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Revista Brasileira de Orientação Profissional

versão On-line ISSN 1984-7270

Rev. bras. orientac. prof vol.21 no.1 Campinas jan./jun. 2020

http://dx.doi.org/10.26707/1984-7270/2020v21n108 

10.26707/1984-7270/2020v21n108

ARTIGO

 

Significados atribuídos ao trabalho por docentes de Gestão de Recursos Humanos

 

The meanings attributed to the work by Human Resource Management teachers

 

Los significados atribuidos al trabajo por los docentes de Gestión de Recursos Humanos

 

 

Camila Teixeira HelenoI; Esteban Agulló-TomásII; Livia de Oliveira BorgesIII

IUniversidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, Diamantina, Minas Gerais, Brasil
IIUniversidade de Oviedo, Oviedo, Astúrias, Espanha
IIIUniversidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo foi identificar os significados atribuídos ao trabalho por docentes de Gestão de Recursos Humanos. Realizou-se a pesquisa aplicando questionários e entrevistas. Os resultados indicaram alta centralidade do trabalho e da família, demonstrando conflitos entre estas esferas. O trabalho foi valorado como devendo proporcionar crescimento e independência, reconhecimento econômico e dignidade-humanização. O trabalho foi descrito como fonte de humanização-sociabilidade e segurança normativa, com indícios preocupantes de esgotamento. Os resultados permitiram identificar singularidades do segmento docente.

Palavras-chave: professores; significado; trabalho docente; Gestão de Recursos Humanos2.


ABSTRACT

This study aimed to identify the meanings of work for Human Resources Management (HRM) teachers. We conducted this research administering questionnaires and interviews. The results indicated the high centrality of work and family, showing conflicts between these areas. Participants valued work mainly as a means to provide growth and independence, economic recognition, and dignity-humanization. They described work as a source of humanization-sociability and safety regulations with worrying signs of exhaustion. The results indicated the uniqueness of the teaching segment.

Keywords: teachers; meaning; teaching work; Human Resources Management.


RESUMEN

Este estudio tuvo como objetivo analizar e identificar los significados atribuidos al trabajo por los docentes de Gestión de Recursos Humanos (GRH). En esta investigación se aplicaron cuestionarios y se realizaron entrevistas. Los resultados señalan la alta centralidad del trabajo y la familia, y destacane conflictos entre estas áreas. El trabajo es valorado principalmente como un medio que proporciona crecimiento e independencia, reconocimiento económico y dignidad/humanización. El trabajo fue descrito como una fuente de humanización-sociabilidad y normas de seguridad, y la presencia de indicios preocupantes de agotamiento. Se concluye que las condiciones laborales de los docentes estudiados influyen en los significados que atribuyen al trabajo.

Palabras clave: profesores; significado; trabajo docente; Gestión de Recursos Humanos.


 

 

O cenário de globalização financeira, impulsionado pela revolução tecnológica e informacional, tem transformado a sociedade contemporânea e a estrutura e o conteúdo do trabalho, aumentando as desigualdades, diversificando as formas de emprego e modificando as relações, valores e significados (Agulló-Tomás, 2001; Bauman, 2011; Blanch & Cantera, 2009; Hewison, 2016; Standing, 2013). Neste contexto, os sistemas educacionais no nível superior vêm sendo reconfigurados, como o processo de Bologna na Europa (http://www.ehea.info/), e a recente reformulação e expansão da educação profissional tecnológica (EPT) no Brasil (Campello et al., 2009; Silva, Almeida & Strokova, 2015). A EPT no nível superior é composta por cursos com natureza e densidade mais tecnológica do que científica, de cerca de dois anos de duração para atenderem a demandas do mercado de trabalho, da sociedade e/ou dos estudantes (Conselho Nacional de Educação, Resolução CNE/CP nº 03/2002). As transformações na EPT e expansão para diferentes áreas, como a de gestão, ampliaram o campo de atuação para docentes e as opções de formação superior para estudantes em todo país (INEP, 2017).

Estudos anteriores (Campello et al., 2009; Heleno, Borges, & Agulló-Tomás, 2018; Heleno & Borges, 2016) têm indicado que a educação profissional historicamente é relegada às classes populares. Também mostraram que existe uma desvalorização dos tecnólogos (Campello et al., 2009; Heleno & Borges, 2016) e dos docentes que atuam nesses cursos (Heleno et al., 2018). As publicações sobre os docentes da EPT se concentram principalmente na sua formação (Gariglio & Burnier, 2012). Deste modo, identificamos uma lacuna em estudos sobre a relação do docente com o seu trabalho.

