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Revista Brasileira de Orientação Profissional

versão On-line ISSN 1984-7270

Rev. bras. orientac. prof vol.20 no.2 Florianópolis jul./dez. 2019

 

ARTIGO

 

Processos de desenvolvimento profissional: a proposição de um modelo para diferentes carreiras

 

Processes of professional development: the proposition of a model for different careers

 

Procesos de desarrollo profesional: la proposición de un modelo para diferentes carreras

 

 

Helenita de Araujo FernandesI; Luciana MourãoI

IUniversidade Salgado de Oliveira, Niterói, RJ

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A aprendizagem no trabalho e o desenvolvimento profissional muitas vezes dependem de características da carreira em que a pessoa está inserida. O objetivo deste estudo foi propor um modelo dos processos de desenvolvimento profissional para diferentes categorias ocupacionais. Para tanto, foram realizados 9 grupos focais com advogados, empresários, engenheiros, médicos e psicólogos (21 mulheres e 16 homens). O roteiro aberto com perguntas-estímulo para a discussão derivou de modelos teóricos sobre o tema. Houve gravação em áudio (13h30m) e transcrição literal dos depoimentos. Optou-se pela análise de conteúdo categorial, da qual emergiram 5 categorias e 29 subcategorias. Conclui-se com a apresentação de um modelo de processos de desenvolvimento profissional, que encontra respaldo em modelos teóricos de aprendizagem individual no trabalho.

Palavras-chave: Aprendizagem no trabalho; Carreira; Desenvolvimento Profissional.


ABSTRACT

Learning at work and professional development often depend on career characteristics in which the person is inserted. The aim of this study was to propose a model of professional development processes for different occupational categories. To this end, 9 focus groups were held with lawyers, businessmen, engineers, doctors and psychologists (21 women and 16 men). The open script with stimulus questions for discussion derived from theoretical models on the subject. There was audio recording (13h30m) and verbatim transcription of the testimonies. We opted for the categorical content analysis, from which emerged 5 categories and 29 subcategories. It concludes with the presentation of a model of professional development processes, which is supported by theoretical models of individual learning at work.

Keywords: Learning at work; Career; Professional development.


RESUMEN

El aprendizaje en el trabajo y el desarrollo profesional a menudo dependen de las características de la carrera en la que se inserta la persona. El objetivo de este estudio fue proponer un modelo de los procesos de desarrollo profesional para diferentes categorías ocupacionales. Para ello, se realizaron 9 grupos focales con abogados, empresarios, ingenieros, médicos y psicólogos (21 mujeres y 16 hombres). El itinerario abierto con preguntas-estímulo para la discusión se derivó de modelos teóricos sobre el tema. Se realizó una grabación en audio (13h30m) y la transcripción literal de los testimonios. Se optó por el análisis de contenido categorial, del que surgieron 5 categorías y 29 subcategorías. Se concluye con la presentación de un modelo de procesos de desarrollo profesional que encuentra respaldo en modelos teóricos de aprendizaje individual en el trabajo.

Palabras clave: Aprendizaje en el trabajo; carrera; Desarrollo profesional.


 

 

Introdução

A conquista da autonomia profissional passa por uma sólida formação e por um processo contínuo de aprendizagem para dar conta das rápidas mudanças que ocorrem no mercado de trabalho (Abbad & Borges-Andrade, 2014). Atualmente, há uma maior independência para os trabalhadores traçarem seus próprios percursos de carreira, levando em conta seus processos de trabalho e suas vivências, o que possibilita maior adaptabilidade de carreira (Ambiel, 2014).

O Desenvolvimento Profissional – DP é um tema diretamente relacionado às trajetórias na carreira, embora não necessariamente esteja associado à promoção ou à ocupação de novos postos de trabalho. Compreende também o processo individual de aprendizagem de conhecimentos, habilidades e atitudes e seu uso no trabalho na forma de competências para as situações profissionais (Paquay, Wouter & van Nieuwenhoven, 2012). Assim, o DP se relaciona com a aprendizagem no trabalho, com a aprendizagem experiencial, com a autorrealização (Monteiro & Mourão, 2017) e com as estratégias de aprendizagem que a pessoa estabelece (Haemer, Borges-Andrade & Cassiano, 2017).

A preocupação com o tema envolve diferentes atores. A sociedade precisa de trabalhadores qualificados para a geração de riquezas e para o bom atendimento dos cidadãos. Para os indivíduos, o DP interessa por aumentar sua autonomia, empregabilidade e avanços na carreira. E, por fim, as organizações dependem da competência dos seus empregados para atingir seus objetivos estratégicos (Mourão, Porto & Puente-Palacios, 2014).

O DP pode ser entendido, então, como parte da construção de conhecimento e de competências pela vivência profissional advinda da prática e das relações existentes no ambiente de trabalho, incluindo as transformações da identidade profissional (Paquayet al., 2012). Nesse sentido, para que haja DP é preciso que a pessoa adquira algumas competências, como aprender a conhecer, a fazer, a viver junto com outras pessoas e a ser (Abbad, Loiola, Zerbini, & Borges-Andrade, 2013).

A aprendizagem experiencial, que ocorre no dia a dia das pessoas, inclusive no ambiente de trabalho, é considerada uma base conceitual para o DP (Pimentel, 2007). Proporcionar a integração e a socialização dos trabalhadores pode ter também um efeito motivador que estimula a aprendizagem no trabalho (Illeris, 2011). O DP não envolve apenas ações educacionais, vai além disso, incorporando as ações de aprendizagem experiencial e a interação com o contexto – inclusive a capacidade de adaptar-se às rápidas mudanças (Gondim, Souza, & Peixoto, 2013).

