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Revista Brasileira de Orientação Profissional

Print version ISSN 1679-3390On-line version ISSN 1984-7270

Rev. bras. orientac. prof vol.17 no.2 Florianópolis Dec. 2016

 

RESENHA

 

O que aprendemos quando mulheres falam sobre desenvolvimento de carreira?1

 

 

Patrícia Bock Bandeira; Gabriela Techio; Manoela Ziebell de Oliveira

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre-RS, Brasil

Endereço para correspondência

 

 

Embora o ingresso das mulheres no mercado de trabalho não seja um fenômeno recente, ainda é responsável por importantes e frequentes debates nas organizações, na sociedade e na academia. Estatísticas evidenciam a inequidade entre as condições e as oportunidades de trabalho, além de expectativas sobre papéis de gênero entre homens e mulheres ao redor do mundo.

Este quadro sintetiza a relevância da publicação intitulada "Women's Career Development Throughout the Lifespan: an international exploration", que procurou dar voz às mulheres de nove países para que descressem suas trajetórias de carreira, bem como os recursos e suportes com os quais contaram ao longo desta trajetória. O livro, coordenado por Bimrose, McMahon e Watson (2015), representa uma contribuição importante para a comunidade de profissionais e pesquisadores que se ocupa da temática da carreira, especialmente a feminina.

A publicação está organizada em três partes, e apresenta o cenário sócio-político e econômico das mulheres no mercado de trabalho. A primeira parte introduz o contexto internacional e diferentes perspectivas sobre a carreira das mulheres, discutindo de que forma variações geográficas podem ampliar ou restringir as opções de trabalho remunerado disponíveis às mulheres para que construam suas carreiras. Para isso, considera, entre outros aspectos, o nível de qualificação, a cultura, a idade, a área de atuação e a discriminação no ambiente corporativo.

A segunda parte do livro apresenta a análise de entrevistas realizadas com mulheres de 45 a 65 anos, para as quais a idade é uma potencial barreira para o ingresso ou reingresso no mercado de trabalho. Ao descreverem suas trajetórias profissionais ao longo da vida, verifica-se que, apesar das diferenças entre as realidades das mulheres entrevistadas, os dados estatísticos e as histórias contadas permitem traçar semelhanças entre suas experiências.

As trajetórias são marcadas pela conciliação entre os diferentes papéis (mãe, estudante, esposa e trabalhadora), que são assumidos a partir da concepção da posição ocupada por homens e mulheres dentro da sociedade. No mercado de trabalho as experiências das mulheres são marcadas pela segregação horizontal, que separa as profissões entre femininas e masculinas, de acordo com o nível de prestígio social, e pela segregação vertical, que corresponde ao fato de a mulher ocupar cargos mais baixos ou de possuir menor remuneração em comparação com homens. Para as entrevistadas, as desigualdades em relação às condições, ganhos e oportunidades de trabalho feminino são ainda mais intensas devido à sua idade, já que a experiência e o talento não são reconhecidos e muitas vezes são forçosamente subutilizados.

No âmbito familiar, há forte influência da família de origem na decisão da mulher sobre qual emprego ou qual área de atuação escolher. Destaca-se também a importância do papel feminino dentro da estrutura familiar, e a posição central da maternidade relatada pelas mulheres com filhos, além da tensão entre ser mãe e profissional. Ao experenciar o conflito entre demandas profissionais e familiares, muitas vezes as decisões de carreira das entrevistadas buscam atender às necessidades da família. Entretanto, se por um lado a família aparece como um dificultador para o desenvolvimento da carreira feminina, por outro foi mencionado o suporte fornecido pelas redes de contato, especialmente familiares e comunidade, como estratégia de enfrentamento a fim de superar as dificuldades.

Ao longo das entrevistas, as mulheres aconselharam a outras que se dedicassem minuciosamente ao planejamento de suas carreiras, incentivando a paixão pelo que fazem e a busca pelo desenvolvimento profissional e pessoal. Destaca-se o empenho das entrevistadas no combate aos estereótipos de gênero, fazendo um alerta para a necessidade de educar as crianças e de empoderar as mulheres na busca por uma sociedade mais igualitária. Em síntese, os relatos demonstram a importância do contexto histórico e cultural para a compreensão das identidades profissionais e da construção do indivíduo ao definirem as posições que homens e mulheres assumem na sociedade.

