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Revista Brasileira de Orientação Profissional

versión impresa ISSN 1679-3390versión On-line ISSN 1984-7270

Rev. bras. orientac. prof vol.18 no.1 Florianópolis jun. 2017

http://dx.doi.org/10.26707/1984-7270/2017v18n1p93 

ARTIGO

 

Avaliação de ambientes ocupacionais: construção do Inventário de Classificação Ocupacional1

 

Occupational environments evaluation: construction of the Inventory of Occupational Classification

 

Evaluación de ambientes ocupacionales: construcción del Inventario de Clasificación Ocupacional

 

 

Fernanda de Souza Brito; Mauro de Oliveira Magalhães

Universidade Federal da Bahia, Salvador-BA, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Esta pesquisa iniciou a construção do Inventário de Classificação Ocupacional (ICO) para avaliação de ambientes de trabalho segundo o modelo de J. Holland. Observa-se a escassez de medidas com este objetivo, necessárias em pesquisas sobre congruência pessoa-ambiente. Uma amostra de 842 trabalhadores respondeu ao ICO e a medidas de interesses e satisfação no trabalho. A análise fatorial exploratória revelou os seis fatores correspondentes à tipologia RIASEC. As escalas apresentaram índices de consistência interna satisfatórios. O índice de congruência C-tipos mostrou correlação significativa com satisfação no trabalho, corroborando expectativas teóricas. Conclui-se que o ICO é um instrumento promissor para uso na pesquisa e na atuação profissional em orientação e gestão de carreiras.

Palavras-chave: ajustamento profissional, interesses profissionais, validade, precisão


ABSTRACT

This research began the construction of the Occupational Classification Inventory (OCI) for evaluation of occupational environments according to J. Holland model. It is observed the scarcity of measures with this objective, necessary in research on congruence person-environment. A sample of 842 workers responded to the OCI and measures of interests and job satisfaction. The exploratory factorial analysis revealed the six factors corresponding to the RIASEC typology. Scales presented satisfactory internal consistency indexes. The C-type congruence index showed significant correlation with job satisfaction, corroborating theoretical expectations. It is concluded that the OCI is a promising instrument for use in research and professional practice in career guidance and management.

Keywords: professional adjustment, professional interests, validity, precision


RESUMEN

Esta investigación inició la construcción del Inventario de Clasificación Ocupacional (ICO) para evaluación de ambientes ocupacionales según el modelo de J. Holland. Se observa la escasez de medidas con este objetivo, necesarias en investigaciones sobre congruencia persona-ambiente. Una muestra de 842 trabajadores respondió al ICO y las medidas de intereses y satisfacción laboral. El análisis factorial exploratorio reveló los seis factores correspondientes a la tipología RIASEC. Las escalas presentaron índices de consistencia interna satisfactorios. El índice de congruencia C-tipos mostró correlación significativa con satisfacción en el trabajo, corroborando expectativas teóricas. Se concluye que el ICO es un instrumento prometedor para uso en la investigación y en la actuación profesional en orientación y gestión de carreras.

Palabras clave: ajuste profesional, intereses profesionales, validez, precisión


 

 

A teoria de interesses e ambientes ocupacionais de Holland (1997) é considerada a teoria da escolha vocacional de maior visibilidade (Su, Murdock, & Rounds, 2015). Em sua obra de referência, Holland (1997) apresentou ideias que receberam confirmação empírica volumosa e significativa, posicionando o seu modelo entre as teorias hegemônicas no campo da psicologia das carreiras e com destaque importante na literatura sobre comportamento humano no trabalho (Su et al., 2015; Nye, Su, Rounds, & Drasgow, 2012; Gottfredson & Richards, 1999).

O núcleo da teoria de Holland é a categorização de seis dimensões de interesses e ambientes ocupacionais: Realista (R), Investigativo (I), Artístico (A), Social (S), Empreendedor (E) e Convencional (C). As relações entre as seis dimensões foram ilustradas através de um hexágono, onde cada interesse está situado em um dos vértices, obedecendo à sequência RIASEC. Dimensões mais próximas no hexágono são consideradas mais similares, compartilhando mais características (e.g., R e I; A e S). Considerando este aspecto, Holland (1997) propôs o conceito de consistência, associado a proximidade hexagonal dos tipos de interesses preferidos por um indivíduo. Portanto, se os interesses predominantes são próximos no hexágono, pode-se dizer que seu perfil é mais consistente do que uma pessoa com interesses distantes, e o mesmo acontece com os ambientes.

Holland (1997) caracterizou sua teoria como estrutu-ral-interativa, postulando uma relação recíproca entre pessoas e ambientes, sendo que pessoas buscam inserção em ambientes similares ou congruentes aos seus interesses. O conceito de congruência refere-se ao grau de similaridade entre características pessoais e ambientais e tem sido relacionada a satisfação e desempenho no trabalho (Nye et al., 2012; Su et al., 2015). Entende-se que a congruência não se refere a uma condição estática isenta das variações inerentes as mudanças do indivíduo e do mundo do trabalho. As demandas ocupacionais mostram-se em contínua transformação. As pessoas ao longo da vida reveem suas crenças sobre si próprias e sobre suas relações com as ocupações e com o papel de trabalho. Não obstante, a necessidade individual de criar e manter conexões entre o si-mesmo e os papeis ocupacionais permanece constante (Savickas, 2013). Neste sentido, a congruência pode ser entendida como uma condição sempre em transformação e jamais definitiva.

