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Revista Brasileira de Orientação Profissional

versão impressa ISSN 1679-3390

Rev. bras. orientac. prof vol.15 no.2 São Paulo dez. 2014

 

ARTIGO

 

O impacto do estágio na adaptabilidade de carreira em estudantes do ensino profissional

 

The impact of the internship on the career adaptability of vocational education students

 

El impacto de la realización de prácticas en empresas en la adaptabilidad de carrera de estudiantes de formación profesional

 

 

Carla Silva; Vitor Gamboa

Universidade do Algarve, Campus de Gambelas, Faro, Portugal

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A literatura vocacional sustenta que a experiência de trabalho pode ter impacto no desenvolvimento vocacional dos jovens, embora ainda sejam escassos e pouco conclusivos os estudos empíricos que sustentam as expectativas que decorrem da teoria. A presente investigação, que apresenta um desenho longitudinal (pré e pós estágio), teve como principal objetivo analisar a relação entre as qualidades percebidas do estágio curricular e a Adaptabilidade de Carreira, numa amostra de 60 estudantes do ensino secundário. Os resultados sugerem a relevância da qualidade do estágio ao nível das diferentes dimensões da adaptabilidade da carreira. Por último, são apresentadas as implicações para a intervenção de carreira, bem como as limitações do estudo.

Palavras-chave: adaptabilidade de carreira, qualidade da experiência de estágio, ensino profissional


ABSTRACT

Vocational literature argues that work experience can impact the career development of young people, although empirical studies are still scarce and inconclusive to support the expectations arising from this theory. Using a longitudinal design (pre and post internship), this study had as its main objective the analysis of the relationship between perceived qualities of the internship experience and student's career adaptability in a sample of 60 high school students. The results suggest that the quality of the internship is relevant for the dimensions of the career adaptability. Finally, the implications of the findings for the career interventions and for future investigations in this domain are presented.

Keywords: career adaptability, internship quality, vocational education and training


RESUMEN

Según la literatura vocacional, la experiencia de trabajo puede tener impacto en el desarrollo vocacional de los jóvenes. Las investigaciones que apoyan las expectativas que se derivan de la teoría todavía son escasas y poco conclusivas. La presente investigación tuvo como objetivo principal analizar la relación entre la calidad percibida de las prácticas realizadas y la Adaptabilidad de Carrera, en una muestra de 60 estudiantes de educación media vocacional. Los resultados muestran la relevancia de la calidad de las prácticas en las diferentes dimensiones de la adaptabilidad de carrera. En línea de estos resultados, se señalan algunas implicaciones para la intervención de carrera y se presentan las limitaciones del estudio.

Palabras clave: adaptabilidad de carrera, calidades de las prácticas, formación profesional


 

 

No sistema educativo português, a aprendizagem em contexto de trabalho constitui uma importante componente da formação dos alunos que frequentam o ensino profissional de nível secundário (10º, 11º e 12º anos de escolaridade). No que se refere às finalidades das experiências de aprendizagem em contexto de trabalho, se por um lado existe a ideia da sua indispensabilidade no desenvolvimento das competências técnico-profissionais necessárias ao exercício da profissão (e.g., Ryan, Toohey, & Hughes, 1996; Watts, 1996), por outro, são diversos os autores que têm vindo a defender o impacto das abordagens mais experienciais ao mundo do trabalho no desenvolvimento vocacional (e.g., Spokane, 1991), designadamente ao nível dos diferentes processos ou dimensões da adaptabilidade de carreira (e.g., Savickas, 2002, 2005).

Efetivamente, no que se refere à realização de um período de formação em contexto real de trabalho (estágio curricular), esta atividade tipifica uma situação que pode vir a ter um impacto significativo nas diferentes dimensões da adaptabilidade de carreira, uma vez que implica uma recolha ativa de informação relativamente ao novo contexto de aprendizagem e a mobilização dos conhecimentos adquiridos na escola, tudo isto no âmbito do desempenho de um novo papel, o de estagiário. Na verdade, a adaptabilidade de carreira, tal como nos é apresentada por Savickas (1997), apela precisamente à flexibilidade nas respostas e à implementação de estratégias de autorregulação perante as transformações que ocorrem no meio social, traduzindo a capacidade de cada indivíduo para mobilizar as estratégias de coping mais adequadas, sempre que se confronta com novas situações de trabalho ou de aprendizagem (Savickas, 1997, 2001).

