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Revista Brasileira de Orientação Profissional

Print version ISSN 1679-3390On-line version ISSN 1984-7270

Rev. bras. orientac. prof vol.17 no.2 Florianópolis Dec. 2016

 

ARTIGO

 

Perceção do feedback do professor e autoconceito vocacional

 

Teacher feedback perception and vocational self-concept

 

Percepción del feedback del profesor y autoconcepto vocacional

 

 

Márcia Laranjeira; Maria Odília Teixeira

Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Com fundamentação sociocognitiva, o estudo analisa o papel das perceções de feedback do professor nas competências percebidas e interesses na infância. Participaram 228 crianças do 4º ano de escolaridade, que responderam ao Inventário de Atividades para Crianças (ICA-R) e à Escala de Feedback do Professor (TFS). A análise de trajetórias demonstrou associação indireta entre feedback atribucional de esforço e capacidade a matemática e interesses Realistas e Convencionais, sendo a relação mediada pelas respetivas perceções de competência. Na leitura, o feedback tem efeito indireto nos interesses Artísticos e Sociais, mediado pelas competências percebidas. O feedback do professor atua ainda como moderador da relação entre género, perceções de competência e interesses. Discutem-se as implicações teóricas e práticas dos resultados.

Palavras-chave: desenvolvimento vocacional, infância, feedback do professor, competências percebidas, interesses


ABSTRACT

From a socio-cognitive perspective, the study analyzes the role of teacher feedback perceptions in perceived skills and interests in childhood. In this study took part 228 fourth grade children, who responded to the Children Activities Inventory - Revised (CAI-R) and the Teacher Feedback Scale (TFS). The trajectory analysis showed an indirect association between the effort attribution feedback and mathematical skill, and realistic and conventional interests, being the relation mediated by the respective perceptions of skills. In reading, feedback has an effect on artistic and social interests, also mediated by perceived skills. The teacher's feedback still acts as moderator of the relationship between gender, perceived skills and interests. The theoretical and practical implications of the results are discussed.

Keywords: vocational development, childhood, teacher feedback, perceived skills, interests


RESUMEN

Con fundamentación sociocognitiva, el estudio analiza el papel de las percepciones del feedback del profesor en las habilidades percibidas y en los intereses en la infancia. Participaron 228 niños del 4º año de escolaridad, que respondieron al Inventario de Actividades para Niños (ICA-R) y a la Escala de Feedback del Profesor (TFS). El análisis de trayectorias mostró asociación indirecta entre el feedback de atribución de esfuerzo y la capacidad matemática e intereses realistas y convencionales, estando mediada esta relación por las respectivas percepciones de competencia. En la lectura, el feedback tiene un efecto indirecto en los intereses Artísticos y Sociales, mediado por las competencias percibidas. El feedback del profesor actúa aún como moderador de la relación entre género, competencias percibidas e intereses. Se discuten las implicaciones teóricas y prácticas de los resultados.

Palabras clave: desarrollo vocacional, infancia, feedback del profesor, competencias percibidas, intereses


 

 

Na literatura, é consensual remeter a génese do autoconceito vocacional para a infância (e.g. Gottfredson, 1996; Super, 1990) e perspetivar escola e família como ambientes propiciadores do desenvolvimento da carreira. A formação do autoconceito vocacional acompanha o desenvolvimento e assenta em processos de aprendizagem (Bussey & Bandura, 1999), em que têm especial relevância variáveis de natureza social, cultural e pedagógica,próprias dos ambientes escolares e familiares. No domínio vocacional, o autoconceito representa um construto multidimensional, que inclui interesses, competências e valores como principais dimensões (Super, 1990). A investigação tem sido parca quanto à análise dos fatores docontexto académico nas dimensõesdo autoconceito vocacional, apesar de as pesquisas atuais apontarem o clima relacional da escola como um dos principais fatores que determina a autoeficácia dos alunos e o sucesso das aprendizagens (Høigaard, Kovač, Øverby, & Haugen, 2015; Teixeira & Ferreira, no prelo).

Feedback do Professor

Entre os fatores que determinam o desenvolvimento da criança, a figura do professor possui grande potencial para influenciar direta e indiretamente o autoconceito académico (Pintrich & Schunk, 2002) e vocacional (Laranjeira, 2015), ultrapassando a influência dos próprios pais (Spinath & Spinath, 2005).

Nas influências diretas, as respostas dos professores aos trabalhos dos alunos agregam-se na persuasão verbal, que constitui uma das principais fontes de autoeficácia (Bandura, 1997). O feedback provém do clima de intersubjetividade congregador de sentimentos, emoções, expetativas e comportamentos verbais e não-verbais que o aluno interpreta e extrapola para as próprias competências académicas. A investigação reconheceo efeito da persuasão verbal nos sentimentos de autoeficácia e no autoconceito dos alunos (Ahn, Usher, Butz & Song, 2016; Arslan, 2012; Butz & Usher, 2015; Joët, Usher & Bressoux, 2011; Phan, 2012), e os dados mostram uma relação positiva entre os próprios níveis de autoeficácia do professor e do aluno (Unlu & Ertekin, 2013).

