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Revista Brasileira de Orientação Profissional

versão impressa ISSN 1679-3390versão On-line ISSN 1984-7270

Rev. bras. orientac. prof vol.16 no.2 Florianópolis dez. 2015

 

ARTIGO

 

Motivações de idosos para participação no programa Universidade Aberta à Terceira Idade

 

Motivations of older people to participate in the Open University for Third Age

 

Motivaciones de los ancianos para la participación en el Programa Universidad Abierta de la Tercera Edad

 

 

Ana Alice da Silva PereiraI; Vilma Valéria Dias CoutoII; Fabio Scorsolini-CominII

IUniversidade Federal de Uberlândia, Uberlândia-MG, Brasil
IIUniversidade Federal do Triângulo Mineiro, Uberaba-MG, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo teve por objetivo investigar as motivações de idosos para participação no programa Universidade Aberta à Terceira Idade da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UATI-UFTM). Participaram 10 idosos (M = 68,9 anos; DP = 8,41), que responderam um questionário sociodemográfico e roteiro de entrevista. As motivações predominantes foram: buscar conhecimentos e realizar o sonho de estudar; ampliar vínculos sociais; ocupar tempo livre; obter qualidade de vida. Esses resultados são consonantes com a literatura, mostrando a educação como via possível de atender às demandas dos idosos e proporcionar aquisições nessa fase. No entanto, propostas educacionais como da UATI atendem a um perfil específico de idoso, trazendo a necessidade de pensar iniciativas que beneficiem aqueles que não se enquadram nessa estrutura, ampliando o alcance desses programas.

Palavras-chave: idosos, envelhecimento, aposentadoria, programas educacionais


ABSTRACT

This study investigated the motivations of the seniors to participate in the program called Open University for Third Age, at Federal University of Triângulo Mineiro (UATI-UFTM). There were 10 seniors (M = 68.9 years old; SD = 8.41), which answered a sociodemographic questionnaire and an interview script. The main motivations listed were: seeking for knowledge; accomplishing the dream of studying; improving social links; doing valuable things on free time and getting better quality of life. These results agree with other studies in the field and show that education can attend the seniors demands, as also improve their learning in this stage of life. However, the program UATI includes such a specific senior's group profile that makes necessary to think the development of new initiatives in order to benefit those that don't fit in the structure of this program.

Keywords: seniors, aging, education, retirement, educational programs


RESUMEN

Este estudio tuvo como objetivo investigar las motivaciones de los adultos mayores para asistir a la Universidad Abierta de la Tercera Edad de la Universidad Federal del Triángulo Mineiro (UATI-UFTM, en Portugués). Participaron 10 adultos mayores (M = 68,9 años, DP = 8,41) que respondieron a un cuestionario sociodemográfico y a una guía de entrevista. Las principales razones que emergieron fueron: la búsqueda de conocimiento y la realización de los deseos; la extensión de las relaciones sociales; la ocupación del tiempo libre; y mejorar la calidad de vida. Estos resultados son consistentes con la literatura, mostrando a la educación como una posible forma de satisfacer las demandas de los ancianos mejorando la capacidad de aprendizaje en esta etapa. Sin embargo, las propuestas educativas como el UATI reúnen un perfil específico de personas, lo cual hace necesario pensar iniciativas que beneficien a aquellos que no se ajustan a este perfil, ampliando el alcance de estos programas.

Palabras clave: anciano, envejecimiento, jubilación, programas educativos


 

 

O envelhecimento tem sido destacado como uma fase não mais de declínio e perdas, mas de aquisições, transformações e com possibilidades de aperfeiçoamento de habilidades e de busca de maior satisfação de vida (Alves-Silva, Scorsolini-Comin, & Santos, 2013; Ferreira & Barham, 2011; Küchemann, 2012; Yassuda & Silva, 2010). Essas mudanças trouxeram um aumento nas pesquisas envolvendo os idosos, ampliando consideravelmente a produção científica na área (Minayo, Souza, & Paula, 2010) e a visibilidade desse público em termos de políticas públicas.

Estudos no campo da Orientação Profissional e de Carreira vêm sendo ampliados não apenas pela maior longevidade da população, mas pela consideração de que idosos podem estudar e trabalhar mesmo depois da aposentadoria ou da conclusão do período formal de instrução, isso tanto devido a necessidades socioeconômicas como a um desejo de permanecer ativo e engajado em atividades que permitam a satisfação. Assim, são consideradas pessoas ativas, com aspirações educacionais e profissionais, sendo que a emergência da terceira idade pode ser um disparador de importantes mudanças não apenas em termos de estilos de vida, mas de revisões de vida, favorecendo a retomada dos estudos, o início de uma nova profissão ou de uma ocupação considerada prazerosa. Esta fase do ciclo vital, associada, na maioria dos casos, ao processo de aposentadoria e de diminuição da atividade intelectual e laboral, tem cedido espaço para um cenário no qual os idosos refletem cada vez mais sobre a necessidade de adquirirem novos conhecimentos e de desenvolverem práticas profissionais aliadas aos objetivos específicos como complementar a renda ou mesmo trabalharem para se sentirem produtivos, satisfeitos e capazes de novos aprendizados (França, Murta, Negreiros, Pedralho, & Carvalhedo, 2013; Menezes & França, 2012; Nalin & França, 2015; Scorsolini-Comin, 2015; Teixeira & Neri, 2008; Zanelli, 2012).