Este construto tem vindo a ser representado num modelo que se desdobra em três níveis: atitudes, competências e comportamentos. No nível mais abstrato, situam-se as quatro dimensões da adaptabilidade, tendo em conta a sua funcionalidade, a saber: preocupação, controlo, curiosidade e confiança. No nível intermédio, o modelo articula um conjunto de fatores, para cada uma destas quatro dimensões gerais da adaptabilidade, as atitudes, crenças e competências, as quais, por sua vez, moldam os comportamentos de coping que os indivíduos utilizam na resolução de problemas e na negociação das tarefas ou transições de carreira (Savickas, 1997, 2005). Por conseguinte, de acordo com o modelo descrito, apresentarão maiores competências ao nível da adaptabilidade de carreira os indivíduos que se encontram mais preocupados com o seu futuro profissional, que aumentam o controlo pessoal relativamente às diferentes decisões a tomar, que são curiosos quanto à exploração de si próprios e do meio envolvente, que são confiantes no alcance das suas aspirações e que revelam capacidades para estabelecer relacionamentos interpessoais facilitadores do alcance dos seus objetivos de carreira (Savickas, 2005).

No entanto, nem sempre estas dimensões se organizam de modo coerente, podendo ocorrer diferenças individuais na prontidão para a resolução das tarefas vocacionais, dando lugar a distintos padrões de desenvolvimento de carreira (Savickas, 2004, 2005), como aliás tem vindo a ser amplamente demonstrado nos estudos empíricos que se debruçaram sobre os processos vocacionais de exploração e tomada de decisão (e.g., Blustein & Phillips, 1988; Rogers, Creed, & Glendon, 2008). Neste contexto, são precisamente os indivíduos mais curiosos, com uma maior intencionalidade na exploração e com um claro sentido de controlo sobre as suas escolhas e trajetórias, que têm maior probabilidade de resolver construtivamente os diferentes desafios que encontram no domínio da carreira.

Por outro lado, no que se refere à inserção no estágio curricular, importa sublinhar que o ajustamento a este novo contexto de aprendizagem não depende apenas das atitudes e competências do estagiário, mas também dos diversos fatores contextuais que este encontra, como o grau de autonomia, a supervisão, a diversidade de tarefas, e as relações sociais (e.g., Blustein, 1997; Blustein, Prezioso, & Schultheiss, 1995; Flum, 2001; Flum & Blustein, 2000; Vondracek & Porfeli, 2008). Efetivamente, os estudos empíricos sustentam, de uma forma geral, a existência de associações positivas entre o suporte social e as diferentes dimensões da adaptabilidade de carreira (e.g., Bartley, & Robitschek, 2000; Blustein, 2001; Creed, Fallon, & Hood, 2009; Hirschi, 2009; Rogers et al., 2008; Yousefi, Abedi, Baghban, & Abedi, 2011). Além dos fatores relacionais, também as oportunidades de aprendizagem acabam por influenciar significativamente a adaptabilidade da carreira, sendo de realçar o forte impacto que esta variável parece exercer nas crenças e nos comportamentos de exploração vocacional (Gamboa, Paixão, & Jesus, 2013).