Para além da persuasão verbal-social, na teoria de Bandura (1997) são fontes de autoeficácia as experiências de mestria, a aprendizagem vicariante, a persuasão verbal-social e os estados emocionais e fisiológicos. Estas fontes de autoeficácia atuam no sistema dinâmico e integrado do autoconceito (Chen & Usher, 2013), e o seu efeito é variável nos diferentes domínios curriculares (Usher & Pajares, 2009) e na diversidade de grupos sociais e culturais que fazem parte da vida da criança (Ahn et al., 2016; Hendricks, 2016; Høigaard et al., 2015). Os estudos indicam variação do impacto das fontes de autoeficácia ao longo da escolaridade, revelando as crianças maior propensão às influências das múltiplas fontes (Chen & Usher, 2013), com destaque para o papel da persuasão social nos primeiros anos de escolaridade. Nestas idades, as crianças dependem fortemente das mensagens dos adultos e dos pares, pois ainda não avaliam as suas próprias capacidades com precisão (Usher & Pajares, 2008). No entanto, em qualquer idade, a força da influência da persuasão não tem um caráter absoluto, pois está sujeita ao reconhecimento, proximidade e credibilidade do persuasor (Bandura, 1997). As fontes de autoeficácia atuam em conjunto, registandoas experiências e a persuasão associações muito fortes no domínio da matemática (Usher & Pajares, 2009). De acordo com o Usher e Pajares (2008), na matemática a persuasão pode tornar-se obsoleta quando não acompanhada de base experiencial.

Neste âmbito, a pesquisa demonstra a importância das expetativas dos professores nas perceções das capacidades e nos interesses dos alunos (Burnett, 2003), particularmente quando as expectativas são explícitas sob forma de feedback (Pinxten, Marsh, De Fraine, Van Den Noortgate, & Van Damme 2014). A ação do professor tem sido confirmada na motivação e no sucesso académico (e.g. Riconscente, 2014; Ruzek, Domina, Conley, Duncan & Karabenick, 2015; Teixeira & Ferreira, no prelo), no suporte ao envolvimento escolar, nas competências e recursos de aprendizagem eno desenvolvimento dos próprios processos cognitivos (Fredrickson, 2013; Kuhbandner & Pekrun, 2013; King, McInerney, Ganotice Jr, & Villarosa, 2015).

Tipos de feedback

Entre os vários tipos de feedback, Burnett (2002) classificou as respostas do professor em elogio, feedback atribucional dirigido ao esforço e feedback atribucional dirigido à capacidade na matemática e na leitura. O autor identificou ainda três tipos de feedback negativos, um de respostas gerais e dois específicos para matemática eleitura. Nestes tipos de feedback, destaca-se a atribuição do sucesso em domínios específicos da aprendizagem à causalidade interna do esforço e capacidade (Schunk, 1982, 1983), que é decisiva para sedimentar processos de aprendizagem autorregulada e conferir ao aluno papel de agenciamento pessoal. No âmbito do desenvolvimento cognitivo subjacente à aprendizagem, a pesquisa com crianças de 9-10 anos sugere que o feedback atribucional agrega numa única dimensão o esforço e capacidade, quer na matemática, quer na leitura (Laranjeira & Teixeira, no prelo).

Formação dos Interesses e das Perceções de Competência

A Teoria da Circunscrição e Compromisso de Gottfredson (1981, 1996) confirma a infância como tempo crítico de desenvolvimento e explica a formação dos interesses por sucessivos processos de circunscrição, que eliminam alternativas não congruentes com representações de género e classe social. As circunscrições realizadas na infância são progressivamente restritivas e determinam a identidade vocacional na idade adulta, as escolhas de carreira ao longo da vida e o próprio desempenho académico (Gottfredson, 1996; Herr & Cramer, 1996).

Num primeiro momento, as crianças entre 7 e 9 anos estabelecem um mapa cognitivo de profissões com predomínio do fator género: as raparigas elegem atividades socialmente atribuídas às mulheres (e.g. cabeleireira, professora, empregada de boutique), enquanto na imagem dos rapazes subsistem profissões do mundo masculino (e.g. futebolista, polícia, engenheiro). Estas diferenças de género são observadas no contexto escolar, preferindo as raparigas leitura e brincadeiras com amigas e os rapazes jogos físicos e matemática (Laranjeira, 2015; Teixeira, 2014). Esta associação entre género e preferências profissionais, escolares e extracurriculares é fruto de estereótipos enraizados e perpetuados em âmbito educacional, nomeadamente por pais e professores, que frequentemente transmitem expectativas e exigências diferenciadas pararapazes e raparigas, sendo os rapazes mais reforçados na matemática e as raparigas na língua nativa (Gunderson, Ramirez, Levine, & Beilock, 2012). Num segundo momento, as crianças por volta dos 10 anos circunscrevem os interesses de acordo com prestígio (Gottfredson, 1996) e expressam preferências de estatuto social elevado (e.g. médico, jornalista, advogado), reaparecendo também o fator género, sobretudo nos rapazes (Teixeira, 2009). Num terceiro momento, a partir dos 14 anos emergem os fatores psicológicos dos interesses, valores e aptidões, que normalmente são considerados determinantes pessoais da carreira (e.g. Super, 1990). Estas dimensões se desenvolvem nos processos de restrições sucessivas no âmbito da formação do autoconceito vocacional, em que têm especial papel fatores sociais, familiares e pedagógicos.

