenção de evasão do curso escolhido.

 

Método

Este estudo faz parte de um programa amplo de pesquisa sobre experiências universitárias e processos de permanência/evasão no ensino superior. Os participantes foram selecionados entre 334 estudantes de uma IES particular da região sul do Brasil. Esta amostra foi composta de 214 mulheres e 120 homens, com idades entre 17 e 31 anos (M = 23,12; DP = 4,41), matriculados nos semestres do primeiro ano de diversos cursos de graduação, contemplando as diversas áreas de formação acadêmica.

Foram selecionados 12 participantes da referida amostra. O critério de seleção foi o grau de integração à IES de acordo com os escores apresentados em medidas de integração social (integração com colegas e integração com professores.) e acadêmica (satisfação com desempenho e satisfação com o curso) ao sistema universitário. Foram selecionados seis estudantes (três homens e três mulheres) com escores situados no quartil superior e seis estudantes (três homens e três mulheres) situados no quartil inferior dos escores das citadas medidas de integração social e acadêmica. Este critério foi utilizado para categorizar estudantes considerados integrados e não-integrados à universidade. Esta seleção também considerou os seguintes critérios de homogeneidade dos participantes: idades entre 18 e 22 anos, primeiro ingresso no ensino superior, sem vínculos de trabalho, e com carga horária mínima de 16 horas semanais de matrícula em disciplinas acadêmicas. Esses critérios foram adotados a fim de caracterizar a amostra como sendo de estudantes considerados tradicionais (Gilardi & Guglielmetti, 2011) e permitir maior possibilidade de consistência interna e generalização dos resultados a amostras similares. Além disto, nenhum dos entrevistados participou de programas de ações afirmativas para ingresso no ensino superior e não eram beneficiários de bolsas ou auxílios governamentais para custeio dos seus estudos. A Tabela 1 informa os dados demográficos e acadêmicos de cada participante. Os participantes categorizados como não-integrados foram numerados de P1 a P6 e os categorizados como integrados de P7 a P12. No momento da coleta de dados da presente pesquisa os participantes cursavam as semanas finais do primeiro semestre dos seus respectivos cursos.

 

 

Instrumentos

As medidas psicométricas utilizadas foram de autorrelato no formato Likert de cinco pontos (concordo plenamente = 1; discordo totalmente=5) e construídas com o objetivo de verificar as percepções dos participantes quanto aos diversos aspectos da sua experiência universitária. As medidas de integração à universidade utilizadas para selecionar os participantes foram desenvolvidas como parte de um estudo mais amplo sobre as experiências de integração ao ensino superior. A validade de construto foi verificada por meio de análise fatorial, onde somente itens com cargas fatoriais maiores do que 0,4 foram retidos e itens com saturação acima de 0,30 em mais de um fator foram eliminados. Estas medidas apresentaram índices de consistência interna entre 0,70 e 0,89 na amostra estudada. A medida de integração social com colegas foi constituída por 5 itens (Ex.: "Tenho sentido dificuldades para fazer amigos nesta universidade"), a medida de integração social com professores por 5 itens (Ex.: "O relacionamento com professores tem contribuído para o meu desenvolvimento profissional"), a satisfação com desempenho foi representada por 6 itens (Ex.: "Eu tenho um desempenho acadêmico tão bom quanto eu esperava"), e a satisfação com o curso por 7 itens (Ex.: "Eu estou satisfeito com o que venho aprendendo no curso"). Após o preenchimento do instrumento, os participantes foram questionados sobre a disponibilidade para participar de uma etapa posterior da pesquisa. Os estudantes disponíveis informaram e-mail e/ou telefone para contato.

O roteiro de entrevista semi-estruturado abordou fatores apontados pela literatura como relevantes para a compreensão de processos de satisfação e evasão-permanência no ensino superior, tais como: comprometimento com a meta de graduação superior, certeza de escolha profissional, comprometimento institucional (atitudes em relação à instituição), integração acadêmica (satisfação com a aprendizagem, com o desempenho e com o curso em geral), integração social (relacionamento com colegas e professores) e intenção de evasão.

Coleta de dados

As entrevistas foram agendadas através de contato por e-mail e/ou telefone e realizadas nas dependências da universidade em sala privativa adequada a este procedimento. Foram atendidas as determinações éticas da resolução 196 do Conselho Nacional de Saúde (CNS) sobre a pesquisa com seres humanos. As entrevistas tiveram uma duração entre 60 e 90 minutos, foram gravadas e transcritas.

