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Revista Brasileira de Orientação Profissional

Print version ISSN 1679-3390

Rev. bras. orientac. prof vol.15 no.2 São Paulo Dec. 2014

 

ARTIGO

 

Maturidade para escolha profissional, habilidades sociais e inserção no mercado de trabalho

 

Maturity for occupational election, social skills and labor market insertion

 

Madurez para la elección profesional, habilidades sociales e inserción en el mercado de trabajo

 

 

Greice Colombo; Laíssa Eschiletti Prati

FACCAT - Faculdades Integradas de Taquara, Taquara-RS, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo deste estudo foi identificar possíveis relações entre maturidade da escolha profissional, habilidades sociais de adolescentes e inserção no mercado de trabalho. Participaram do estudo 67 alunos do Ensino Médio de uma escola pública e de outra privada. Os dados foram coletados coletivamente através de ficha sociodemográfica, do Inventário de Habilidades Sociais para Adolescentes e da Escala de Maturidade para Escolha Profissional. Os resultados mostraram uma relação positiva entre maturidade e habilidades sociais. Jovens que não trabalhavam apresentaram também maior maturidade do que os que trabalhavam. Estes resultados sugerem que as habilidades sociais e o trabalho na juventude são aspectos importantes para o desenvolvimento da maturidade de carreira, devendo ser considerados nas intervenções de orientação profissional.

Palavras-chave: adolescência, estudantes de ensino médio, mercado de trabalho, habilidades sociais


ABSTRACT

The objective of this study was to identify possible relationships between maturity of career choice, social skills of adolescents and integration into the labor market. The study included 67 high school students from a public school and a private one. Data were collected collectively through sociodemographic form, the Social Skills Inventory for Adolescents and Maturity Scale for Professional Choice. The results showed a positive relationship between maturity and social skills. Youth who did not work also showed greater maturity than the ones who were working. These results suggest that social skills and work during youth are important aspects for the development of career maturity and they should be considered in interventions of career guidance.

Keywords: adolescence, high school students, labor market, social skills


RESUMEN

El objetivo de éste estudio fue identificar posibles relaciones entre madurez en la elección profesional, habilidades sociales en adolescentes e inserción en el mercado laboral. En el estudio participaron 67 estudiantes de educación media de una escuela pública y de una escuela privada. Los datos fueron recolectados a través de la ficha sociodemográfica del Inventario de Habilidades Sociales para Adolescentes y de la Escala de Madurez para la Elección Profesional. Los resultados mostraron una correlación positiva entre madurez y habilidades sociales. Los jóvenes que no trabajan presentaron mayor madurez que aquellos que si trabajaban. Estos resultados sugieren que las habilidades sociales y el trabajo en la juventud son aspectos importantes para el desarrollo de la madurez de carrera, y tiene que ser considerados para situaciones de orientación profesional.

Palabras clave: adolescencia, alumnos de escuela secundaria, mercado de trabajo, habilidades sociales


 

 

Durante a adolescência, é comum ocorrerem, entre os jovens, dúvidas quanto ao ingresso no mercado de trabalho. Dados provenientes do Censo 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, indicam que 29.4 milhões de jovens empregados ou em busca de emprego estão na faixa de 15 a 29 anos (IBGE, 2010). A partir dos 18 anos, 68% deles estão no trabalho e 31% na escola. De acordo com o Ministério do Trabalho e emprego (Brasil, Ministério do Trabalho e Emprego, 2010), frequentemente, permanece entre os adolescentes, a dúvida entre trabalhar ou estudar. Esse quadro surge frente a múltiplas desigualdades sociais existentes no Brasil. A possibilidade de articulação escola-trabalho acaba tornando-se bastante limitada, pois depende de múltiplos fatores como renda, sexo, cor/raça e região de moradia entre outros.

Já em relatório composto por indicadores sociais, divulgado pelo IBGE (2012), a taxa de ocupação dos jovens de 16 e 17 anos de idade foi de 28,6% em 2011. Nesta idade, o esperado é que os jovens ainda estejam frequentando a escola, no entanto os indicadores demonstraram que, no período do levantamento de dados, 59,5% deles somente estudavam, outros 20,0% trabalhavam e estudavam e 8,6% somente trabalhavam. Em relação a 2001, para esse segmento etário, a proporção de pessoas que somente estudavam (53,2%) aumentou, enquanto diminuíram as proporções daqueles que trabalhavam e estudavam (24,6%) e dos adolescentes que somente trabalhavam (10,5%) (IBGE, 2012).

Objetivando debater aspectos relacionados ao trabalho infanto-juvenil, foi realizada, em agosto de 2012, a I Conferência Nacional de Emprego e Trabalho Decente, sendo esta derivada do Plano Nacional de Trabalho Decente para a Juventude (PNTDJ) criado em 2010. As bases do plano nacional foram as diretrizes da Agenda Nacional de Trabalho Decente para a Juventude (ANTDJ) que reconheceu as especificidades dos adolescentes e teve como eixos uma educação de melhor qualidade, conciliação dos estudos com trabalho e vida familiar, a inserção ativa e com dignidade no mundo do trabalho e a promoção do diálogo social (Abramo, 2013; Brasil, Ministério do Trabalho e Emprego, 2006).

Ressalta-se que, é proibido, pela legislação brasileira, o trabalho de crianças menores de 14 anos devido aos riscos de saúde causados pela carga física, psíquica e social. É autorizado que o adolescente dos 14 aos 16 anos trabalhe dentro das condições de aprendiz, o que exige a supervisão constante de um profissional capacitado. Entre 16 e 18 anos já é permitido trabalhar, mas somente após os 18 anos o adolescente poderá ser admitido em funções consideradas insalubres (Asmus, Raymundo, Barker, Pepe, & Ruzany, 2005; Oliveira, Fischer, Teixeira, & Gomes, 2005).