Recentemente, a consistência foi associada com congruência pessoa-ambiente, certeza e satisfação com a carreira, e estabilidade ocupacional ao longo de 15 anos (Tracey, Wille, Durr, & DeFruyt, 2014). A consistência das características do ambiente e dos interesses pessoais pode influenciar nas relações de ajuste pessoa-ambiente.

Assim, sugere-se que a consistência dos perfis seja de algum modo incorporada a medidas de congruência, para fins de predição da satisfação no trabalho.

A análise da congruência pessoa-ambiente ocorre a partir da comparação entre tipos de interesse e tipos de ambiente RIASEC. O perfil de interesses de uma pessoa é obtido a partir da hierarquia dos escores para cada tipo de interesse RIASEC e o mesmo ocorre com o perfil do seu ambiente ocupacional. Essa hierarquia dos escores se reflete na ordem das letras do perfil (e.g. AISRCE), no qual a primeira letra representa o tipo que obteve escore mais elevado (e.g Artístico), é seguida pelo tipo que obteve o segundo maior escore (e.g. Investigativo) e assim sucessivamente. Desse modo, a avaliação da congruência de um trabalhador envolve a comparação dos perfis hierarqui-zados de seus interesses e de seu ambiente ocupacional. Logo, caso possua um perfil de interesses (e.g. AISRCE) idêntico ao perfil de seu ambiente (e.g. AISRCE), o grau de congruência será maximizado.

A comparação entre os perfis de interesse e de ambiente tem sido realizada de diferentes maneiras, gerando vários índices de congruência, desde os mais simples, que comparam somente as primeiras letras dos perfis de interesse e de ambiente, aos mais sofisticados que consideram o perfil completo (Young, Tokar, & Subich, 1998; Wille, Tracey, Feys, & DeFruyt, 2014). A seguir serão descritos os principais índices de congruência descritos na literatura:

1. Primeira letra dicotômica: considera a comparação entre as primeiras letras dos perfis de interesse e de ambiente ocupacional, letras iguais indicam congruência, letras diferentes indicam incongruência (Young et al., 1998).

2. Primeira letra hexagonal: considera a estrutura hexagonal do modelo RIASEC e os escores variam de 0 a 3, sendo 3 quando as primeiras letras dos perfis de interesse e ambiente são iguais (e.g. R e R), 2 quando as letras estão em posição adjacente no hexágono (e.g. R e I, ou R e C), 1 quando as letras estão em posição alternada (e.g. R e A ou R e E), e 0 quando as letras estão opostas (e.g. R e S) (Young et al., 1998).

3. C-Index: é uma extensão da medida da distância hexagonal entre as primeiras letras do interesse e do ambiente, só que aperfeiçoada para um perfil de três letras. A fórmula é C = 3 (x) + 2 (x) + (x), onde x é uma pontuação de 3, 2, 1 ou 0, atribuída a cada comparação de acordo com a distância hexagonal entre as letras (3 = letras idênticas , 2 = letras adjacentes, 1 = letras alternadas, 0 = letras opostas). Para ilustrar, uma pessoa com um perfil CES que está em um ambiente ESC, receberia uma pontuação de 11, C = [3(2) + 2(2) + 1(1). Essa mesma pessoa em um ambiente perfeitamente congruente (CES) receberia uma pontuação de 18, C = [3(3) + 2(3) + 1(3)], portanto o C-Index pode variar de 0 a 18, com pontuações mais altas refletindo maiores níveis de congruência (Brown & Gore, 1994). Índice de Iachan (lachan M Index): compara o perfil de três letras do interesse e do ambiente, atribuindo diferentes pesos para cada letra, a depender da similaridade ou proximidade com que elas aparecem nos perfis. A soma de pesos atribuídos à comparação de cada letra do interesse e do ambiente é calculada e escores do índice variam de 0 a 28 (Iachan, 1984).

4. Distância Euclidiana: considera os perfis completos de interesse e ambientes ocupacionais (e.g., Wille et al., 2014). A Distância Euclidiana (i.e. a raiz quadrada da soma dos desvios quadrados) refere-se à distância entre dois pontos num círculo. Assume-se que o modelo RIASEC pode ser representado como um círculo em um espaço bidimensional e os escores são convertidos em duas dimensões propostas por Prediger (1982): Coisas/ Pessoas (C/P) e Dados/Ideias (D/I). Desse modo, o interesse do trabalhador e seu ambiente são representados como pontos num espaço bidimensional, e a diferença entre esses pontos representa o grau de congruência (quanto menor essa diferença, maior congruência).

A variedade de índices de congruência tem sido analisada por diversos autores, principalmente porque tem sido demonstrado que a relação congruência-satisfação no trabalho difere a depender do índice utilizado (Gore & Brown, 2006; Dik, Hu, & Hansen, 2007; Wille et al., 2014). Observa-se a falta de consenso entre os pesquisadores sobre qual medida é a mais apropriada para avaliação da congruência. A fim de contribuir para este debate, torna-se importante analisar a relação entre diferentes os índices de congruência e a satisfação no trabalho, na tentativa de determinar qual índice é o melhor preditor da satisfação.