Análise dos dados

Este estudo se caracteriza como qualitativo exploratório. Os depoimentos foram analisados pelo método de análise de conteúdo temático-categorial de Bardin (1979). A análise de conteúdo é um conjunto de técnicas de análise de comunicações que utiliza procedimentos sistemáticos de descrição e análise dos conteúdos das mensagens. As etapas da análise realizada, sinteticamente, foram (a) leitura completa e flutuante dos depoimentos; (b) definição de hipóteses provisórias sobre os conteúdos apresentados; (c) recorte de unidades de sentido (excertos dos depoimentos que manifestam o significado de determinada experiência para o entrevistado); (d) definição dos temas associados a cada unidade de sentido, onde cada tema foi composto por um conjunto de unidades de sentido; (e) análise temática quantitativa de modo a examinar a prevalência de determinados temas nos depoimentos; e (f) definição das categorias temáticas de análise através do agrupamento dos temas segundo critérios teóricos e empíricos

 

Resultados

A análise dos depoimentos possibilitou a identificação de categorias temáticas das experiências relacionadas ao ingresso, satisfação e intenções persistência-evasão escolar dos entrevistados. Essas categorias são recortes de uma experiência mais complexa e, portanto, são temáticas entrelaçadas que possuem conexões entre seus significados, que serão exploradas na discussão.

Uma escolha por conveniência

Sobre os motivos da escolha da universidade, os depoimentos de estudantes integrados e não-integrados convergem para citar os seguintes critérios pragmáticos: proximidade da residência familiar, facilidade de ingresso, custos financeiros, e o oferecimento de determinados cursos. Os seguintes excertos exemplificam as declarações dos estudantes: "a universidade fica perto de casa (P7)"; "o curso tinha um bom desconto e resolvi fazer para não ficar parado (P6)"; "porque o meu curso só tem em outras universidades mais distantes (P10)"; "aqui a concorrência (no vestibular) é menor... (P4)".

Integração social: ensino superior versus ensino médio

Estudantes integrados e não-integrados diferenciaram-se quanto às suas experiências sobre a quantidade e qualidade dos relacionamentos sociais com colegas e professores. Os primeiros informaram que tanto o ambiente social discente quanto as relações com docentes e demais membros da comunidade universitária corresponderam às expectativas prévias, e destacaram a qualidade diferenciada do ambiente universitário em comparação ao ensino médio. Alguns excertos são ilustrativos: "minha expectativa se confirmou... ambiente de pessoas mais maduras, diferente dos colégios (P9)"; "estou adorando a universidade, tenho muitas amizades interessantes, com pessoas diferentes (P10)"; "aqui já não sou tratado como criança, bem melhor! (P7)". Em contraste, entre os estudantes não-integrados, as experiências de decepção predominaram e salientaram sentimentos de isolamento social e de frustração das expectativas de encontrar um contexto social e acadêmico diferenciado e/ou acolhedor: "eu esperava mais espírito de grupo, mais amizade (P5)"; "me desapontei um pouco... achei muita competição, cada um por si (P2)"; "parece que ainda não saí do ensino médio... achei tudo muito infantil (P1); as posturas dos alunos e dos professores têm o mesmo estilo do colégio... (P6)".

A experiência de aprendizagem: conteúdo e complexidade

Estudantes integrados e não-integrados descreveram qualidades distintas de experiência acadêmica relacionadas à aprendizagem em sala de aula. Os primeiros informaram satisfação com as aulas e o curso. A satisfação com as aulas se mostrou primariamente relacionada ao interesse pelo conteúdo das mesmas e, secundariamente, à capacidade didática dos professores. Entre os estudantes classificados como não-integrados, dois informaram decepção com o grau de exigência e/ou complexidade das tarefas acadêmicas, em declarações como: "Eu esperava aulas mais estimulantes... acho tudo muito superficial (P1)"; "tem aulas que parece que ainda estou no ensino médio, tipo 'decoreba'... esperava mais aprofundamento, algo diferente (P6)". Este tipo de queixa também foi manifesto por um dos estudantes considerados integrados: "Eu gosto das aulas, mas pensei que os professores fossem mais exigentes... no sentido positivo (P12)". Dois estudantes do grupo não-integrado declararam não gostar do conteúdo das aulas e informaram desmotivação para estudar (P4, P5). O participante P3 referiu que "nunca fui muito de estudar, não gosto deste blá-blá-blá... prefiro colocar a mão na massa, mas dá para ir levando...". E o entrevistado P2 declarou que "até gosto dos assuntos das aulas, o que me incomoda é o jeito dos professores, se atrasam e não estão nem aí... eles se acham!". Dificuldades de desempenho acadêmico foram explicitadas pela estudante P4, que também declarou dificuldades de acesso aos professores: "eu me sinto perdida e nem sei o que dizer... é tudo muito rápido, quem pegou, pegou".