Na região do Vale do Paranhana/RS, local onde foi desenvolvido este estudo, as indústrias e empresas de médio e pequeno porte no setor calçadista encontram-se em fase de crescimento, gerando novos empregos diariamente. Entre essas novas contratações destaca-se a procura dos adolescentes pelas vagas. As empresas, de forma recíproca, dão preferência à contratação de adolescentes entre 16 e 18 anos, tendo em vista que estes aprendem rápido, são dispostos e interessados pelas atividades, enquadrando-se no perfil desejado (Asmus et al., 2005).

Geralmente são adolescentes que, por motivos diversos (como auxiliar na renda familiar, obter bens de consumo próprio, pagar os estudos, ou ainda, pelo interesse em aprender uma profissão) passam a estudar à noite para se dedicarem ao trabalho durante o dia. A minoria estuda em um turno do dia e trabalha em outro, tendo a noite livre para demais atividades. Outra parte desses adolescentes acaba dedicando-se unicamente ao emprego, deixando de lado seus estudos. Logo, o sonho de entrar em uma faculdade vai ficando cada vez mais distante (Amazarray, Thomé, Souza, Poletto, & Koller, 2009; Asmus et al., 2005).

Porém, ao ser contratado, o adolescente depara-se com um contexto diferenciado no qual ele precisa adaptar-se: são colegas de trabalho, supervisores, regras, horários a serem cumpridos, entre outros. A atuação do psicólogo juntamente com os adolescentes que estão vivenciando essa situação pode auxiliar nesse processo. Avaliar se existe preparo do adolescente para trabalhar, identificar se este está pronto para escolher uma profissão e visualizar o quanto ser habilidoso socialmente pode influenciar no cotidiano empresarial. Estes são dados importantes para realizar intervenções na comunidade, no próprio local de trabalho, ou na escola.

As pesquisas encontradas avaliam se a inserção no mercado de trabalho está correlacionada às variáveis de habilidades sociais e maturidade de escolha profissional de maneira isolada, deixando margem para novos estudos que melhor expliquem estes dados (Bordão-Alves & Melo-Silva, 2008; Corlatti, 2009; Del Prette & Del Prette, 2003). Esta pesquisa visou identificar correlações entre a inserção no mercado de trabalho, a maturidade da escolha profissional e as habilidades sociais de adolescentes. Desta forma, procurou-se produzir conhecimento útil para que, a partir dos resultados encontrados, as comunidades acadêmicas sigam investigando formas de auxiliar os adolescentes na promoção de reflexões acerca do futuro da vida profissional como através da criação de novos instrumentos de avaliação e técnicas facilitadoras.

Construção da Identidade na Adolescência e Maturidade para a Escolha Profissional

Conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8069 de 13/07/1990), considera-se criança a pessoa até 12 anos de idade incompletos, e adolescente, aquela entre 12 e 18 anos de idade. O Ministério da Saúde, em consonância com a Organização Mundial da Saúde (OMS), circunscreve a adolescência à segunda década de vida (dez a 19 anos) e considera a juventude o período dos 15 aos 24 anos de idade (Brasil, Ministério da Saúde, 2005). Apesar destas definições legais, a adolescência não é uma fase claramente definida.

Desta forma, a adolescência pode ser compreendida como um período de transição entre a infância e a idade adulta. Neste período ocorrem diversas mudanças físicas, cognitivas e psicossociais inter-relacionadas (Papalia, Olds, & Feldman, 2006). Na adolescência, o indivíduo precisa assumir papéis e compromissos perante a sociedade. Neste momento surgem muitas dúvidas e incertezas denominadas crise de identidade (Sarriera, Silva, Kabbas, & Lopes, 2001). Uma das tarefas vinculadas a essa crise refere-se à definição do futuro profissional.

O adolescente, frente às cobranças, pode optar por uma profissão estando com sua identidade difusa, ou seja, sem vivenciar um processo de exploração vocacional completo. Desta forma, ele opta por uma profissão (ou por uma ocupação) por acreditar ser conveniente, sem reflexões mais aprofundadas sobre o assunto. Esse processo de escolher uma profissão indica que o desenvolvimento da identidade pessoal (Quem sou eu?) tem relação com a escolha ocupacional (Quem quero ser?) e com os interesses e habilidades do adolescente (Do que eu gosto?) (Sarriera et al., 2001).

A formação da identidade ocupacional está relacionada ao ambiente em que o adolescente está inserido. As tecnologias disponíveis, instituições de ensino, organizações existentes, entre outros fatores, irão influenciar nas vivências deste adolescente aumentando ou não suas possibilidades de escolha (Sarriera et al., 2001). O processo de construção da identidade ocupacional é parte do processo de estabelecimento da identidade pessoal (Bohoslavsky, 1998).

A escolha de uma profissão é uma das maneiras que o adolescente utiliza para lidar com sua crise de identidade (Sarriera et al., 2001). A identidade profissional refere-se aos interesses do adolescente, suas preferências por uma profissão ou por outra e a descoberta de qual lhe chama mais atenção, entre tantas possibilidades. Essas identificações do adolescente vão direcionar a escolha de sua profissão (Bohoslavsky, 1998).

Frente a esse momento complexo de decisão vivenciado pelo adolescente, a maturidade para realização da escolha profissional torna-se um aspecto extremamente relevante. Conceitualmente, esta se refere ao conjunto de atitudes e conhecimentos que o indivíduo acumula para realizar, de forma consciente e independente, sua escolha profissional. Na escolha de uma profissão estão envolvidos fatores pessoais, culturais e sociais. A maturidade para a escolha profissional é definida por Neiva (1999) a partir dos seguintes fatores: determinação, responsabilidade, independência, autoconhecimento e conhecimento da realidade de que o adolescente dispõe.