Os programas educacionais, sociais e de saúde direcionados aos idosos buscam promover um envelhecimento equilibrado, bem-sucedido, em que aos declínios, causados pela própria idade, possam se contrapor os benefícios obtidos pela participação nas propostas ofertadas (Scoralick-Lempke & Barbosa 2012). Assim, os estudos recentes têm se preocupado não só em avaliar perdas, mas pensar nas possibilidades que esta etapa de vida traz (Alves-Silva, Scorsolini-Comin & Santos, 2013), inclusive em termos da carreira e da realização de estudos que encontram na universidade um espaço de interlocução. A partir desse entendimento, é possível pensar em iniciativas que vão além da ocupação de tempo livre. O acesso à educação, nesse contexto, surge como um meio de promover o desenvolvimento na terceira idade e uma reflexão sobre a importância da carreira nesse processo.

Entende-se a educação como uma maneira pela qual o idoso pode vencer os desafios impostos pela idade, uma vez que possibilita não só a aquisição de conhecimentos e habilidades, mas também a ampliação dos laços sociais. Os programas sociais voltados aos idosos, apesar de terem denominações e currículos diversos, possuem propósitos comuns, como o de rever os estereótipos e preconceitos com relação à velhice, promover a autoestima e o resgate da cidadania, incentivar a autonomia, independência, autoexpressão e reinserção social, em busca de uma velhice bem-sucedida. Tais programas estão presentes em grande parte das universidades públicas e particulares e se mostram fundamentais no redimensionamento do processo de envelhecer. Cabe destacar que, com o crescimento destes programas, as Universidades da Terceira Idade também constituíram espaços privilegiados de estudo e pesquisa sobre o envelhecimento e sobre as atividades laborais e educacionais nessa fase (Cachioni & Neri, 2004).

As pesquisas nesse contexto buscam apresentar as práticas desenvolvidas em Universidades de Terceira Idade e avaliar as motivações para participação dos idosos, bem como os efeitos desses programas na população atendida (Cachioni & Neri, 2004; Irigaray & Schneider, 2008; Ordonez & Cachioni, 2011; Yassuda & Silva, 2010). Na Universidade Federal do Triângulo Mineiro - UFTM, instituição pública de ensino situada na região do Triângulo Mineiro, estado de Minas Gerais, o programa destinado ao idoso é chamado de Universidade Aberta à Terceira Idade (UATI) e teve seu início no ano de 2009. Este programa será discutido em detalhes no presente estudo. Trata-se de um programa de extensão universitária que tem uma relação direta com a comunidade de pessoas idosas da cidade de Uberaba. Seu objetivo é "proporcionar a esta população o livre acesso à Universidade para a atualização do conhecimento, favorecendo a adaptação a situações diferentes em curto espaço de tempo e verdadeira inclusão social" (UFTM, 2014). A UATI funciona anualmente, no período de março a dezembro. O projeto conta com a participação de docentes e discentes de vários cursos, e cada um contribui com conteúdos relevantes para a população idosa. As atividades são realizadas uma vez por semana, no período da tarde, sendo que cada curso envolvido desenvolve aspectos relacionados ao seu campo de atuação. Por exemplo, a Fisioterapia promove oficinas de exercícios físicos, práticas de massagem e indicações para o uso adequado do movimento nas diversas atividades rotineiras, tudo devidamente adaptado para as necessidades dessa população.

O papel do curso de Psicologia da UFTM neste contexto tem sido o de utilizar o espaço da UATI não para o ensino de conteúdos trabalhados no curso regular de Psicologia, mas para que os idosos possam expressar seus sentimentos, experiências, dificuldades e perspectivas, combinando atenção psicológica e ensino de conteúdos relacionados à Psicologia. São desenvolvidas oficinas, grupos e workshops sempre tendo como referência os interesses relatados pelos participantes em conversas prévias. Desse modo, os conteúdos discutidos são demandas trazidas pelos participantes, que encontram na equipe de profissionais de Psicologia e estudantes envolvidos a possibilidade de construção de saberes e práticas sobre assuntos como fragilidade do idoso, saúde mental, acompanhamento psicológico na terceira idade, relacionamentos interpessoais com amigos, familiares e cuidadores, entre outras possibilidades, como as relacionadas ao aconselhamento de carreira na transição para a aposentadoria (Scorsolini-Comin, 2015). As atividades da UATI são divulgadas em serviços de saúde da cidade, ligadas à atenção básica. Posteriormente, os participantes do projeto o divulgam junto a suas redes de contato, ampliando o alcance da UATI. Além de promover a educação continuada, a UATI é também uma forma de respeitar a cidadania do idoso, uma vez que a educação também é um direito deste (Couto et al., 2012).

Tendo em vista o crescente interesse dos idosos em participar de programas realizados no contexto universitário e pensando na relevância de discutir as propostas educacionais oferecidas a essas pessoas, bem como suas especificidades, o presente estudo teve por objetivo investigar as motivações de idosos para participação no programa intitulado Universidade Aberta à Terceira Idade da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UATI-UFTM). A compreensão dessas motivações pode ser importante para a realização de ajustes na proposta de oferta, bem como dialogar com outros projetos educacionais desenvolvidos em outras instituições, ampliando os conhecimentos acerca da educação voltada a essa população. Trata-se de uma pesquisa realizada dentro de um projeto de extensão, de modo que a proposta não é descrever a experiência profissional nessas intervenções, mas justamente avaliar as motivações relatadas por esses idosos para o aprimoramento no modelo em execução.

