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Revista Brasileira de Orientação Profissional

versão impressa ISSN 1679-3390versão On-line ISSN 1984-7270

Rev. bras. orientac. prof vol.16 no.2 Florianópolis dez. 2015

 

ARTIGO

 

Expressões metafóricas sobre carreira: perspectivas e procedimentos de análise

 

Metaphorical expressions about career: Perspectives and analysis procedures

 

Expresiones metafóricas sobre la carrera: perspectivas y procedimientos de análisis

 

 

Flaviana Andrade de Pádua CarvalhoI, II; Valéria da Glória Pereira BritoI; Mozar José de BritoI; André Luiz de PaivaI

IUniversidade Federal de Lavras, Lavras-MG, Brasil
IICentro de Pós-Graduação e Pesquisas em Administração (CEPEAD). Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte-MG, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Apresentamos uma reflexão teórica acerca da análise de metáforas como recurso metodológico para a compreensão de carreiras. Mais especificamente, procuramos: 1. elucidar a noção de metáfora, destacando a sua relevância para a produção do conhecimento sobre a carreira; 2. evidenciar diferentes concepções metafóricas sob a perspectiva de múltiplos autores; 3. apontar procedimentos metodológicos de emprego das metáforas como recurso de análise das carreiras. Por meio da análise de metáforas, evidenciamos que os pesquisadores podem recursivamente apreender, interpretar e compreender as estruturas, os processos e as ações dos indivíduos ao longo de suas trajetórias profissionais. Este processo analítico pressupõe a investigação da carreira sob múltiplos prismas metafóricos, sendo que cada um deles pode produzir ou renovar a compreensão sobre as carreiras.

Palavras-chave: metáfora, carreira, construção do conhecimento


ABSTRACT

We present a theoretical reflection regarding the analysis of metaphors as methodological resource for understanding careers. More specifically, we seek to: 1. elucidate the notion of metaphor, highlighting its relevance in the production of knowledge regarding the career; 2. demonstrate different metaphorical conceptions under the perspective of several authors; 3. point out the methodological procedures in the employment of metaphors as a resource for analyzing careers. We demonstrated that professionals can recursively acquire, interpret and understand the structures, processes and actions of individuals over their professional trajectories by means of metaphors. This analytical process presupposes the investigation of the career under multiple metaphorical prisms, with each presenting the possibility of producing or renovating the understanding careers.

Keywords: metaphor, career, knowledge construction


RESUMEN

Se presenta una reflexión teórica en el análisis de las metáforas como recurso metodológico para la comprensión de las carreras. Específicamente, se busca: 1. aclarar la noción de metáfora, destacando su importancia para la producción de conocimiento sobre la carrera; 2. demostrar diferentes conceptos metafóricos desde la perspectiva de varios autores; 3. señalar los procedimientos metodológicos para el uso de metáforas como función de análisis de las carreras. A través del análisis de las metáforas, hemos observado que los investigadores de forma recursiva pueden captar, interpretar y comprender las estructuras, procesos y acciones de los individuos a lo largo de su carrera profesional. Este proceso analítico implica la carrera de investigación en múltiples prismas metafóricos, y cada uno de ellos puede producir o renovar la comprensión de carreras.

Palabras clave: metáfora, carrera, construcción del conocimiento


 

 

Neste artigo, apresentamos uma reflexão acerca da análise de metáforas como abordagem metodológica para a compreensão da noção de carreira. As carreiras têm sido estudadas sob múltiplas perspectivas teóricas, incluindo a sociológica, a antropológica, a psicológica/vocacional, a educacional e a administrativa. Como não poderia ser diferente, os pesquisadores vinculados a estas abordagens ancoram suas reflexões em distintos pressupostos ontológicos e epistemológicos. Estas escolhas deram origem a uma diversidade conceitual acerca da carreira enquanto objeto de investigação científica. Para Inkson (2007), os estudos sobre carreiras sofreram, de modo independente, influências de concepções ontológicas oriundas da psicologia, da sociologia e da administração.

Na ótica da psicologia, a carreira tem sido abordada como um processo de tomada de decisão (Inkson, 2007). Os estudos enfatizam a carreira como o processo resultante de escolhas e trajetórias pessoais, desconsiderando elementos contextuais, como exemplos, o mercado de trabalho, a educação, a origem familiar, a estrutura social e organizacional. Para Bendassolli (2009), a primeira contribuição da psicologia ao estudo das carreiras prende-se à sua ênfase na singularidade e na natureza interpretativa do sujeito. A segunda está associada à tradição da psicologia vocacional, que procura explicar o processo de desenvolvimento pessoal e profissional com ênfase na relação entre indivíduo, cargo e profissão. A terceira prende-se à noção de socialização e construção da identidade no contexto do trabalho. Esta contribuição tem possibilitado aos pesquisadores compreender as ressonâncias relacionadas à desconexão entre trabalho, carreira e identidades individuais e coletivas.

A perspectiva sociológica procura evidenciar as formas pelas quais as carreiras são condicionadas pela estrutura social, colocando em segundo plano as diferenças individuais e a ação das pessoas na construção das suas próprias carreiras (Inkson, 2007). Bendassolli (2009) entende que a sociologia das profissões também tem contribuído para os estudos sobre carreiras. Especificamente, esta disciplina discute a ideia de profissão como um objeto multideterminado, definido como um fenômeno ao mesmo tempo social, individual e institucional. Esta perspectiva sociológica pode auxiliar na compreensão da relação entre carreira e profissão, considerando que ambas estão relacionadas ao processo de organização e divisão do trabalho, que se desenvolve em um contexto institucional.