O adolescente, para definir seu futuro profissional, precisará levar em consideração diversos fatores, entre eles, a situação do mercado de trabalho e sua colocação neste, as expectativas da sua família, e as suas preferências individuais (Bordão-Alves & Melo-Silva, 2008; Levenfus, 1997; Neiva, 1999). Entende-se que, a partir da maturidade para a escolha profissional, o adolescente passe a dispor de uma quantidade maior de ferramentas para que se torne um profissional satisfeito na carreira escolhida, beneficiando a si próprio e a toda a sociedade.

Inserção no Mercado de Trabalho

O trabalho na adolescência demonstra particularidades que o colocam como uma questão complexa. Inclui fatores de risco e proteção para o desenvolvimento de jovens trabalhadores. Tem implicações positivas quando propicia aprendizado e é revestido de significado. Por outro lado, pode gerar impactos negativos no desenvolvimento quando as condições laborais são desfavoráveis (Amazarray et al., 2009).

As experiências de trabalho são vividas de formas diferentes por cada adolescente. Essas vivências dependem de múltiplos fatores, envolvendo características do indivíduo, suas experiências e percepções, além do contexto em que este está inserido. As jornadas de trabalho intensas combinadas com os estudos podem ser fisicamente prejudiciais na adolescência, por envolverem rotinas pesadas e provocarem sobrecarga emocional. Além disso, os adolescentes têm maiores chances de adquirirem doenças ocupacionais do que um adulto, devido à fase de desenvolvimento em que se encontram (Asmus et al., 2005; Mattos & Chaves, 2010; Oliveira, Fischer, Amaral, Teixeira, & Sá, 2005; Oliveira & Robazzi, 2001).

O estudo realizado por Oliveira e Robazzi (2001) demonstrou que o tipo de trabalho para o qual geralmente os adolescentes são contratados pode não influenciar de forma positiva o futuro destes, pois não abre portas para uma carreira de sucesso. O trabalho, nestas situações, pode acabar atrapalhando a possibilidade de um futuro melhor devido a prejuízos no aprendizado ou até mesmo a desistência da escola.

Adolescentes que trabalham e estudam identificam como pontos negativos da dupla jornada: as horas de sono insuficientes; o cansaço; a dedicação maior ao trabalho do que ao estudo. Conciliar o trabalho e escola faz com que muitos adolescentes deixem de lado o lazer (jogar bola, encontrar amigos), ou consigam realizar alguma atividade recreativa só no final de semana (Asmus et al., 2005; Mattos & Chaves, 2010; Oliveira, Fischer, Amaral et al., 2005; Oliveira & Robazzi, 2001).

Apesar destas consequências, que prejudicam o desenvolvimento do adolescente, pesquisas demonstram que, quando existe o apoio dos pais, colegas do próprio ambiente de trabalho e supervisores, há uma tendência a aumentar o interesse pelo estudo e melhorar o desempenho escolar. Os adolescentes identificam como benéfico o valor moral do trabalho, pois este lhes atribui um status de adulto jovem (Mattos & Chaves, 2010).

A inserção laboral é capaz de provocar profundas mudanças nos comportamentos, nos papéis sociais e nas relações interpessoais dos adolescentes (Sarriera et al., 2001). Ao lado da escola, família, grupos de pares, o trabalho pode ser um agente complementar na socialização dos adolescentes. O trabalho tem um papel importante no desenvolvimento de novas habilidades e na formação da identidade, contribuindo para o crescimento do adolescente (Mattos & Chaves, 2010). O vínculo trabalho-pessoa-sociedade gera um sentido de participação e utilidade. Pode proporcionar ao adolescente um sentido de vida, facilitando suas escolhas profissionais e agindo como fonte de informação e aprendizagem. Além disso, possibilita o aumento e fortalecimento das redes sociais (Sarriera et al., 2001).

Habilidades Sociais no Contexto Laboral

Segundo Del Prette e Del Prette (2010, p. 31), "o termo habilidades sociais refere-se à existência de diferentes classes de comportamentos sociais no repertório do indivíduo para lidar de maneira adequada com as demandas das situações interpessoais". As habilidades sociais são aprendidas e aprimoradas durante o processo de desenvolvimento humano, estando em constante mudança. Dependendo das situações em que o adolescente é exposto, ele pode desenvolver um repertório elaborado de comportamentos ou um repertório limitado (Guilland & Monteiro, 2010; Pereira, Del Prette, & Del Prette, 2009).

O ideal é que nesta fase do ciclo vital, o adolescente desenvolva um amplo repertório de comportamentos interpessoais de acordo com a demanda de seu meio social. Essa demanda inclui a independência, estabelecimento de círculo de amigos, e participação em atividades de seu interesse. As exigências vão se ampliando a âmbitos como trabalho e universidade (Sarriera, Meira, Berlim, Bem, & Câmara, 1999).

A aprendizagem e elaboração de habilidades sociais no decorrer do desenvolvimento são indicadores de saúde psicológica. Pessoas socialmente competentes desenvolvem relações duradouras e produtivas, maior satisfação e motivação pessoal, estando fora de um grupo de risco quando comparadas a pessoas que tem dificuldades interpessoais maiores. As habilidades sociais são aprendidas de maneira não sistemática: na família e nos demais subsistemas nos quais a pessoa circula (como a escola, amigos, o trabalho, entre outros). A cultura é outro fator que influencia nas habilidades sociais, ela é que define os padrões esperados e valorizados em diferentes contextos (Del Prette & Del Prette, 2009).

O mercado de trabalho está cada vez mais exigente, necessitando mão de obra qualificada e pessoas com habilidades diversificadas. Entre estas, estão as habilidades sociais (Guilland & Monteiro, 2010). Indivíduos com bom relacionamento interpessoal são mais produtivos no trabalho. Quando socialmente habilidosos, os profissionais contribuem para a melhoria do clima organizacional além de melhorarem sua qualidade de vida, saúde física e mental. Déficits em habilidades sociais estão relacionados com piora na qualidade de vida, dificuldades no relacionamento interpessoal, e a diversos transtornos psicológicos (Del Prette & Del Prette, 2003; Del Prette & Del Prette, 2010).