A referida lacuna nos remete a Bruner (1997), que defende que a produção de significados medeia a relação do homem com o mundo concreto que o rodeia. Assim, estudar significados do trabalho contribuirá para melhor compreender o impacto das transformações do mundo do trabalho sobre as pessoas, bem como a forma como trabalham e projetam o futuro. Avanços nessa compreensão, por sua vez, poderão subsidiar o planejamento de políticas de recursos humanos para o docente da EPT.

No Brasil, são 134 tipos de cursos superiores de tecnologia (MEC, 2016) em 13 eixos tecnológicos (Infraestrutura, Gestão e negócios etc.) e, por conta desta diversidade, o controle de algumas características se faz necessário para garantir que qualquer variância dos significados do trabalho esteja relacionada à condição de ensino na EPT e não, por exemplo, ao tipo de curso ou diferenças no mercado de trabalho em cada cidade. Assim, planejou-se esta pesquisa com o objetivo de identificar os significados atribuídos ao trabalho por docentes de um tipo de curso da EPT, Gestão de Recursos Humanos (GRH), na cidade de Belo Horizonte.

Antecedentes Teóricos e Hipóteses

Na Psicologia, o interesse nos estudos sobre os significados ganhou maior atenção a partir da década de 1980 (Álvaro & Garrido, 2007). Desde então, o tema tem se configurado relevante (Barros, Borges, & Álvaro-Estramiana, 2017; Rosso, Dekas, & Wrzesniewski, 2010; Schweitzer, Gonçalves, Tolfo, & Silva, 2016). Conceituamos o significado do trabalho como uma cognição subjetiva e social que varia individualmente, partindo do processo de atribuir significados, e, simultaneamente, apresenta aspectos socialmente compartilhados, associados às condições sócio-históricas da sociedade (Borges & Tamayo, 2001). Este conceito supõe uma dialética entre aspectos societários e individuais (Lhuilier, 2014). Borges e Tamayo (2001) propuseram um modelo de significado do trabalho que tem se mostrado adequado a diferentes populações no Brasil – como operários da construção civil (Barros et al., 2017), psicólogos (Borges & Yamamoto, 2010), profissionais de saúde (Borges, Tamayo, & Alves-Filho, 2005), metalúrgicos (Peixoto & Borges, 2015) e pessoas com deficiência (Tette, Carvalho-Freitas, & Oliveira, 2014). O modelo de Borges e Tamayo (2001) inclui quatro facetas: centralidade do trabalho, que é a valorização do trabalho para o indivíduo em comparação à família, lazer, comunidade e religião (como formulado pela equipe MOW, 1987); atributos valorativos referentes às características atribuídas ao trabalho para defini-lo como deve ser ou no plano ideal; atributos descritivos, que são características percebidas do trabalho real ou concreto; e, hierarquia dos atributos, que trata da organização dos atributos valorativos por importância e os descritivos por nível de evidência.

Em relação à primeira faceta, os estudos brasileiros (Tabela 1) têm indicado a alta centralidade atribuída ao trabalho, após a esfera da família. Estes resultados corroboram publicações de outros países (MOW, 1987; Kuchinke et al., 2011). Os estudos brasileiros também indicaram uma exceção no caso dos operários da construção civil (Barros et al., 2017), entre os quais a religião tem uma centralidade aumentada. Estas variabilidades entre as ocupações reforçaram a demanda de investigação em diferentes campos, principalmente os emergentes. Baseados nesses resultados antecedentes, propusemos a primeira hipótese:

H1: a centralidade do trabalho será elevada entre os professores de GRH, superada apenas pela importância da família, em comparação com outras esferas da vida (lazer, religião e comunidade).

 

 

Em relação aos atributos valorativos e descritivos, o modelo apreendeu aspectos específicos relativos à realidade brasileira do trabalho, por exemplo: realização como um valor que se aproxima do coletivismo, porque resultaria no prazer em beneficiar outras pessoas; diferentes significados do trabalho, como os que representam sobrevivência; implicações da exploração e desumanização; e ser uma expressão do corpo saudável. Ele também considera as contradições dialéticas nos significados do trabalho (como ser fonte de realização e exploração) e articula diferentes níveis de análise (como contribuir para o progresso social e, simultaneamente, gerar reconhecimento pessoal).