 

Método

Participantes

Esta pesquisa qualitativa, de caráter exploratório, baseia-se principalmente nos depoimentos das pessoas que participam ou já participaram do Programa Universidade Aberta à Terceira Idade (UATI-UFTM). Os critérios de inclusão foram: ter ou estar frequentando a UATI-UFTM, idade igual ou acima de 60 anos e disponibilidade para conceder entrevista, sem restrição em relação a sexo, renda ou condições sociodemográficas. Para este estudo, foi selecionada uma amostra de dez idosos, escolhidos de forma aleatória e atendendo a critérios de conveniência. Foram entrevistados todos os idosos que aceitaram participar da coleta. Como não houve diferenças significativas em termos dos atuais participantes e dos ex-participantes, optou-se por não destacar esse aspecto na análise.

Instrumentos

(a) Questionário sociodemográfico, composto por 21 itens e construído com base no guia de entrevista elaborado por Rosa Novo (2000, citado por Couto, 2007). Teve o propósito de caracterizar o grupo de idosos da UATI quanto ao sexo, idade, estado civil, escolaridade, renda, lazer, atividades que realiza e percepção sobre as condições de saúde;

(b) Roteiro de entrevista semiestruturado, elaborado pelos pesquisadores deste estudo com o objetivo de investigar as motivações dos idosos para participação na UATI, bem como conhecer suas percepções sobre o retorno aos estudos nesse momento da vida.

Procedimento

Coleta de dados. Após a aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa da UFTM (2415/2012), e de posse da relação dos idosos que participam ou já participaram da UATI, foi iniciada a coleta. Os pesquisadores entraram em contato com os potenciais participantes via telefone ou contato pessoal, explicando o objetivo e procedimentos de pesquisa. Para os que concordaram, foi agendada uma entrevista. Neste encontro, realizado nos domicílios dos colaboradores e em salas reservadas da universidade, iniciou-se com a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Posteriormente, foi realizada a entrevista individual orientada pelo questionário sociodemográfico e roteiro semiestruturado de entrevista. As entrevistas foram audiogravadas com o consentimento dos participantes e transcritas posteriormente, na íntegra e literalmente. Por questões éticas, os nomes dos participantes foram omitidos, utilizando-se uma numeração sequencial para identificá-los.

Análise dos dados. Os dados do questionário sociodemográfico foram analisados por meio de estatística descritiva, a fim de caracterizar os participantes (médias, desvios-padrão e porcentagens). Os dados da entrevista foram analisados qualitativamente de acordo com proposta metodológica da análise de conteúdo, composta por três fases: (a) pré-análise, (b) exploração do material e (c) tratamento dos dados obtidos e interpretação (Minayo, 1992). Os conteúdos foram organizados em categorias que correspondem às principais motivações relatadas. A análise dessas categorias foi realizada a partir do diálogo com autores da área (Cachioni & Neri, 2004; Irigaray & Schneider, 2008; Ordonez & Cachioni, 2011).

 

Resultados e Discussão

Caracterização da amostra

A amostra foi composta de 10 integrantes, sendo nove mulheres e um homem. Essa desigualdade de sexo deve-se ao pequeno número de homens que participam do programa UATI em comparação com o número de mulheres. A idade variou de 61 a 86 anos (M = 68,9; DP = 8,41). Com relação à escolaridade, a maioria possui o ensino médio completo (n = 6). Quanto ao estado civil, a maioria (n = 4) é casada. Um dos participantes não possui filhos, e a média de filhos entre os outros participantes é de três filhos. Cinco deles avaliam seu nível socioeconômico como nem satisfatório, nem insatisfatório, três o avaliam como satisfatório, um avalia como muito satisfatório e apenas um avalia como insatisfatório. Já na avaliação que fazem de seu estado de saúde, a maioria (n = 6) o considera bom. A maioria completou ensino fundamental ou médio.

Foram citadas como atividades de lazer praticadas, além das que constavam no questionário, as seguintes: igreja, artesanato, UAI (Unidade de Atendimento Integrado, que oferece diversos serviços de atenção aos idosos), palavra cruzada, SESC (Serviço Social do Comércio), Sudoku e romaria, o que mostra certa diversidade, englobando tanto atividades individuais e desenvolvidas no contexto doméstico quanto atividades que envolvem a comunidade de referência e serviços de saúde ligados ao município. Embora a amostra do presente estudo possa ser considerada reduzida, há que se reconhecer de que modo esse perfil, de certa forma, recupera dados semelhantes aos de outras investigações, como o predomínio feminino, apontando a necessidade de que os programas sejam diversificados para atingir amplamente a população idosa (Irigaray & Schneider, 2007; Ordonez & Cachioni, 2011).

Roque et al. (2011) comparam os resultados obtidos em uma Universidade da Terceira Idade com dados do restante da população idosa brasileira, apontando as seguintes conclusões: a distribuição por sexo difere da população do Brasil, em que 55,93% são mulheres, enquanto na UATI esse número atinge 93,3%; com relação ao estado civil, ambos apresentam um percentual mais significativo de indivíduos casados. Mas é na questão da escolaridade que os dados são mais discrepantes, em que a maioria dos participantes da UATI (78,7%) completou nove anos de estudo, contra 14,4% da população geral que, em sua maior parte (33,5%), frequentou a escola por período inferior a um ano.