Este estudo, portanto, visou identificar possíveis correlações ou não entre a inserção no mercado de trabalho, a maturidade da escolha profissional e as habilidades sociais de adolescentes. Objetivou-se verificar se o trabalho influenciava no desenvolvimento da maturidade do adolescente e no desenvolvimento de habilidades sociais do mesmo. Da mesma forma, a pesquisa propôs-se verificar se o tipo (particular ou privada) e o turno (manhã e noite) de frequência escolar influenciavam nesses processos.

 

Método

Participantes

A amostra constituiu-se por 67 participantes entre 15 e 18 anos de idade (M = 16,6; DP = 0,74). No que diz respeito à série, 62,7% eram alunos do terceiro ano do Ensino Médio, enquanto 37,3% eram alunos do segundo ano. A escola particular, turno da noite, compôs 38,8% da amostra. A escola pública compôs o restante, sendo 22,4% do turno da noite e 38,3% do turno da manhã. Como a proposta do estudo era comparar alunos que trabalhavam com os que não trabalhavam, foi necessário incluir a turma da manhã para compor a amostra. Mesmo assim identificou-se que 83,6% dos adolescentes estavam trabalhando e 16,4 % não estavam trabalhando no momento da coleta.

Sessenta e dois por cento dos adolescentes eram do sexo feminino. Conforme dados do Censo 2010 (IBGE, 2010), na cidade onde foi realizada a coleta, o grupo da faixa etária entre 15 e 19 anos era composto por 1.691 pessoas, sendo que, 848 eram do sexo masculino e 843 eram do sexo feminino.

Instrumentos

Para a coleta de dados desta pesquisa foram utilizados:

1. Questionário sociobiodemográfico constituído por questões sobre escolaridade e vivências do mundo do trabalho. As perguntas visam a identificar breve perfil do adolescente, além da série que está cursando, turno de estudo entre outras informações voltadas a escola. Quanto às vivências no trabalho, objetivou-se investigar tipos de ocupações dos adolescentes, formas de trabalho (CLT, trabalho informal, estágio ou outros), carga horária e tempo de serviço no local;

2. Escala de Maturidade para a Escolha Profissional (EMEP) - composta por 45 itens que indicam atitudes e conhecimentos em relação à escolha profissional. Composta por cinco subescalas: Determinação, Responsabilidade, Independência, Autoconhecimento e Conhecimento da realidade educativa e socioprofissional (Neiva, 1999);

3. Inventário de Habilidades Sociais para Adolescentes (IHSA, Del Prette) - Instrumento de autorrelato que permite avaliar o repertório de habilidades sociais de adolescentes em diversas situações interpessoais cotidianas. A avaliação é feita através de dois indicadores: a frequência e a dificuldade com que reagem as demandas sociais as quais são expostos. Produz escores em seis subescalas: empatia, autocontrole, civilidade, assertividade, abordagem afetiva e desenvoltura social (Del Prette & Del Prette, 2009).

O EMEP e o IHSA foram os instrumentos utilizados nesse estudo por serem instrumentos autorizados pelo Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos (SATEPSI). Ambas as escalas permitem aplicação coletiva e são utilizadas em contextos de orientação profissional.

Procedimento para Coleta de Dados

Com a autorização das escolas através da assinatura do Termo de Concordância e Cooperação Técnica foi realizada a aplicação coletiva dos instrumentos. As duas escolas em que a pesquisa foi realizada são as únicas do município que oferecem o ensino médio, sendo assim, não foi necessária a definição de critérios para escolha das mesmas.

Em cada uma das escolas a aplicação ocorreu em uma turma de 2° ano e uma turma de 3° ano. Na escola privada as aplicações ocorreram no turno da noite, enquanto na escola pública, uma aplicação ocorreu no turno da noite (2° ano) e outra no período da manhã (3° ano).

Foram explicados aos alunos: o objetivo da pesquisa, o respeito ao sigilo das informações fornecidas, bem como todo o procedimento para a coleta de dados. Antes da aplicação foi lido e assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Os adolescentes menores de 18 anos de idade o levaram para que um responsável assinasse e após devolveram para a pesquisadora. Foi ainda ressaltado que a identidade do participante estaria preservada e que poderia desistir da participação a qualquer momento da realização da pesquisa.

Os procedimentos adotados nesta pesquisa obedecem aos Critérios da Ética na Pesquisa com Seres Humanos conforme a Resolução n. 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição a qual as autoras são vinculadas (Parecer nº 118/2011). Os questionários foram identificados através de um código, sem a identificação do participante.

Procedimentos para Análise dos Dados

Após a aplicação, os dados foram digitalizados e analisados estatisticamente com auxílio do software Statistical Package for the Social Sciences - SPSS versão 19. As análises envolveram testes descritivos, de correlação, teste t e análises de variância (ANOVAS) para comparação de médias entre grupo. O teste t é utilizado quando existem dois grupos, este avalia se existe diferença significativa entre as médias. Nessa pesquisa o teste t foi utilizado para avaliar as diferenças entre os grupos (trabalha x não trabalha) e grupos (escola pública x escola privada).

A análise de variância (ANOVA) também é um teste paramétrico e permite que sejam verificadas diferenças entre três ou mais grupos. É apropriada para dados extraídos de populações normais fornecendo a chance de obtenção de diferenças entre alguns ou todos os grupos por erro de amostragem (Dancey & Reidy, 2006). Este teste foi utilizado nessa pesquisa para avaliar as diferenças entre as escolas e os turnos de estudo (pública manhã, pública noite e particular noite).