Em complementaridade, a Teoria Sociocognitiva da Carreira (TSCC) (Lent, Brown, & Hackett, 1994) explica a formação dos interesses com base nas conceções pessoais de competência, cuja formação se deve aos processos de aprendizagem em que intervêm as fontes de autoeficácia anteriormente referidas (Bandura, 1997). A rede de informação transmitida destas fontes é selecionada e incorporada nos julgamentos pessoais de capacidade (Chen & Usher, 2013) e a formação dos interesses segue a capacidade da criança para diferenciar as competências em diferentes atividades (Lent, 2004).

Por sua vez, as perceções de competência e os interesses influenciam a formação de aspirações de carreira: um comportamento que devolva um forte sentido de competência (e.g. ensinar) pode incrementar o interesse pela atividade (e.g. ajudar o outro, comunicar) e originar uma aspiração profissional que implemente competências e interesses (e.g. ser professor). O processo contrário ocorre nas atividades em que as crianças se percebem como pouco competentes, tornando provável evitar e excluir essas alternativas do leque das possíveis opções (Lent, 2004).

Tipos de interesses

Nas diferentes tipologias de interesses propostas na literatura, o modelo de Holland (1997) é dos mais utilizados em investigação e intervenção (e.g. Leuty, Hansen, & Speaks, 2016; Sung, Cheng, & Wu, 2016). Este modelo organiza os interesses numa estrutura hexagonal, de acordo com a taxonomia RIASEC: R (Realista), I (Investigativo), A (Artístico), S (Social), E (Empreendedor) e C (Convencional). Numa breve descrição dos tipos, o Realista caracteriza-se pelas atividades práticas, estruturadas econcretas, o Investigativo pelas tarefas que envolvem dados em investigação, o Artístico pelas atividades criativas relacionadas com arte, o Social pelo contacto interpessoal na relação de ajuda, o Empreendedor pelo contacto interpessoal em ambiente organizacional e o Convencional pelas tarefas com dados explícitos, ordenados e sistemáticos. A mesma taxonomia é aplicada aos ambientes profissionais, académicos e sociais. Cada ângulo da estrutura hexagonal corresponde a um tipo de personalidade e ângulos adjacentes traduzem proximidade, segundo os princípios calculus, consistência ediferenciação dos interesses (Holland, 1997). Por um lado, o calculus é dado pela proximidade dos tipos, sendo os adjacentes (e.g. R-I) mais próximos e consistentes do ponto de vista psicológico do que os tipos a dois passos de distância (e.g. R-A). Por outro lado, a diferenciação traduz o desenvolvimento dos tipos e é expressa no número de tipos mais elevados ou mais baixos do perfil. Num estudo com adolescentes portugueses, as correlações entre tipos adjacentes - Realista e Investigativo (0.38) ou Empreendedor e Convencional (0.56) - revelam magnitude superior às dos tipos opostos - Realista e Social (0.02) ou Convencional e Artístico (0.13) -, sendo estes dados similares aos das amostras do Brasil (Teixeira, Barros, & Janeiro, 2010).

A investigação com crianças (David, Paixão, & Silva, 2009, 2015; Laranjeira, 2015) e adolescentes (Teixeira et al., 2010) mostra o efeito do género nos resultados RIASEC, sendo os tipos Realista, Investigativo e Empreendedor mais expressivos nos rapazes e os tipos Artístico, Social e Convencional nas raparigas. A pesquisa tem ainda indicado o valor preditivo dos tipos RIASEC nas escolhas vocacionais (Teixeira & Baptista, 2011).

Objetivo e hipóteses

O objetivo da investigação é analisar a perceção do feedback do professor como fonte de autoeficáciana formação das perceções de competência e dos interesses das crianças. Com base nos referenciais sociocognitivos (Lent et al., 1994) e nas características dos tipos RIASEC de Holland (1997), são formuladas as seguintes hipóteses: a perceção de feedback dirigido à capacidade e ao esforço em matemática é preditor direto das perceções de competência Realistas, Investigativas, Empreendedoras e Convencionais e a perceção deste tipo de feedback influencia indiretamente interesses Realistas, Investigativos, Empreendedores e Convencionais (H1); o feedback dirigido à capacidade e ao esforço na leitura é preditor direto de competências Artísticas e Sociais e a perceção deste tipo de feedback influencia indiretamente interesses Artísticos e Sociais (H2); a perceção de elogio geral é preditor direto das competências percebidas e indiretodos interesses (H3); a perceção de feedback negativo, quer geral, quer dirigido à matemática e à leitura, é preditor direto de competências percebidas e indireto de interesses (H4); as perceções de competência determinam os interesses (H5); as perceções de competência e os interesses Sociais, Artísticos e Convencionais são superiores nas meninas (H6); as perceções de competência e interesses Realistas, Investigativos e Empreendedores são superiores nos rapazes (H7); as perceções de feedback de esforço e capacidade na matemática são superiores nos rapazes, (H8); as perceções de feedback de esforço e capacidade na leitura são superiores nas meninas (H9); a perceção de feedback é variável moderadora da relação entre género, perceções de competência e interesses (H10).