Certeza da escolha profissional

Os não-integrados citaram a indecisão quanto à carreira escolhida como uma preocupação recorrente, por exemplo: "todo dia me pergunto se é isto que eu quero... (P1)"; "tenho sérias dúvidas se vou me adaptar a este curso, tenho a sensação de que este não é o meu lugar (P2)". Estas dúvidas não são manifestas pelos entrevistados categorizados como integrados. Estes últimos declaram estarem em geral satisfeitos, embora tenham alguns descontentamentos, por exemplo: "às vezes fico em dúvida porque sinto falta de ter uma visão da prática... mas acredito que isto vem com o tempo (P12)"; "os professores faltam e se atrasam muito... mas quando assisto às aulas tenho a certeza que é isso que eu quero (P9)". Todos os entrevistados da categoria 'integrados' informaram terem certeza quer irão realizar matrícula no próximo semestre.

Projetos de carreira: a importância relativa da graduação universitária

Em todos os depoimentos, a meta de graduação universitária foi referida como importante para os projetos de vida/carreira. No entanto, entre os estudantes integrados houve referência a planos futuros de pós-graduação (mestrado, doutorado) (P7, P10, P11), o que não ocorreu no grupo definido como não-integrado. Entre estes, houve referência a metas para um futuro mais imediato, tais como "abrir um negócio próprio assim que possível (P5)", e a valorização da graduação universitária em termos de um título que aumenta a empregabilidade em declarações como "quero abrir uma empresa, ganhar bastante dinheiro, mas sem diploma não dá (P3)".

Comprometimento com a instituição

A possibilidade de procurar outra universidade foi considerada pelos estudantes não-integrados. Entre esses, somente um disse o contrário, pois valorizava a facilidade de transporte e proximidade da IES em relação a sua residência (P6). Entre os integrados, apenas um entrevistado cogitou esta mudança: "...trocaria só se for para ir para a minha cidade, por causa da distância" (P8). A insatisfação com o valor das mensalidades foi uma queixa recorrente nos depoimentos. Por outro lado, todos mencionaram o apoio da família em relação ao pagamento das mensalidades. No entanto, entre os integrados observou-se que esse pagamento é mais aceito, sendo considerado um investimento necessário. Entre os não-integrados, as queixas e dificuldades mostraram-se mais acentuadas: "...é difícil, tipo um sacrifício... é meu pai que paga" (P4); "...mas é um exagero, muito caro (P1)".

O desejo de permanecer ou mudar para outra IES foi associado a percepções sobre os custos financeiros e outros custos relacionados à distância entre as IES e a residência dos estudantes. De modo geral observou-se a fragilidade do vínculo com a instituição. Além disto, o vínculo com a instituição se mostrou influenciado pela credibilidade institucional, um tema que constituiu uma categoria temática específica, dada a sua relevância para a amostra investigada e para os objetivos do estudo.

Credibilidade institucional: universidade pública versus privada

Esta categoria temática foi constituída a partir da recorrência da problematização da credibilidade das IES do setor privado. Entre os não-integrados, foi marcante a presença de crenças sobre relações entre o nome da universidade e a aceitação pelo mercado de trabalho, sendo que acreditam que universidades privadas e, no caso específico, sem uma tradição consolidada por décadas de existência, tendem a ter pouco prestígio e menor aceitação por empregadores. Estudantes integrados se mostraram mais otimistas, em declarações como: "depende do profissional que o estudante se tornar" (P8); "não tem relação! que importa é a pessoa como profissional (P9)"; "isso não depende da faculdade e sim do aluno (P11)". Portanto, apostam que a competência profissional é o determinante da empregabilidade, e defendem que esta depende de fatores individuais.