A análise da congruência exige medidas para avaliação dos interesses e dos ambientes ocupacionais RIASEC. A avaliação dos ambientes de trabalho têm sido preterida em comparação aos interesses. Medidas para avaliação dos ambientes RIASEC são escassas, enquanto medidas de interesse são muito utilizadas e diversificadas. A importância dos estudos ambientais para o uso do modelo foi apontada por inúmeros autores (eg., Chartrand & Walsh, 1999; Hesketh, 2000). Assim, considera-se que a avaliação dos interesses somente faz sentido partindo da premissa que as atividades de trabalho também podem ser avaliadas nos mesmos termos e, desta forma, tornar possível estabelecer relações significativas entre estes dois tipos de medida. A história da psicologia da orientação está repleta de esforços e resultados associados a medidas de interesses. Porém, estas medidas perdem o sentido se não houver uma forma igualmente válida e precisa de descrever e conceituar as atividades de trabalho pertinentes aos diversos construtos de interesses que povoam a literatura da área.

De acordo com o modelo RIASEC, os ambientes de trabalho são descritos de modo análogo aos tipos de interesses. O ambiente realista apresenta demandas e oportunidades que envolvem a manipulação explícita, ordenada e sistemática de objetos, ferramentas, máquinas e/ou animais. No ambiente investigativo estas demandas e oportunidades envolvem a investigação criativa, simbólica e sistemática de fenômenos físicos, biológicos ou culturais. No contexto artístico desenvolvem-se atividades pouco estruturadas e pouco sistemáticas, onde competências de formulação e expressão estética de ideias são requeridas. O ambiente social apresenta demandas e oportunidades relacionadas ao ensino, assistência e cuidado de outras pessoas. Portanto, requer habilidades sociais de empatia, comunicação e atenção interpessoal. No ambiente empreendedor, atividades de influência social ocorrem para atingir objetivos empresariais ou individuais, demandando competências de persuasão, negociação e liderança. E, por fim, o contexto convencional envolverá a manipulação sistemática e ordenada de dados de acordo com um plano e/ou rotina estabelecida (Holland, 1997).

Medidas para avaliação dos ambientes ocupacionais RIASEC podem ser agrupadas em três categorias: 1) medidas baseadas nas características dos trabalhadores; 2) medidas baseadas em dados ou documentos públicos; e 3) medidas diretas (Gottfredson & Richards, 1999). As primeiras estão relacionadas à pressuposição que a maior proporção das influências ambientais é transmitida através das outras pessoas, resultando numa proposta de classificação de ambientes considerando as características das pessoas que os compõem. Deste modo, o perfil de um dado ambiente seria o perfil médio dos perfis individuais dos seus participantes (Holland 1997). Este tipo de medida foi pouco utilizado devido à dificuldade para avaliar um grande número de funcionários em cada ocupação (Nauta, 2010). Ademais, observa-se que este procedimento não considera a possibilidade, não rara, de que indivíduos inseridos em determinado ambiente de trabalho estejam ali situados em decorrência de outras pressões e demandas que não os seus próprios interesses e inclinações pessoais.

As medidas baseadas em dados ou documentos públicos partem da premissa que atividades de trabalho e estruturas institucionais podem ser classificadas de acordo com o RIASEC, independentemente das características das pessoas (Gottfredson & Richards, 1999). Por exemplo, dados de análise do trabalho foram utilizados para classificar ambientes ocupacionais e assim foi desenvolvido o Dicionário de Códigos Ocupacionais - o DHOC (Dictionary of Holland Occupational Codes; Gottfredson & Holland, 1996).

Porém, nenhuma das medidas citadas possibilita avaliar postos de trabalho específicos e de maneira direta, a partir do autorrelato do trabalhador. Por exemplo, o DHOC não diferencia um geólogo que trabalha com ecologia e meio ambiente de outro que trabalha com exploração petrolífera. Para suprir esta lacuna, foi desenvolvida uma medida para avaliação de ambientes considerada direta, baseada no autorrelato dos trabalhadores: o Inventário de Classificação de Posições, PCI (Position Classification Inventory) (Gottfredson & Holland, 1991). O PCI é um inventário de análise do trabalho, no qual trabalhadores ou gestores avaliam quão frequentemente o trabalho requer certas atividades, habilidades, valores e perspectivas através de itens diretamente ligados à teoria de Holland. O PCI é a única medida psicométrica existente para classificação de ambientes de acordo com o modelo RIASEC. Embora o PCI venha sendo utilizado em pesquisas, não foram encontrados estudos de sua validade fatorial, e sua adaptação para o espanhol, realizada por Martínez-Vicente e Valls (2003), indicou que boa parte dos itens (42,3%) não eram representativos de suas respectivas escalas, o que desencoraja uma tentativa de sua validação para o contexto brasileiro. No entanto, medidas deste tipo foram recomendadas para avaliar especificidades de ambientes ocupacionais (Wille & DeFruyt, 2014), similaridades entre postos de trabalho em diferentes organizações e diferenças entre as percepções de trabalhadores e gestores sobre o ambiente de trabalho (Gottfredson & Richards, 1999).