Se o DP diz respeito a um processo de crescimento e aprendizagem, é importante conhecer os pontos de inflexão que podem fazer diferença na trajetória profissional dos trabalhadores, uma vez que há uma relação entre DP e carreira (Mourão & Monteiro, 2018). Quais são os propulsores e as barreiras que as pessoas encontram na busca do seu DP? Por um lado, há características individuais que podem levar a pessoa a ter um DP melhor ou pior. Por outro, também há elementos contextuais, como as oportunidades de aprendizagem formal e informal que a pessoa teve (Mourão & Monteiro, 2018).

A despeito da importância socialmente atribuída ao DP, os desafios encontrados pelas pessoas no seu processo de preparação para o trabalho e as lições aprendidas pelo caminho ainda permanecem pouco elucidados pelas pesquisas da área (Hill, Beisiegel & Jacob, 2013; Monteiro & Mourão, 2017). Assim, propomos a construção de um modelo dos processos de DP em diferentes carreiras, com a identificação de possíveis diferenças e semelhanças na trajetória de trabalhadores dessas distintas ocupações.

O modelo teórico que deu suporte a este estudo foi o de aprendizagens individuais no trabalho (Illeris, 2011), que pressupõe três dimensões para entender a adequação da aprendizagem: conteúdo, incentivo e contexto. Em tal modelo, a aprendizagem no trabalho assume o caráter de desenvolvimento de competências e ocorre a partir da interação entre a prática no local de trabalho e a identidade de trabalho do sujeito. O modelo também prevê outros processos de aprendizagem, que podem estar ancorados na interação entre a aprendizagem técnico-organizacional no local de trabalho e a dimensão dos processos de aquisição individuais.

A Figura 1 mostra dois triângulos, sendo um relativo aos Processos de aprendizagem individuais – nível individual, que tem como vértices a Identidade do trabalho relacionada ao Conteúdo e Incentivo e o triângulo relativo ao Ambiente de Trabalho – nível social, cujos vértices são: Prática no local de trabalho; Técnica de aprendizagem organizacional; e Cultura de aprendizagem organizacional. Refletem a identidade do trabalho como moderadora, atuando tanto no nível individual (com incentivo e conteúdo), quanto no nível social (inserida no processo de aprendizagem organizacional e no ambiente sociocultural de aprendizagem organizacional).

 

 

Considerando o conceito de desenvolvimento profissional e o modelo de Illeris de aprendizagem no trabalho, buscou-se chegar a um modelo de DP que atendesse, simultaneamente, a diferentes categorias ocupacionais, tendo em vista os resultados obtidos nas cinco categorias inicialmente escolhidas para a pesquisa. Dessa forma, a proposta é que tal modelo possa oferecer suporte teórico para a explicação dos processos de DP de indivíduos em diferentes categorias ocupacionais.

Cumpre observar que o modelo de Illeris (2011) leva em consideração conceitos clássicos, como o da aprendizagem vicária proposto por Bandura (1977) e o da Teoria Sócio-Histórica de Vigotsky (2001). Bandura atribui importante papel à aprendizagem advinda da observação dos outros, situando a aprendizagem como um processo que recebe influências sócio-histórico-culturais. Vigostsky, por sua vez, pressupõe que o desenvolvimento do cérebro transforma as funções psicológicas elementares em funções superiores por meio do aprendizado cultural intermediado pela história social, tendo o meio social um papel de mediação na aprendizagem.

No modelo de Illeris (2011), a aprendizagem também se vincula ao ambiente social, incluindo a interação social no centro do modelo e com ligação direta com a prática profissional. Portanto, nesse modelo teórico, a aprendizagem ocorre pela interação com os outros, a partir da incorporação na prática de comportamentos considerados adequados, ou descarte dos comportamentos considerados inadequados. Observa-se ainda que o modelo de Illeris aponta dois níveis em interação -- o individual e o social-- considerando elementos da aquisição psicológica e da aquisição advinda do ambiente de trabalho. Nesse sentido, pode-se considerar que o modelo do autor tem como suporte, sobretudo, as teorias interacionistas de aprendizagem. O método proposto para esta pesquisa buscou levar em consideração tal modelo teórico e será apresentado na seção que se segue.

 

Método

O estudo aqui exposto caracteriza-se como qualitativo com dados obtidos mediante grupos focais realizados com profissionais de cinco áreas, a saber: advogados, empresários, engenheiros, médicos e psicólogos. A escolha destas ocupações deveu-se à amplitude de áreas nelas representadas, tendo categorias de todas as grandes áreas do conhecimento – exatas, biológicas e humanas. Além disso, também se buscou incluir profissões que demandam um curso de graduação específico (Direito, Engenharia, Medicina e Psicologia) e carreiras que independem de formação superior, como o caso dos empresários.

Considerando que o grupo focal se propõe a um debate aberto e acessível, sem diferenciação de status entre os participantes (Bauer & Gaskell, 2015), o propósito do debate era reunir informações significativas que permitissem compreender como se dá a aprendizagem para o trabalho em diferentes categorias ocupacionais.

Participantes

A amostra do estudo foi intencional, buscando obter diversificação em termos de ramos de atuação, faixa etária e tempo de trabalho. A condição de entrada era ter a partir de dois anos de trabalho, para que o profissional tivesse um tempo mínimo para falar de educação permanente, aprendizagem no trabalho e desenvolvimento profissional.