Neste âmbito, um estudo longitudinal realizado por Koen, Klehe e Van Vianen, em 2012, aponta para a relevância da promoção de oportunidades de aprendizagem no incremento da adaptabilidade de carreira, nomeadamente, ao nível das dimensões preocupação, controlo e curiosidade. Também a investigação levada a cabo no campo da teoria da autodeterminação (SDT; Ryan & Deci, 2000) sustenta que a autonomia experimentada conduz a resultados positivos no domínio da carreira (e.g., Cheung & Arnold, 2010; Gagné & Deci, 2005; Guay, Senécal, Gauthier & Fernet, 2003). Por exemplo, no estudo de Guay e colaboradores (2003), com uma amostra de 834 estudantes universitários, as variáveis suporte parental e suporte dos colegas predizem a autoeficácia e a autonomia na tomada de decisão de carreira.

No pressuposto de que as experiências de aprendizagem em contexto de trabalho têm impacto no desenvolvimento vocacional dos jovens (e.g., Brooks, Cornelius, Greefield, & Joseph, 1995; Blustein, 1997; Carless & Prodan, 2003; Johnson & Mortimer, 2002; Loughlin & Barling, 1998; Mortimer & Zimmer-Gembeck, 2007; Silva, Coelho, & Teixeira, 2013), o presente estudo, na linha das recomendações de Skorikov e Vondracek (1997), teve como principal objetivo analisar o impacto da qualidade percebida do estágio (e.g., autonomia, variedade de tarefas, feedback, suporte social) nas diferentes dimensões da adaptabilidade de carreira (curiosidade, controlo, confiança e preocupação).

 

Método

Participantes

Participaram neste estudo 60 alunos do 12º ano de escolaridade, matriculados em cursos Profissionais de uma escola Secundária e que realizaram um estágio curricular com a duração de 240 horas, no ano letivo 2011/2012. Destes, 34 são rapazes (56.7%) e 26 são raparigas (43.3%), situando-se a faixa etária entre os 17 e os 20 anos, com uma média de 18 anos.

A Tabela 1 organiza os dados, em função dos níveis de escolaridade dos pais, das categorias profissionais dos pais e do nível socioeconómico familiar. No que se refere ao nível de escolaridade dos pais, a maior parte completou o 9º ano de escolaridade (pai = 31.7%; mãe = 23.3%), ou o 6º ano de escolaridade (pai = 25%; mãe = 23.3%), sendo ainda de destacar o 12º ano, que no caso das mães representa 28.3% dos participantes. Quanto às categorias profissionais dos pais, registam-se maiores índices nos seguintes grupos: 8) Operadores de instalações e máquinas e trabalhadores da montagem (39.7%), no caso do pai, e 5) Pessoal dos serviços e vendedores (49.2%), no caso da mãe. Por último, a análise do nível socioeconómico, permite concluir que 68.3 % dos participantes se situam no nível baixo e os restantes no nível médio (31.7%).

 

 

Instrumentos

Career-Adaptabilities Scale (CAAS) - Portugal Form (Duarte et al., 2012) - é composta por 28 itens, distribuídos por quatro subescalas que medem as seguintes dimensões da adaptabilidade: preocupação (exemplo: item 2 - considero ser capaz de pensar como vai ser o meu futuro), controlo (exemplo: item 8 - considero ser capaz de manter sempre o ânimo), curiosidade (exemplo: item 15 - considero ser capaz de explorar aquilo que me rodeia) e confiança (exemplo: item 22 - considero ser capaz de realizar tarefas de forma eficiente). No que se refere às suas características psicométricas, o valor encontrado para a consistência interna do total da escala (CAAS-Portugal) foi de .90, o qual está ligeiramente abaixo do valor observado na CAAS-Internacional, que foi de .92, sendo que se observou a mesma tendência nas diferentes subescalas (Duarte et al., 2012). A estrutura da CAAS-Portugal é semelhante à encontrada nos estudos de validação de outros países (e.g., Bélgica, Brasil, China, França, Islândia, Itália, Coreia do Sul, Holanda, África do Sul, Suíça, Taiwan e Estados Unidos).

No presente estudo, os índices de consistência interna da CAAS foram os seguintes (T1 - T2): Preocupação (α = .73; α = .85); Controlo (α = .81; α = .86); Curiosidade (α = .77; α = .91); Confiança (α = .82; α = .83). Os itens são respondidos numa escala de tipo Likert com cinco pontos (1 - "muito pouco"; 2 - "pouco"; 3 - "razoavelmente"; 4 - "bastante"; 5 - "muito").