Na lente da ciência administrativa, os estudos sobre as carreiras enfatizam o papel das organizações na orientação do comportamento dos indivíduos, destacando como a gestão de pessoas pode interferir neste processo (Inkson, 2007). Ao refletir sobre as contribuições da área da administração para os estudos sobre carreira, Bendassolli (2009) identificou que as abordagens de carreiras desenvolvidas no âmbito da referida área de conhecimento têm sido conduzidas do ponto de vista tanto do indivíduo (estratégia de carreiras e carreiras subjetivas) como da organização (estrutura, regras e recursos). Na ótica organizacional, a carreira pode ser vista como o dispositivo que possibilita a alocação de recursos e subsidia a tomada de decisão relativa à mobilidade e à construção do comprometimento das pessoas para com a organização. Para o autor, em conjunto, as abordagens teóricas sobre carreiras incorporam, refletem recursivamente e reelaboram conceitos (oriundos das referidas áreas de conhecimento e de outras). Podem ser construídas novas metáforas e discursos sobre as carreiras e suas dimensões (Inkson, 2004, 2006, 2007).

O pressuposto básico que orienta este artigo é que as perspectivas de análise de carreiras são marcadas por metáforas que servem de referência para elucidar, interpretar e compreender, mesmo que de modo imperfeito e transitório, os aspectos ontológicos, conceptuais e axiológicos destas abordagens. A análise de metáfora implica modos de elucidar, pensar, apreender, interpretar e explicar as organizações (Morgan, 1996), incluindo as carreiras que as constituem (Inkson, 2006).

O artigo foi organizado em seis seções com esta Introdução. Na segunda, realizamos algumas reflexões sobre a análise de metáforas, particularizando sua relevância para a produção do conhecimento. Na terceira, descrevemos os fundamentos ontológicos e teóricos e resgatamos diferentes concepções metafóricas para a análise de carreiras. Na quarta, apresentamos procedimentos metodológicos que têm sido empregados para essa análise. Na quinta, realizamos as considerações finais. Na sexta, estão listadas as referências bibliográficas.

Gênese e especificidades do conceito de metáfora

Nesta seção, ocupa-se do esclarecimento da etimologia, apontando e destacando os conceitos e diferentes perspectivas de análise da metáfora. Para tanto, centra-se a atenção nos escritos de Ricoeur (2000), Fairclough (2008) e Lakoff e Johnson (2002).

A compreensão do termo metáfora requer o esclarecimento de sua etimologia. Sua gênese está atrelada à palavra grega methaporá, que resulta da conexão entre os vocábulos metha (sobre) e pherem (transporte). Aristóteles tem sido considerado um dos pioneiros na formulação do referido conceito. Ele concebia a metáfora como "a transposição do nome de uma coisa para outra, transposição do gênero para a espécie, ou da espécie para o gênero, ou de uma espécie para outra, por via de analogia" (Aristóteles, 1959, p. 312). Trata-se de uma concepção clássica, que foi objeto de reflexões, críticas e pesquisas, que adicionaram novos enfoques, pautados por diferentes ontologias.

A despeito das múltiplas concepções acerca do termo, parece existir certo consenso de que as metáforas envolvem necessariamente a transposição de sentidos de uma palavra ou expressão para outra. As metáforas são expressões idiomáticas cujo emprego pode variar segundo o contexto sócio-histórico e cultural em que ela está sendo utilizada. Para Marcuschi (2000) "as metáforas não se esgotam nos limites da linguagem e nem se situam na esfera das relações lógicas" (p.87). Na visão deste autor, o valor linguístico e os sentidos das metáforas estão vinculados aos universos simbólico e cognitivo construídos em uma dada comunidade.

Para explicar a relevância da análise de metáforas para a produção do conhecimento, diversas perspectivas teóricas foram formuladas. Neste artigo, optamos por sintetizar algumas abordagens (Fairclough 2008; Ricoeur, 2000) e enfatizar as reflexões de Lakoff e Johnson (2002). São perspectivas de análise potencialmente relevantes para a produção de novos conhecimentos sobre carreiras.

Na perspectiva Ricoeuriana, a metáfora é conceituada como "uma estratégia discursiva que, ao preservar e desenvolver a potência criadora da linguagem, preserva e desenvolve o poder heurístico desdobrado pela ficção" (Ricoeur, 2000, p. 13). Para o autor, a metáfora envolve um processo retórico, por meio do qual se pode reescrever a realidade. Para tanto, será necessário que o processo de interpretação ultrapasse os limites do entendimento das palavras e do enunciado e alcance o discurso em suas particularidades. Nesta concepção, as metáforas podem ser tomadas como "o eixo da interpretação histórica", pois elas permitem a apreensão do mundo e aproxima o indivíduo daquilo que não lhe é familiar. Elas tornam, por meio de processos analógicos, o desconhecido algo conhecido, que pode gerar sentidos novos e novas referências. Para o autor, as metáforas, em síntese, inspiram o olhar do indivíduo, fornecendo uma releitura do mundo, podem ser vistas como um fenômeno discursivo a ser apreendido e interpretado por meio da análise de uma espécie de rede de metáforas que constituem a carreira. Para tanto, a hermenêutica crítica é proposta pelo autor como uma escolha metodológica relevante para a interpretação do mundo a partir dos múltiplos textos e de outras formas de expressão humana, sejam elas materiais ou simbólicas.