A quantidade de grupos focais por categoria profissional deu-se a partir da saturação do tema por grupo. Para cada grupo foram convidados oito participantes. A configuração obtida nos grupos foi: (i) um grupo focal com os advogados, com sete participantes; (ii) um grupo focal com os engenheiros, com cinco participantes; (iii) um grupo focal com psicólogos, com seis participantes; (iv) dois grupos focais com empresários, com três participantes no primeiro grupo e seis no segundo grupo; e (v) dois grupos focais com médicos, com três participantes no primeiro grupo e dois participantes no segundo grupo, sendo os grupos dessa categoria considerados mais como minigrupos ou entrevista coletiva do que propriamente um grupo focal, devido às ausências dos profissionais convidados. Vale o registro que a categoria dos médicos foi a mais difícil de marcar os grupos focais, em função das dificuldades de agenda desses profissionais.

Além desses grupos com participantes de categorias ocupacionais específicas, foi também realizado um grupo focal que mesclou trabalhadores das diferentes categorias pesquisadas. Considerando a relação existente entre DP e carreira (Mourão & Monteiro, 2018), os grupos específicos tinham por objetivo compreender os elementos comuns às trajetórias profissionais de cada ocupação, enquanto o grupo misto permitiu validar e aprofundar os resultados obtidos no conjunto das cinco categorias.

Assim, participaram da pesquisa um total de 37 trabalhadores (21 mulheres e 16 homens), sendo sete advogados, cinco engenheiros, nove empresários, dez médicos e seis psicólogos. A idade média dos participantes foi de 42,4 anos (desvio-padrão = 11,2) e o tempo de trabalho médio foi de 14,8 anos (desvio-padrão = 9,9). A Tabela 1 detalha as informações dos participantes dos grupos específicos.

 

 

Instrumentos de coleta de dados

O roteiro utilizado para os grupos focais foi aberto, respeitando as diretrizes do método. Houve um rapport inicial, seguido de aviso sobre a gravação com garantia de confidencialidade e demais procedimentos éticos, além da apresentação das regras de participação no grupo. O objetivo apresentado para o encontro do grupo foi discutir a formação profissional, os processos de educação continuada e a trajetória de carreira, levando em conta os propulsores e as barreiras para o desenvolvimento profissional.

Foi solicitado que os participantes dos grupos focais falassem de sua trajetória desde que começaram a trabalhar, citando exemplos concretos de elementos que contribuíram para ou dificultaram seu desenvolvimento profissional em suas respectivas áreas de atuação. As perguntas-chave para os grupos específicos foram: (i) Em linhas gerais, como vocês resumiriam os fatos mais marcantes de suas trajetórias profissionais?; (ii) Que barreiras ou oportunidades de aprendizagem vocês encontraram ao longo do caminho?; (iii) O que você teria para sugerir como ação prática que seja um exemplo de propulsor do desenvolvimento profissional na sua ocupação?; (iv) Com a experiência que carregam hoje, o que vocês consideram ser mais importante para quem está iniciando nessa carreira? Em outras palavras, que dicas você daria para o planejamento de jovens profissionais interessados em se desenvolver?

Para o grupo misto, o roteiro de perguntas focalizou os resultados considerando o conjunto das categorias e as semelhanças e diferenças entre elas. Para tanto, foram feitas perguntas como: (i) Considerando os resultados iniciais obtidos com os grupos focais de cada categoria ocupacional, o que melhor representa e o que não representa o DP para sua ocupação?; (ii) Esses resultados prévios poderiam ser generalizados para a sua área de atuação?; (iii) Pensando em outras profissões com as quais vocês têm familiaridade, (a profissão da esposa/marido, dos filhos, dos pais) ou com as quais vocês convivam muito profissionalmente, vocês avaliam que esse modelo representa o DP dessas outras profissões?; e (iv) O que precisaria ser modificado nesse modelo para que ele se adequasse melhor às diversas categorias profissionais?. A partir das respostas que eram apresentadas pelos participantes do grupo focal, era feita a exploração dos motivos que levaram a tais respostas e também incluídas novas perguntas que permitissem aprofundar a discussão.

Procedimentos de coleta e análise de dados

O projeto de pesquisa foi inscrito na Plataforma Brasil e aprovado por um Comitê de Ética (Parecer CAEE 39705114.2.0000.5289). Foi esclarecido que alguns depoimentos obtidos no grupo poderiam ser usados como ilustração na apresentação dos resultados, mantendo-se o anonimato das fontes e com a retirada de quaisquer referências a nomes de pessoas ou instituições. O convite aos participantes foi feito de forma individual, esclarecendo-se os objetivos da pesquisa e buscando um horário que fosse consensual a todos os participantes.

Os grupos focais tiveram uma duração média de uma hora e meia e foram realizados em um espaço propício e sem interferências. Além da moderadora, que conduziu os grupos, havia também uma observadora, que registrou impressões e percepções advindas da participação dos profissionais e da própria dinâmica de funcionamento do grupo focal. Após o término dos grupos, foi feita transcrição literal da gravação em áudio.

Foi adotada a análise de conteúdo categorial (Bardin, 1977; Bauer, 2015), a partir de sucessivas divisões do texto, considerando que as estruturas textuais estão estreitamente relacionadas com a distribuição de palavras ao longo dos depoimentos. Também foram consideradas as micro interlocuções entre os participantes dos grupos focais (Souza, Gondim, & Abbad, 2013), o que demandou a realização da coleta de dados em duas fases distintas – a primeira com homogeneidade das categorias ocupacionais e a segunda com diversidade de tais categorias. Assim, o procedimento de análise permitiu o agrupamento de conteúdos, identificando temas comuns no conjunto plural de narrativas.