 

Método

Participantes

A amostra é de conveniência, constituída por 228 crianças (128 raparigas e 100 rapazes) com idades entre 9 e 11 anos (mediana = 9), que frequentavam escolas públicas (35%) e privadas (65%) de Lisboa, no ano letivo 2014/2015. O critério de inclusão na amostra foi a frequência do 4º ano do ensino fundamental, pela razão deas crianças neste ciclo de ensino em Portugal terem um único professor e possuírem, neste ano de escolaridade, competência para acompreensão do conteúdo dos itens.

Instrumentos

Inventário de Atividades para Crianças (ICA-R): este instrumento corresponde a uma versão portuguesa do Inventory of Children's Activities - Revised (ICA-R) (Tracey & Ward, 1998) e avalia interesses e competências percebidas, em conteúdos que representam atividades do dia-a-dia do mundo infantil (e.g. "Inventar uma história"). Os primeiros 30 itens são de interesses e os outros 30 itens aplicam os mesmos conteúdos à perceção de competência. Os itens estão organizados em seis subescalas, com correspondência aos tipos de personalidade de Holland (1997) para interesses e competências. Cada subescala inclui cinco itens (e.g. Realista - "Consertar um brinquedo"; Investigativo - "Ver coisas ao microscópio"; Artístico - "Desenhar"; Social - "Ajudar pessoas doentes"; Empreendedor - "Vender coisas aos outros"; Convencional - "Fazer tabelas ou gráficos". A resposta é dada numa escala Likert de 5 pontos (1 - Não gosto nada; 5 - Gosto muito e 1 - Sou muito mau/má; 5 - Sou muito bom/boa).

Nos estudos originais, a análise fatorial indica uma estrutura dos interesses e das perceções de competência em que predominam fatores género e contexto das atividades. De acordo com Tracey (2002), o ajustamento dos interesses e competências ao modelo hexagonal evolui com a idade. Em relação à homogeneidade, os coeficientes alfa variam entre 0.61 e 0.81 nas subescalas de competência e entre 0.60 e 0.80 nas subescalas de interesse, em amostras de crianças do 4º e 5º ano (Tracey & Ward, 1998). Em Portugal, num estudo com alunos do 3º, 6º e 9º ano, as consistências internas nas três amostras têm amplitudes entre 0.66 e 0.80 nas subescalas de competência percebida, e entre 0.60 e 0.78 nas de interesse (David et. al., 2015).

Escala de Feedback do Professor (TFS): esta escala corresponde à adaptação portuguesa da escala desenvolvida por Burnett (2002) e tem como propósito avaliar a perceção das crianças relativamente ao feedback que recebem dos professores. A TFS contém 34 itens distribuídos por seis subescalas, que na versão portuguesa (Laranjeira & Teixeira, no prelo) são designadas elogio (e.g. "Muito bem!"), feedback negativo geral (e.g. "Que disparate"), feedback focado no esforço e na capacidade na leitura (e.g. "Tens muito jeito para ler"), feedback negativo na leitura (e.g. "Vá lá, tu consegues ler melhor do que isso"), feedback focado no esforço e na capacidade na matemática (e.g. "Esforças-te muito na matemática") e feedback negativo na matemática (e.g."Isto não está bom o suficiente, faz estes exercícios outra vez"). A resposta é dada numa escala Likert de 3 pontos (2 - Muitas vezes; 1 - Às vezes; ou 0 - Nunca).

Relativamente à precisão, os estudos originais, com amostras de crianças dos 7 aos 12 anos, indicam coeficientes alfa de Cronbach entre 0.78 e 0.88 (Burnett, 2002; 2003), sendo próximos dos obtidos na versão portuguesa, que se situam entre 0.74 e 0.89 (Laranjeira & Teixeira, no prelo).

Procedimentos

O projeto de investigação foi aprovado pela Comissão de Deontologia da Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa e enviado o pedido de autorização às direções de seis escolas, que participaram no estudo. Com colaboração dos professores titulares das turmas, foi mandado o consentimento informado por escrito aos encarregados de educação, sendo os questionários administrados nas turmas por uma das investigadoras, em sala de aula. Antes do preenchimento dos questionários, os alunos tomaram conhecimento do objetivo do estudo, do caráter voluntário da participação e da natureza confidencial dos dados. A aplicação decorreu numa única sessão, com duração de cerca de 30 minutos. Uma criança desistiu e dois encarregados de educação não autorizaram a participação dos educandos. Os dados foram analisados com softwares SPSS e AMOS - versão 22.0.

 

Resultados

Distribuição dos resultados

As Tabela 1 e 2 apresentam as distribuições dos resultados das subescalas, com os indicadores de amplitude (A), média (M), desvio-padrão (DP), assimetria (Sk), curtose (Ku) e alfas de Cronbach (α).