O desenvolvimento de medidas para avaliação de ambientes é fundamental para diversos campos de pesquisa em psicologia que adotam uma visão interacionista, na qual o comportamento resulta da interação entre pessoa e ambiente (Judge & Kristof-Brown, 2004; Funder, 2009; Judge & Zapata, 2015). Nessa perspectiva, Judge e Zapata (2015) constataram que traços de personalidade são preditores de desempenho em contextos de trabalho que ativam estes traços específicos, por exemplo: extro-versão é melhor preditor de desempenho em ambientes que demandam habilidades sociais; abertura a experiência foi preditor de desempenho em ocupações que requerem inovação e criatividade; e, amabilidade (agreeableness) obteve relação negativa com o desempenho em contextos altamente competitivos. Judge e Zapata (2015) destacaram a aplicabilidade desses resultados na gestão de pessoas e sugeriram que pesquisas futuras buscassem maior especificidade na avaliação do ambiente ocupacional. Neste estudo, esta avaliação foi feita por pesquisadores em comportamento organizacional que classificaram as ocupações utilizando informações disponíveis no O*Net, Dicionário de Códigos Ocupacionais referenciado no modelo RIASEC. Esse tipo de classificação não diferencia ocupações que, embora possuam o mesmo título, podem ser exercidas de diferentes maneiras pelos trabalhadores, a depender de fatores como o estilo de supervisão que possuem, a forma de planejamento do trabalho e o relacionamento que estabelecem com colegas.

Nesse sentido, o uso do modelo RIASEC para a construção de uma medida de avaliação de ambientes que apreenda especificidades do contexto ocupacional é altamente desejável. O modelo RIASEC fornece uma descrição análoga de características pessoais e ambientais, favorecendo a análise de suas interações e de seu impacto no comportamento. A compreensão das atividades e demandas interpessoais exigidas em um ambiente ocupacional específico estabelece critérios para escolhas de carreira, bem como para seleção e movimentação de pessoas em organizações (Judge & Zapata, 2015).

Não existem instrumentos para avaliação de ambientes ocupacionais no Brasil. Este estudo teve por objetivo construir um instrumento psicométrico de autorrelato para avaliar as dimensões RIASEC de ambientes ocupa-cionais. O instrumento foi desenvolvido para descrever as características de uma ocupação ou posto de trabalho específico em termos do tipo de atividades mais frequen-tes e essenciais para o atendimento das metas do trabalho, e, poderá ser respondido pelos próprios trabalhadores e/ ou por especialistas sobre a ocupação em foco. Após a construção do instrumento, buscou-se obter evidências de sua validade fatorial e de consistência interna das escalas, bem como evidências de sua validade para predizer expectativas teóricas derivadas do modelo RIASEC. A análise da correlação entre tipos de interesse e de ambientes ocupacionais pode fornecer evidências de validade do instrumento, na medida em que a expectativa teórica é de que as correlações mais fortes ocorram entre tipos RIASEC correspondentes, indicando que pessoas buscam ocupações congruentes aos seus interesses.

Uma finalidade importante do instrumento de autorrelato para classificação de ambientes ocupacionais é a avaliação da congruência pessoa-ambiente, visto que o uso de medidas desse tipo é escasso nos estudos que medem congruência (Arnold, 2004; Wille & DeFruyt, 2014). Nesse sentido, o instrumento foi utilizado para gerar índices de congruência e as relações com satisfação no trabalho foram analisadas. Além dos índices de congruência descritos na literatura (eg. Young et al., 1998; Wille et al., 2014), a presente pesquisa testou um novo procedimento de cálculo da congruência com o objetivo de incorporar a consistência dos perfis RIASEC ao cálculo do ajuste pessoa-ambiente. Tal cálculo justifica-se pelas evidências recentes que relacionaram a consistência dos perfis à congruência e a estabilidade e satisfação na carreira ao longo de 15 anos (Tracey et. al., 2014). Assim, a consistência das características do ambiente e dos interesses pessoais pode influenciar as relações de ajuste pessoa-ambiente, potencializando, por exemplo, a relação entre congruência e satisfação. Desse modo, esperam- se encontrar relações significativas entre congruência e satisfação, analisando qual índice de congruência foi o melhor preditor de satisfação.

O presente artigo foi organizado em duas etapas. A primeira descreve a construção e evidências de validade fatorial e de consistência interna do instrumento para avaliação de ambientes, nomeado de Inventário de Classificação Ocupacional (ICO). A segunda utiliza o ICO para avaliação da congruência através da correlação entre tipos de interesse e tipos de ambientes ocupacionais e, considera também a análise da relação entre diferentes índices de congruência com satisfação no trabalho.

 

Método

Participantes

A amostra foi composta por 842 trabalhadores brasileiros de diferentes áreas profissionais, com idades entre 25 e 76 anos, média (M) de 39 e desvio padrão (DP) de 10 anos. Destes, 329 eram homens e 513 eram mulheres. O nível de escolaridade variou do ensino fundamental (1,9%) à pós-graduação (33,1%), sendo que pouco mais da metade possuía ensino superior (50,1%). O tempo médio de trabalho na ocupação foi de oito anos (DP=8,3). Os participantes deveriam estar na ocupação por tempo maior ou igual a seis meses, para garantir a experiência e o conhecimento sobre suas atividades de trabalho necessários ao preenchimento do Inventário de Classificação Ocupacional.

Instrumentos

Os participantes responderam a questões sociodemo-gráficas (sexo, idade, escolaridade, tempo de trabalho na ocupação), ao Inventário de Classificação Ocupacional e a medidas de interesses ocupacionais e satisfação intrínseca no trabalho, que serão descritas a seguir.

Inventário de Classificação Ocupacional (ICO). Os itens para o ICO foram desenvolvidos de acordo com as descrições das atividades típicas dos ambientes ocupacio-nais RIASEC (Holland, 1997). Tais descrições são corroboradas em uma grande variedade de estudos e revisões de literatura sobre o modelo RIASEC (Su et al., 2015).