Assim, a análise de conteúdo foi conduzida a partir do agrupamento de elementos de significados mais próximos, com formação de dimensões e subdimensões (análise categorial). O procedimento adotado partiu da leitura inicial (leitura flutuante) com anotações de pontos mais relevantes advindos do conteúdo das falas. Uma nova leitura detalhada dos depoimentos levou à construção de grades de dimensões contendo tema geral, palavras e frases relacionadas.

Os mesmos procedimentos foram seguidos por dois juízes independentes que posteriormente confrontaram suas análises. A partir desse confronto buscou-se um consenso que permitisse a definição das as dimensões e subdimensões finais, bem como a elaboração do quadro de ausências e presenças das subdimensões nos discursos dos participantes. Para a discussão dos resultados, a análise de conteúdo temático (Bardin, 1977), contemplou as respostas à luz do modelo teórico adotado, comparando-se as dimensões obtidas no estudo com as dimensões apontadas no modelo de aprendizagem individual no trabalho de Illeris (2011).

 

Resultados e Discussão

Os resultados deste estudo são apresentados agrupados por dimensões com trechos de discursos representativos de cada uma delas. Da análise de conteúdo emergiu um conjunto de cinco temáticas centrais que seriam as principais dimensões do DP, a saber: Elementos psicológicos; Elementos relacionais; Aprendizagem experiencial; Aprendizagem intencional; Elementos contextuais. A maioria destas dimensões contém subdimensões ou subtemas que permitem aprofundar o conhecimento sobre o seu conteúdo.

Alguns desses temas foram mais frequentes e outros bem menos, como pode ser visto na Figura 2. Também observamos que os temas e subtemas apresentam sistemáticas interações entre si, sendo a sua divisão em dimensões um reconhecimento dos diferentes elementos que compõem o DP, mas não uma separação clara entre tais elementos, havendo, inclusive, subdimensões compartilhadas por dimensões distintas.

 

 

Cabe também registrar que, embora as cinco dimensões oriundas dos discursos dos participantes sejam comuns ao conjunto das categorias ocupacionais pesquisadas, as ênfases que cada categoria atribui a tais dimensões são distintas. Identificamos, por exemplo, que para os advogados e os empresários, as dimensões mais mencionadas são Elementos contextuais, Elementos psicológicos e Elementos relacionais. Os engenheiros, por sua vez, enfatizam as dimensões Elementos contextuais e Elementos psicológicos. Já para os psicólogos e os médicos, as maiores ênfases estavam nas categorias Elementos contextuais e Elementos relacionais.

Considerado o conjunto dos depoimentos das cinco profissões, observamos que as dimensões que mais se destacam nas falas dos pesquisados são Elementos contextuais e Elementos relacionais. Em contrapartida, as dimensões menos frequentes nos discursos foram Aprendizagem experiencial e Aprendizagem intencional. Esses resultados encontram congruência com o modelo teórico de Aprendizagem no Trabalho proposto por Illeris (2011). Em tal modelo, e nos resultados que emergiram da presente pesquisa, a aprendizagem – quer seja experiencial, quer seja intencional – decorre da interação entre as demais dimensões.

Nesse sentido, o vértice chamado "Ambiente" no modelo de Illeris (2011) aparece nesta pesquisa na dimensão Elementos contextuais, que recebeu ênfase das cinco categorias ocupacionais pesquisadas. A dimensão Elementos Psicológicos associa-se, por sua vez, ao que o autor denominou de "Aquisição psicológica" e que estaria aderente ao conteúdo e à dinâmica da aprendizagem. Por fim, os Elementos relacionais, que também estão presentes de forma prevalente nos discursos de todas as categorias ocupacionais, referem-se à "Interação social" que está no centro do modelo de Illeris (2011). Vale menção ao fato de que essa Interação social, no modelo teórico, decorre da Prática profissional, o que também se verificou no discurso dos pesquisados, quando eles falam da troca de experiências vivenciada com diferentes atores com os quais se relacionam em seu cotidiano laboral, como colegas/parceiros, chefes, subordinados, clientes/pacientes, coaches/mentores e fornecedores.

Ao fazer a análise do que emergiu da pesquisa e que, na análise de conteúdo, foram consideradas subdimensões, observa-se, inclusive, que a Troca de experiências e a Vivência pessoal e profissional são os conteúdos mais presentes nos discursos dos profissionais, tendo sido mencionados por 20 dentre os 33 pesquisados. Tal resultado reforça a centralidade da Interação social derivada da Prática profissional que estão presentes no modelo de Illeris (2011) e que são elementos de destaque também na teoria de aprendizagem experiencial de Kolb (1984), para quem o processo de aprendizagem ocorre em ciclos contínuos de internalização e socialização do que foi aprendido. O mesmo também é apresentado na teoria da Espiral do conhecimento de Nonaka e Takeuchi (1997) em que se tem uma teoria de criação e gestão do conhecimento nas organizações de trabalho que compreende processos de socialização, externalização, combinação e internalização, muito semelhantes aos quatro estágios da aprendizagem experiencial relatada por Kolb (1984).

Foi feita uma análise de ausência e presença a partir do discurso dos pesquisados de todas as categorias ocupacionais. Dos resultados trazidos nessa análise, levou-se em conta que a coleta de dados foi realizada por meio de grupos focais. Dessa forma, quando um participante menciona um elemento de DP presente em sua trajetória de carreira, a temática já foi trazida e é natural que outros participantes também falem sobre ela. Da mesma forma, quando um participante ou alguns participantes já falaram de determinado conteúdo, outros participantes podem se sentir contemplados por aquela fala e evitar repetições, deixando de mencionar tal conteúdo e buscando elementos novos que possam ser trazidos para o grupo. Isso foi verificado, por exemplo, quando os pesquisados faziam gestos com as mãos ou com a cabeça em concordância com elementos trazidos por outros participantes.