Ao propor a abordagem de análise crítica do discurso, Fairclough (2008) explora também a relação entre discurso e metáforas. Para compreender esta relação, será necessário retomar as explicações deste autor acerca da sua abordagem tridimensional, em que há a aproximação com a teoria social da análise do discurso, formulada no âmbito da linguística crítica. Para o autor, as metáforas estão presentes em quase todos os tipos de linguagem e praticamente em todas as modalidades de discursos, incluindo o discurso técnico-científico. As metáforas, segundo o autor, não podem ser interpretadas como simples adornos superficiais do discurso, pois quando o indivíduo significa a realidade por meio de uma metáfora, e não de outra, está realizando escolhas intencionais que produzem efeitos na realidade. Em outros termos, as metáforas enquanto praticas discursivas e sociais estruturam, de modo significativo e essencial, o modo como cada um pensa e age sobre seu sistema de crenças e de conhecimentos, ou cognição (Fairclough, 2008). Este autor afirma que algumas metáforas podem ser profundamente naturalizadas pelos membros de uma dada cultura, ao ponto de reproduzi-las em suas práticas discursivas, em seus pensamentos e ações, sem quaisquer constrangimentos. Portanto, não se pode escapar da forma pela qual um domínio simbólico e político-ideológico particular é metaforizado e compartilhado.

As reflexões acima remetem aos fundamentos de outra abordagem estruturada e sistematizada acerca das metáforas, formulada por Lakoff e Johnson (2002). Estes autores partiram do pressuposto de que as metáforas enquanto produto da reflexão humana são de natureza conceitual e cognitiva. Eles ressignificam o referido conceito, deslocando o foco de análise das metáforas enquanto figura de linguagem para um uma concepção mais densa e qualificada, que passa a considerar as metáforas como uma modalidade de pensamento, um mecanismo por meio do qual as experiências são reelaboradas cognitivamente a partir de outras já concebidas no plano conceitual. Neste processo, há o mapeamento e a ressignificação cognitiva de um conceito preexistente mediado pelo pensamento e pela linguagem. Como aponta Marcuschi (2000), "a metáfora é anterior à razão, servindo de meio para aferir a capacidade criativa natural do homem"(p.77).

Para Sardinha (2011), a partir de 1980 com a publicação de Metaphors we live by por George Lakoff e Mark Johnson, a metáfora foi alvo de crescente interesse dos estudiosos, entendida "como a expressão de um domínio conceptual em termos de outro, de tal modo que (1) um domínio é compreendido em termos do outro, sendo que (2) os dois domínios são diferentes" (Sardinha, 2011, p. 3). A metáfora conceptual concebida por estes autores difere-se da metáfora linguística, ou expressão linguística metafórica, pois ela diz respeito aos modos pelos quais o pensamento se organiza e as formas de interação entre as pessoas (Sardinha, 2011). Para Lakoff e Johnson (2002), a metáfora conceptual deve ser abordada como um conceito estruturado a partir de uma experiência e de práticas cotidianas que podem ser acessadas e interpretadas por meio da análise de expressões linguísticas metafóricas. Para os autores, as metáforas estão incorporadas nas experiências cotidianas das pessoas em seus conceitos; enfim, em seu modo de pensar e agir. Essa concepção ontológica levou os referenciados autores a qualificarem três modalidades de metáforas conceituais: (a) estruturadas, nas quais os domínios presentes estão bem estruturados, de tal modo que possibilitam o mapeamento e a interpretação de conceitos metaforicamente estabelecidos entre diferentes os domínios; (b) ontológicas, comparadas às primeiras, são menos estruturadas, envolvendo operações conceptuais em que algo abstrato passa a ser interpretado como concreto ou em que algo concreto e sem vida própria passa a ser representado como algo animado, que o conceito abstrato é transformado em entidade, objeto ou substância, podendo ocorrer a personificação destes; e (c) orientacionais, que organizam e marcam as noções de tempo e espaço, mantendo fortes vínculos simbólicos com as experiências humanas e expressando orientações de tempo, espaço e de movimento que marcam a cultura local, regional e nacional (Lakoff & Johnson, 2002).

As metáforas, como uma expressão de uma cultura, em que as crenças, os valores e as ideologias são interdependentes, podem dar origem a conceitos metafóricos que passam a orientar o modo de pensar, agir e de sentir das pessoas que vivenciam aquela cultura. Muitos praticantes, estudiosos e pesquisadores da administração têm utilizado a noção de metáfora para formular conceitos e construir teorias que procuram explicar a vida organizacional em suas múltiplas faces.

Fundamentos e concepções metafóricas de carreira

O esclarecimento da relevância das metáforas enquanto recurso metodológico para a compreensão da carreira requer breve resgate de concepções metafóricas que marcam a produção do conhecimento na referida temática. Para tanto, procuramos resgatar a gênese do conceito de carreira, as suas dimensões objetiva e subjetiva, concepções metafóricas e suas implicações para os estudos.

Gênese e dimensões constitutivas da carreira

Carreira é um termo que se vincula à gestão e tem sido abordado nas Ciências Humanas e Sociais (Adamson, Doherty & Viney, 1998; Lawrence, 2011). A palavra carreira é uma forma reconstituída do latim vulgar carraria, de via carraria, indicando "caminho de carros" (Cunha, 2010, p. 131). Gradativamente, a palavra foi associada ao curso da vida profissional e de emprego, às experiências pessoais e ao mundo do trabalho, com o sentido de progresso e avanço alcançados pelos indivíduos (Gunz & Peiperl, 2007). As diferentes modalidades de carreiras podem ser vistas como respostas às transformações econômicas, sociais, políticas, culturais e administrativas que marcaram a vida organizacional e, em particular o mundo do trabalho, que ficou exposto a processos de reestruturação produtiva que induziram a fragilização e a ruptura dos vínculos tradicionais de trabalho (Bendassolli, 2009). Estas considerações informam a relevância de se considerar, em qualquer análise de metáfora de carreiras, os elementos constitutivos dos contextos micro e macrossociais em que as pessoas vivem, trabalham e apreendem, como defendem Mayrhofer, Meyer e Steyrer (2007), "as carreiras serão sempre carreiras derivadas de um dado contexto"(p. 215). Os estudos sobre estes processos de reconfiguração das carreiras podem ser categorizados em duas vertentes. Ocorre uma espécie de divisão conceitual, cuja origem está atrelada às concepções ontológicas que orientam as escolhas dos pesquisadores. De um lado, figuram os autores que se dedicaram a compreender a dimensão objetiva da carreira; e; do outro, aqueles que se dedicam a compreender a dimensão subjetiva (Derr & Laurent, 1989; Walton & Mallon, 2004). Contudo, encontram-se pesquisas que procuram, a seu modo, compreender ambas as dimensões.