 

Resultados e Discussão

Análises Descritivas

Segundo resultados do censo 2010 (IBGE), 96 pessoas do município na faixa etária entre 15 e 19 anos eram responsáveis pelo seu domicílio, e outras 106 pessoas nessa mesma faixa etária eram cônjuges de pessoas responsáveis pelo domicílio. Baseando-se no fato de que 80% da amostra trabalhava e que, apenas 10% da população jovem era responsável pelo domicílio, verifica-se que os adolescentes participantes do estudo estavam no mercado de trabalho mesmo sem serem responsáveis por seu próprio sustento. Esses dados estimulam reflexões quanto a outros possíveis fatores motivacionais, conforme já verificado em estudo por Oliveira e Robazzi (2001): o investimento no próprio estudo, o auxílio na renda familiar e a obtenção de bens que a família não tem como adquirir (computador, celular, roupas entre outros).

Amazarray et al. (2009), em estudo com adolescentes participantes de um programa de trabalhador-aprendiz, verificaram que o ingresso no mercado de trabalho para eles, está relacionado ao status de adulto-jovem. O trabalho proporciona um valor moral (ser trabalhador significa "ser bom"), o mesmo gera ainda sentimentos de responsabilidade, liberdade, autonomia, que podem ter sido motivadores para adolescentes participantes desta pesquisa também.

Os dados deste estudo demonstraram que 40 alunos (59,7%) trabalhavam com carteira assinada, estando, portanto, de acordo com a legislação trabalhista vigente. Dezesseis alunos (23,90%) não se encontravam com carteira assinada. Estavam inclusos no grupo (sem carteira assinada) os estagiários, que exerciam uma atividade legal estando amparados por contrato. A preocupação com o trabalho na adolescência tem recebido atenção cada vez maior pela sociedade brasileira e Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Quanto ao turno de trabalho, 62,2% trabalhavam durante a manhã e a tarde, representando a maior parte da amostra (Tabela 1). Para esses, o estudo era realizado no turno da noite, não sobrando muito tempo para lazer ou a realização de outras atividades.

 

 

A maior parte dos participantes atuava no setor calçadista (ver Tabela 2), atividade característica do Vale do Paranhana (localizado no Rio Grande do Sul). Deve-se atentar, entretanto, ao grau de risco que os alunos trabalhadores poderiam estar submetidos. Os participantes podiam estar desenvolvendo atividades insalubres e inadequadas à faixa etária nos diversos segmentos em que atuavam. No setor calçadista, os adolescentes podiam estar expostos a máquinas sem a devida proteção ou orientação, a produtos químicos, a ruídos elevados, entre outros fatores de insalubridade.

 

 

Verificou-se que a média geral dos resultados da Escala de Maturidade para a Escolha Profissional -EMEP ficou em 42,76 pontos (DP = 25,49). Esse dado indica que os participantes atingiram um nível médio de maturidade para a escolha profissional (Neiva, 1999). O conceito de maturidade de escolha profissional, conforme Neiva (2003) e Neiva, Silva, Miranda, e Esteves (2005), refere-se a um conjunto de comportamentos e atitudes que o indivíduo possui visando sua inserção no mercado de trabalho de forma madura e consciente. Sendo assim, pode-se dizer que os adolescentes participantes da amostra estão preocupados e envolvidos com pensamentos a respeito da profissão a seguir, mas podem ter ainda muitas dúvidas e incertezas. O aumento no nível de maturidade para a escolha da profissão pode ser obtido através de um processo de orientação profissional, onde os aspectos de maior dificuldade poderão ser trabalhados com o orientando (Neiva, 1999).

Os resultados gerais do Inventário de Habilidades Sociais para Adolescentes - IHSA, relacionados à frequência, atingiram a média de 53,88 (DP = 29,01). Conforme Del Prette e Del Prette (2009), essa média representa um bom repertório de habilidades sociais. A média obtida com relação a dificuldades ficou em 40,48 (DP = 29,85), representando um médio custo de resposta ou ansiedade na emissão das habilidades sociais (Del Prette & Del Prette, 2009). Quando os resultados demonstram maiores escores de frequência e menores escores de dificuldade pode-se dizer que o adolescente tem um repertório elaborado de habilidades sociais (Del Prette e Del Prette, 2009). Com relação aos resultados do estudo, a indicação de bom repertório de habilidade e médio custo de ansiedade vinculado a estas, indicou uma adequação em termos de habilidades sociais, apesar de não estar desenvolvida grande variedade de ações.

Análises Correlacionais e de Comparação entre Grupos

A escola pública teve um número maior de alunos com carteira assinada (n = 25) em relação à escola privada (n = 15). Isso pode ter ocorrido pelo fato de que, na escola privada as profissões geralmente estão relacionadas a estágios, carga horária reduzida ou ainda, alguns alunos exercem alguma função em empresa familiar e acabam não tendo a carteira de trabalho assinada.

A Tabela 3 apresenta correlações entre a maturidade para a escolha profissional e habilidades sociais. Não foram encontradas correlações estatisticamente significativas relacionadas a trabalhar ou não trabalhar. Os alunos que apresentaram maiores escores no EMEP apresentaram menores escores na dificuldade do IHSA total, assim como apresentaram menores escores na dificuldade de empatia, na dificuldade de autocontrole e na dificuldade relacionada à desenvoltura social.

Os alunos que apresentaram maiores escores na subescala de autoconhecimento possuem uma dificuldade menor no IHSA total, menor dificuldade de empatia, de civilidade e de desenvoltura social. Quanto maior o conhecimento da realidade educativa e socioprofissional (verificada pelo EMEP), menor a dificuldade no IHSA total, assim como menor dificuldade de autocontrole e de desenvoltura social.

Não houve diferenças estatisticamente significativas entre os grupos dos adolescentes que trabalhavam e estudavam versus os que não trabalhavam quanto aos escores do EMEP total. Os resultados indicaram um valor médio de 55,45 (DP = 21,50) no grupo dos alunos que não trabalhavam e de 40,27 (DP = 25,64) no grupo que trabalhava e estudava. O grupo que trabalhava e estudava, contudo, apresentou escore de maturidade inferior ao do outro grupo. O efeito observado, contudo, foi moderado (d = 0,61), indicando que a falta de significância estatística talvez deva-se ao pequeno tamanho amostral. É possível que a inserção no mundo do trabalho possa ter trazido dificuldades para pensar o futuro profissional entre os jovens trabalhadores. Os dados desta investigação, no entanto, não permitem conclusões mais seguras sobre esse efeito, devendo ser melhor investigado em pesquisas futuras.