Couto et al. (2012) apontam que o aumento do número de idosos ativos e saudáveis anuncia o surgimento de um perfil de idoso que busca atividades e conhecimentos voltados à manutenção da saúde e qualidade de vida, satisfação e realização pessoal. Também revelam o envolvimento em atividades laborais, mostrando-se ativos e contribuindo com a renda mensal em seus domicílios. No entanto, fica claro o perfil dos idosos participantes das UATI não corresponde ao perfil da maioria dos idosos no país que, por vezes, vivem uma realidade muito contrastante com a descrita.

Motivações para participar da UATI

As motivações apontadas pelos participantes foram organizadas em quatro categorias, após processo de análise: (a) buscar conhecimentos e realizar o desejo de estudar; (b) ampliar os vínculos sociais; (c) ocupar o tempo livre; (d) obter qualidade de vida. A seguir, cada uma dessas categorias será explorada em profundidade.

Buscar conhecimentos e realizar o desejo de estudar

Esta categoria compreende os relatos dos idosos que dizem buscar o estudo como uma maneira de se atualizar, de ter acesso a informações que podem ser úteis no dia a dia deles. Compreende, ainda, as falas de idosos que, por algum motivo, precisaram interromper seus estudos, mas que têm vontade de estudar e percebem na UATI a possibilidade de realização desse desejo. Isso pode ser reconhecido nas seguintes falas:

A gente quer um conhecimento (...). E aqui pra mim, como diz, ce tá vendo que é um conhecimento diferente, muito melhor do que você ficar em casa à toa, né? (Participante 4, mulher, 65 anos)

Depois aí veio casamento, os filhos, criar os filhos, depois que todo mundo formou é que voltei a estudar. Eu acho que um, é um sonho, é muito importante, é um sonho de criança. (Participante 6, mulher, 66 anos)

Nesses dois excertos podemos compreender um duplo movimento: o da educação como algo que pode ocupar o tempo ocioso e como uma forma de resgatar uma oportunidade outrora negada na história de vida do sujeito. A participante 6 destaca que só buscou esse processo formal de educação depois que seus filhos se formaram, o que revela um cenário de possíveis privações para que os filhos permanecessem nos estudos. Com a finalização desse percurso, abre-se a possibilidade de que a participante, agora com 66 anos de idade, também percorra uma trajetória semelhante, descrita por ela como um sonho. A afirmação desse projeto de estudar ou de retomar os estudos é amparado por uma série de políticas públicas. Alves e Vianna (2010) afirmam que o direito dos idosos à educação é assegurado em diversos documentos oficiais, entre eles a Política Nacional do Idoso, Política Nacional da Saúde do Idoso, Estatuto do Idoso, os Parâmetros Curriculares Nacionais e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). O Estatuto do Idoso, em relação à educação, ressalta que a oferta educacional deve levar em consideração a condição do idoso, efetuando a adequação de currículos, metodologia e material didático, de forma a se orientar pelas demandas e interesse deste grupo (Brasil, 2003). Na amostra do presente estudo pode-se notar a adequação dos currículos, o que ocorre a partir da disponibilidade das equipes envolvidas e das necessidades dos idosos participantes. Os cursos envolvidos, como Nutrição, Fisioterapia, Terapia Ocupacional e Psicologia, acabam oferecendo conteúdos pensando nas condições desses idosos em termos de frequência à universidade e também de conhecimentos que podem ser úteis nessa fase, como alimentação saudável, atividades de relaxamento e de inserção social. Nesse sentido, podem cumprir o objetivo de ocupar o tempo ocioso, apresentando-se, também, como uma possibilidade de lazer e de promoção de bem-estar.

Esses programas podem estar mais alinhados às necessidades laborais dessa população, ainda que muitos deles estejam aposentados. A aposentadoria não pode ser considerada sinônimo de uma fase na qual não haverá atividades significativas, mas justamente como um dado período no qual podem emergir diferentes necessidades, como envolvimento em atividades anteriormente impossíveis, como abertura de um negócio próprio e utilização de uma expertise acumulada para orientar e aconselhar determinados profissionais (França, 2010; Scorsolini-Comin, 2015). Esses programas podem, de fato, compreender a terceira idade como uma fase de aquisições e desenvolvimento, fomentando o envolvimento dos idosos não apenas em atividades prazerosas que façam o tempo passar mais rápido, mas aproveitar esse tempo para iniciar projetos e também continuar propostas desenvolvidas ao longo da vida. O aconselhamento de carreira pode ser útil no sentido de possibilitar essa reflexão, compreendendo o mundo do trabalho como algo que também contribui para a satisfação de vida e para a busca de um sentido, o que se mostra essencial em uma fase social e historicamente associada à ausência de perspectivas e planejamentos.