A dimensão objetiva abrange os componentes da estrutura da carreira presentes em políticas e práticas de gestão de pessoas, por exemplo, planos e classificação de cargos, práticas de remuneração, regras de avaliação de desempenho e progressão; enfim, aspectos presentes no contexto. Por sua vez, a dimensão subjetiva da carreira envolve toda a subjetividade, incluindo crenças, valores, emoções, satisfação, realização e os sentidos que as pessoas atribuem às carreiras no decorrer de suas vidas (Adamson, Doherty & Viney, 1998; Walton & Mallon, 2004).

A ênfase nos aspectos estruturais e condicionantes da carreira marcou de modo significativo a produção do conhecimento sobre ela. Esta particularidade deu origem a uma tradição de pesquisa que enfatiza a supremacia da estrutura sobre os indivíduos (Baruch, 2006). Houve o reconhecimento de que outros posicionamentos ontológicos deveriam orientar a produção do conhecimento sobre a carreira. Assim, o foco da análise foi reorientado para as pessoas, incluindo o conjunto de aspectos que marcam sua subjetividade e a produção de intersubjetividades. Com isso, a dimensão subjetiva da carreira ganhou notoriedade e relevância acadêmica (Baruch, 2004). Tal deslocamento levou muitos pesquisadores a investigar a carreira como um fenômeno social e organizacional, enfatizando experiências particulares (Adamson, Doherty & Viney, 1998), desejos, expectativas, aspirações e valores (Savickas, 2002).

O reconhecimento da dimensão subjetiva da carreira não implicou a negação de sua dimensão objetiva nem de suas propriedades estruturais e contextuais. Pesquisadores passaram, então, a fundamentar seus estudos em ontologias que reconheciam o papel central das pessoas ou dos empregados na construção das carreiras, admitindo-se que elas podem, em certa medida, interferir nas estruturas das carreiras (Moore, Gunz & Hall, 2007). A adoção de novos pressupostos ontológicos levou ao desenvolvimento de abordagens integradoras da carreira (Khapova, Arthur & Wilderom, 2007; Larsen & Ellehave 2000; Walton & Mallon, 2004). Para Larsen e Ellehave (2000), as perspectivas integradoras fundamentam-se no pressuposto de que as carreiras são fenômenos sócio-organizacionais constituídos pela inter-relação entre dimensões (objetiva e subjetiva), formando uma espécie de dualidade, que lhe é fundante. Nesta ótica, as carreiras podem ser abordadas sob múltiplas perspectivas de análise, incluindo aquelas que deram origem a diferentes metáforas conceituais.

Concepções metafóricas de carreira

A geração de diferentes concepções metafóricas da carreira tem contribuído para que os pesquisadores, gestores de carreiras, mentores organizacionais e consultores tenham a oportunidade de, recursivamente, apreender, elucidar, interpretar e reinterpretar as estruturas, os processos e as ações de pessoas ao longo de suas trajetórias profissionais. Sem a pretensão de mapear a totalidade de concepções metafóricas geradas a partir dos esforços de pesquisa e práticas de gestão de carreiras, neste artigo apontamos aquelas que dispõem de destacado potencial explicativo acerca das diferentes especificidades da carreira (Harris, Pattie & McMahan, 2015; Inkson, 2002, 2004). Esta escolha nos levou a refletir sobre a carreira como: construção social (Inkson, 2007; Savickas, 2010), disputa política (Mayrhofer, Meyer & Steyrer, 2007); prisão (El-Sawad, 2005), jornada a ser caminhada (Harris, Pattie & McMahan, 2015; Smith-Ruig, 2008), labirinto (Wyatt & Silvester, 2015), sistemas caóticos (Peake & McDowall, 2012), rede de relacionamentos (Inkson, 2007; Parker, Arthur & Inkson, 2004) e estórias narradas (Savickas, 2010). Procuramos, portanto, apresentar metáforas oriundas de diferentes matrizes conceituais vinculadas à sociologia, à administração e à psicologia. Estas abrem possibilidades para o diálogo interdisciplinar tão necessário aos estudos de carreira.

A carreira como construção está fundamentada em pressupostos da abordagem sócio-construcionista que; (a) defende a compreensão da carreira como construção sócio-histórica, reconhecendo o papel ativo das pessoas neste processo; (b) aporta conceitos e pressuposições teóricas que expliquem a emergência, construção e reconstrução da carreira, situada no tempo e no espaço; (c) situa a pesquisa sobre carreira, destacando a centralidade da linguagem e do agente na construção do conhecimento sobre a sua própria carreira; (d) coloca em evidência a criatividade, a vocação e a autonomia das pessoas na construção da carreira; (e) propõe a superação da visão dualista entre sujeito e objeto do conhecimento, destacando a relevância da apreensão e interpretação do contexto sócio-histórico que circunda o processo de construção da carreira (Bassot, 2012; Inkson, 2007; Savickas, 2010). Na concepção destes autores, a carreira pode ser investigada como produto da ação humana que incorpora as dimensões: objetiva (estrutura hierárquica, códigos de conduta, regras e regulamentos) e subjetiva (autoconceito, experiências compartilhadas, conhecimentos e intersubjetividades, resiliência, aprendizagem, construção de saberes e simbolização). A metáfora da construção nos permite compreender a carreira em uma perspectiva sócio-histórica, colocando em foco o modo pelo qual as pessoas participam efetivamente da concepção, implantação e reconstrução das carreiras, situadas no tempo e no espaço. Além disso, esta metáfora coloca em evidência a criatividade, a vocação e a autonomia das pessoas no processo de construção da carreira. Portanto, podem agir de modo construtivo e reflexivo em direção a uma carreira mais humana e emancipadora.