Também não foi percebida diferença estatisticamente significativa em relação ao escore total da EMEP entre alunos de escola pública (M = 49,02; DP = 24,62) e privada (M = 32,88; DP = 24,09). Novamente, contudo, o efeito observado foi moderado (d = 0,66), sugerindo que a não significância tenha sido resultado do tamanho amostral reduzido. Pode-se levantar a hipótese de que na escola pública a maturidade tenha sido maior em virtude da necessidade de ordem financeira dos alunos e a constatação de que o adolescente de classes mais baixas assume mais rapidamente papeis de adultos. Estes muitas vezes procuram definir rapidamente uma profissão e ingressar no mercado de trabalho para construírem uma independência financeira. Outra possibilidade é de que estes alunos tivessem um interesse maior em se desenvolverem profissionalmente e tornarem-se pessoas estabilizadas e bem sucedidas em sua carreira visando um futuro adequado a suas expectativas profissionais.

Já em estudo realizado por Neiva et al. (2005), comparando as diferenças entre alunos de escolas pública e privada em Curitiba/PR, foram encontradas diferenças estatisticamente significativas no EMEP total e em todas as outras subescalas. As médias mais altas de todas as subescalas foram da escola privada, o oposto do ocorrido nesta pesquisa. O estudo afirma que a média de maturidade maior na escola privada ocorreu pela maior quantidade de recursos disponíveis aos alunos, a qualidade do ensino e o nível socioeconômico (Neiva et al., 2005).

O Rio Grande do Sul, estado onde foi realizado o estudo, e especificamente a cultura local são fatores que podem ter influenciado diretamente nestes resultados. No caso do município em que foram coletados os dados, as famílias são de origem alemã e italiana em sua maioria, sendo que, ambas percebem o trabalho como motivo de orgulho e dedicação. Essa visão é passada desde cedo aos filhos, que crescem seguindo os moldes dos pais. Sendo assim, estudar na escola pública ou particular não influenciaria tanto na maturidade para a escolha profissional ou no desejo de ingressar no mercado de trabalho quanto a cultura familiar.

Ainda com relação a questões culturais, a amostra do estudo apresentou-se composta por um percentual feminino maior de adolescentes. Esse dado pode sinalizar que possivelmente os adolescentes masculinos do município acabavam desistindo de frequentar as aulas mais cedo para se dedicar a profissão, consequência negativa do mercado de trabalho já identificada pela literatura (Asmus et al., 2005; Mattos & Chaves, 2010; Oliveira, Fischer, Amaral et al., 2005; Oliveira & Robazzi, 2001). É válido considerar ainda, a possibilidade de uma cobrança maior dos pais sob os filhos homens do que sob as filhas mulheres quanto a buscarem uma independência financeira, revelando uma herança cultural que ainda prevalece na cultura dessa região.

Nos resultados totais de frequência e dificuldade do IHSA não foram encontradas diferenças significativas entre o grupo que trabalhava e estudava e o que só estudava (ver Tabela 4). As médias relacionadas à frequência ficaram em 51,36 (DP = 27,94) no grupo que não trabalhava e 54,38 (DP = 29,45) no grupo que estudava e trabalhava. Os resultados médios relacionados a dificuldades do IHSA ficaram como valor de 39,09 (DP = 30,15) no grupo que não trabalhava e 40,75 (DP = 30,07) no grupo que estudava e trabalhava.

Estudos (Amazarray et al., 2009; Oliveira & Robazzi, 2001) demonstram dados relevantes quanto à importância e necessidade de habilidades sociais para o desenvolvimento do profissional. No caso do município onde foram coletados os dados, parece que não havia um espaço de desenvolvimento de novas habilidades, além do repertório que o adolescente já possuía ao ingressar no trabalho. Por exemplo, a empresa de calçados onde se encontrava a maior parte da amostra investigada tem tendência a ser um ambiente que pouco estimula comportamentos que desenvolvam habilidades sociais. As empresas acabam impondo ao adolescente que este seja submisso, obediente, disposto para o trabalho, permitindo assim, que o modelo social atual de dominação/subordinação se mantenha em funcionamento.

Nos critérios de dificuldade do IHSA, as subescalas assertividade e abordagem afetiva apresentaram diferença significativa na comparação entre os grupos. A assertividade no grupo que não trabalhava ficou com média inferior ao grupo que trabalhava e estudava. Segundo Del Prette e Del Prette (2009), a assertividade refere-se à capacidade de expressar sentimentos negativos como, por exemplo, a raiva e o desagrado, conseguir falar sobre si próprio (qualidades e defeitos), concordar ou discordar de opiniões, defender os próprios direitos, resistir à pressão dos colegas.

Sarriera et al. (1999) afirma que a assertividade é um dos fatores essenciais para que o adolescente possa ter um bom desempenho no local de trabalho. Cita além desta, habilidades como a comunicação, autoestima, estratégias de solução de problemas e tomada de decisão. Por outro lado, pode-se pensar que, ser assertivo em determinados locais de trabalho nem sempre é bem aceito. Talvez o jovem que trabalhava tenha demonstrado média de dificuldade maior em relação ao que não trabalhava, por ter percebido que nem sempre as colocações ou posicionamentos são aprovados em determinados contextos, podendo inclusive, serem considerados motivos que justificam uma demissão, por exemplo.