Considerando as similaridades do nível educacional entre psicólogos e docentes de GRH, adotamos como referência as estruturas de atributos valorativos e descritivos encontradas por Borges e Yamamoto (2010). Eles identificaram os seguintes tipos de atributos valorativos:

  • Crescimento e independência (definindo que o trabalho deve ser uma fonte de independência econômica e sobrevivência, padrão de vida estável, aprendizado de coisas novas e criatividade).
  • Dignidade-humanização (deve se desenvolver em um ambiente onde as pessoas possam sentir-se respeitadas como seres humanos por meio de cuidados de higiene, conforto das instalações, proporção de responsabilidades e possibilidades individuais).
  • Realização (deve ser meio de beneficiar outras pessoas e, ao mesmo tempo, oferecer oportunidades para ser produtivo e desempenhar suas tarefas da melhor maneira possível).
  • Igualitarismo e acolhimento (deve representar oportunidades de equidade de direitos e, ao mesmo tempo, ser acolhido por colegas).
  • Reconhecimento econômico (os resultados econômicos do trabalho devem expressar o reconhecimento de esforços e de realização, além de garantir assistência, crescimento na carreira e progresso social).
  • Segurança normativa (deve desenvolver-se de acordo com as normas de segurança).
  • Ocupação (sobrecarga) (deve proporcionar ocupação, mas também a repetição de tarefas diárias, dificuldades diárias e exigências de velocidade).
  • Desumanização (objetificação) (deve implicar muitos esforços e, portanto, o trabalhador comprometido deve sentir-se exausto e menos humano).

Considerando o desenvolvimento histórico da EPT como uma educação concebida para classes populares e que representa um crescimento no mercado de trabalho para professores e tais atributos valorativos, propusemos a segunda hipótese:

H2: Entre os atributos valorativos dos significados do trabalho, os professores de GRH priorizarão os tipos cuja definição tenha um caráter mais expressivo (Dignidade-humanização, Realização, Igualitarismo e acolhimento), bem como aqueles com sentido econômico (Reconhecimento econômico, Crescimento e independência), enquanto eles priorizarão menos outros tipos de atributos valorativos (Segurança normativa, Ocupação e Desumanização).

Em relação aos atributos descritivos, Borges e Yamamoto (2010) identificaram os seguintes tipos:

  • Humanização-sociabilidade (trabalho real é fonte de sentimentos de respeito, dignidade e aceitação entre os colegas).
  • Segurança normativa (permite conciliação de desafios e autoexigência com a necessidade de cumprir as normas e obrigações de proteção para saúde e integridade).
  • Realização (gera prazer em realizar tarefas, oportunidades para ajudar as pessoas e percepção de ser produtivo, criativo e capaz de decidir).
  • Ocupação-responsabilidade (caracteriza as pessoas como ocupadas e que podem enfrentar a dureza cotidiana e esforçar-se).
  • Igualitarismo-reconhecimento-acolhimento (oferece oportunidades para crescimento profissional, respeito às opiniões dos trabalhadores, igualdade de direitos, segurança e aceitação).
  • Independência econômica (garante subsistência, independência, estabilidade e assistência social).
  • Esgotamento (causa sobrecarga pela repetição de tarefas, esforço físico e rapidez, levando ao esgotamento).
  • Desumanização (implica no tratamento de pessoas como máquinas ou animais).

Considerando estes atributos e a realidade dos docentes da EPT no setor privado com tendência de baixa remuneração (Gariglio & Burnier, 2012; Shiroma & Lima, 2011), propusemos a terceira hipótese:

H3: Entre os atributos descritivos do significado do trabalho, os docentes de GRH perceberão menos Independência econômica como parte da realidade do que os tipos de Humanização-sociabilidade, Realização e Igualitarismo-reconhecimento-acolhimento.

A mesma literatura (Gariglio & Burnier, 2012; Shiroma & Lima, 2011) também assinalou a existência de condições de trabalho insatisfatórias. No entanto, esses docentes, como todos os cidadãos brasileiros, experimentam uma crise econômica e política. Por isso, propusemos a quarta hipótese:

H4: Entre os atributos descritivos, a Segurança Normativa, o Esgotamento e a Desumanização serão os tipos menos percebidos.