Considerando, portanto, as cinco dimensões provenientes dos discursos dos pesquisados e suas respectivas subdimensões, apresenta-se a seguir uma análise mais aprofundada de cada uma delas. Assim, são apresentados tanto a descrição conceitual dos conteúdos como também exemplos de depoimentos-chave que ajudam a elucidar os significados atribuídos pelos participantes a tais temáticas. Algumas palavras nos discursos foram grifadas para evidenciar sua relação com o conteúdo que originou as dimensões e subdimensões.

Os Elementos psicológicos nesta pesquisa dizem respeito a um conjunto de habilidades e atitudes dos profissionais que poderiam contribuir para o seu processo de DP, ou dificultá-lo. Nesse sentido, o conteúdo se relaciona com o próprio conceito de competência profissional, que envolve conhecimentos, habilidades e atitudes (Abbad & Borges-Andrade, 2014) e também ao modelo de Illeris (2011), na medida em que a Dinâmica da aprendizagem, para o autor, envolve motivação, atitudes e estratégias de aprendizagem. No caso da presente pesquisa, emergiram sete subdimensões relacionadas aos Elementos psicológicos, a saber: Abertura a mudanças; Motivação; Proatividade; Autoconhecimento; Persistência; Medo/Insegurança; Capacidade de escuta. Um trecho de discurso relativo a tal dimensão é apresentado a seguir:

Tá sempre buscando coisas novas, se motivar pra fazer o trabalho, não ter medo de dizer 'não sei'. Acho que isso é importantíssimo, porque muita gente tem medo da imagem que vai passar, porque não sabe, se ninguém nasce sabendo de tudo e dizer 'não sei' às vezes economiza um tempo e um trabalho é tremendo. (Engenheiro 3, comunicação pessoal)

Os Elementos relacionais representam a importância dos diversos atores com quem as pessoas interagem em sua prática profissional e que influenciam, direta ou indiretamente, no processo de DP. A interação interpessoal é um elemento-chave para o entendimento dos processos de aprendizagem. Nesse sentido, os resultados confirmam que há um processo de aprendizagem vicária nas diferentes categorias ocupacionais pesquisadas, confirmando a importância da aprendizagem que decorre da observação dos outros (Bandura, 1977) e dos processos de interação social de forma mais direta (Vigotsky, 2001). Nesse sentido, não apenas os exemplos que se observa do outro, mas o pedido de ajuda a colegas e parceiros pode configurar um importante elemento no processo de DP (Haemer et al., 2017).

Os resultados obtidos na categoria de Elementos relacionais, em conjunto com aqueles relativos aos Elementos Contextuais e à Aprendizagem experiencial, confirmam a natureza interacionista do modelo de aprendizagem individual no trabalho proposto por Illeris (2011). Assim sendo, emergiram sete subdimensões relacionadas aos atores sociais com quem a pessoa convive e aprende, a saber: Pacientes/Clientes; Colegas/Parceiros; Chefes; Fornecedores; Subordinados; Professor/Coach/Mentor; Familiares. Além desses atores, há também a subdimensão Troca de experiências, que apresenta uma relação tanto com a dimensão Elementos relacionais quanto com a dimensão Aprendizagem experiencial. Essa subdimensão evidencia que a aprendizagem advinda dos relacionamentos se deve às trocas de experiências que são estabelecidas, quer seja no ambiente de trabalho, no ambiente de formação ou mesmo na família. Além disso, os discursos indicam diferentes formas de suporte que são dadas por esses atores, bem como lições que são aprendidas com eles. A seguir um trecho dos discursos acerca da dimensão Elementos relacionais.

Então são os mínimos cuidados que você tem com funcionário, com a comunidade, com o fornecedor, com o cliente, né? O fornecedor no modelo ganha-ganha, um cliente, então... Enfim, às vezes é retornar, responder o e-mail, as pessoas... Isso tudo vai construindo o que chamo de relação sustentável, que eu acho que é fundamental. (Empresário 2, comunicação pessoal)

A Aprendizagem experiencial é resultante do que se aprende pela exploração e pela interação cotidiana e que irá favorecer o DP (Kolb, 1984; Monteiro & Mourão, 2017). Por isso, a Troca de experiências foi uma subcategoria que emergiu tanto no discurso relativo à Aprendizagem experiencial quanto na dimensão Elementos relacionais. Essas aprendizagens advindas das vivências são explicitadas nos discursos dos pesquisados, independentemente da atuação profissional. Outra subcategoria que emergiu nessa dimensão e que merece destaque é o Conteúdo significativo, que também faz ponte com outra dimensão – a Aprendizagem intencional. Além dessas duas subdimensões que são compartilhadas com outras dimensões, há duas temáticas que emergiram especificamente no contexto da Aprendizagem experiencial, são elas: Vivência pessoal e profissional e Estágio. A importância da vivência – quer seja pessoal, quer seja profissional – para a consolidação do aprendizado teórico é uma constante nas falas dos indivíduos das diversas ocupações. Da mesma forma, vários pesquisados fazem menção ao Estágio, que, em muitos casos, foi um importante propulsor da aprendizagem no período da formação profissional. Destacamos um trecho do discurso que revela a dimensão Aprendizagem experiencial:

O estágio é muito importante, eu acho, pra quem está começando, a pessoa tem que ter uma vivência, ela tem que sentir na prática o que é falado lá, entendeu? (Advogado 6, comunicação pessoal)

A Aprendizagem intencional resulta de conhecimentos sistemáticos e estruturados para um determinado fim e que visam contribuir para a aprendizagem no trabalho (Abbad & Borges-Andrade, 2014; Mourão& Monteiro, 2018). Nesse sentido, a subcategoria Conteúdo significativo emerge como um importante elemento presente tanto na Aprendizagem intencional quanto na Aprendizagem experiencial, conforme já mencionado. Aqui surgiram nos discursos dos pesquisados duas outras temáticas, que foram classificadas como subdimensões: Curso/Evento/Treinamento e Pesquisa/Leitura/Estudo. A atualização constante revela-se uma preocupação inerente a todas as categorias ocupacionais, deixando claro o entendimento da importância da evolução do conhecimento profissional independente da área de atuação. Essa intencionalidade pode vir de programas educacionais mais estruturados como as ações de capacitação ou da decisão pessoal de atualização a partir de investimentos em estudos e leituras, em grupo ou individualmente. Para revelar a dimensão Aprendizagem intencional demos destaque ao trecho do discurso que se segue:

Leitura, aulas e palestras, porque eu acho importante que a gente sempre tem que ter uma educação continuada, as coisas mudam, a gente tem que se atualizar. (Médico 2, comunicação pessoal)

Os Elementos contextuais dizem respeito ao conjunto de situações e cenários presentes no ambiente profissional e que de alguma forma podem influenciar a aprendizagem no trabalho e o desenvolvimento das pessoas. O contexto é reconhecido como de grande relevância para os processos de crescimento pessoal e profissional (Abbadet al., 2013; Illeris, 2011). Em consequência disso, afloram nove subdimensões referentes aos Elementos contextuais, a saber: Aceleração das mudanças; Diversidade de experiências; Inserção laboral/Início de carreira; Supervisão/Coaching; Problemas/Dificuldades; Oportunidades/Desafios; Investimento; Suporte; Erros/Fracassos. O fato de esta ser a dimensão com maior número e diversidade de temáticas pode ser compreendido pela própria riqueza do ambiente de trabalho, que tem elementos relativos ao contexto macro (como a Aceleração das mudanças e as Oportunidades/Desafios), bem como elementos relativos às experiências individuais que cada profissional teve nos seus contextos de trabalho (como Diversidade de experiências, Inserção laboral/Início de carreira; Supervisão/Coaching; e Suporte).

Há ainda que se considerar que os conteúdos advindos do contexto passam, necessariamente, por uma leitura pessoal, uma vez que características individuais e contextuais interagem nos processos de carreira (Ambiel, 2014). Nesse sentido, o que para um é oportunidade, para outro é desafio; um erro cometido é interpretado por alguns como fracasso e por outros como aprendizagem. As falas deixam claro tanto a diversidade de conteúdos dessa dimensão como a sua transversalidade nas ocupações pesquisadas. Um trecho de discurso relativo aos Elementos Contextuais é apresentado a seguir:

Psicólogo clínico, é solitário. Ele é solitário porque ele trabalha entre quatro paredes com o paciente do qual ele não pode falar lá fora, ou seja, ele não tem relação de trabalho, no ambiente de trabalho, em geral, você tem colega de trabalho, tem o bate papo, tem o almoço junto, fala-se do trabalho, fala-se do contexto de trabalho. O psicólogo clínico é solitário, ele não é relacional nesse sentido. (Psicólogo 5, comunicação pessoal)

Tomados em conjunto, as cinco dimensões apontam para possíveis propulsores e barreiras do DP, que estão presentes nas narrativas das trajetórias dos profissionais das categorias ocupacionais pesquisadas. Esses resultados vão ao encontro da teoria sobre DP no que diz respeito a ser um processo longitudinal de aprendizagem, que envolve situações cotidianas (contextuais e experienciais) e formais (intencionais) (Paquay et al., 2012; Pimentel, 2007; Gondim et al. 2013). Os aspectos relacionais e psicológicos também se encontram representados nos discursos como elementos que podem influenciar no DP (Barbier, Chaix & Demailly, 1994; Illeris, 2011; Paquayet al., 2012). Assim, para que haja o DP, é necessária a aquisição de competências que levem a aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser (Abbad et al., 2013).

Considerando os resultados obtidos acerca dos propulsores e barreiras do DP nos grupos focais com diferentes categorias ocupacionais, decidiu-se realizar um último grupo focal, com um representante de cada uma das categorias ocupacionais pesquisadas, a fim de confirmar se o modelo obtido de fato poderia representar o processo de DP dessas diferentes ocupações. Esse grupo focal misto foi muito relevante porque permitiu confirmar os resultados previamente obtidos. Os participantes, independentemente da ocupação profissional, foram unânimes em validar que as cinco dimensões previamente obtidas sintetizavam bem o processo de DP em suas áreas. Para eles, os propulsores e as barreiras do DP estavam claramente espelhados no modelo. Os depoimentos que se seguem evidenciam esses pontos de vista.