Na subescala de dificuldade quanto a abordagem afetiva, o grupo que não trabalhava apresentou uma média de 41 (DP = 36,33) demonstrando uma dificuldade maior do que o grupo que trabalhava e estudava (M = 38,27; DP = 27,94). Conforme Del Prette e Del Prette (2009), a abordagem afetiva está relacionada ao fazer amizades, saber elaborar e responder perguntas pessoais, manter uma conversação (enturmar-se), saber elogiar e aceitar elogios, oferecer ajuda, cumprimentar as pessoas, identificar e utilizar jargões apropriados ao contexto, entre outros. Nesta situação pode-se pensar que o grupo que trabalhava e estudava estava com uma dificuldade menor por estar mais adaptado em função do próprio contexto de trabalho. Ao serem analisadas as profissões, por exemplo, raramente encontrar-se-á uma em que não sejam necessárias as relações interpessoais. É quase impossível trabalhar isolado de interação social. As amizades são descritas na literatura, como responsáveis pela diminuição de frustrações relacionadas ao trabalho e aos estudos, além de serem motivadoras, reduzindo abandono e absenteísmo (Del Prette & Del Prette, 2010).

Estes dados também permitem constatar que estar inserido no mercado de trabalho amplia as possibilidades do adolescente em fazer novas amizades, manter uma conversação e saber receber e dar elogios (características da abordagem afetiva). Entretanto, vive em um contexto no qual o adolescente tem mais dificuldade em ser assertivo. O ambiente de trabalho exige que o adolescente trabalhe em equipe e não deva expressar seu desagrado com as situações do cotidiano.

Comparando os alunos de cada tipo de escola (pública e privada), também não foram encontradas diferenças significativas com relação aos escores totais de frequência e dificuldade no IHSA. Na escola privada a frequência média ficou em 63,42 (DP = 26,31) e a dificuldade média em 37,27 (DP = 29,89). Já na escola pública, a frequência ficou com média 47,83 (DP = 29,32) e a dificuldade média com 42,51 (DP = 30,02). Entretanto, foram identificadas diferenças estatisticamente significativas com relação à frequência do IHSA nas subescalas autocontrole e abordagem afetiva. Na subescala autocontrole os alunos da escola pública obtiveram média de 40,95 (DP = 32,45) e os alunos da escola privada 59,5 (DP = 25,23). O autocontrole é a capacidade de reconhecer e nomear as próprias emoções e dos outros, saber controlar a ansiedade, acalmar-se, controlar o humor, tolerar frustrações, expressar emoções tanto positivas quanto negativas (Del Prette & Del Prette, 2009). Na subescala de frequência na abordagem afetiva, os alunos da escola pública atingiram a média de 45,34 (DP = 24,63) e os alunos da escola privada 56,27 (DP = 33,66), indicando uma maior riqueza de habilidades social na escola privada.

Utilizou-se de análises de variância (ANOVA One way; Post Hoc Tukey) a fim de identificar diferenças estatisticamente significativas entre os alunos que estudavam pela manhã e a noite nas escolas pública e particular. Isso, porque a diferença no turno de estudo poderia estar influenciando nos resultados das escolas, e não pelo fato de serem pública ou privada, hipótese levantada anteriormente. A análise da diferença entre as médias identificou que nos escores do EMEP total houve diferença estatisticamente significativa entre a escola particular no turno da noite (M = 32,88) e a escola pública no turno da manhã (M = 51,92).

Esse resultado demonstrou uma maturidade maior de escolha da profissão nos alunos da escola pública que estudavam pela manhã (F = 3,975; gl = 2; p < 0,05). A subescala autoconhecimento mensura o quanto o indivíduo conhece sobre si mesmo. Como características pessoais, interesses, valores e habilidades. São aspectos que podem estar contribuindo para a escolha da profissão (Neiva, 1999). Esta subescala demonstrou que os alunos da escola pública do turno da noite obtiveram médias mais altas (M = 51,27) com relação aos alunos da escola particular (M = 31,96) do turno da noite (F = 4,383; gl = 2; p < 0,05).

Referente ao conhecimento da realidade educativa e socioprofissional, que mede o quanto o aluno conhece sobre o mercado de trabalho, instituições de ensino, nível salarial e profissões diversas (Neiva, 1999), os participantes da escola pública no turno da manhã apresentaram média mais elevada (M = 61,46) quando comparadas à escola particular (M = 41,15) no turno da noite (F = 4,482; gl = 2; p < 0,05). Através destas análises, foi possível confirmar que o turno de estudo nesta amostra influenciou nos resultados do EMEP. Os alunos da escola pública no turno da manhã demonstraram um nível maturidade de escolha profissional mais elevado em relação aos alunos da escola particular no turno da noite.

As hipóteses a respeito deste resultado podem variar entre diversos motivos. O horário das aulas favorecia a atenção dos alunos para assuntos relacionados à profissão tratados na escola com professores e outros colegas, o que justifica inclusive, a média superior aos alunos da escola particular da noite em conhecimento da realidade profissional. Outro ponto seria a disponibilidade maior de tempo para dedicar-se a sua escolha, que reflete quanto a questões como: maior urgência em definir uma escolha profissional e investir na profissão objetivando um retorno financeiro rápido. Outra hipótese refere-se ao fato de que a turma participante no período da manhã foi um 3º ano, que como consequência da fase de saída da escola em que se encontravam, podiam estar estruturando seus objetivos para os próximos anos com mais ênfase. A escola pública, no turno da noite, obteve médias superiores quando comparadas às médias da escola particular do turno da noite na subescala autoconhecimento. Pode-se pensar que estes alunos eram mais introspectivos e acabavam não trocando tantas informações com os colegas quanto os alunos da escola particular. Acredita-se que as trocas e interações proporcionam um conhecimento maior de si mesmo.

Na subescala autocontrole do IHSA relacionada à frequência, a escola particular no turno da noite apresentou diferença estatisticamente significativa (M = 59,50) em comparação à pública (M = 36,35) no turno da manhã (F = 3,953; gl = 2; p < 0,05). Ainda com relação ao autocontrole, a dificuldade dos alunos da escola pública da manhã, foi maior (M = 55,31) do que a dos alunos da pública da noite (M = 31,93) (F = 4,948; gl = 2; p < 0,05). Os resultados indicaram ainda que, na subescala desenvoltura social, a escola particular no turno da noite obteve uma frequência maior (M = 62,15) quando comparada à escola pública no turno da manhã (M = 38,54) (F = 5,918; gl = 2; p < 0,05).