Porém, não podemos pensar a contrução da carreira como um processo despolitizado ou ausente de conflitos de interesses. Ao contrário, devemos compreender este processo como uma disputa política (Mayrhofer, Meyer & Steyrer, 2007). Para compreender a carreira como disputa política e para explicar os comportamentos estratégicos e ações das pessoas na configuração de suas carreiras, estes autores recorreram às noções de campo, habitus e capital formuladas por Bourdieu (1977, 1986, 1990). Nesta concepção, a configuração da carreira é marcada por determinado sistema de disposições duradouras, modos de perceber, pensar e sentir que orientam as ações individuais e coletivas articuladas em uma dada circunstância social ou campo. Essas disposições são socialmente apreendidas, podendo ser, simultaneamente, produto e produtora dos pensamentos e ações, incluindo aquelas relacionadas às carreiras (Mayrhofer, Meyer & Steyrer, 2007). As carreiras seriam uma sequência de posições resultantes da capacidade de mobilização de capitais por parte daqueles que as ocupam. Entre os tipos de capitais que podem ser mobilizados e disputados pelas pessoas ao longo de suas carreiras destacam-se os capitais econômico, social, cultural e simbólico. Quem acumula maior volume destes capitais, provavelmente ocupará as posições de prestígio e reputação simbólica. Esta metáfora mostra que as carreiras evidenciam desigualdades, sendo que o domínio de diferentes tipos de capital oportuniza a mobilidade diferenciada e a ocupação de posições chaves nas organizações. A aplicação dos conceitos de campo, habitus e capital que fundamentam esta metáfora podem, de um lado, explicar por que e como a estrutura social e organizacional afetam as carreiras; e, de outro, evidenciar por que e como as pessoas tecem estratégias de acumulação de capitais, ocupação e mobilidade na carreira. Em síntese, esta metáfora nos leva compreender como distintos atores disputam diferentes tipos de capital, sendo que a posse destes pode, em certas circunstâncias, determinar a ocupação de posições chaves e a construção do reposicionamento nas estruturas social e organizacional. Tais estruturas que, em certa medida, poderão levar as pessoas a experimentarem um sentimento de aprisionamento (Inkson, 2004).

Este aprisionamento seria produto das pressões estruturais advindas da sociedade e ou das organizações. Em outros termos, as disposições estruturais condicionam objetivamente a trajetória do sujeito, aprisionando-o a processos de estruturação e gestão da carreira. A adoção desta metáfora tem contribuído para desvelar a ordem disciplinadora incorporada ao processo de configuração e gestão de carreiras. Neste caso, a carreira tem sido interpretada como mecanismo por meio do qual as pessoas cumprem uma sentença. Esta interpretação evidencia os sentimentos de aprisionamento experimentados pelas pessoas que se vêem como prisioneiras, cumpridoras de uma pena de longa duração. Este sentimento é expresso pela noção de "cargo para a vida toda" (El-Sawad, 2005). Ao discutir o aprisionamento das pessoas às armadilhas da estrutura estratégica, Enriquez (1997) demonstra que as empresas tendem a engajá-las, transformando-as pelo trabalho, pela carreira, pela pressão grupal, pelos estágios de formação ou ideologia dominante, ao menos exteriormente, para que contribuam com os propósitos e as prioridades para o crescimento empresarial.

Com base nesta ótica, a carreira pode ser vista como um mecanismo de aprisionamento que torna as pessoas confinadas ou prisioneiras de um imaginário construído socialmente que preconiza a busca contínua do sucesso. Desse modo, a carreira estaria a serviço de um processo de idealização atrelado à busca de sobrevivência e consecução dos objetivos por parte dos indivíduos e das organizações (Enriquez, 1997). Esta metáfora sugere que, mesmo estando aprisionadas pelas armadilhas da carreira, as pessoas, em certas circunstâncias, são agentes ativos que atuam na construção de sua biografia profissional. Elas são construtoras de suas próprias estórias, podendo, em um regime de outorga, obter certo grau de autonomia e tentar romper com a heteronomia. Nesta participação outorgada, as pessoas experimentam, de um lado, a sensação de liberdade e de uso do seu potencial criativo e, do outro, os efeitos do aprisionamento, incluindo as condições, objetivas e subjetivas, que limitam suas ações e oportunidades na construção da carreira. Acreditamos que ao interpretarem a carreira como prisão muitas questões de pesquisa poderiam ser investigadas, a exemplo: Que efeitos emergem deste sentimento de aprisionamento: adoecimentos, desilusões, isolamentos e desistência da carreira? Seja qual for o reflexo deste aprisionamento, podemos repensar os modos de reorganização da carreira em direção à humanização? Qual seria o papel dos indivíduos na construção desta nova carreira? Que estratégias de intervenção e consultoria podem ser implementadas no sentido de se construir carrreiras humanizadoras?