Embora adotemos o modelo de Borges e Tamayo (2001) de significado de trabalho como referência, não aplicaremos o conceito de hierarquia de atributos, porque consideramos que nossas hipóteses não requerem sua aplicação.

 

Método

Nas atividades de campo, combinamos a aplicação de questionários estruturados e entrevistas para investigar o caso dos docentes de GRH de Belo Horizonte.

Participantes

Encontramos 13 instituições de ensino superior (IES) com cursos de GRH presenciais em funcionamento em Belo Horizonte (http://emec.mec.gov.br, consulta em 2014). Oito concordaram em participar desta pesquisa (61,5%): sete do setor privado e uma universidade pública estadual. Algumas IES oferecem cursos em mais de um câmpus, no caso, em 10 localidades. Considerando as IES participantes, a população era de 136 docentes, dos quais 77 (56,62%) responderam a todos os questionários. Os participantes apresentaram as seguintes características: maioria do sexo feminino (59,74%); com média de idade de 42,16 anos (DP=8,31); 57 deles (74,0%) com formação stricto sensu e 20 (26%) apenas com formação lato sensu. A média de tempo de atuação na GRH era de 4,41 anos (DP=3,40) e 8,27 anos na docência (DP=4,98). Os docentes tinham formação em 15 diferentes cursos de graduação, como Psicologia (f=28), Administração (f=20), Direito (f=8) e outras (f=25); quatro docentes possuíam mais de um curso.

Entrevistamos 10 docentes de sete IES, sendo um da universidade pública e os demais do setor privado. Características: seis do sexo feminino; média de idade de 39,70 anos (DP=7,89); oito com formação stricto sensu. Sua média de tempo em cursos de GRH era de 4,10 anos (DP=2,89) e 8,60 anos na docência (DP=5,38). Formação na graduação em Psicologia (f=6), Administração (f=3), Economia (f=1) e Tecnólogo em Gestão Hospitalar (f=1), sendo que um docente possuía duas graduações. Escolhemos os participantes pelos critérios de acessibilidade (prontidão manifesta) e de saturação (Ibáñez, 1986).

Instrumentos

Os instrumentos consistiram em três questionários (primeiro momento) e um roteiro de entrevista semiestruturada (segundo momento):

a) Questões sobre centralidade do trabalho (MOW, 1987). Solicitam a atribuição de pontos ao trabalho de acordo com sua importância (escala Likert de 1 a 7) e a ordem de importância entre família, trabalho, lazer, religião e comunidade (total de 100 pontos), correspondendo à centralidade absoluta e relativa do trabalho, respectivamente.

b) Inventário do Significado do Trabalho, IST (Borges & Yamamoto, 2010). Mensura os atributos descritivos e valorativos e sua hierarquia com 62 itens (escala Likert de 0 a 4), tendo apresentado alfas de Cronbach de 0,67 a 0,86 em estudo com psicólogos.

c) Ficha sociodemográfica. Solicita informações para descrever os participantes.

d) Roteiro de entrevista semiestruturada. Contém 11 itens sobre a relação entre os participantes e seu trabalho, estimulando a expressão de significados do trabalho singulares.

Procedimentos de Campo e de Análise de Dados

Cumprimos os critérios deontológicos e éticos para pesquisa em Psicologia, incluindo o anonimato e confidencialidade dos dados, o consentimento livre e esclarecido e a possibilidade de desistência de participantes a qualquer tempo. Entregamos os questionários individualmente a todos docentes de GRH. Disponibilizamos urnas de coleta, em locais acessíveis. Registramos as respostas dos questionários em banco de dados do programa SPSS, a partir do qual realizamos as análises estatísticas que, por síntese, serão detalhadas ao longo dos resultados.

Cada entrevista durou cerca de 30 minutos. Todas foram gravadas, transcritas e transpostas para o programa QDA Miner, a partir do qual realizamos uma análise de conteúdo categórica (Bardin, 1977/2011), com colaboração de quatro duplas de juízes.