Entretanto, a maioria dos entrevistados, integrados e não-integrados, referiu que o fato de estarem matriculados numa universidade privada e relativamente jovem pode trazer desvantagens em comparação à universidade pública em termos de conferir prestígio ou credibilidade profissional. O grau de insegurança quanto a este aspecto pode ser observado nos excertos a seguir: "apesar de uma universidade ser boa, o fato de ser fácil de entrar e custar caro faz muita gente pensar que os profissionais são mal preparados, que tipo 'compram os diplomas' (P8)"; "o nome da universidade tem peso... os alunos da universidade pública têm uma imagem melhor (P4)"; "a possibilidade de me formar por esta universidade me deixa muito insegura (P5)".

Intenção de permanência

Sobre intenções de permanência-evasão, a diferenciação entre os depoimentos foi evidente. Para a totalidade dos integrados parece não haver dúvidas quanto à matrícula no próximo semestre, e também quanto à certeza de terminar o curso na universidade: "100% de certeza, vou terminar aqui (P10)". Entre os não-integrados, somente um estudante acredita que irá terminar o curso na presente IES (P3). Os demais estudantes demonstraram menor grau de certeza e admitiram a possibilidade de procurar outras IES: "vou tentar me matricular no próximo semestre (P6)"; "não sei, por enquanto tenho a intenção de me matricular no próximo semestre (P2)"; "posso até decidir fazer outro vestibular em outra universidade (P1)".

 

Discussão

A análise dos resultados possibilitou descrever e contrastar experiências relacionadas à maior ou menor integração ao sistema universitário, destacando temáticas centrais para o entendimento destes processos e de intenções de permanência ou evasão. Entre estas temáticas, as experiências acadêmicas e sociais mostraram impacto na certeza da escolha profissional e na consequente intenção de abandonar o curso.

Os resultados, tal como esperado, evidenciaram que a integração social é um fator importante para a satisfação e a permanência no curso escolhido. Percebe-se que os entrevistados nutriam expectativas importantes quanto à vida social que estabeleceriam na universidade. Estudantes integrados referiram ter suas expectativas confirmadas quanto a um ambiente interpessoal amigável e, principalmente, estimulante intelectualmente em relação aos temas acadêmicos de interesse. Por outro lado, os estudantes não-integrados mostraram desapontamento. Essa decepção mostrou aspectos diferenciados na dependência das expectativas de cada estudante. Alguns enfatizaram seu desconforto com a falta de um ambiente socialmente acolhedor e gregário (P2, P5); outros informaram desapontamento em termos da maturidade e qualidade intelectual esperada dos relacionamentos com professores e colegas (P1, P6). Esse descontentamento também foi relatado no que tange as características da estratégia didática e postura geral dos professores, que foram consideradas similares ao ensino médio (P1, P6). A dificuldade de fazer amizades sugere estar associada à incompatibilidade com os valores percebidos em professores e colegas (individualismo, competição) (P2, P4, P5), e a percepção de imaturidade das relações (P1, P6).

Observa-se a preocupação dos estudantes em vivenciar uma realidade diferenciada do ensino médio, principalmente em termos da qualidade dos relacionamentos e do grau de exigência acadêmica. Revela-se uma expectativa geral de mudança de status de "não ser mais tratado como criança". Para estudantes não-integrados esta mudança não ocorreu satisfatoriamente. Nos integrados, houve a percepção de uma nova etapa de vida (P7, P9, P10).

Estes resultados corroboram os achados de Bardagi e Hutz (2012) no que se refere às relações entre estudantes e professores. Os autores observaram a decepção de estudantes evadidos com o comportamento mais distante e formal dos professores, a diferença do ensino médio. Na presente pesquisa, além desse aspecto (referido por P2 e P4), também houve o relato de experiências de insatisfação associadas a uma postura docente percebida como excessivamente paternalista ou considerada pelos entrevistados como típica do ensino médio (P1, P6). Este contraste sugere que diferenças individuais em termos do desejo por autonomia e da aceitação da responsabilidade pela própria formação profissional influenciam a satisfação com o comportamento docente. Sugere-se que estudantes ávidos por serem tratados como adultos e por assumirem atribuições de responsabilidade pertinentes a este status tendem a se mostrar desconforto com um estilo docente paternalista.