De fato, os cinco grandes elementos se encaixam na profissão do psicólogo com certeza e nas demais profissões. Os desdobramentos é que vão ser, mais intensos ou menos, conforme o desenvolvimento de cada carreira, nas outras áreas. (...) A principal barreira pra mim hoje, é a questão financeira. (Psicólogo, comunicação pessoal)

Porque o tempo todo você tá passando por determinadas frustrações. Começa por essa questão, assim, que eu vejo que tem todos os aspectos, psicológicos, de potencialidades que são importantes, né? A proatividade, tá inserida nesse processo, né? Então, eu acho que tudo isso é importante, E? Considerar tanto os aspectos das potencialidades das pessoas, os aspectos cognitivos também, os aspectos do contexto, essas experiências, tudo isso faz parte. (Empresário, comunicação pessoal)

Eu acho que todos esses elementos aqui surgem, alguns com maior força e outros com menor (...) Eu acho que o impacto vai maior ou menor de acordo com cada carreira, de acordo com o objetivo que você tenha, entendeu? (Advogado, comunicação pessoal)

Eu acho que, por exemplo, num ambiente é, essa coisa chefia, colega, parceiro, isso aqui tá tudo totalmente ligado, uma coisa com a outra, entendeu? É a família no que eu penso, assim, que seria um suporte importante, entendeu? Em relação assim, a curso, evento, treinamento, é fundamental pra medicina. (...) A motivação acho que é muito importante. É você, de repente, conseguir fazer as escolhas certas, pra conseguir conciliar os vários fatores assim, a parte financeira, a parte da qualidade de vida (...) (Médico, comunicação pessoal)

Concordo com tudo [sobre as dimensões do modelo]. (...) O autoconhecimento – não adianta você ter um objetivo incompatível com tua maneira de ser (...); Não importa o nível, isso é fundamental, para o engenheiro, ele tem que tá ouvindo. Condições de contexto, quer dizer, depende muito do ambiente (...) se não está motivado, abandona a engenharia, a motivação é fundamental. (...) Tem que tá aberto ao aprendizado. (Engenheiro, comunicação pessoal)

Considerando os achados obtidos com os grupos focais específicos para cada ocupação e com o grupo focal que mesclou profissionais de diferentes ocupações, apresentamos a Figura 3 como uma síntese desses resultados. A figura representa um modelo empírico de processos de desenvolvimento profissional, em que se consideram as experiências e a trajetória de carreira de advogados, empresários, engenheiros, médicos e psicólogos. Na Figura estão contempladas as cinco dimensões do DP que emergiram desta pesquisa e cada uma de suas subdimensões, que permitem a visualização dos conteúdos centrais dos elementos deste modelo.

 

 

Como pode ser depreendido da Figura 3, esta pesquisa contempla uma junção das teorias de aprendizagem no trabalho (Illeris, 2011) e aprendizagem experiencial (Kolb, 1984). Além disso, o modelo encontra respaldo nas teorias mais recententes de carreira (Ambiel, 2014), uma vez que os processos de DP remetem a elementos psicológicos, contextuais, relacionais e também de aprendizagem intencional e experiencial. Além disso, o resultado obtido encontra respaldo teórico nas análises da aprendizagem humana no trabalho de Abbad e Borges-Andrade (2014) que consideram que a aprendizagem envolve aquisição, retenção, generalização e transferência – vertical, horizontal e lateral, confirmando os elementos relacionais do modelo (subordinados, a chefes e professores ou mentores, passando por colegas/parceiros, clientes/pacientes, fornecedores e familiares).

Além disso, os resultados também confirmam as discussões de que o processo de DP envolve tanto a aprendizagem informal ou espontânea (presente em subcategorias como capacidade de escuta, vivência pessoal e profissional, problemas/dificuldades, erros/fracassos e diversidade de experiências), quanto a aprendizagem formal (estágio, curso/evento/treinamento, supervisão/coaching). Dessa forma, o estudo reforça a discussão de que não basta a aprendizagem restrita aos currículos escolares clássicos, devendo o processo de DP envolver uma maior abertura no entendimento da aprendizagem e das múltiplas oportunidades que são oferecidas pelo cotidiano dos trabalhadores, incluindo a possibilidade de aprender com a construção e atuação em distintos projetos (Hernández & Ventura, 2017).

O suporte à aprendizagem que é discutido por diversos autores e claramente presente nos estudos de aprendizagem no trabalho (Abbad et al., 2013) também aparece no modelo de forma mais direta na subcategoria "suporte" em Elementos Contextuais, mas também em outros itens como a família, a chefia e os colegas/pares nos Elementos Relacionais. Esses elementos confirmam que a aprendizagem no trabalho – na percepção de trabalhadores de diferentes categorias ocupacionais – está de fato associada à interação e que é um processo com influências sócio-histórico-culturais (Vigostsky, 2001).

Os elementos da Aprendizagem Experiencial, por sua vez, mostram que, para além da formação profissional que caracteriza a atuação de advogados, engenheiros, médicos e psicólogos, há também um processo de aprendizagem a partir das vivências cotidianas e da troca de experiências, inclusive aquelas que acontecem em situações de estágio. No caso dos empresários – que não têm necessariamente uma formação específica para a sua atuação – os elementos da Aprendizagem Experiencial ganham ainda mais destaque nas falas dos pesquisados. Tais resultados confirmam a discussão apresentada por Kolb (1984), Pimentel (2007) e Paquay et al. (2012), que situam a aprendizagem experiencial como um pilar para o desenvolvimento profissional.

Por fim, é preciso considerar que o modelo empírico resultante desta pesquisa encontra largo suporte teórico no modelo de aprendizagem individual no trabalho de Illeris (2011). A Figura 4 demonstra essa associação entre os modelos teórico e empírico, de tal forma que os resultados da presente pesquisa foram apresentados em itálico e dentro de caixas de texto posicionadas próximas aos componentes do modelo teórico de Illeris. Tal figura mostra, portanto, que os Processos de aprendizagem individuais possuem uma Aquisição psicológica, e o Conteúdo da aprendizagem e a Dinâmica da aprendizagem-incentivo estariam relacionadas às dimensões Aprendizagem intencional e Elementos psicológicos, respectivamente. Assim, o Ambiente técnico-organizacional ou o Ambiente sociocultural estariam respectivamente ligados aos Elementos contextuais e à Aprendizagem experiencial. Finalmente, os elementos centrais de Interação social e Prática profissional estariam alinhados aos Elementos relacionais. Nessa lógica, elementos de nível individual e social seriam considerados como propulsores ou barreiras para o DP nas diversas ocupações.