Dias (2007) aponta que, embora o direito de todos à educação venha sendo amparado pela lei desde 1824, foi na Constituição Federal de 1988 que ela adquiriu seu caráter de universalidade, sendo a partir desta data que o Estado tomou para si a responsabilidade de oferecer ensino a todas as crianças em idade escolar. O acesso à educação era ainda mais dificultado na zona rural, em que os homens com frequência abandonavam os estudos para se dedicar ao trabalho no campo, e as mulheres para cumprir com as obrigações do lar (Peres, 2010). Dessa forma, a retomada dos estudos ou a conclusão da educação formal aparecem como desejos de alguns idosos, que enxergam na velhice a possibilidade de investimento em projetos pessoais outrora abandonados (Lima, 2001). Muitos dos idosos entrevistados destacaram que não puderam cursar uma universidade quando eram jovens em função de diversas dificuldades, entre elas a necessidade da mulher administrar os estudos e o cuidado com os filhos e o lar.

O retorno à universidade e, na maioria dos casos, de primeiro contato com essa instituição, tem possibilitado a expressão do desejo de estudar como acesso a um mundo de crescimento, inovação e de novos horizontes. Essa nova perspectiva apresenta a possibilidade de planejar a carreira mesmo após a aposentadoria, abrindo espaço para o engajamento desses idosos em projetos ocupacionais anteriormente impossíveis devido a diversos fatores. A possibilidade de desenvolvimento da carreira após a aposentadoria apresenta a essas pessoas uma nova perspectiva, de modo que o envelhecimento passa a ser sinônimo de uma releitura de vida, de abertura para a realização de antigos sonhos e de um novo sentido de vida, ou seja, uma acepção positiva e potente dessa fase do desenvolvimento (França et al., 2013; Menezes & França, 2012; Scorsolini-Comin, 2015; Zanelli, 2012). A universidade, desse modo, tem representado a possibilidade de aquisição de comportamentos, atitudes e conhecimentos não apenas úteis a uma melhor experiência de envelhecimento, mas para a ressignificação do ser idoso e para o empoderamento desses sujeitos no sentido de maior exercício de cidadania, conhecimento acerca de seus direitos, deveres e potencialidades. Assim, o acesso à educação, como um direito do idoso, passa a ser a porta de entrada desse sujeito em um mundo de possibilidades de desenvolvimento, ultrapassando os limites de uma educação formal e regular.

Ampliar os vínculos sociais

Esta categoria retrata que muitos idosos buscam a UATI pela possibilidade de fazer amigos, encontrar pessoas que estejam também nessa etapa da vida, de fazer parte de um grupo. O contato com os iguais é um fator positivo, como citado por eles:

Eu me senti mais atuante, eu me senti mais importante, porque lá quando eu chego, eu sinto que eu faço parte de um grupo. (Participante 9, mulher, 65 anos)

Gostei muito viu, aí rever o pessoal, encontrei várias pessoas que ó, há muitos anos não via, na época de adolescente, depois de jovem, o pessoal vai sumindo, né? (Participante 6, mulher, 66 anos)

Assim, os idosos revelam o envolvimento na UATI como possibilidade de criar laços, mantê-los ou retomá-los, no caso de companhias que se tornaram distantes ao longo dos anos. Dal Rio (2009) destaca que, por muito tempo, a condição da velhice trazia consigo o isolamento, porque vinha atrelada à aposentadoria e ao fim do envolvimento com o trabalho no caso dos homens e, para as mulheres, era associada à saída dos filhos de casa e à diminuição das obrigações familiares. Oferecer programas que possibilitem aos idosos ampliar sua rede social é de fundamental importância, uma vez que, devido à perda de amigos e companheiros, alguns idosos podem ser os últimos em sua rede de relações, ou mesmo que convivendo com outras pessoas, podem ter perdido aqueles em quem buscavam apoio afetivo (Carmona, Couto, & Scorsolini-Comin, 2014; Domingues et al., 2011).

Alvarenga et al. (2011) relatam que as relações sociais têm um papel essencial na promoção e mesmo manutenção da saúde física e mental dos idosos. Reblin e Uchino (2008) apontam que uma rede de apoio satisfatória acarreta uma diminuição no risco de mortalidade para qualquer grupo populacional. Moak e Agrawal (2010) encontraram correlação entre um alto nível de suporte social percebido e baixo nível de frequência de transtorno depressivo grave, transtorno de ansiedade generalizada, fobia social e uso e abuso de álcool. Aqueles que reportaram suporte social satisfatório também tinham mais chances de fazer uma autoavaliação positiva de sua saúde, achado este compatível com as percepções dos idosos do presente estudo. Dessa maneira, esses autores discutem que indivíduos que apresentam baixo nível de suporte social percebido têm aumentadas suas chances de serem acometidos e manterem disfunções de ordem física e mental.

O grupo formado pelos idosos da UATI constitui um importante espaço para a troca de experiências e resgate de vinculações estabelecidas em outros momentos da vida. Há que se retomar que a cidade de Uberaba é considerada de médio porte, possuindo características de cidade interiorana, motivo pelo qual alguns dos idosos já se conheciam de experiências anteriores. Assim, como espaço de convivência, oferece-se a possibilidade de também participarem de outros grupos fora da universidade, mantendo essas vinculações em outros momentos, em projetos comunitários voltados à terceira idade, por exemplo. Outro aspecto dessa vinculação relatada pelos participantes refere-se ao contato com os docentes e com os alunos envolvidos no projeto, haja vista a criação de vínculos também com essas pessoas, ampliando a rede de contatos desses idosos, por vezes restrita a vizinhos e alguns parentes. Uma das limitações dessa experiência ainda parece ser a de que o projeto da UATI poderia ampliar o seu alcance dentro da própria universidade, constituindo não apenas um programa de extensão à comunidade, mas que pudesse ser mais integrado a outros fóruns e espaços universitários, promovendo a convivência entre idosos e a comunidade acadêmica de modo mais articulado. Do modo como se apresenta na atualidade, as interações dos idosos participantes ainda são restritas às equipes dos cursos vinculados à UATI. Ainda assim, os participantes relatam envolvimentos positivos com a comunidade acadêmica circunscrita ao projeto.