 

Resultados

Os resultados dos questionários indicaram pontuações altas na centralidade atribuída ao trabalho (Tabela 2). Quando comparado às outras esferas de vida, o trabalho segue em segundo plano, após a família. Na análise das entrevistas, também identificamos expressões que aludem à centralidade da família (f=5) e do trabalho (f=5) e à noção de que o trabalho é mais importante que o lazer (f=4). Apesar de estar na quarta posição (Tabela 2), a participação em atividades religiosas foi observada na maioria das entrevistas (f=8). Em contrapartida, identificamos menos alusões à participação em atividades na comunidade (f=3).

 

 

As entrevistas revelaram uma relação de suporte familiar ao trabalho (f=5), e/ou de conflito entre trabalho e família (f=4) e entre trabalho e lazer (f=4). Os participantes destacaram que o horário noturno de trabalho (f=5) acirra a dificuldade de conciliação entre as esferas e que a flexibilidade de horários para preparação de aulas (f=5) a minimiza.

Acerca dos atributos valorativos, aplicamos ANOVA para medidas repetidas e identificamos quatro faixas (Tabela 3), indicando quais tipos tendem a ser priorizados pelos docentes. Também verificamos a variância dos escores em cada tipo de atributo valorativo em relação às características sociodemográficas e encontramos que as mulheres (média=3,92; DP=0,13) deram um maior peso ao Crescimento e independência (t=2,504; p<0,017) que os homens (média=3,77; DP=0,30).

 

 

Em relação ao Crescimento e independência, constatamos nas entrevistas a busca por aperfeiçoamento profissional (f=10), justificada prioritariamente pela necessidade de desenvolvimento pessoal (f=9), e/ou cobrança das IES (f=5), fundamentada em aspectos externos como avanço tecnológico, realidade de mercado e exigências do Ministério da Educação. Identificamos que docentes (f=6) diferenciam as IES públicas das privadas, como "a escola privada ainda legitima muito uma relação professor/aluno, como uma relação de cliente, o que enfraquece a autoridade do professor, e eu acho que na escola pública isso não existe" (entrevista 10).

Na terceira faixa (Tabela 3), os escores do tipo Ocupação apresentaram maior dispersão, revelando divergências entre os docentes de GRH. Constatamos nas entrevistas que a desejabilidade por ocupação é associada à maior remuneração (f=6), visto a remuneração por hora nas IES privadas.

A noção de que o trabalho deva ser caracterizado por Desumanização recebeu os escores mais baixos (Tabela 3). Embora tal noção sobreviva entre alguns docentes, a Desumanização era um tipo de atributo valorativo para poucos deles. Não observamos menções deste tipo nas entrevistas.

Diferentemente dos tipos valorativos, os tipos descritivos não demonstraram uma tendência de concentração das distribuições no intervalo de pontuação mais elevada (Tabela 4). A identificação das faixas utilizando a ANOVA indicou quais tipos descritivos são mais percebidos no trabalho real dos participantes. Assim, de acordo com os docentes, Humanização-sociabilidade e Segurança normativa caracterizam predominantemente o trabalho. Também encontramos que os homens (média=3,45; DP=0,45) perceberam o trabalho como tendo maior Humanização-sociabilidade (t=2,017; p<0,048) do que as mulheres (média=3,23; DP=0,47).

 

 

Na análise das entrevistas, constatamos que a forte Humanização-sociabilidade (Tabela 4) se sustenta na relação positiva com os alunos (f=10) e, em menor medida, no estabelecimento de amizades com colegas (f=4). Os altos escores de Segurança normativa implicam desafios na relação com alunos e com IES. Na relação com alunos estão as funções adicionais de socialização destes (f=6), a relação com "aluno-cliente" (f=3) e o perfil distinto do aluno de GRH (f=6), com origem humilde. Na relação com a IES foram destacadas dificuldades com aspectos burocráticos e de informática (lançamento de notas, frequências) (f=6).

Nas entrevistas, verificamos que a docência foi concebida como atividade de transmissão do conhecimento, transformação do outro e de ajuda (f=10), demonstrando maior importância da Realização que a apreendida nos questionários (Tabela 4). Ainda assim, esta concepção surgiu acompanhada pela visão mercantilista do funcionamento da EPT em IES privadas (f=4) como "É um mercado de serviço" (entrevista 8), "uma rede de ensino 'ótica' de lucro" (entrevista 2). O gosto pela profissão esteve presente entre todos os entrevistados (f=10). Eles justificaram sua escolha pela vocação e experiências prévias (f=10) e também por falta de oportunidades/alternativas (f=3). Também constatamos que existe pouco incentivo à pesquisa (f=8) e uma autonomia controlada (f=9). Houve consenso de que existe autonomia na preparação das atividades em sala de aula (f=10). No entanto, esta não implica em participação efetiva na construção das ementas e projetos pedagógicos (f=9).