A construção de carreiras mais humanizadas nos leva a observá-las sob a ótica da metáfora de carreira como jornada ou caminho a ser percorrido. Esta concepção metafórica traz em seu bojo a ideia de um movimento situado entre postos de trabalho ou cargos, ocupações e organizações, tendendo a uma configuração vertical, ou a uma visão escalar da carreira (El-Sawad, 2005; Inkson, 2007; Smith-Ruig, 2008). Trata-se de metáfora amplamente empregada por diversos pesquisadores, sendo que a sua aplicação em grande escala pode ser explicada, em parte, pela conotação que o termo jornada revela, evidenciando a localização e a circularidade da carreira no tempo e no espaço. Para Inkson (2007) esta particularidade tem contribuído para a produção de diversos sentidos e interpretações acerca da trajetória na carreira. Esta metáfora nos induz a pensar se os percursos profissionais podem ou não ter um destino. O caminho percorrido ou trajetória das pessoas na carreira foram ou não racionalmente planejadas? Que agentes influenciaram esta trajetória e o seu planejamento? Os ocupantes das carreiras seguiram trajetórias verticais, horizontais, convergentes ou divergentes ou outro movimento? Que modalidades de movimentos emergem em determinados momentos e espaços ocupados pelas pessoas? Sob esta ótica, é possível admitir que existam diferentes tipos de jornadas ou caminhos que podem ser percorridos pelas pessoas se considerarmos o foco, dinâmica, lugar, distância percorrida e outras formas de movimentos (Inkson, 2007). A metáfora de carreira como jornada ou caminho possibilita ao pesquisador compreender e produzir explicações sobre as escolhas das pessoas e os sentidos atribuídos por elas a este movimento que se dá ao longo da sua história profissional (Smith-Ruig, 2008). Ao aplicar a metáfora da carreira como labirinto, Wyatt e Silvester (2015) evidenciaram os caminhos percorridos por gerentes negros e oriundos de outras etnias marginalizadas ao longo de suas carreiras em uma organização pública. A compreensão das especificidades da carreira como jornada requer a aplicação de uma abordagem integrativa (Harris, Pattie & McMahan, 2015) e de uma ontologia que compreenda as múltiplas faces e os labirintos da trajetória profissional das pessoas.

Esta ideia de movimento, como carreiras situadas no tempo e no espaço, também perpassa as reflexões teóricas de Peake e McDowall (2012) acerca das carreiras como sistemas caóticos, marcados por dinamismo e instabilidade. Para explicar esta metáfora, eles recorreram à teoria do caos, evidenciando que as carreiras podem ser observadas como uma combinação de elementos caóticos, ditados pelo acaso, eventos não planejados e resultados carregados de incertezas e imprevisibilidades. Nesta proposição analítica, o pressuposto de linearidade de desenvolvimento de carreira é rejeitado para dar lugar a uma concepção marcada pela transição, descontinuidade, desencantamento e adversidade. Nesta dinâmica, as carreiras requerem ajustes para que possam atender os interesses, expectativas e objetivos das pessoas e das organizações que possuem estruturas transitórias e vivenciam movimentos de instabilidade e incertezas em uma sociedade relacional em mutação.

As noções de sociedade relacional e a emergência das estruturas e organizações em rede podem, em certa medida, ter contribuído para emergência da metáfora da carreira como uma rede de relacionamentos (Inkson, 2004, 2007). Ao romper com a ideia de carreira enquanto projeto individual e de exclusiva responsabilidade da pessoa, esta metáfora nos leva pensar a carreira numa perspectiva coletivista que possui enraizamento em diferentes sistemas sociais (família, escola, comunidade e organizações) que se sobrepõem. Ao admitir esse enraizamento, o autor defende que as carreiras são essencialmente sociais na medida em que possibilitam o estabelecimento de encontros e a construção de laços profissionais e de amizades que influenciam o desenvolvimento, o direcionamento e o posicionamento das pessoas na carreira. Além disso, elas são também políticas, pois podem ser utilizadas como recurso estratégico no momento das disputas que visam à obtenção de vantagens materiais e simbólicas associadas ao crescimento na carreira. Isto é, as redes de relacionamento permitem a acumulação de capital social e simbólico cuja posse confere às pessoas poder, reputação profissional, status social e êxito em seus objetivos relacionados à carreira. Além disso, as redes de relacionamentos servem de elemento mediador do processo de aprendizagem colaborativa (Parker, Arthur & Inkson, 2004), permitindo a construção de repositório de conhecimentos, tão necessário ao êxito na carreira e à redefinição da posição política ocupada (Arthur, 2008; Inkson, 2007). Para Inkson (2007), esta metáfora permite que os pesquisadores compreendam que a transição na carreira depende da formação de redes de relacionamentos, sendo que estas podem ser construídas e narradas espontaneamente ou deliberadamente pelas pessoas em um dado contexto histórico.

As estórias narradas fazem parte do imaginário social e organizacional. Elas preservam a memória, o saber e reproduzem os mitos que estabelecem o elo entre o passado, o presente e o futuro. Além disso, elas servem para obter relatos vinculados ao papel histórico ou ao papel das carreiras no contexto sócio-histórico em que elas estão situadas. As estórias profissionais podem estar presentes em narrativas biográficas ou autobiográficas ou em histórias orais contadas por protagonistas de carreiras, educadores, pesquisadores, gestores e mentores de carreiras, biógrafos, entre outros. Como uma parte da memória coletiva, as estórias narradas por estes agentes possibilitam a sistematização de registros de narrativas de sujeitos que conhecem as carreiras e suas trajetórias, oferecendo ao pesquisador elementos relevantes para a análise das carreiras (Savickas, 2010). Na visão deste autor, ao narrarem estórias sobre as carreiras, as pessoas produzem explicações que revelam os sentidos atribuídos por elas à sua vida profissional. Elas explicam, em parte, a dimensão subjetiva da carreira evidenciando a coerência e a continuidade do comportamento profissional ao longo do tempo. Ao contar as estórias acerca das carreiras, as pessoas, em certa medida, falam sobre seus projetos de vida, revelam suas identidades e demonstram como fizerem transações e transições entre posições ocupadas ao longo de suas trajetórias. Em síntese, a metáfora da carreira como estórias possibilita a reconstrução de narrativas biográficas e, as estórias profissionais narradas, oferecem elementos relevantes para a localização das carreiras no tempo e no espaço, servindo de referência para reorientações de carreiras ou definição de novos comportamentos e papéis para as pessoas no âmbito social e organizacional.