Ocupar o tempo livre

Esta categoria trata dos idosos que compreendem a UATI como uma das formas de ocupar o tempo, uma vez que esse período da vida costuma trazer vivências como a aposentadoria e a saída dos filhos de casa, diminuindo as responsabilidades e permitindo que haja mais tempo para ser investido em atividades do interesse desses idosos. Alguns chegam mesmo a relatar sentimentos como o de solidão e de esvaziamento das rotinas (Carmona, Couto, & Scorsolini-Comin, 2014). Assim, a atividade educacional é apresentada como um importante exercício para preencher o tempo livre, com a aquisição de novos conhecimentos e a realização de atividades consideradas prazerosas (Ferreira & Barham, 2011).

Foi a coisa mais boa que me aconteceu, porque a gente chega nessa certa idade, não tem o que fazer. (...) Eu fico sozinha, então ce tem que procurar o que fazer, que senão que tédio que você fica, num é? (Participante 4, mulher, 65 anos)

Aí quando a gente trabalha, sai e corre, corre, corre, para tudo e a gente fica meio desorganizada né, "e agora, o que é que eu vou fazer?". Aí a atividade de voltar lá foi muito bom, foi um amparo né, que eu senti, de ficar ali ouvindo várias aposentadas, vários que já aposentou voltou a trabalhar e tá lá também. (Participante 6, mulher, 66 anos)

Mori e Silva (2010) atentam para a importância do lazer na terceira idade, já que é comum que nessa fase ocorra a aposentadoria, permitindo que o sujeito possa investir em atividades de livre vontade, de modo a repousar ou se divertir, por exemplo. Oferecer iniciativas que contemplem o lazer para esse grupo é ainda mais relevante para o segmento menos favorecido economicamente, que nem sempre dispõe de opções nesse sentido. Dessa forma, essas autoras discutem que deveria ser primordial o oferecimento de propostas de lazer para a terceira idade, promovendo não só o desenvolvimento dos sujeitos, como de suas famílias e redes de apoio próximas.

d'Orsi, Xavier e Ramos (2011) encontraram em seu estudo que as atividades de relacionar-se mensalmente com amigos, assistir TV e realizar atividades manuais, ou seja, atividades voltadas ao lazer, são fatores de proteção para perda da funcionalidade, questão que pode se constituir como um dos desafios do envelhecimento. Assim, temos que o lazer também propicia que seja possível contrapor as perdas ocorridas nessa etapa, trazendo ganhos de natureza compensatória (Lima, 2001).

O envolvimento de idosos em atividades consideradas prazerosas tem sido investigado como um importante marcador de bem-estar e satisfação de vida (Ferreira & Barham, 2011; Nalin & França, 2015), o que pode ser apreendido a partir das falas dos participantes que compreendem a UATI como um espaço de convivência, de aprendizado e de valorização do tempo livre como oportunidade de crescimento pessoal. A aposentadoria, nesse sentido, não precisa demarcar o final da atividade laboral e ocupacional, ou mesmo do período de produtividade, mas pode servir como um disparador de uma revisão no sentido de planejar novos caminhos para a carreira, como destacado em diversas intervenções (França et al., 2013; Menezes & França, 2012; Zanelli, 2012). No caso desses idosos, os conhecimentos veiculados na UATI oferecem a oportunidade de pensar justamente em como eles podem se engajar em diversas atividades, muitas vezes aproveitando os conhecimentos profissionais desenvolvidos até então ou mesmo abrindo-se a outras experiências. A revisão da carreira é um dos aspectos trabalhados perenemente pela equipe do curso de Psicologia, de modo a favorecer a compreensão de que a carreira se trata de um caminho que não se finda com a aposentadoria, mas que pode significar a interrupção de uma atividade e a retomada de antigos projetos que não puderam ser encaminhados em outra época da vida (Souza & Scorsolini-Comin, 2011). A retomada do trabalho ou o desenvolvimento de alguma atividade laboral passam a ser compreendidos como movimentos que promovem maior autonomia no idoso, ampliando a autoestima e também o sentimento de autoeficácia, ou seja, não apenas como forma de preencher uma lacuna de tempo, mas potencializando a adoção de novos percursos de vida por meio do trabalho e do envolvimento ativo nessas tarefas (Scorsolini-Comin, 2015).

O aconselhamento de carreira pode ser uma estratégia útil nesses programas, potencializando conhecimentos já adquiridos e mesmo a apropriação de novos comportamentos e saberes, o que se integra adequadamente ao projeto de uma universidade não apenas aberta a uma determinada fase do desenvolvimento, mas a uma concepção de desenvolvimento ao longo da vida. Planejar não é algo que se faz apenas na adolescência ou na fase adulta, por exemplo, mas ao longo de todo o ciclo vital, de modo que a proposta de aconselhamento pode ser servir como promotora desse pensamento e, consequentemente, da adoção de novas posturas desses idosos.