Os depoimentos mostraram relações entre integração social e identificação com o curso, já evidenciada em estudos anteriores (eg., Bardagi & Hutz, 2012). Nos casos de insatisfação com o relacionamento social (infantilidade em P1 e P6; individualismo e competição em P2, P4 e P5), dúvidas foram geradas quanto à escolha profissional. Nos casos de integração social satisfatória, observa-se o reforço da percepção de escolha adequada (P7, P9, P10).

O modelo da escolha profissional de Holland (1997) salienta que as pessoas procuram ambientes onde encontrem pessoas com valores e interesses similares aos seus; e, quando esta similaridade não é percebida, tendem a vivenciar insatisfação e a evadir. Em um período do desenvolvimento humano onde os relacionamentos com pares exercem uma influência importante sobre o senso da própria identidade, o sentimento de alienação social tem impacto importante sobre decisões e percepções do jovem relativas a ter encontrado ou não o seu lugar na sociedade.

Entre os não-integrados observaram-se variações no grau de interesse pelo conteúdo das aulas. Em alguns casos, embora o conteúdo seja valorizado, os estudantes informaram insatisfação com o tratamento didático dado a estes temas, considerado de baixa complexidade (P1, P6), ou excessivamente teórico (P3). Em outros, destaca-se a decepção ou o desinteresse em relação aos temas abordados (P3, P4, P5); e no caso de uma entrevistada (P4), acrescenta-se a dificuldade manifestada em relação ao desempenho acadêmico. A importância da avaliação que o estudante faz sobre a qualidade e o tratamento didático dos temas acadêmicos não foi destacada em estudos anteriores. Na presente pesquisa este aspecto se mostrou relevante para a satisfação com a vida universitária, com impacto sobre intenções de permanência no curso. A crítica aos professores surgiu mesmo entre estudantes classificados como integrados, com mais força em P9 e P12. Este pode ser um aspecto especialmente relevante para estudantes que pagam seus estudos e, portanto, demandam o retorno deste investimento. Nestes casos, destaca-se que não somente a satisfação com o conteúdo em si, mas também a insatisfação com o grau de complexidade em que esses são tratados e com as estratégias do trabalho docente são aspectos que se combinam para resultar em uma avaliação geral da experiência acadêmica em sala de aula. Observa-se que, tal como destacado por Tinto (1993), o desenvolvimento intelectual é uma recompensa intrínseca valorizada por muitos estudantes. Este aspecto acaba por ter impacto na certeza de escolha profissional e em intenções de evasão, sendo importante distinguir estudantes que fracassam nos estudos daqueles que evadem devido à insatisfação com sua experiência acadêmica. Neste sentido, na amostra investigada por Sampaio et al. (2011), a evasão foi observada em estudantes com melhor rendimento acadêmico.

Entre os estudantes integrados, alguns citaram planos de pós-graduação (P7, P10, P11), o que é indicador de suas inclinações pessoais ao estudo acadêmico aprofundado. Este tipo de interesse vocacional converge com a valorização de períodos longos de escolarização (Holland, 1997), e favorece o investimento no estudo teórico típico dos primeiros semestres das graduações universitárias. Por outro lado, muitos jovens (P3, P5) não compartilham deste elevado investimento no papel de estudante, e se não percebem alternativas adequadas aos seus planos de carreira, tornam-se inclinados a evasão. Os depoimentos de P3 e P5 evidenciaram que a graduação superior não lhes é intrinsecamente recompensadora, mas uma credencial útil para seus planos de terem "um negócio próprio". Ambos são estudantes de administração, uma escolha profissional que tem sido associada a motivações como buscar maiores chances de emprego, ter uma formação generalista, segurança na carreira e pouca exigência acadêmica, além de ser a opção mais frequente quando o vestibulando vivencia dificuldades de escolha (Silva & Machado, 2007). O participante P3 revela que a graduação superior é algo desejável como meio para atingir suas ambições de carreira (altos ganhos financeiros e um negócio próprio), apresentando certa indiferença ou mesmo aversão ao ambiente acadêmico. Este entrevistado revela valores mais empreendedores (Holland, 1997), rejeitando o que considera ser um excesso de teoria ou, nas suas palavras, o "blá-blá-blá" das aulas. As características de interesses e valores destes estudantes (P3, P5) sugerem que cursos tecnológicos, de menor duração, com ênfase em competências empreendedoras, sejam opções mais adequadas. A necessidade de orientar jovens para escolhas educacionais adequadas as suas características pessoais e metas de carreira se evidencia com força nestes casos. Novas políticas e sistemas de ensino superior têm sido propostos no âmbito nacional e internacional a fim de oferecer alternativas de formação profissional que contemplem a diversidade dos jovens que acedem as IES (Ministry of Science, Technology and Innovation, 2005; Universidade Federal da Bahia, 2007). Neste sentido, é fundamental que estas novas visões das relações entre educação e trabalho sejam divulgadas e assimiladas em nossa sociedade; pois muitos jovens ainda se mostram imobilizados por crenças de que somente a graduação superior tradicional é válida e pertinente aos seus projetos de vida/carreira.