Inventário de Atividades para Crianças. Nas hierarquias das médias do ICA-R, as médias mais elevadas são observadas nas subescalas do tipo Artístico e as mais baixas no tipo Realista. Os índices de assimetria e achatamento indicam distribuições dos resultados próximas à normal em todas as subescalas, confirmando sensibilidade do instrumento às diferenças individuais. Os coeficientes de Cronbach variam entre 0.50 e 0.66 nas subescalas de competência percebida e entre 0.49 e 0.63 nas subescalas de interesse (Tabela 1). Apesar de alguns dos coeficientes serem inferiores ao limite aceitável (< 0.60) (Murphy & Davidshofer, 2001) estes indicadores são próximos dos obtidos por Tracey (2002) e David e colaboradores (2009, 2015) com crianças mais novas.

Escala de Feedback do Professor. Todos os indicadores descritivos das subescalas revelam sensibilidade às diferenças individuais, apresentando uma distribuição próxima à normal. Os coeficientes alfa de Cronbach situam-se entre 0.74 e 0.89 (Tabela 2), próximos aos da versão original (Burnett, 2002). Estes indicadores positivos são confirmados pelas correlações de cada item com a subescala de pertença, que variam entre 0.34 e 0.67 no elogio, 0.49 e 0.63 no feedback negativo geral, 0.37 e 0.67 no feedback de esforço e capacidade na leitura, 0.35 e 0.64 no feedback negativo na leitura, 0.59 e 0.72 no feedback de esforço e capacidade a matemática e 0.48 e 0.63 no feedback negativo a matemática.

Diferenças entre Sexos

Inventário de Atividades para Crianças. Na escala de interesses, os resultados médios nas subescalas Realista (p < 0.001) e Empreendedor (p < 0.05) são significativamente superiores dos rapazes e nas subescalas Artístico e Social superiores das meninas (p < 0.001). Os efeitos são de dimensão média, sendo apenas baixa no tipo Empreendedor.

Na escala de competências percebidas, as diferenças mantêm o mesmo padrão, sendo ainda observada uma diferença significativa e favorável às raparigas na subescala Convencional (p < 0.05). Todos os efeitos são de dimensão média, à exceção dos tipos Empreendedor e Convencional, em que a dimensão do efeito é reduzida (Tabela 3).

Escala de Feedback do Professor. Os resultados do teste t para a diferença entre as médias demonstram que os rapazes, comparativamente às raparigas, percecionam receber mais feedback negativo geral (Mrapazes = 2.28, DP = 1.77; Mraparigas = 1.33, DP = 1.56; t = 4.19; p < 0.001; η2p = 0.07), feedback negativo na leitura (Mrapazes= 4.65, DP = 2.78; Mraparigas = 3.50, DP = 2.49; t = 3.18; p < 0.05; η2p = 0.04) e feedback positivo de esforço e capacidade a matemática (Mrapazes= 7.76, DP = 4.84; Mraparigas = 5.99, DP = 4.15; t = 2.90; p < 0.05; η2p = 0.05). Os efeitos são de baixa dimensão, sendo média a dimensão do efeito na subescala de feedback negativo geral.

Efeitos do Feedback do Professor

Recorreu-se à análise de trajetórias para testar os efeitos diretos do feedback do professor nos interesses e nas competências percebidas, assim como efeitos indiretos nos interesses, mediados pelas respetivas perceções de competência (Figura 1). A estimativa dos parâmetros foi efetuada através do método da máxima verosimilhança e a significância dos efeitos indiretos calculada pelo método Bootstrap. Foi verificada a adequação do modelo e considerados como indicadores de um bom ajustamento valores de CFI e GFI superiores a 0.90 e RMSEA inferiores a 0.05, com probabilidade de p não significativa [rmsea 0.05] (Marôco, 2010).

 

 

Qualidade do modelo. Os valores CFI (0.81) e GFI (0.81) apontam para um ajustamento tolerável do modelo, enquanto o RMSEA (0.16; p [rmsea 0.05] < 0.001) indica fraco ajustamento. De facto, é expectável a associação privilegiada entre algumas formas de feedback e perceções de competência e interesses específicos, em detrimento de outros, pelo que se prosseguiu a análise com vista à identificação dos efeitos existentes.

Poder preditivo. O modelo ajustado permite explicar 50% dos interesses Realistas, 48% dos Investigativos, 55% dos Artísticos, 51% dos Sociais, 41% dos Empreendedores e 58% dos Convencionais.

Efeitos diretos. Verifica-se que todas as trajetórias entre as perceções de competência e respetivos interesses são fortes e altamente significativas (βRealista = 0.70, p < 0.001; βInvestigativo = 0.70, p < 0.001; βArtístico = 0.73, p < 0.001; βSocial = 0.69, p < 0.001; βEmpreendedor = 0.65, p < 0.001; βConvencional = 0.77; p < 0.001).