Obter qualidade de vida

Esta categoria refere-se àqueles que têm nas aulas oferecidas um meio para obter informações sobre hábitos de vida, referentes ao momento em que se encontram. Essas informações, podendo ser aplicadas na prática, são vistas pelos participantes como uma forma de buscar aumento em sua qualidade de vida. Além disso, as próprias atividades desenvolvidas na UATI, bem como as aulas, são vistas pelos alunos como benéficas a um processo de envelhecimento saudável.

Antes um pouquinho de ir pra UATI, me deu uma isquemia. (...) Aí o primeiro ano, acho que uma das primeiras matérias que a gente teve foi de enfermagem né, aí melhorou bastante, tirei minhas dúvidas. Foi ótimo. (Participante 10, mulher, 61 anos)

Mudança? Ai, teve. Acho que de pensar em qualidade de vida, né? A gente fica preocupada muito com serviço, depois que fica velho é que vê que tem que preocupar com a própria saúde, começar a importar com qualidade de vida, né? (Participante 7, mulher, 66 anos)

Pesquisas têm mostrado uma correlação positiva entre os anos de escolaridade e a autoavaliação do estado de saúde, discutindo que o acesso à educação pode promover contato com informações sobre saúde, busca por um estilo de vida mais saudável, procura pelos serviços de saúde e participação em atividades que visem promoção de bem-estar (Alves & Rodrigues, 2005; Borim, Barros, & Neri, 2012; Pagotto, Nakatani, & Silveira, 2011; Souza et al, 2007). As universidades de terceira idade, embora nem sempre sejam pensadas especificamente para esse fim, garantem um espaço de compartilhamento de experiências e aquisição de conhecimentos, possibilitando discussões e estratégias que busquem qualidade de vida, como no caso da resiliência promovida em grupos específicos pós-aposentadoria (Nalin & França, 2015).

Há que se destacar que na UATI-UFTM os idosos se envolvem em atividades diferentes a depender do curso que ministra as aulas. Desse modo, adquirem um amplo repertório de práticas em saúde a partir do contato com as equipes de Enfermagem, Nutrição, Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional. No caso da Psicologia, as aulas são ministradas em formato de oficinas que buscam ajudar os participantes no autoconhecimento, no empoderamento, no compartilhamento de experiências de vida, no fortalecimento de vínculos e na instilação de esperança. Assim, a UATI proporciona um espaço experiencial que reconhece a necessidade de aquisição de conhecimentos, mas também o compartilhamento de saberes e vivências dos próprios participantes, que encontram na universidade uma possibilidade de expressão de suas histórias de vida e de esclarecimento de dúvidas acerca do processo de envelhecimento.

Trata-se, pelas falas dos participantes, de um espaço para que possam conversar e pensar sobre qualidade de vida, algo que, segundo eles, não poderia se dar antes da chegada à terceira idade. Esse período do desenvolvimento, ao mesmo tempo que é identificado como uma fase na qual as preocupações acerca da qualidade de vida tornam-se mais prementes pela maior incidência de doenças crônicas, por exemplo, também impulsiona os idosos sobre a necessidade de assumirem o controle pela sua saúde e implementar práticas consideradas mais saudáveis e promotoras de bem-estar. O aprendizado acerca desses aspectos em grupo potencializa que as diferentes experiências possam ser trazidas à baila, compartilhadas e difundidas no próprio espaço universitário como forma de promover conhecimentos sobre o envelhecimento. Os participantes, por sua vez, atuam como divulgadores desses conhecimentos em suas famílias e comunidades de referência, expandindo o processo de informação e formação apregoado pelo programa.

A universidade que se abre à terceira idade, por fim, deve manter o compromisso ético com a população atendida, ampliando as possibilidades que se encerram em uma visão mais estreita desse espaço acadêmico e, por vezes, excludente. A universidade, para além da oferta de cursos, de pesquisas e atendimentos à comunidade deve ser compreendida como um espaço a que todos devem ter acesso de diferenciadas formas e com diversas finalidades que não apenas o acesso ao ensino superior regular. Oferecer a possibilidade de que esses idosos estejam semanalmente em um espaço anteriormente compreendido como fechado a essa população ou destinado exclusivamente a jovens pode proporcionar uma revisão acerca do que é envelhecimento e do que é desenvolvimento. Assim, as aquisições passam a fazer parte dessa fase do ciclo vital, de modo que os idosos podem, a partir desses projetos, buscar maior qualidade de vida, engajamento, relacionamentos interpessoais significativos e empoderamento, o que pode repercutir na adoção de estratégias mais adequadas em saúde e mesmo em retomadas de projetos profissionais ou de incrementos à aquisição de conhecimentos necessários para novos percursos ocupacionais.

 

Considerações Finais

Como principal resultado, este estudo apontou os seguintes motivos para participação na UATI: busca de conhecimentos, ampliação de laços sociais, ocupação de tempo livre e procura por melhor qualidade de vida. Tal achado é condizente com a literatura da área. A discussão dessas motivações deixa claro que a educação é uma via de promoção de saúde na terceira idade, permitindo o desenvolvimento contínuo e facilitando a adaptação às condições decorrentes da idade. A abertura do espaço universitário a essa população também se coaduna a uma perspectiva de desenvolvimento ao longo da vida, de modo que é mister que idosos sejam constantemente incentivados a buscar e a discutir novas perspectivas, planejando atividades, percursos e projetos que pretendem ser realizados no vir-a-ser representado pelo conhecimento que se abre e carrega consigo diversas possibilidades.