A categoria temática credibilidade institucional revelou que a maior parte dos entrevistados valoriza sentir-se pertencente a uma IES com prestígio e que confira status aos seus estudantes. Observa-se que a condição de IES privada e a cobrança de mensalidades elevadas fragilizam o vínculo estudante-universidade. Os achados de Soares et al. (2009) sugerem que estudantes de IES privadas se sintam inferiorizados por terem alcançado aprovação em instituição com acesso menos concorrido, e ponham em dúvida sua competência acadêmica. Neste sentido, os motivos que levaram a maioria dos entrevistados à escolha dessa universidade foram associados a critérios de conveniência, como a proximidade da residência familiar e a facilidade do exame vestibular. Sobre estes aspectos, Bean (Bean, 1980; Bean & Eaton, 2002) mencionou o construto lealdade institucional como um preditor importante de intenções de evasão. Este construto refere-se à importância que o indivíduo atribui a graduar-se em uma instituição e não em outra, incluindo a sua sensação de pertencer e identificar-se com os valores e práticas institucionais. De modo geral, esta lealdade institucional não se mostrou elevada nos depoimentos de ambos os grupos de participantes.

Por outro lado, é importante apontar para a postura mais autoconfiante e autônoma dos estudantes considerados integrados, pois defenderam que a qualificação e o sucesso profissional dependem primariamente do próprio estudante. Embora alguns também tenham apresentado críticas as práticas docentes e dúvidas quanto à reputação da IES, prevaleceu a crença que o comprometimento do indivíduo com a própria formação supera estas limitações. Os não-integrados se mostraram mais inseguros em relação à credibilidade da sua formação em uma IES privada, enfatizando um possível impacto negativo em suas carreiras. Neste sentido, o influente modelo de J. Bean sobre evasão no ensino superior (Bean, 1980; Bean & Eaton, 2002) e pesquisas posteriores (eg., Albiero-Walton, 2003; Guerreiro-Casanova & Polydoro, 2011) destacaram que características individuais como lócus de controle interno e crenças positivas de auto-eficácia são precursores importantes de integração ao ambiente universitário. Sobre estes aspectos, disposições pessoais desfavoráveis foram observadas nos depoimentos de entrevistados não-integrados (P4, P5). Portanto, a literatura sugere que as atitudes e crenças negativas em relação às próprias capacidades acadêmicas possam ter prejudicado o desempenho destes estudantes, fragilizando sentimentos de pertencimento a comunidade universitária, que por sua vez, em uma interação circular, diminuem a autoconfiança e enfraquecem o vínculo com a escolha do curso (Albiero-Walton, 2003; Bean & Eaton, 2002; Guerreiro-Casanova & Polydoro, 2011).

Por fim, é importante salientar que as queixas sobre o valor das mensalidades foram mais acentuadas nos estudantes classificados como não-integrados. As citadas características de autoconfiança e lócus de controle provavelmente são influenciadas pela condição socioeconômica dos indivíduos, uma vez que não são disposições individuais livres de contexto. Adolescentes oriundos de condições socioeconômicas desfavoráveis tendem a apresentar crenças de eficácia e controle mais frágeis em relação a temas de educação e trabalho (Pajares & Urdan, 2006). Deste modo, condições de renda podem ter participação importante e desfavorável na experiência universitária de estudantes, tal como referido por estudos anteriores (Ribeiro, 2005; Sampaio et al., 2011).