A Tabela 4 apresenta os efeitos diretos e indiretos do feedback nas perceções de competência e nos interesses. Nas perceções de competência, a magnitude do efeito é fraca a moderada, observando-se no elogio uma trajetória direta sobre competências percebidas do tipo Investigativo e Empreendedor; no feedback negativo geral, efeitos negativos nas perceções de competência Artística, Social e Convencional; o feedback que atribui o sucesso na leitura ao esforço e à capacidade tem efeito direto nas competências percebidas na área Artística e Social. Por sua vez, o feedback negativo na leitura apresenta um efeito nas competências do tipo Realista, o feedback esforço e capacidade a matemática apresenta trajetórias significativas com perceções de competência Realista e Convencional, e o efeito do feedback negativo a matemática tem um efeito negativo na perceção de competência Empreendedora.

Efeitos indiretos. Foram encontrados efeitos indiretos dos vários tipos de feedback nos interesses, reproduzindo o padrão dos efeitos diretos (Tabela 4). Verifica-se que os efeitos são mediados pelas respetivas competências percebidas, pois na presença desta variável não se verifica uma relação direta e significativa entre a perceção de feedback do professor e os interesses. Embora significativos, estes efeitos são de fraca intensidade: o elogio apresenta um efeito indireto nos interesses Investigativos e Empreendedores; o feedback negativo geral revela trajetórias significativas e negativas nos interesses Artísticos, Sociais e Convencionais; o feedback focado no esforço e na capacidade na leitura é preditivo dos interesses Artísticos e Sociais; o feedback negativo na leitura apresenta apenas um efeito significativo nos interesses do tipo Realista; o feedback focado no esforço e na capacidade a matemática é preditivo dos interesses do tipo Realista e Convencional; e o feedback negativo na matemática tem efeito negativo nos interesses Empreendedores. Tal como observado na Tabela 4, os seis tipos de feedback demonstram efeitos preditores dos interesses e das perceções de competência das crianças, e estas relações são variáveis consoante a natureza dos tipos de feedback e tipos de personalidade.

Diferenças de género. Para aceder ao papel moderador das perceções de feedback na relação entre género e competências percebidas e interesses (Figura 2) foram ajustados outros dois modelos, um para rapazes e outro para raparigas. Nesta análise emergem algumas diferenças com significado, comparativamente ao modelo geral. Nos rapazes, o feedback focado no esforço e na capacidade na leitura demonstrou uma trajetória direta e forte nas competências do tipo Artístico (β = 0.47; p = 0.001) e indireta e moderada nos respetivos interesses (β = 0.32; p = 0.003), enquanto nos dados do grupo feminino o feedback de esforço e capacidade na matemática é diretamente preditivo da perceção das competências Convencionais (β = 0.23; p = 0.04) e indiretamente dos interesses do mesmo tipo (β = 0.18; p = 0.04), sendo estas trajetórias de fraca intensidade.

 

 

Discussão

A presente investigação analisa o papel da perceção do feedback dos professores nas competências percebidas e nos interesses das crianças, com base na premissa de que o autoconceito na infância está organizado de acordo com o género (Gottfredson, 1996) e a estrutura RIASEC (Holland, 1997), sendo a persuasão verbal dos professores fonte de autoeficácia que determina crenças e interesses (Lentet al., 1994).

A discussão dos resultados segue a ordem das hipóteses, sendo condicionada às particularidades da amostra, dos instrumentos e natureza transversal da pesquisa. Os índices de precisão do ICA-R sugerem alguma fragilidade psicométrica, que se deve, em parte, ao número reduzido de itens por subescala e à instabilidade dos interesses e das perceções de competência na infância (Tracey, 2002). Salienta-se que os coeficientes deste estudo são próximos aos obtidos por David e colaboradores (2009, 2015) em amostras portuguesas, em que há evidências da relação entre homogeneidade da medida e idade. Os índices psicométricos da TFS são positivos, convergentes com estudos anteriores (Burnett, 2002, 2003).

Os dados da análise de trajetórias confirmam parcialmente a H1, a perceção de feedback dirigido à capacidade e esforço em matemática é preditor direto das perceções de competência Realistas e Convencionais e a perceção deste feedback influencia indiretamente os interesses Realistas e Convencionais. Num outro estudo, verificou-se associação positiva da perceção de feedback esforço e capacidade a matemática e a preferência pela disciplina matemática (Laranjeira & Teixeira, no prelo). Os dados sugerem que os tipos Realistas e Convencionais conjugam esforço e capacidade a matemática, cognição de competência e motivação, corroborando a organização do autoconceito infantil, apesar da natureza transversal da pesquisa. Salienta-se que estes dois tipos são adjacentes na estrutura RIASEC, confirmando a sua proximidade psicológica (Holland, 1997). Nestes indicadores podem coexistir efeitos de género, de acordo com a literatura que identifica a superioridade do autoconceito a matemática nos rapazes (e.g. Leibham, Alexander, & Johnson, 2013).