A interpretação e análise destas diferentes concepções metafóricas exigem a aplicação rigorosa de procedimentos metodológicos. Alguns destes recursos serão objeto de reflexão a seguir.

Análise de metáforas como procedimento metodológico

As reflexões anteriormente apresentadas evidenciam o potencial analítico das metáforas enquanto recurso metodológico para a compreensão das carreiras assinaladas como fenômeno organizacional. A análise de metáforas poderá contribuir para alcançar uma compreensão mais qualificada sobre as dimensões (objetiva e subjetiva) da carreira, observando-se os contextos organizacionais e sócio-históricos em que elas estão inseridas. As metáforas podem ser apreendidas e interpretadas sob diferentes enfoques teórico-metodológicos. Essa diversidade de perspectivas requer que o pesquisador, antes de fazer suas escolhas teóricas, tenha sólido conhecimento sobre os pressupostos ontológicos e epistemológicos que marcam as diferentes perspectivas de análise das metáforas. Essa apreensão, além de servir de referência para a demarcação e problematização do tema que será analisado sob a lente de metáforas, certamente influenciará as escolhas metodológicas dos pesquisadores.

Cornelissen, Oswick, Christensen e Phillips, (2008), ao levarem adiante suas reflexões sobre a análise de metáfora aplicada aos estudos organizacionais, propõem que os pesquisadores: (a) façam escolhas metodológicas que permitam maior aproximação e apreensão da linguagem presente na realidade estudada; (b) façam uso do processo de validação qualitativa, de modo a verificar, na ótica do enunciador, a coerência e a veracidade das interpretações das metáforas; (c) corrijam as imprecisões conceituais, as interpretações e as generalizações distorcidas; e (d) facilitem a realização de avaliações dos processos de identificação, categorização e interpretação de metáforas. Ao examinar o potencial da aplicação da análise de metáforas para a compreensão das teorias e das práticas relacionadas às carreiras, Inkson (2004, 2007) enfatiza que se a análise não for realizada de modo rigoroso e transparente, poderá ser vista por muitos pesquisadores como engodo epistemológico e metodológico.

A identificação e a interpretação de metáforas não são, nem nunca serão, uma tarefa simples. Sardinha (2011), fundamentado na proposta de análise de metáforas conceptuais de Lakoff e Johnson (2002), propõe uma abordagem para a interpretação e a compreensão de metáforas. Tal abordagem está ancorada em alguns procedimentos específicos: (a) identificação das palavras-chave do corpus de referência; (b) seleção de uma amostra de palavras-chave, de tal modo que as palavras que fazem parte da amostra expressem temas, assuntos, conceitos e assuntos, conceitos e participantes centrais; (c) identificação de conjuntos de colocados (palavras que incidem entre palavras-chave); (d) identificação do grau de similaridade semântica (ou de distância semântica) entre as palavras-chave e seus colocados, cuja intenção é identificar quais pares de palavras são potencialmente indicativos de mapeamentos metafóricos, pois expressões metafóricas tendem a possuir palavras com similaridades semânticas menores do que palavras de outras expressões; e e) obtém-se um rol de metáforas (extraídas de um corpus), que pode, conceptualmente, ser objeto de interpretação, classificação e categorização.

Andriessen e Gubbins (2009) propõem a Análise Sistemática de Metáforas (ASM), cujos fundamentos estão ancorados na teoria da metáfora conceitual. Este procedimento metodológico indutivo foi estruturado pelos autores em cinco etapas. A primeira diz respeito à demarcação, ou escolha da área de conhecimento, no caso aqui abordado, as carreiras, que serão alvo da análise de metáforas. Na segunda etapa, o pesquisador deverá selecionar um texto, ou um conjunto deles, que seja representativo daquele campo conceptual. Este procedimento precisa ser esclarecido e explicado em termos dos critérios adotados ao longo do processo de seleção. No caso em tela, pode-se partir de estudos sobre carreiras que estão entre os mais citados por outros autores. Qualquer outro critério de pertinência ou relevância pode ser estabelecido durante a escolha do conjunto de textos. A terceira etapa constitui o processo de "garimpagem" e de colocar em destaque ou evidência todas as frases que, de algum modo, expressem metáforas conceituais ou temas centrais. A quarta fase envolve o agrupamento das expressões que são derivadas do mesmo domínio, para que o pesquisador tenha a oportunidade de identificar o conceito metafórico subjacente. A quinta etapa consiste em contar o número de palavras ou expressões para cada conceito metafórico e dividir pelo número total de frases ou palavras contidas no texto. O resultado da análise sistemática de metáforas será sempre um rol de metáforas empregadas na conceituação de um fenômeno organizacional, incluindo a carreira. Além disso, pode-se obter a análise da frequência de uso de cada uma das metáforas, representando-as em mapas conceituais ou gráficos nos termos explicitados pelos referidos autores.