Por exemplo, para o ambiente realista foram descritas atividades como: "operar manualmente equipamentos e máquinas"; "Realizar atividades que requerem repetição de movimentos manuais/corporais específicos". Já o in-vestigativo foi composto por itens relativos à atividade de "Investigar fenômenos naturais e/ou humanos"; o artístico por itens relacionados à "Utilizar-se de recursos artísticos (música, literatura, teatro, pintura, etc.)"; o ambiente social foi composto por atividades relacionadas à "Servir, tratar ou cuidar de pessoas."; o ambiente empreendedor pode ser exemplificado pelo item "Vender ideias, serviços ou produtos"; por fim, o ambiente convencional, caracterizado pelo item "Monitorar práticas e procedimentos padronizados". Os trabalhadores avaliaram a frequência com que essas atividades devem ser realizadas em sua ocupação ou posto de trabalho em uma escala Likert de sete pontos (1 = nunca, 7 = sempre). Os itens desenvolvidos foram submetidos à análise de quatro juízes, conhecedores da literatura relacionada à base conceitual do instrumento, através de um formulário para indicação da categoria de ambiente ocupacional. A manutenção do item no inventário foi condicionada a obtenção de concordância entre, pelo menos, três juízes em cada um dos quesitos. Após a análise dos juízes, o instrumento foi aplicado com 14 trabalhadores a fim de testar a compreensão dos itens. Assim, a primeira versão do instrumento contou com 48 itens, 8 para cada dimensão RIASEC. Esta versão foi aplicada a amostra investigada neste estudo e submetida a procedimentos de análise fatorial. As etapas iniciais da validação fatorial do ICO resultaram numa redução do inventário de 48 para 37 itens. Dentre os itens excluídos do inventário, a escala empreendedora obteve uma redução maior do que as demais, ficando somente com quatro itens, seguida pela escala investigativa que ficou com 5 itens. As demais escalas ficaram com sete itens cada. Na escala empreendedora, por exemplo, os itens excluídos apresentaram cargas fatoriais similares no fator E (empreendedor) e no fator C (convencional). A análise fatorial dos 37 itens do ICO será descrita nos resultados.

Escala de Interesses Vocacionais. A avaliação dos interesses ocupacionais foi realizada através das Escalas de Interesses Vocacionais - EIV, desenvolvida pelos autores Teixeira, Castro e Cavalheiro (2008), de acordo com o modelo RIASEC. No estudo original, as dimensões obtiveram os seguintes índices de consistência interna: R (0,83), I (0,79), A (0,78), S (0,85), E (0,74) e C (0,80) (Teixeira et. al., 2008). Na amostra investigada neste artigo, a análise fatorial revelou alguns itens com cargas fatoriais elevadas em duas dimensões. Optou- se pela redução de um item por dimensão da escala original, e sua versão final contou com 42 itens, sete por dimensão. Os itens são descrições de atividades que os participantes devem avaliar o quanto eles consideram interessantes, independentemente de suas habilidades para desempenhar a atividade descrita, por exemplo, para a dimensão realista, os participantes informaram seu grau de interesse em "trabalhar com ferramentas ou máquinas". Os participantes marcaram suas respostas de acordo com uma escala Likert de sete pontos (1 = me desagrada muito; 7 = me agrada muito). A soma dos escores em cada dimensão indica os tipos de interesses predominantes do trabalhador. No presente estudo os índices de consistência interna (Alfas de Cronbach) das dimensões são considerados satisfatórios: R (.82), I (.86), A (.82), S (.84), E (.79) e C (.80).

Escala de Satisfação Intrínseca. Para avaliar a satisfação intrínseca com o trabalho foram analisados e adaptados os itens apresentados nos trabalhos de Quinn e Staines (1979) e Martins e Santos (2006), resultando numa escala de 10 itens. A seleção e adaptação destes itens objetivou a avaliação de aspectos como realização e identificação com o trabalho, através de itens como: "meu trabalho é interessante", "eu me sinto emocionalmente ligado a esta área profissional". Portanto, refere-se à satisfação com aspectos do trabalho em si, em oposição à satisfação com recompensas externas oferecidas pelo emprego. As respostas foram dadas em uma escala Likert de sete pontos (1 = discordo muito; 7 = concordo muito). Foi realizada uma análise fatorial da escala para testar sua unidimensio-nalidade e um único fator explicou 65,85% da variância, com cargas fatoriais variando de .70 a .87 (Análise dos Principais Eixos Fatoriais). O índice de consistência interna da escala (alfa de Cronbach) foi de 0,95, considerado excelente (Damásio, 2012).

Procedimentos

A aplicação dos instrumentos, após leitura e assinatura do termo de consentimento informado, ocorreu por conveniência nos formatos digital e impresso, sendo que a maioria dos participantes respondeu ao questionário impresso na cidade de Salvador-BA. A coleta de dados ocorreu durante os anos de 2014 e 2015 e foi realizada pelos pesquisadores e estudantes de graduação em Psicologia vinculados ao grupo de pesquisa. Foram atendidas as determinações éticas da resolução 196/1996 do Conselho Nacional de Saúde sobre a pesquisa com seres humanos.