Inventário da Qualidade do Estágio (IQE; Gamboa, 2011) - este inventário pretende avaliar as perceções dos estudantes do ensino secundário, em nove dimensões referentes à qualidade dos estágios curriculares: Autonomia (4 itens, exemplo item 26 - deram-me liberdade para decidir como fazer as coisas; α = .81), Feedback dos Colegas (4 itens, exemplo item 33 - os meus colegas deram-me pistas para melhorar o meu trabalho; α = .83), Suporte Social (4 itens, exemplo item 15 - sempre que precisei de ajuda tive realmente com quem contar; α = .82), Diversidade de Tarefas (4 itens, exemplo item 9 - envolveu a realização de uma grande diversidade de tarefas; α =.83), Oportunidades de Aprendizagem (5 itens, exemplo item 13 - durante o estágio as atividades foram desafiantes; α = .90), Clareza das Instruções do Supervisor (4 itens, exemplo item - o supervisor organizou comigo um plano de trabalho; α = .79), Feedback do Supervisor (4 itens, exemplo item 22 - quanto cometi erros o meu supervisor disse-me como corrigi-los; α = .80), Treino (4 itens, exemplo item 12 - antes de iniciar uma nova tarefa o supervisor exemplificava como se fazia; α = .84) e Suporte do Supervisor (7 itens, exemplo item 1 - sempre que estive nervoso o meu supervisor procurou acalmar-me; α = .87). As respostas são assinaladas numa escala de tipo Likert, de 5 pontos, que oscila entre "Discordo Bastante" (1) e "Concordo Bastante" (5), estando as pontuações mais elevadas associadas a uma maior qualidade percebida do estágio.

Procedimentos

O presente estudo está organizado como um desenho longitudinal de curta duração, tendo-se procedido a uma recolha de dados em dois momentos distintos (pré e pós-estágio), com um intervalo de aproximadamente quatro meses. Num primeiro momento, solicitámos autorização à direção da escola secundária, dando a conhecer os objetivos do estudo e os principais procedimentos de recolha de dados. Solicitámos ainda a colaboração dos diretores de turma para a divulgação do estudo junto dos alunos estagiários e para a entrega da ficha relativa ao consentimento dos Encarregados de Educação. A participação dos alunos foi voluntária, tendo os questionários sido respondidos por escrito, de forma autónoma e sido prestados esclarecimentos perante as dúvidas levantadas. Cada sessão de aplicação, que decorreu em contexto de sala de aula, demorou cerca de 15 minutos, em ambos os momentos (T1 e T2), sendo que a adaptabilidade de carreira foi medida em ambos os momentos, enquanto o inventário da qualidade do estágio foi aplicado apenas em T2.

No que diz respeito aos procedimentos de análise de dados, após a estatística descritiva das diferentes variáveis em estudo, foram realizadas análises diferenciais, através do teste t de Student para amostras emparelhadas, e correlacionais. Por último, para estimar o impacto da qualidade do estágio nas mudanças ocorridas na adaptabilidade de carreira, procedemos ao cálculo das regressões hierárquicas, nas quais a adaptabilidade de carreira (T2) surge com variável dependente, enquanto a qualidade do estágio surge como variável independente. De acrescentar ainda que os cálculos de análise dos dados foram efetuados com recurso ao Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 20.

 

Resultados

Na Tabela 2, analisando as diferenças nas medidas da Adaptabilidade (T1-T2), observamos a existência de valores médios significativamente superiores no segundo momento, nas subescalas Preocupação (t = -2.46, df = 59, p = .02) e Curiosidade (t = -2.05, df = 59, p < .05). Quanto às subescalas Confiança e Controlo, as diferenças (pré e pós estágio) não se revelaram significativas. Acrescente-se ainda que, de uma forma geral, os valores dos desvios padrão traduzem uma maior dispersão das respostas no segundo momento, ou seja, após a conclusão do estágio.