Sobre Ocupação-responsabilidade, constatamos nas entrevistas diversidade de disciplinas (f=8), rodízio constante de disciplinas lecionadas (f=8) e carga horária extensa (f=8). Considerando o Igualitarismo-reconhecimento-acolhimento, informações incongruentes foram apreendidas nas entrevistas. Identificamos a contrapartida das IES em relação ao aperfeiçoamento dos docentes de GRH com: liberação das aulas para frequentar cursos, eventos etc. (f=8), sendo esta condicionada à substituição por colegas (f=6) e/ou custeada pelo docente (f=4); incentivo financeiro e/ou bolsas de estudo (f=5); e, oferecimento de cursos (f=4). Verificamos unanimidade no reconhecimento por parte dos alunos (f=10), por meio de manifestações de admiração, agradecimento e/ou homenagens. Reconhecimento por parte das IES (f=10) foi expresso por meio de convite para concorrer à vaga na coordenação (f=4), ministrar palestras e/ou cursos (f=4), aumento de carga horária (f=3) e premiação remunerada (f=2). No entanto, constatamos também falta de Reconhecimento da IES (f=5) relacionada à percepção de "ser descartável". Além da relação de amizade com colegas, mencionada anteriormente, há trocas de materiais e experiências (f=4), mas também concorrência (f=3) e fofoca (f=3), como "agora abriu o capital pra bolsa, então muda tudo porque a gente trabalha com o dinheiro do acionista (. . .) bota todo mundo num ambiente de competitividade e de mesquinharia" (entrevista 2).

Apesar dos docentes de GRH terem considerado que o trabalho deveria garantir resultados econômicos (Crescimento e independência e Reconhecimento econômico) como prioritários (Tabela 3), a Independência econômica representa apenas o terceiro dentre os atributos descritivos (Tabela 4). Os escores sinalizam que o trabalho dos docentes de GRH é visto como promovendo o esgotamento, com 27,3% dos participantes no intervalo mais alto. O esgotamento é percebido mais fortemente (t=2,009; p<0,048) pelos docentes que estão há mais de três anos no curso de GRH (média=2,80; DP=0,67) do que por aqueles que estão há menos de três anos (média=2,49; DP=0,67).

Nas entrevistas identificamos que a remuneração docente é tida por alguns como maior que em outros trabalhos (f=3). No entanto, além da necessidade de uma carga horária extensa nas IES privadas, já mencionada, identificamos outras características que contribuem para a compreensão deste tipo estar somente na terceira faixa: a instabilidade no emprego (f=6) nas IES privadas e na pública (que funciona com contratos temporários) e a instabilidade de carga horária (f=5) que reflete em instabilidade financeira, exclusiva das IES privadas. Ainda assim, à exceção de um docente, os demais planejam permanecer na docência, cursar doutorado e/ou passar em um concurso público para professor (f=9). Nesse sentido de preocupação com as instabilidades no trabalho docente constatamos a adoção de estratégias individuais para manter a segurança financeira (f=5), como trabalhar em mais de um lugar (f=2). E ainda, além da carga horária extensa e do horário noturno de trabalho, já mencionados, também identificamos a presença de pressões (f=3), ameaças (f=3) e estresse (f=4) que promovem o Esgotamento.

A maioria dos docentes de GRH percebe o trabalho como ocorrendo com baixo nível de Desumanização (Tabela 4). No entanto, constatamos nas entrevistas a desvalorização do tecnólogo e do professor (f=4), e, consequentemente, dos docentes da EPT (f=3).

 

Discussão

Os resultados corroboraram a H1, atestando a importância absoluta e relativa da esfera do trabalho, sendo superada somente pela esfera da família (Tabela 2). Nesse sentido, corrobora uma tendência amplamente observada na literatura (e.g., Kuchinke et al., 2011; Silveira & Bendassolli, 2018; Tette et al., 2014), independente da ocupação em foco.