Análise de dados

A análise de dados, relativos ao objetivo central deste trabalho, ocorreu em duas etapas, a primeira teve por objetivo verificar a qualidade psicométrica do ICO e a segunda verificou o potencial do ICO para avaliação da congruência, considerando o teste da hipótese de sua relação com satisfação no trabalho. Na primeira etapa, o exame da validade fatorial do Inventário de Classificação Ocupacional foi realizada através das seguintes passos:

(a) análise das frequências e distribuições dos escores dos 37 itens, exame de outliers e aspectos de linearidade;

(b) verificação da adequação da amostra para a análise fatorial, através do teste de esfericidade de Bartlett e do coeficiente de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO); (c) análise fatorial de eixos principais (Principal Axis Fatoring -PAF), que é uma técnica estatística recomendável para explorações introdutórias da estrutura fatorial do instrumento; e (d) após determinar o número de fatores, optou-se pela rotação oblíqua simples dos fatores (oblimin). Os critérios de retenção dos fatores foram autovalores maiores do que 1 e para a retenção dos itens foram exigidos valores de cargas fatoriais maiores do que 0,40 no fator esperado (previsto teoricamente) e que o item não apresentasse carga fatorial com valores similares em mais de um fator. A consistência interna de cada escala de ambiente ocupacional foi avaliada por alfa de Cronbach, onde foi examinada a contribuição de cada item para a precisão de sua respectiva escala.

Para a segunda etapa, inicialmente foram realizadas correlações entre os tipos de interesse e de ambiente. Em seguida, a partir das medidas de interesses e ambientes ocupacionais, os índices de congruência foram calculados e correlacionados com satisfação intrínseca no trabalho. Além do cálculo dos índices de congruência descritos na literatura, como foi justificado anteriormente, o presente estudo propôs outro índice, nomeado de C-Tipos. O C-tipos foi obtido a partir dos seguintes passos: a) os escores dos três tipos adjacentes no hexágono foram somados (e.g. R+I+A; I+A+S, etc.), resultando em seis trios (RIA, IAS, ASE, SEC, ECR, CRI); b) dentre esses seis trios, o trio que possuía maior escore era classificado como predominante nos perfis de interesses e de ambientes ocupacio-nais; c) os trios predominantes de interesse e de ambiente eram comparados. Desse modo, o cálculo da congruência foi feito com base na comparação entre trios de tipos adjacentes dos interesses e dos ambientes, resultando num índice que variou de 3 a 0. O valor 3 foi atribuído quando o trio de letras do interesse e do ambiente eram idênticas, 2 quando o trio de letras compartilhavam duas letras em comum (e.g interesse RIA com ambiente IAS ou CRI), 1 quando o trio de letras compartilhavam uma letra em comum (e.g interesse RIA com ambiente ASE ou ECR) e, por fim, 0 quando o trio de letras estavam em posições opostas (e.g interesse RIA com ambiente SEC).

 

Resultados e Discussão

A análise das frequências e da distribuição das 37 variáveis indicou índices satisfatórios quanto à dispersão e à curtose, bem como a não existência de outliers. Gráficos de dispersão entre pares de variáveis não revelaram nenhum problema de ausência de linearidade. A primeira etapa da análise de dados consistiu no exame de validade fatorial do ICO. A análise fatorial conduzida com os 37 itens do inventário apresentou razão entre o número de casos (842) e a quantidade de itens (37) acima do mínimo recomendado pela literatura (Damásio, 2012). O teste Kaiser-Meyer-Olkin forneceu um valor de 0,91, considerado excelente, e o teste de esfericidade de Bartlett foi significativo (qui-quadrado = 13080,29, p < .001), indicando que as correlações entre os itens são suficientes para a realização da análise. Dessa maneira, a análise fatorial foi realizada e os dados da solução fatorial das dimensões de ambientes ocupacionais e índices de consistência interna dos fatores são apresentados na Tabela 1, que inclui média e desvio padrão dos itens.

A análise dos principais eixos fatoriais apontou seis agrupamentos principais de itens com autovalores (eigenvalues) superiores a 1. Nas pesquisas em psicologia o uso do autovalor como critério de retenção dos fatores tem sido questionado por superestimar o número de fatores a ser retido devido ao erro amostral, produzindo resultados com poder explicativo reduzido, principalmente em amostras pequenas (Damásio, 2012). No entanto, o modelo RIASEC tem apresentado solidez e estabilidade em diversas amostras brasileiras, nas quais os seis fatores têm apresentado poder explicativo satisfatório (e.g. Mansão & Yoshida, 2006; Teixeira et al., 2008; Meireles & Primi, 2015). Devido a este suporte empírico, foram retidos os seis fatores encontrados com autovalor acima de 1, correspondentes a expectativa teórica.

No modelo RIASEC, as dimensões ambientais estão dispostas numa estrutura hexagonal, assumindo um maior grau de relacionamento entre ambientes que estão próximos do que entre ambientes distantes. Dessa maneira, o método de rotação dos fatores indicado na literatura são as rotações oblíquas, que permitem que os fatores sejam correlacionados entre si (Damásio, 2012). A correlação entre os fatores do ICO correspondeu à disposição hexagonal do modelo, com correlações moderadas a intensas entre dimensões de ambiente ocupacionais próximos, como na correlação entre a dimensões artística com a investigativa (r = .55, p<.01) e a social (r = .49, p < .01). E, com correlações fracas entre dimensões opostas, como na correlação entre a dimensão artística com a convencional (r = .22, p < .01).Diante disso, este estudo utilizou a rotação oblimin.

Após rotação oblimin, as seis dimensões revelaram identidade teórica correspondente ao modelo RIASEC e explicaram 47,92% da variância total. Entre as dimensões RIASEC, a variância explicada ficou entre 22,98% (investigativo) e 2,19% (empreendedor). As cargas fatoriais variaram de .44 a .79 e as comunalidades variaram de .31 a .66.