 

Considerações finais

A análise dos depoimentos identificou as diversas categorias de causas de evasão de curso já citados na literatura, a saber: dificuldades acadêmicas e de integração social, percepção de indiferença de colegas e professores, e decepção com o curso escolhido. Além disto, houve casos em que a intenção de abandono foi associada com uma decepção com os programas e estratégias de ensino e a conseqüente percepção de retorno insuficiente do investimento financeiro realizado, pois não é identificada a compensação idealizada em termos de crescimento intelectual e preparação para o mercado de trabalho. Estes últimos aspectos sugerem ser particularmente relevantes no contexto da relação entre estudantes que pagam seus estudos e IES privadas. Estes estudantes, comparativamente a estudantes de IES públicas, podem ter expectativas mais elevadas e/ou serem mais propensos a decepções em relação ao comprometimento do corpo docente e a qualidade dos relacionamentos e recursos associados aos processos de formação. Esta é uma possibilidade a ser corroborada em estudos posteriores.

A análise dos depoimentos permitiu perceber que a transição para a universidade será marcada pelos recursos adaptativos disponíveis e característicos de cada indivíduo, tais como suas crenças de auto-eficácia acadêmica e social. Estes fatores sugerem serem mediadores importantes do impacto que os novos desafios têm sobre suas atitudes em relação à instituição e a sua própria escolha profissional. No entanto, precisam ser contextualizados socioeconomicamente, uma vez que, em estudos anteriores, o fator renda mostrou influência importante neste processo; por exemplo, em termos do acesso a educação de qualidade, da compatibilidade cultural e da vulnerabilidade ao estresse (Ribeiro, 2005; Sampaio et al., 2011). Sugere-se que pesquisas futuras investiguem relações entre variáveis socioeconômicas, características disposicionais (crenças de auto-eficácia e lócus de controle) e atitudes dos estudantes em relação a graduação superior, e suas intenções de permanência-evasão.

Conclui-se que a compreensão das experiências de sucesso e fracasso na integração ao ensino superior requeira a contextualização de fatores pessoais e institucionais em suas inserções sociais, culturais e econômicas. Assim como apontaram Sarriera et al. (2012), as especificidades das características de cada instituição e dos seus estudantes resultam em contextos e experiências peculiares de integração discente. Por um lado, a universidade está inserida num contexto socioeconômico e possui um projeto institucional específico, que se traduz nos serviços oferecidos à sua comunidade interna e externa. Essas características peculiares geram crenças e expectativas em seus potenciais estudantes. Esses últimos, por sua vez, são oriundos de uma comunidade e de um meio cultural específico, com suas experiências e valores. Portanto, sugere-se que uma análise completa dos processos de transição para o ensino superior requer a consideração articulada de diferentes níveis de análise: individual, institucional e socioeconômico/cultural.

A presente pesquisa possui as limitações inerentes a um estudo qualitativo realizado com uma amostra pequena de participantes. O entendimento oferecido sobre o tema requer investigações mais extensas para que se verifique a sua possível generalização. Sugere-se que estudos posteriores adotem delineamentos longitudinais a fim de acompanhar estudantes durante o seu primeiro ano de graduação, integrando procedimentos de entrevista e de construção de modelos estatísticos de predição da evasão. A articulação destas duas abordagens metodológicas permitirá uma visão mais compreensiva do fenômeno.

Por fim, os resultados desta pesquisa reiteram a necessidade de uma revisão da arquitetura curricular típica do sistema de ensino brasileiro (UFBA, 2007). A flexibilidade curricular praticada em outros países é uma estratégia promissora de prevenção de processos de evasão decorrentes de decepções com a escolha profissional (Ministry of Science, Technology and Innovation, 2005). A possibilidade de exploração de um leque maior de atividades acadêmicas antes de especificar a escolha profissional pode evitar o desgaste emocional, o custo financeiro e o tempo que requer um novo vestibular, aspectos que podem causar a evasão não somente de curso, mas do sistema de ensino superior.

 

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Endereço para correspondência:
Mauro de Oliveira Magalhães
Rua Tenente Pires Ferreira, 308
Bloco A, apto 201, 40130-160
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Fone: 71 3337 1495

Recebido 14/02/2013
1ª Revisão 26/05/2013
Aceite Final 11/08/2013

 

 

Bolsista da Capes - Proc. : BEX: 8732-11-6
Sobre o autor
Mauro de Oliveira Magalhães é Doutor em Psicologia do Desenvolvimento (UFRGS, 2005). Professor Adjunto no Instituto de Psicologia e na Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal da Bahia.