Estes resultados também sugerem a importância do feedback atribucional nos conteúdos que envolvem matemática, afirmando, uma vez mais, a sua relevância na perceção da criança sobre a relação entre características pessoais e sucesso (Schunk, 1982, 1983).Os dados que suportam a Hipótese 1 corroboram a relação entre perceção de atuação do professor a matemática e motivação, com eventuais repercussões no sucesso escolar, nas escolhas de carreira futuras (Hackett & Betz, 1989; Burnett, 2003; Hattie & Timperley, 2007; Riconscente, 2014; Ruzek et al., 2015) e no bem-estar dos alunos (Unlu & Ertekin, 2013).

Os dados confirmam a H2 - a perceção do feedback dirigido à capacidade e ao esforço na leitura é preditor direto de competências percebidas Artísticas e Sociais e a perceção deste feedback influencia indiretamente interesses Artísticos e Sociais. Estes dados sugerem que o feedback percebido à leitura contribui para desenvolver conceções pessoais de competência e interesses nas áreas da comunicação escrita, oral ou simbólica (Holland, 1997). Estes dados também corroboram a organização do autoconceito da criança: os tipos Artístico e Social são adjacentes na estrutura de Holland (1997) e reúnem perceções dos resultados em esforço, capacidade, competência e interesses. Também podem coexistir efeitos de género, já que o autoconceito na língua materna é superior nas raparigas (Leibham et al., 2013).

A H3 foi parcialmente confirmada, a perceção de elogio geral determina diretamente competências do tipo Investigativo e Empreendedor e indiretamente os respetivos interesses. Os dados sugerem associação entre a valorização que a criança perceciona por parte do professor e áreas científicas e empreendedoras que ocupam o topo da hierarquia das atividades socialmente valorizadas (Gottfredson, 1996). Estas duas áreas reúnem em comum exigências matemáticas (Holland, 1997), e atualmente são muito estimuladas nas crianças, em âmbito educacional e social. Apesar do tipo Investigativo e Empreendedor se posicionarem em polos opostos na estrutura RIASEC (Holland, 1997), a respetiva correlação é moderada (0.22) numa amostra de adolescentes brasileiros (Teixeira et al., 2010). Na área investigativa, as crianças frequentemente criam relações entre interesse em aprender tópicos científicos, o prazer usufruído nas atividades científicas e o valor atribuído à ciência (Ainley & Ainley, 2011).

A H4 foi parcialmente confirmada, quer na perceção de feedback negativo geral, quer dirigido à matemática e à leitura. Por um lado, as crianças que percebem feedback negativo geral dos professores tendem sentir menos competência e menos envolvimento nas áreas Artísticas, Sociais e Convencionais, e por outro lado, aperceção de respostas negativas na leitura apresenta um efeito positivo e direto nas competências percebidas Realistas e indireto no mesmo tipo de interesses. Na leitura destes dados, há um afastamento das áreas geradoras de sentimentos negativos tal como pressuposto por Bandura (1997) e há indicadores que corroboram a organização dos interesses das crianças, de acordo com o critério coisas versus pessoas (Prediger, 1999), que distancia áreas realistas e sociais. Este último resultado é traduzido, muitas vezes, num fator com cargas positivas e negativas, que agrega interesses de serviço social versus mecânicos-realista (Teixeira et al., 2010). Por último, as respostas negativas dirigidas ao desempenho na matemática têm um efeito negativo direto na competência Empreendedora e indireto no mesmo tipo de interesses, corroborandoo afastamento das crianças de uma área que exigematemática.

A maioria dos resultados confirma a H5, de que a a perceção de competência determina interesses. Os dados corroboram uma das principais premissas do modelo sociocognitivo da formação dos interesses: as crianças desenvolvem interesses nas atividades em que sentem competência (Lent et al., 1994). De acordo com Seligman (1994), na infância desenvolvem-se competências que estão na base da formação dos interesses, valores e atitudes.

A H6 e a H7 são também parcialmente confirmadas: as raparigas revelam perceções de competência e interesses Sociais, Artísticos e Convencionais superiores aos rapazes e os rapazes revelam competências percebidas e interesses Realistas e Empreendedores superiores às raparigas. Na estatística inferencial, os dados do t de Student demonstram o efeito do género nos interesses e nas perceções de competência, confirmando a tendência observada ao longo de gerações e nas amostras internacionais de diferentes idades (e.g. Crites, 1969; David et al., 2015; Iskander, Gore, Furse, & Bergenson, 2013; Teixeira, 2009; Teixeira et al., 2010). A superioridade dos rapazes nos interesses e competências com base comum de matemática é comprovada pelas evidências do autoconceito a matemática ser superior nos rapazes (Unlu & Ertekin, 2013), do reforço social nesta matéria sermais dirigido para os rapazes (Gunderson et al., 2012) e das expetativas dos professores sobre a capacidade dos alunos aprenderem matemática serem mais elevadas para os rapazes (Lazarides & Watt, 2015).

No mesmo sentido das evidências anteriores, a H8 foi confirmada. Os rapazes percebem mais feedback positivo ao esforço e capacidade a matemática e percecionam mais feedback negativo geral e na leitura, o que pode corroborar a tendência de os professores centrarem mais atenção nos rapazes, quer pelos aspetos positivos, quer pelos negativos (Sadker, 1999).