Embora os benefícios do oferecimento dos programas de Universidades da Terceira Idade sejam amplamente divulgados, a análise do perfil sociodemográfico da presente amostra e de outros projetos do gênero demonstram que estes não atingem a totalidade do contingente de idosos, sendo destinados a um perfil bem específico: o idoso ativo, que possui algum grau de escolaridade, favorecido economicamente e que apresenta boas condições de saúde. Dessa forma, é necessário pensar iniciativas que atendam àqueles que não possuem esse perfil, de modo que também possam se beneficiar de propostas educacionais. Mesmo que o convite seja o de que o idoso venha até o campus universitário, a UATI pode desenvolver propostas diretamente nas comunidades desses participantes, a fim de que outras audiências sejam convocadas, possivelmente as com menor escolaridade. Os espaços de socialização nas comunidades podem ser potencializados, ampliando os vínculos com a universidade. Outros idosos que, porventura, não possam se locomover até o campus poderão, portanto, participar de determinadas atividades, fomentando a inclusão nesses espaços educacionais e de promoção de saúde e cidadania. Levando a UATI a outros espaços que não a universidade, pode-se fomentar o envolvimento de idosos que, de outra forma, não ocupariam essa posição. O convite à universidade na terceira idade deve ser um motivo para que os idosos encontrem um novo espaço de convivência, de reflexão e produção de saberes sobre essa fase da vida, ainda que esse espaço seja o da própria comunidade, recriado enquanto possibilidade de contato, mudança e aprendizado.

Uma lacuna que deve ser explorada nessas intervenções é justamente de que modo a universidade pode conhecer melhor os materiais e as propostas desenvolvidas na UATI, ou seja, é necessário que a UATI não seja um programa isolado e oferecido apenas no espaço universitário, mas que possa justamente compartilhar o sentido de universidade e se integrar a outros projetos e estudos lá desenvolvidos. A integração da UATI à comunidade universitária pode ser uma oportunidade de aprendizagem a ser cada vez mais explorada nas intervenções e investigações vindouras. Outro aspecto que pode ser potencializado é a questão da orientação de carreira pós aposentadoria, haja vista que muitos idosos ainda continuam mantendo atividades laborais após o encerramento de uma vinculação trabalhista formal, por exemplo, ou mesmo iniciam uma nova atividade. Os programas de preparação para a aposentadoria existentes na universidade também podem estreitar o contato com a UATI, visando à integração de atividades e promoção do diálogo sobre carreira, mundo do trabalho e qualidade de vida no processo de envelhecimento.

Embora a amostra deste estudo seja considerada reduzida, esta contemplou a totalidade de idosos que consentiram em participar. A investigação de caráter qualitativo permitiu um maior contato com esses idosos no sentido de conhecer suas histórias e as nuanças do envolvimento com a universidade. Para uma avaliação do programa recomenda-se o acompanhamento desses idosos ao longo do tempo, a fim de permitir uma análise de processo e, consequentemente, de avaliação dos benefícios específicos da UATI, bem como seus possíveis entraves. Essas avaliações poderiam também ser conduzidas em grupos de reflexão, levantando as sugestões dos próprios participantes acerca do programa, em um processo mais colaborativo. Sugere-se que essa avaliação de processo seja integrada às atividades da UATI, e não como uma pesquisa isolada como a relatada no presente estudo, de modo a possibilitar que todos os envolvidos respondam os instrumentos.

Por fim, é de interesse deste estudo contribuir com a discussão teórica que vem sendo realizada no sentido de compreender de que forma os idosos se beneficiam das experiências de aprendizagem, garantindo, assim, as bases para que os programas voltados a esse grupo sejam ampliados, adequados de acordo com seus interesses e necessidades, e mesmo que novas possibilidades de intervenção sejam configuradas. A população idosa precisa ser reconhecida em suas potencialidades, inclusive no que se refere ao trabalho e o mundo ocupacional. As intervenções com idosos devem se basear em uma perspectiva de desenvolvimento ao longo da vida, ampliando as propostas para melhor compreensão dessa população. Isso envolve a consideração da diversidade que constitui a terceira idade na contemporaneidade, com espaço para discussões sobre conhecimento, práticas de saúde, promoção de bem-estar e também de preparação para um novo contato com o mundo do trabalho, aspecto este ainda obscurecido na maioria das propostas vigentes.

 

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Endereço para correspondência:
Programa de Pós-graduação em Psicologia, Universidade Federal do Triângulo Mineiro
Rua Conde de Prados, 155, Abadia
38025-260, Uberaba-MG.
Fone: 34 3318 5886.
E-mail: fabioscorsolini@gmail.com

Recebido 06/06/14
1ª Revisão 17/09/15
Aceite Final 01/11/15

 

 

Sobre as autoras:
Ana Alice da Silva Pereira é Psicóloga pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro e mestranda em Psicologia pela Universidade Federal de Uberlândia.
Vilma Valéria Dias Couto é Professora Assistente do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Triângulo Mineiro. Mestre em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e Doutoranda em Psicologia pela Universidade de Brasília.
Fabio Scorsolini-Comin é Professor do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal do Triângulo Mineiro. Doutor em Psicologia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.

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