Num segundo momento, analisámos as relações entre as quatro dimensões da adaptabilidade, em cada um dos momentos e entre estes, conforme se pode observar na Tabela 3.

Tendo em conta as relações encontradas entre o primeiro e o segundo momento (T1 x T2), os valores observados sugerem alguma estabilidade nos níveis de adaptabilidade, em cada uma das dimensões da CAAS: Preocupação (r = .32, p < .05), Curiosidade (r = .54, p < .01), Controlo (r = .54, p < .01), Confiança (r = .50, p < .01 ). Ainda na Tabela 3, quando observamos as correlações relativas ao primeiro momento (abaixo da diagonal), os valores com maior expressão são os observadas entre Confiança e Curiosidade (r = .63, p < .01 ), Curiosidade e Preocupação (r =.55, p < .01) e Confiança e Controlo (r = .52, p < .01).

Na Tabela 4 são apresentados os valores das correlações encontradas entre as dimensões da adaptabilidade e as diferentes qualidades do estágio curricular (T2). Assim, no que se refere à Preocupação, não se observaram correlações significativas com a qualidade do estágio. O Controlo, por seu turno, surge associado significativamente com a Clareza do Supervisor (r =.35, p < .01 ) e com Feedback do Supervisor (r = .26, p < .05). Já a Curiosidade revela um maior número de correlações significativas com as dimensões da Qualidade de estágio, com destaque para a Autonomia (r = .39, p < .01) e para as Oportunidades de Aprendizagem (r = .38, p < .01). Quanto à Confiança, esta competência apenas apresenta uma correlação significativa com as Oportunidades de Aprendizagem (r = .26, p < .05).

Um último procedimento de análise envolveu o cálculo de regressões hierárquicas, de modo a se estudar o impacto da qualidade do estágio na variação da Adaptabilidade da Carreira (T1-T2) (Tabela 5). Para tal, efetuaram-se cálculos de regressão hierárquica, considerando como variáveis dependentes as medidas da adaptabilidade, no segundo momento (T2), sendo que as mesmas variáveis em T1 foram incluídas no Bloco I, no sentido de controlar o seu efeito. O Bloco II, por sua vez, é composto pelas variáveis sociodemográficas, enquanto o Bloco III (dimensões da qualidade do estágio), subdivide-se no Bloco IIIa (qualidades referentes ao supervisor) e no Bloco IIIb (restantes variáveis da qualidade do estágio). Previamente à realização das análises de regressão, foram levados a cabo três procedimentos, tal como é sugerido por Pestana e Gageiro (2003), a fim de se estudar a multicolinearidade entre variáveis: análise da correlação entre as variáveis em estudo, estatísticas de colinearidade (Tolerância e VIF) e diagnóstico da colinearidade através do Condition Index e da proporção da variância.

Tendo em conta a Tabela 5, relativa aos preditores da adaptabilidade, observamos que as variáveis da adaptabilidade em T1 (Bloco I) explicam a variância dessas mesmas variáveis no momento dois, sendo de: 24.8%, para a Confiança, F (1,58) = 19.135, p < .01, 28.6% para a Curiosidade, F (1,58) = 23.239, p < .01, 22.8% para o Controlo, F (1,58) = 23.477 p < .01, e 10% para a Preocupação, F (1,58) = 6.430, p < .01. No segundo Bloco, as variáveis sociodemográficas não contribuíram significativamente para a variância da adaptabilidade de carreira, no segundo momento. No entanto, o género parece ser um preditor significativo da Confiança, ou seja, ser rapariga é um fator favorável para a Confiança (β = .29, p < .05). No terceiro Bloco (nível a), as Qualidades Supervisivas do estágio explicam mais 14.1% da variância, no Controlo, F (4,50) = 3.476, p < .01, e 18.6%, na Preocupação, F (4,50) = 3.639, p < .05. A Clareza das Instruções do Supervisor surge como um preditor significativo de todas as dimensões da adaptabilidade da carreira (T2): Confiança (β = .48, p < .01), Curiosidade (β = .61, p < .05), Controlo (β = .59, p < .05), e Preocupação (β = .84, p < .01). O Treino do Supervisor, por sua vez, é o único preditor da Preocupação (β = -.63; p < .01), isto é, quanto maior a qualidade do treino menor é a preocupação do estagiário com o seu futuro de carreira. No Bloco IIIb, quando repetimos os cálculos das regressões, as restantes variáveis da qualidade de estágio explicam 20.8% da variância da Curiosidade, F (5,49) = 4.205, p < .01. Neste bloco, apenas o Feedback dos Colegas surge como preditor da Confiança (β = .337).