A dimensão empreendedora apresentou menor percentual de variância explicada e também menor autovalor. Isto pode ter ocorrido em função da redução acentuada da quantidade de itens nessa dimensão, no entanto, a escala empreendedora apresentou índice de consistência interna satisfatório (Alfa de Cronbach: 0,80) tornando adequado seu uso em outras análises.

A consistência interna das escalas do ICO (alfas de Cronbach) variaram de 0,76 para a dimensão realista a 0,88 para a dimensão artística. Para cada dimensão foi verificada a contribuição de cada item a partir dos valores do alfa caso algum dos itens fosse excluído e observou-se que ficariam inferiores ao alfa total da dimensão. Tais resultados revelam que todos os itens contribuem para aumentar a precisão da sua respectiva dimensão.

Uma vez que a análise fatorial e de consistência interna do ICO foram satisfatórias, a segunda etapa da análise dos dados buscou evidências de validade do ICO a partir do teste de predições teóricas do modelo RIASEC relacionadas à análise da congruência pessoa-ambiente. Para esta segunda etapa, inicialmente as escalas do ICO foram correlacionadas com uma medida de interesses ocupacionais RIASEC. As correlações entre as escalas RIASEC de interesses e de ambientes ocupacionais são apresentadas na Tabela 2.

Observa-se que as correlações mais fortes ocorrem entre tipos de interesse iguais aos tipos de ambiente. Isso confirma a hipótese do modelo de Holland (1997) de que pessoas tendem a buscar ambientes congruentes com seus interesses. Nota-se que houve pouca diferença entre as correlações do interesse empreendedor com ambientes empreendedores (r = .44, p < .01) e com ambientes convencionais (r = .46, p < .01), indicando que nesta amostra pessoas empreendedoras tendem a estar em ambientes convencionais. Considerando que tipos empreendedores são adjacentes aos convencionais na estrutura hexagonal RIASEC, considera- se que estas correlações não contradizem expectativas teóricas. Pessoas empreendedoras podem se interessar por ambientes convencionais uma vez que estes ambientes compartilham de valores empreendedores tais como status, poder e ganho financeiro (Holland, 1997). É importante destacar que as correlações foram realizadas com a amostra total, composta por trabalhadores com diversos graus de congruência ao seu ambiente ocupa-cional. A reprodução ideal das correlações previstas pelo modelo somente seria possível se trabalhadores tivessem total liberdade de escolha ocupacional, o que não ocorre na prática.

A seguir, as classificações RIASEC obtidas a partir das medidas de ambientes e de interesses ocupacionais foram comparadas através de seis diferentes fórmulas de avaliação da congruência pessoa-ambiente, resultando em seis índices de congruência que foram correlacionados entre si e com satisfação intrínseca no trabalho. As correlações entre os índices de congruência e satisfação são apresentadas na Tabela 3 e variaram de .073 (p < .05) a .198 (p < .01), consideradas fracas. No entanto, resultados similares foram encontrados em estudos de metanálise, que apresentaram correlações em torno de .17 (e.g. Tsabari, Tziner, & Meir, 2005). Tal resultado confirma a expectativa de que a escolha do índice de congruência afeta a magnitude da correlação congruência-satisfação (Camp & Chartrand, 1992).

Dentre os índices de congruência utilizados, observa-se que o C-tipos, calculado a partir da comparação entre trios de tipos adjacentes de interesses e de ambientes, obteve correlação mais elevada com satisfação (r = .198, p < .01) do que os demais. Principalmente quando comparado ao índice que considera a distância euclidiana, que embora seja mais sofisticado por considerar o perfil completo RIASEC, obteve menor correlação com os outros índices e com satisfação. Esse resultado corrobora a tendência observada na literatura, onde índices de congruência menos sofisticados apresentam maior correlação com satisfação, sugerindo que os dados obtidos nos estudos de congruência não são suficientemente sensíveis para justificar o uso de fórmulas complexas para calcular a congruência (Arnold, 2004). Índices sofisticados, que consideram a comparação do perfil completo das dimensões RIASEC, tendem a valorizar pequenas variações nos escores que não têm significado prático suficiente para justificar uma hierarquização rígida das dimensões RIASEC. Inclusive, Holland (1997) encorajou a exploração de carreira a partir dos três escores mais elevados do perfil de interesses, flexibilizando esta hierarquia. Esta flexibilidade é importante uma vez que a diferença de magnitude entre os escores pode ser pequena, não sendo possível discriminar um único tipo RIASEC predominante.

Os resultados indicaram que as correlações entre tipos de interesse e de ambiente, bem como correlações entre índices de congruência e satisfação no trabalho corresponderam às expectativas teóricas. Desse modo, pode-se afirmar que o Inventário de Classificação Ocupacional (ICO) apresentou evidências de validade para predizer hipóteses teóricas relativas à congruência.

 

Considerações Finais

O Inventário de Classificação Ocupacional (ICO) tem a finalidade de avaliar e classificar os ambientes ocu-pacionais de acordo com o modelo RIASEC (Holland, 1997) e, a partir dessa classificação, favorecer a análise da congruência pessoa-ambiente. Por ser um inventário de autorrelato, o ICO possibilita uma avaliação específica da ocupação, que não ocorre quando se utilizam categorias amplas e pré-definidas, como por exemplo com base na descrição de um cargo. Assim, o autorrelato do trabalhador sobre a ocupação que ele está desempenhando atualmente favorece uma avaliação mais específica e precisa. O ICO é adequado para classificar qualquer ocupação ou posição de trabalho, gerando informações úteis para sistemas de planejamento e desenvolvimento de carreiras em organizações e para o aconselhamento profissional.