Por fim, a terceira parte traz reflexões sobre a importância de compreender o contexto no qual as carreiras se desenvolvem, uma vez que as carreiras das mulheres são profundamente influenciadas por iniciativas legais, normas culturais, movimentos políticos e condições econômicas - ainda que haja um modesto progresso na direção de reduzir as barreiras sexistas ao longo do tempo. Entretanto, ainda há dificuldade em propor estruturas conceituais que incluam o papel do contexto como um fator central na vida de trabalho das mulheres.

A importância do trabalho feminino não remunerado é considerada o principal achado do estudo qualitativo apresentado no livro, visto que esse interfere diretamente na experiência de trabalho feminina, em função do papel central do cuidado com familiares e filhos em suas vidas. Nesse sentido, é preciso identificar e descrever no que realmente consiste esse trabalho não remunerado, e também o modo como as mulheres o percebem, visto que esse tema ainda é abordado de forma generalizada - inclusive no estudo apresentado ao longo do livro.

Ainda assim, a publicação também aponta que muitos dos desafios enfrentados pelas entrevistadas não são exclusivos das mulheres, tais como transições e interrupções na carreira devido a mudanças macroeconômicas ou alterações nas condições de emprego causadas pela globalização e tecnologia. A maior desvantagem feminina em relação aos homens ainda é a divisão sexual do trabalho - elas recebem menor remuneração, ocupam cargos mais juniores e empregos considerados mais precários. Conforme apontado nas entrevistas, no entanto, as dificuldades na carreira estariam mais relacionadas à idade do que ao gênero.

Finalmente, o livro encerra sua análise com três importantes questionamentos: 1. a prática da orientação profissional é relevante para a carreira de mulheres e de que forma?; 2. considerando as desvantagens sistêmicas experimentadas pelas mulheres investigadas, qual a responsabilidade dos profissionais da área de carreira na promoção da justiça social e mudança social?; e 3. dada a diversidade de contextos culturais e a recente história da orientação profissional em países não ocidentais e em desenvolvimento, como introduzi-la em novos contextos, de maneira a evitar os riscos de impor os já estabelecidos modelos e práticas ocidentais? Estes questionamentos tornam evidente a importância do engajamento crítico na prática de aconselhamento de carreira para garantir que haja sensibilidade cultural e contextual para cada cliente, garantindo assim uma prática que seja visível, crível, ética e contextualmente ressonante.

 

 

Endereço para correspondência:
Patrícia Bock Bandeira
Grupo de Estudos sobre Desenvolvimento de Carreira - GEDC. Programa de Pós-Graduação em Psicologia
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
Avenida Ipiranga, 6681, prédio 11, sala 936
90619-900, Porto Alegre-RS.
E-mail: patibandeira@gmail.com

Recebido 16/12/2016
Aceite final 09/03/2017

 

 

Sobre as autoras
Patrícia Bock Bandeira é graduada em Administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Atualmente é mestranda em Psicologia Social no Programa de Pós-graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e membro do Grupo de Estudos sobre Desenvolvimento de Carreira, além de atuar como coordenadora administrativa no Centro de Aperfeiçoamento em Psicologia Escolar.
Gabriela Techio é graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e atualmente cursa Psicologia na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, onde atua como auxiliar de pesquisa no Grupo de Estudos sobre Desenvolvimento de Carreira - GEDC, além de ser estagiária de Psicologia no Escritório de Carreiras da PUCRS.
Manoela Ziebell de Oliveira é doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande Sul. Atualmente coordena o Grupo de Estudos sobre Desenvolvimento de Carreira no Programa de Pós-graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, além de atuar como consultora de carreira e membro do Núcleo de Pesquisa da Produtive Carreira e Conexões com o Mercado.
1 Resenha do livro: Bimrose, J., McMahon, M., & Watson, M. (2015). Women's Career Development Throughout the Lifespan: An international exploration. London: Routledge.

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