 

Discussão

Neste estudo, tivemos como principal objetivo analisar o impacto da qualidade percebida do estágio nas mudanças observadas na adaptabilidade de carreira, no decurso de uma experiência de estágio. As diferenças observadas entre T1 e T2, nas dimensões Preocupação e Curiosidade, vão, de certa forma, ao encontro da expectativa presente na literatura de que a transição para um novo contexto de aprendizagem pode implicar alterações nos processos vocacionais incluídos na adaptabilidade de carreira (e.g., Cheung & Arnold, 2010; Flum & Blustein, 2000), sustentando ainda a influência dos fatores contextuais proximais no desenvolvimento vocacional (e.g., Savickas; 2005; Vondracek & Porfeli, 2008).

Quanto às correlações encontradas entre as dimensões da Adaptabilidade e da Qualidade de Estágio, os resultados da nossa investigação são, parcialmente, concordantes com as investigações que reconhecem a importância da qualidade das experiências de trabalho no desenvolvimento da carreira dos adolescentes, não só a curto, mas também a longo prazo (e.g., Gamboa et al., 2013; Mortimer & Zimmer-Gembeck, 2007), uma vez que uma maior perceção da qualidade surge positivamente associada a níveis mais elevados de adaptabilidade de carreira. Por conseguinte, podemos afirmar que os dados do nosso estudo são concordantes, embora não conclusivos, com as proposições oferecidas pelas teorias relacionais da literatura vocacional, as quais remetem para a relevância do papel do suporte social e do apoio emocional, em diferentes dimensões da adaptabilidade de carreira (e.g.; Blustein et al., 1995; Creed et al., 2009; Hirschi, 2009; Savickas, 2002, 2005).

Na análise das regressões hierárquicas, tal como sugere a literatura, as variáveis vocacionais em T1 surgem como os principais preditores dessas mesmas variáveis em T2 (e.g., Carless & Prodan, 2003; Cheung & Arnold, 2010; Gamboa et al., 2013). No bloco III, por seu turno,verificámos a emergência de preditores como a Clareza das Instruções do Supervisor para todas as dimensões da adaptabilidade. Já o Treino do Supervisor parece predizer de modo significativo as mudanças que durante o estágio ocorrem em termos da Preocupação, em sentido negativo. Isto pode significar que no âmbito da realização de um estágio, o treino do supervisor pode desviar os alunos das questões relativas à carreira porque estes se encontram muito ocupados na realização de novas aprendizagens de cariz mais técnico. Podemos ainda afirmar que os nossos resultados vão ao encontro das expectativas presentes na literatura vocacional, na medida em que destacam o Feedback dos Colegas enquanto preditor da Confiança, apesar de não terem surgido evidências quanto à relevância do suporte social e do supervisor, realçadas nas perspetivas relacionais (e.g., Blustein et al., 1995, Flum, 2001) e nos resultados encontrados em estudos empíricos mais recentes (e.g., Cheung & Arnold, 2010; Creed et al., 2009; Gamboa et al., 2013; Hirschi, 2009; Kenny & Bledsoe, 2005; Rogers et al., 2008), podendo este resultado dever-se às características e à dimensão da amostra do presente estudo.