A análise crítica do discurso (Fairclough, 2008) também permite que um pesquisador interessado em estudar carreiras explore de modo aprofundado os aspectos políticos, sociais, organizacionais e ideológicos a elas associadas, presentes nos discursos e nas narrativas das pessoas sobre suas carreiras. Para tanto, os pesquisadores poderão retomar as explicações da abordagem tridimensional que aproximou a teoria social da análise do discurso proposta pela linguística crítica. Para Fairclough (2008), o emprego do termo discurso implica considerar o uso da linguagem como uma forma de prática social, e não como uma atividade puramente individual ou como um reflexo de variáveis situacionais. Para o autor, o discurso pode ser visto como um modo de ação, uma prática social que modifica a realidade, sendo também por ela modificado. A Análise Crítica do Discurso (ACD) assume que a linguagem integra a vida social, bem como reconhece a sua materialidade relacionada ao contexto sócio-histórico (Fairclough, 2008). Esta perspectiva de análise reconhece a dimensão textual do discurso, tomando-a como uma prática discursiva que envolve a produção, distribuição e consumo de textos (prática de agentes ativos que lhe atribuem sentido), bem como relaciona essas práticas discursivas à estrutura ou ao contexto sócio-histórico. A proposta analítica do referido autor não é absoluta, uma vez que tal tipo de análise pode servir de complemento ou suplemento, e não como substituto de outras formas de pesquisa e análise social. Destaca-se que a ACD deve ser vista como uma forma de elucidação do discurso, considerada um modo de ação, uma prática social e discursiva que produz efeitos sobre a realidade. Essa forma de conceber o discurso é central na proposta de Fairclough (2008), que considera as metáforas como uma categoria de análise relevante que está presente nos textos e nas práticas discursivas e sociais. Os recursos metodológicos acima discutidos e as formulações acerca das diferentes metáforas da carreira podem servir de referências para que os pesquisadores possam desenvolver os seus projetos, cujo foco de pesquisa seja a trajetória de pessoas na carreira e os diversos aspectos inerentes à compreensão deste rico e relevante fenômeno organizacional.

 

Considerações Finais

Inspirado nas reflexões reunidas neste artigo, é possível indagar: A carreira de uma pessoa pode ser interpretada de diversos modos? A interpretação deste conceito está associada às lentes ontológica, epistemológicas e teóricas que o pesquisador adota? Podem-se produzir explicações menos simplistas das carreiras a partir da análise de metáforas? As ponderações contidas neste artigo, se não respondem a todas estas questões, contribuem para a construção de pensamento reflexivo sobre a natureza da carreira e suas múltiplas faces. Lembre-se que a nossa capacidade de apreensão e de interpretação do mundo será sempre limitada por nossas lentes ontológicas e conceptuais.

Por meio da análise de metáforas, podemos, de modo recursivo, apreender, interpretar e reinterpretar as estruturas, os processos e as ações das pessoas ao longo de suas trajetórias profissionais. Ressaltamos, contudo, que a carreira pode ser estudada sob múltiplos prismas metafóricos, sendo que cada um deles pode produzir ou renovar a compreensão sobre ela. Assim sendo, as carreiras tem sido metaforicamente interpretadas como construção social, disputa política, prisão, jornada a ser percorrida ou caminhada, sistemas caóticos, rede de relacionamentos e estórias narradas. Obviamente, existem outras metáforas que não foram objeto de nossas análises. Para a nossa reflexão, abordamos algumas expressões metafóricas por sugerir-nos referências que vivificam a carreira como fenomeno humano social.

Destacamos que essas diferentes metáforas conceptuais devem ser vistas como parte integrante do imaginário e do real experimentado pelas pessoas nas organizações. Portanto, pode-se admitir que estas múltiplas metáforas abrem diversas possibilidades de questionamentos, de redefinição de prescrições e de construção de modelos de análise integrados que considerem a complexidade e as múltiplas faces da carreira. Esta constatação leva a refletir sobre o potencial da análise de metáforas, sendo que a aplicação de uma ou de outra dependerá da natureza do problema de pesquisa, dos pressupostos ontológicos e dos axiomas teóricos compartilhados. Estes elementos também serão determinantes na escolha dos procedimentos metodológicos aplicados na elucidação e interpretação das metáforas da carreira, a exemplo da análise crítica do discurso, da hermenêutica crítica, da análise sistemática de metáforas e da aplicação de técnicas de elucidação de metáforas.

 

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Endereço para correspondência:
Universidade Federal de Lavras (UFLA), Campus Universitário, DAE
Bloco II, Caixa Postal 3037
37200-000, Lavras-MG.
E-mails: flacarvalho2012@gmail.com; fapcar@dae.ufla.br

Recebido 27/04/15
1ª Revisão 31/08/15
Aceite Final 26/11/15

 

 

Sobre os autores
Flaviana Andrade de Pádua Carvalho é doutoranda em Administração (CEPEAD-UFMG) e Pesquisadora do Núcleo de Estudos em Gestão como Prática Social - UFLA/CNPq.
Valéria da Glória Pereira Brito é Pró-Reitora de Gestão e Desenvolvimento de Pessoas, Docente do Programa de Pós-Graduação em Administração Pública (PPGAP) e Pesquisadora do Núcleo de Estudos em Gestão como Prática Social - UFLA/CNPq.
Mozar José de Brito é pesquisador CNPQ e FAPEMIG, Docente Programa de Pós-Graduação em Administração (PPGA) e Programa de Pós-Graduação em Administração Pública (PPGAP), Coordenador do Núcleo de Estudos em Gestão como Prática Social - UFLA/CNPq.
André Luiz de Paiva é mestrando do Programa de Pós-Graduação em Administração (PPGA) - UFLA.

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