 

 

A análise do modelo final obtido nesta pesquisa mostra, portanto, que os relatos de trajetórias de profissionais de diferentes categorias ocupacionais têm consonância com o modelo teórico de aprendizagem no trabalho de Illeris (2011). Assim, foi possível chegar a um modelo de DP que responde a distintas categorias ocupacionais, uma vez que o conjunto de similitudes que emergiram dos dados foi superior às diferenças entre os processos de DP de uma categoria ou outra. A proposição de um modelo que detalhe os processos de DP para diferentes carreiras traz implicações tanto para os indivíduos como para as organizações de trabalho, como será discutido na próxima seção.

 

Considerações finais

A análise dos resultados da presente pesquisa permite concluir que as trajetórias profissionais de advogados, engenheiros, empresários, médicos e psicólogos guardam semelhanças entre si, sendo possível categorizar elementos propulsores do DP em diferentes carreiras. Nessa lógica, o processo de DP seria impulsionado ou freado por elementos psicológicos, relacionais e contextuais, além da aprendizagem experiencial e da aprendizagem intencional. Cada uma dessas cinco dimensões apresentou maior ou menor relevância na trajetória dos profissionais que participaram dos grupos focais, mas a despeito das variações individuais, elas estão sempre presentes, permitindo identificar que estes são elementos comuns nos processos de DP de diferentes carreiras.

Também foi possível concluir que o modelo de processos de DP obtido no presente estudo complementa o modelo teórico de aprendizagem no trabalho de Illeris (2011), apresentando partes relativas à aprendizagem experiencial da teoria de Kolb (1984), uma contribuição inovadora para a área de Psicologia. Concluímos, portanto, que o DP está associado aos processos de aprendizagem individuais e ao ambiente de trabalho, dependendo da interação social e das práticas profissionais para permitir a integração entre o nível individual e o social. Nessa lógica, a adaptabilidade à carreira relaciona-se à dinâmica de aprendizagem e incentivos, quer sejam advindos do meio, quer sejam provenientes de aspectos psicológicos dos trabalhadores.

A despeito dessa contribuição, o fato de a presente pesquisa ter sido de caráter exploratório, indica a necessidade de estudos futuros que testem o modelo de processos de DP aqui proposto. Nesse sentido, é preciso que sejam desenvolvidas medidas para avaliar tais processos, bem como é necessário investigar como esses processos ocorrem em outras carreiras além daquelas que foram aqui pesquisadas. Além disso, também são esperados estudos futuros que identifiquem os antecedentes e consequentes dos processos de DP.

Apesar da contribuição desse modelo empírico que permite uma leitura do processo de DP em diferentes carreiras, o estudo apresenta limitações. A maiordelas, possivelmente, diz respeito ao restrito número de categorias ocupacionais que foi pesquisado, quando há uma diversidade de profissões e de características de trabalho. Nesse sentido, cabe ampliar o foco da pesquisa, incluindo outras ocupações, considerando profissões que demandam formação em nível superior e outras que não tenham tal exigência. Outras limitações do estudo referem-se ao número de participantes por ocupações, que idealmente deveria ser mais amplo; e ao fato de o grupo de médicos ter sido conduzido de forma diversa da planejada, tendo em vista as ausências de participantes ocorrida na data prevista para a realização do grupo focal.

Do ponto de vista das implicações práticas, o modelo proposto oferece suporte para redesenhos da formação profissional, uma vez que os dados empíricos confirmam que os currículos tradicionais não dão conta da amplitude de aprendizagem necessária para uma atuação profissional. Dessa forma, a discussão sobre multi e interdisciplinaridade recebe novos subsídios, uma vez que há diversos elementos comuns ao processo de desenvolvimento profissional em diferentes carreiras, com a existência de um conjunto de conteúdos transversais.

Elementos relacionados à prática e à combinação do que é aprendido em termos teóricos com aquilo que se vivencia no cotidiano profissional também emergem de forma contundente nos discursos dos pesquisados. Assim, os resultados fornecem insumos para a reflexão e para os redesenhos de carreira, que podem ser úteis tanto para as estratégias organizacionais na área de gestão de pessoas, quanto para os planejamentos individuais de trajetórias profissionais.

 

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Endereço para correspondência:
Helenita de Araujo Fernandes
Rua Marechal Deodoro, 217, Bloco A, 2º andar
Niterói – Rio de Janeiro
CEP: 24030-060

Recebido: 05/07/2018
1ª Reformulação: 08/04/19
Aceito: 08/07/2019

 

 

Sobre as autoras:
Helenita de Araujo Fernandes é Psicóloga, doutora em Psicologia, consultora em treinamento e desenvolvimento e professora em disciplinas relacionadas a Psicologia Organizacional e do Trabalho.
E-mail: helenita_f@hotmail.com
Luciana Mourão é Doutora em Psicologia, Professora titular dos cursos de Mestrado e Doutorado em Psicologia. Pesquisadora da ANPEPP. Bolsista produtividade CNPq e orientadora de doutorado.
E-mail: mourao.luciana@gmail.com

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