 

Implicações, limitações e investigação futura

Globalmente, tendo em conta os principais resultados deste estudo, podemos considerar que a experiência de estágio tem impacto na adaptabilidade da carreira. Estes resultados remetem para as perspetivas desenvolvimentista - contextualista (e.g., Vondracek & Porfeli, 2008) e relacionais do desenvolvimento vocacional (e.g., Blustein, 1997; Flum, 2001), as quais sublinham a importância de relações entre o indivíduo e os contextos mais proximais com os quais ele interage. Em síntese, a presente investigação reenvia para alguns dos aspetos contextuais/ relacionais que influenciam a adaptabilidade da carreira (e.g., Blustein et al., 1995; Flum, 2001; Flum & Blustein, 2000; Gamboa et al., 2013), pois encontrámos mudanças, em termos vocacionais, associadas à experiência de estágio.

No que se refere às contribuições deste estudo em termos da investigação, pensamos que a sua relevância se prende com a atualidade da problemática centrada na relação entre os conceitos de adaptabilidade e experiência de trabalho/qualidade de estágio. Efetivamente, tratando-se de uma relação prevista nos diferentes modelos da teoria vocacional, a ideia de que a experiência de trabalho tem impacto nos processos vocacionais integrados na adaptabilidade de carreira ainda carece de maior suporte empírico.

Quanto às implicações que a nossa investigação poderá ter na prática vocacional, salientamos a necessidade de se alargar a todo o ciclo de formação intervenções de preparação, acompanhamento e reflexão acerca das experiências de aprendizagem em contexto real de trabalho. Neste âmbito, pensamos que deve ser dada particular importância ao papel dos professores/ supervisores, uma vez que podem ser os principais facilitadores do processo de integração dos alunos no contexto de estágio. Os psicólogos de orientação, por sua vez, devem ser capazes de inserir a intervenção vocacional no âmbito de uma estratégia global de promoção da qualidade dos estágios curriculares. Para tal, em parceria com os demais agentes educativos, devem favorecer a antecipação das exigências associadas ao desempenho do papel de estagiário (ex. job-shadowing, exploração de material informativo, balanço de competências); favorecer a reflexividade, a negociação e a abertura a experiência, garantindo que os alunos beneficiam de atividades desafiantes e promotoras da aprendizagem (ex. visitas regulares ao contexto de estágio, adoção do diário de estágio); e, por último, promover a reflexão partilhada (Debriefing), a qual está na base da reconstrução e reorganização da experiência de estágio.

Quanto às limitações do nosso trabalho, começaremos por mencionar a dimensão da amostra (N = 60), que inviabiliza a generalização dos resultados obtidos aos alunos do ensino profissional, de nível secundário, e limita o alcance das inferências a retirar dos resultados encontrados. Por conseguinte, pensamos que será relevante replicar esta investigação, abrangendo uma amostra mais alargada e representativa desta população. Por outro lado, embora longitudinal, esta investigação cingiu-se apenas a dois momentos, o que possibilita apenas um conjunto de análises lineares, entre momentos. Neste sentido, se quisermos compreender melhor o impacto do estágio na trajetória desenvolvimental dos alunos do ensino profissional, será necessário aumentar o número de medições, num intervalo de tempo mais alargado, com recurso a um grupo de controlo.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Vitor Gamboa
Departamento de Psicologia e Ciências da Educação
Faculdade de Ciências Humanas e Sociais
Campus de Gambelas
8005-139, Faro, Portugal
Fone: +351 289 800 914
Fax: +351 289 800 067
E-mail: vgamboa@ualg.pt

Recebido 15/01/14
1ª Revisão 05/05/14
Aceite Final 12/09/14

 

 

Sobre os autores
Carla Silva é mestre em Psicologia da Educação e em Ciências da Educação. Desenvolve atividade profissional como Psicóloga Escolar.
Vitor Gamboa é Doutor em Psicologia, na especialidade de Psicologia da Educação, docente do departamento de Psicologia nas áreas da Psicologia Vocacional e do Aconselhamento de Carreira.

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