Ao contrário do esperado, a H9 não foi confirmada, ou seja, não foram verificadas diferenças quanto à perceção de feedback de esforço e capacidade na leitura, apesar de o autoconceito na língua materna ser superior nas raparigas (Leibham et al., 2013) e de os professores as reforçarem mais nesta área de conhecimento (Gunderson et al., 2012). Este resultado pode estar ligado ao facto de a TFS avaliar apenas a perceção de feedback na leitura e não noutros componentes ligados à língua (e.g. escrita, linguagem).

Os dados confirmam a H10, a relação entre género, perceções de competência e interesses é moderada pelas perceções de feedback. Os dados das trajetórias, em amostras separadas por género, evidenciam que rapazes expostos ao feedback positivo na leitura tendem a desenvolver competências e interesses Artísticos e raparigas mais expostas ao feedback positivo na matemática tendem a desenvolver interesses Convencionais, relacionados com os conteúdos da matemática. Estes resultados sugerem um efeito da aprendizagem na relação entre género e interesses, especialmente nos interesses socialmente estereotipados para rapazes e raparigas. Os dados indiciam também que raparigas e rapazes respondem de modo diferente à persuasão social, sendo este dado comprovado pela maior suscetibilidade das mulheres às pessoas significativas, sob forma de expectativas e mensagens verbais (Hendricks, 2016; Usher & Pajares, 2008).

Limitações

As limitações deste trabalho ligam-se à dimensão e natureza da amostra, nomeadamente apenas incluir crianças de Lisboa, ao desenho transversal não captar questões de desenvolvimento nemo efeito da persuasão verbal ao longo da escolaridade (Chen & Usher, 2013). O ICA-R revela fragilidades psicométricas associadas à precisão e usa as mesmas atividades nas escalas de interesses e competência, o que pode acarretar redundância nos resultados. Também a metodologia de análise de trajetórias pode concorrer para alguns enviesamentos, visto não controlar o erro associado às variáveis exogéneas.

 

Considerações Finais

Este estudo demonstra inequivocamente a atuação do professor nas atividades do dia-a-dia, em sala de aula, tem implicações na formação dos interesses e perceções de competênciadas crianças no domínio vocacional e, naturalmente, no desenvolvimento global do aluno. A ação do professor na sala de aula tem potencial para motivar os alunos em direção às áreas curriculares (Laranjeira, 2015) e interfere na formação do mapa cognitivo das crianças,na potencialidade que tem de alargar ou estreitar o espaço social em que se circunscrevem os interesses (Gottfredson, 2002).

O conjunto dos dados permite um aprofundamento teórico sobre o desenvolvimento vocacional na infância pois indicia ainda um autoconceito relativamente organizado nas crianças de 9-10 anos, que revelam consistência das competências, interesses e vivências escolares dentro dos tipos de personalidade,com agregação dos tipos adjacentes (Holland, 1997). Os dados também focam a complexidade das relações entre crenças de competência, interesses e género, que são dimensões cruciais no desenvolvimento do autoconceito vocacional (Gottfrendson, 1981; Lent et al., 1994). Os resultados deste estudo confirmam o papel da aprendizagem na relação entre género e interesses e evidenciam o potencial da ação do professor como fonte de autoeficácia, que pode derrubar estereótipos e preconceitos sociais.

Torna-se necessário iniciar a intervenção educacional de carreira nos primeiros anos de escolaridade, incluir alunos e educadores e promover o desenvolvimento integral das crianças, sem constrangimentos de natureza social ou académica. Por um lado, é necessário consciencializar os professores do efeito das práticas pedagógicas que sustentam a aprendizagem e, por outro lado, é importante que os professores conheçam as perceções de autoeficácia dos seus alunos, de modo a usarem estratégias que possibilitem realizar o pleno potencial de capacidades (Hendrick, 2016). Os professores podem influenciar as crenças dos alunos sobre as suas próprias capacidades se lhes fornecerem tarefas desafiantes e atividades significativas e se demonstrarem que acreditam no seu potencial (McPherson & McCormick, 2006).

Estudos futuros poderão replicar estes dados com amostras mais heterogéneas e com a inclusão de outras variáveis do contexto académico e familiar. A adoção de uma metodologia longitudinal poderá proporcionar a análise da influência dessas variáveis na consistência e estabilidade dos interesses e das perceções de competência ao longo do tempo, proporcionando indicadores úteis na análise da formação do autoconceito académico e vocacional.

 

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Endereço para correspondência:
Márcia Laranjeira
Avenida de Sintra, 1451, 2756-502
Alcabideche, Portugal
E-mail: marcia.laranjeira@campus.ul.pt

Recebido: 18/08/2016
1ª reformulação: 08/03/2017
Aceite final: 14/03/2017

 

 

Sobre as autoras
Márcia Laranjeira é licenciada em Psicologia pelo Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa e mestre em Psicologia da Educação e da Orientação pela Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa. Neste momento encontra-se a exercer funções no Serviço de Psicologia e Orientação do Colégio do Amor de Deus.
Maria Odília Teixeira é Professora Auxiliar da Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa. Especialista no domínio do aconselhamento de carreira, tem diversas publicações neste domínio.

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