Quanto aos dados do IHSA, os alunos da escola particular no turno da noite, obtiveram índices de frequência maiores no autocontrole e na desenvoltura social quando comparados aos os alunos da escola pública no turno da manhã. Referente a esses dados, pode-se questionar se o baixo índice de desenvoltura social (que é a baixa capacidade de se expressar em diversas situações) estava relacionado à dificuldade no autocontrole. Ou seja, como os alunos não tinham um grande repertório de habilidade para expressar suas opiniões e sentimentos em situações adversas, em momentos de raiva podiam não ter recursos para escolher como agir, e acabavam por agir impulsivamente na resolução dos impasses.

Estas relações entre turno e escola indicaram que a escola pública propicia um espaço adequado para o desenvolvimento da maturidade para a escolha profissional, através de mecanismos diferentes, de acordo com o turno de ensino. Na turma pela manhã há um melhor conhecimento da realidade educativa e socioprofissional (que pode ser reflexo de estarem no último ano do ensino médio). Na turma do noturno, há um melhor autoconhecimento. Já a escola particular propicia a vivência de uma maior diversidade de habilidades sociais, em especial de autocontrole e desenvoltura social.

Desta forma, é possível concluir que não só o ambiente do trabalho, mas também o contexto escolar é fundamental para compreender o desenvolvimento de habilidades sociais e a maturidade para a escolha profissional em adolescentes. As interações que acontecem nestes dois contextos são alavancas para o futuro do adolescente.

 

Considerações Finais

Esta pesquisa teve como objetivo identificar possíveis correlações entre a inserção no mercado de trabalho, a maturidade de escolha profissional e as habilidades sociais do adolescente, verificando se o trabalho influencia na maturidade e nas habilidades sociais. Verificou-se que, a variável "trabalho" não alterou a maturidade profissional e as habilidades sociais de maneira significativa nos adolescentes que participaram no estudo de uma forma geral. Pode-se pensar que, os adolescentes não estavam trabalhando em locais que favorecessem a maturidade de escolha profissional e as habilidades sociais. Entretanto, com relação aos resultados do IHSA no critério de Dificuldades, os adolescentes que trabalhavam e estudavam apresentaram menor dificuldade em estabelecer vínculos afetivos e maior dificuldade em serem assertivos quando comparados aos adolescentes que apenas estudavam no momento da pesquisa.

Foi possível verificar diferenças nos adolescentes com relação à escola (pública x privada) e ao turno de estudo (manhã x noite) em ambos os construtos pesquisados. Os adolescentes que estudavam na escola pública pela manhã obtiveram em seus resultados maior conhecimento da realidade educativa e socioprofissional e maior maturidade no EMEP. Os alunos da escola pública, que estudavam a noite, apresentaram um maior nível de autoconhecimento (no EMEP). Os alunos da escola particular no turno da noite apresentaram um maior repertório de habilidades sociais no autocontrole e na desenvoltura social em comparação com os outros grupos.

Estas variações indicaram a complexidade de estudar o processo de amadurecimento profissional nos contextos escolar e profissional. Muitas outras variáveis podem ter influenciado este resultado. Este estudo teve limitações práticas, como a dificuldade em encontrar adolescentes que não estivessem trabalhando no momento da coleta. A dificuldade, de certa forma, confirmou a realidade do município de que os adolescentes estão ingressando cada vez mais cedo no mercado de trabalho, por diversos motivos. Ao mesmo tempo, indica a importância da realização de um processo de orientação profissional antes do período de conclusão do ensino médio.

O estudo realizado restringiu-se a aplicação dos instrumentos a fim de identificar o perfil dos adolescentes que estavam concluindo o ensino médio e ingressando no mercado de trabalho. O EMEP, por exemplo, é um recurso psicométrico que foi aplicado fora de um contexto de orientação profissional (espaço no qual seu uso é recomendado). Sendo assim, têm-se indicativos de alguns aspectos relacionados ao nível de maturidade de escolha do aluno. Entende-se que entrevistas psicológicas realizadas individualmente abordariam com maior profundidade e clareza o assunto em questão, ampliando as possibilidades de interpretação dos dados do instrumento. Um treinamento de habilidades sociais e/ou um processo de orientação profissional trariam informações mais completas a respeito dos alunos e das relações entre trabalho, habilidades sociais e maturidade para a escolha profissional.

Sendo assim, faz-se necessário que novos estudos investiguem com ênfase maior os motivos que levam os jovens em busca de emprego. São relevantes ainda, estudos em outras regiões, verificando o nível de maturidade e de habilidades sociais em outras culturas. Também é importante o desenvolvimento de estudos qualitativos que investiguem o quanto os adolescentes sentem-se maduros e preparados para escolherem uma carreira ou que busquem identificar as angústias e questionamentos dos adolescentes do 3º ano com relação ao que fazer após a conclusão do Ensino Médio.

 

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Endereço para correspondência:
Greice Colombo
Rua Santo Antônio, 1256, Centro
95690-000, Rolante-RS
E-mail: greicecolombo@yahoo.com.br

Recebido 14/05/2013
1ª Revisão 21/10/2013
2ª Revisão 31/01/2014
Aceite Final 18/04/2014

 

 

Sobre os autores
Greice Colombo é Psicóloga graduada pela Faccat - Faculdades Integradas de Taquara/RS.
Laíssa Eschiletti Prati é Psicóloga, Mestre em Psicologia Social e Institucional e Doutora em Psicologia pela UFRGS. Professora do curso de Psicologia das Faculdades Integradas de Taquara/RS (Faccat). Coordenadora do Grupo de pesquisa em Psicologia Comunitária Saúde.com

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