A esse respeito, Magalhães e Teixeira (2015) recomendam duas etapas para o planejamento de processos de seleção de pessoas: a classificação do ambiente de trabalho de acordo com a tipologia RIASEC; e a identificação das características de personalidade favoráveis a este ambiente mediante o conhecimento das relações teóricas e empíricas consolidadas entre interesses e personalidade. Por exemplo, atividades de trabalho caracterizadas por pouca interação social seriam inadequadas para pessoas com características marcantes de extroversão e comportamento gregário (Judge & Zapata, 2015). A caracterização de determinado ambiente ocupacional permite estabelecer as características de personalidade que aumentam a chance de sucesso e satisfação naquele ambiente (Magalhães & Teixeira, 2015).

Ademais, a comparação da classificação ocupa-cional atual do trabalhador com medidas de interesse pode auxiliar na compreensão de fontes de insatisfação no trabalho. Outra forma de compreender este aspecto pode ser comparando a classificação ocupacional atual do trabalhador com a classificação que ele faz de uma ocupação percebida como ideal, utilizando o ICO nos dois casos. Ademais, considera-se que para avaliar um posto de trabalho específico o inventário também pode ser preenchido por um gestor. Nesse sentido, pode ser vantajoso comparar a avaliação realizada por trabalhadores e gestores sobre uma mesma ocupação, no sentido de identificar possíveis divergências que dificultam as relações de trabalho.

Diante disso, um dos objetivos do presente artigo foi investigar evidências de validade do ICO. As análises fatoriais exploratórias, bem como a análise de consistência interna das dimensões RIASEC demonstraram que o inventário apresentou qualidades psicométricas satisfatórias. Ademais, o ICO demonstrou utilidade para fins de avaliação da congruência pessoa-ambiente, sendo capaz de gerar índices de congruência que confirmaram expectativas teóricas, ao apresentarem correlações significativas com satisfação intrínseca no trabalho. A baixa intensidade dessas correlações foi condizente com as relatadas em estudos de revisão do modelo RIASEC (Tsabari et. al., 2005; Nauta, 2010), o que reforça a sugestão dos pesquisadores para a investigação de variáveis moderadoras dessa relação (Young et al., 1998, Dik & Hansen, 2011). A investigação de moderadores que é indicada quando há uma relação inconsistente ou fraca entre uma variável independente e outra dependente (Baron & Kenny, 1986; Vieira & Faia, 2014). Assim, sugere-se que pesquisas futuras sobre moderadores podem auxiliar na compreensão das condições sob as quais congruência prediz satisfação. Pesquisas nesse sentido são escassas e a literatura tem sugerido a investigação do efeito moderador dos tipos de interesses ocupacionais e de variáveis relativas à importância atribuída à carreira e ao trabalho (Young et al., 1998; Dik & Hansen, 2011; Su et al., 2015).

Dentre os índices de congruência investigados, o "C-tipos" foi o que obteve relação mais intensa com satisfação. Este índice comparou trios de tipos adjacentes de interesses (e.g. RIA, IAS, ASE, SEC, ECR, CRI) com trios de tipos adjacentes de ambientes ocupacionais, Assim, o C-tipos considerou os tipos adjacentes de interesses e de ambiente, sugerindo a comparação de perfis relativamente mais consistentes para o cálculo da congruência. Provavelmente por estar associado à consistência, o C-tipos tenha obtido uma relação mais intensa com satisfação, do que os demais índices e as relações apontadas nos estudos de revisão. O estudo apresenta limitações a serem superadas. Os resultados obtidos incentivam a melhoria do ICO no sentido de garantir uma distribuição equivalente ou proporcional da quantidade de itens para cada escala, visto que as escalas empreendedora e convencional obtiveram uma redução dos itens devido aos critérios de retenção dos itens na análise fatorial exploratória. Sugere-se ainda que as propriedades psicométricas do instrumento continuem sendo estudadas e, nesse sentido, a Modelagem por Equações Estruturais (MEE) como técnica de Análise Fatorial Confirmatória (AFC) pode ser útil para confirmar um bom ajuste entre o modelo teórico e os dados amostrais (Byrne, 2010). Além de verificar a adequação de novos dados amostrais ao modelo de seis fatores através de índices de ajustamento do modelo, a AFC poderá indicar quais itens são mais adequados e/ou tem maior poder discriminativo para a mensuração das dimensões RIASEC.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Mauro de Oliveira Magalhães
Instituto de Psicologia - UFBA
Rua Aristides Novis, 2,Estrada de São Lázaro, 40210-730
Salvador-BA
E-mail: fernandadesouzabrito@gmail.com

Recebido: 06/05/2017
1a revisão: 20/09/2017
Aceite final: 18/10/2017

 

 

Fernanda de Souza Brito possui Doutorado em Psicologia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Especialização em Terapia Cognitivo-Comportamental pelo Centro de Psicoterapia Cognitivo Comportamental Wainer & Piccoloto (WP).
Mauro de Oliveira Magalhães possui Doutorado em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professor Associado I no Instituto de Psicologia e na Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal da Bahia.
1 Os autores agradecem ao CNPq pelos subsídios financeiros para realização deste estudo. Processo 307138/2013-5.
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