De modo geral, os resultados coincidem com a visão de autores (Agulló-Tomás, 2001; Bauman, 2011) de que a centralidade do trabalho é determinada pelas funções que desempenha para indivíduos, grupos e sociedade. A análise conjunta com os dados das entrevistas permitiu, por um lado, a constatação de conflitos entre trabalho-família e trabalho-vida pessoal, provavelmente associados a horário noturno de trabalho, carga horária extensa, remuneração insuficiente, cobrança por aperfeiçoamento, horários que não se adéquam às necessidades dos docentes, ocupação advinda da diversidade e rodízio de disciplinas e esgotamento. Por outro, a observação de que os conflitos são abrandados pela flexibilidade de horários e pelo suporte familiar percebido, com incentivo à carreira e/ou responsabilização no cuidado dos filhos. Silveira & Bendassolli (2018) também encontraram o conflito trabalho-família relatados por docentes de universidades públicas e particulares, entretanto a caracterização do conflito abrangia aspectos referentes às vivências de professoras mulheres e à carga adicional do trabalho doméstico. Nesse sentido, os resultados indicaram a necessidade de uma maior responsabilidade social corporativa, com implementação de políticas e programas de promoção da saúde no trabalho estabelecendo estratégias de enriquecimento trabalho-família que beneficiarão trabalhadores, famílias, organizações e sociedade (OIT, 2015). Pesquisas futuras podem se aprofundar nesta questão no sentido de subsidiar o estabelecimento de marcos legais e de políticas públicas e organizacionais de conciliação trabalho-família.

Na comparação com outros estudos brasileiros (Tabela 1), destacamos dois pontos: a) baixa diferença na centralidade das esferas trabalho e família; e, b) menor peso dado à esfera da comunidade. No primeiro ponto, a diferença entre as médias de família e trabalho foi mais baixa entre os docentes de GRH, seguida dos psicólogos. Considerando as características comuns entre ambos – como serem atividades de serviço, com discurso missionário, que lidam diretamente com a subjetividade humana e fazem parte das redes sociais de apoio ao mundo social –, e que a formação em Psicologia foi a mais frequente entre os docentes; constatamos a existência de uma identidade profissional semelhante entre docentes de GRH e psicólogos.

No segundo ponto, destacamos a pouca importância média atribuída à comunidade quando comparamos com pesquisas brasileiras em outras ocupações (Tabela 1). Escores baixos são tendenciais nas diferentes ocupações no Brasil, o que provavelmente reflete uma cultura de baixo envolvimento comunitário. Entretanto, indagamos: por que tais escores foram ainda mais baixos na amostra da pesquisa? Considerando a concepção de docência apresentada e as especificidades dos alunos de GRH, propomos a hipótese de que esse resultado pode ser devido ao pouco tempo disponível para outras esferas, e/ou à percepção de que o trabalho já representa forte contribuição social, condizente com a literatura de EPT no Brasil (Shiroma & Lima, 2011).

A H2 foi parcialmente corroborada. Os resultados dos atributos valorativos (Tabela 3) indicaram que os docentes tendem a priorizar aspectos mais expressivos – Dignidade-humanização – e econômicos – Reconhecimento econômico e Crescimento e independência. No entanto, os escores de Realização e Igualitarismo e acolhimento tenderam a assumir a segunda prioridade, inesperadamente. Além disso, como hipotetizado, os docentes da GRH tenderam a definir a Desumanização como a menor prioridade. Apesar da hipótese, os docentes de GRH tenderam a compartilhar o tipo de Segurança normativa como uma segunda prioridade. Esses resultados inesperados podem contribuir para desmistificar a imagem de senso comum dos professores. Seriam menos "missionários" (Penteado & Souza Neto, 2019) e mais influenciados pela cultura ocidental, focando no consumo, nas recompensas econômicas e nas oportunidades na carreira. Posteriormente, o conteúdo das entrevistas referente ao estabelecimento de uma "relação de cliente" entre professores e alunos por instituições leva a perguntar: "Essas opções de gerenciamento influenciaram os índices baixos de Realização e Segurança normativa entre os docentes?"

A exigência percebida em relação ao aperfeiçoamento, com responsabilidade e ônus a cargo do docente, além do pouco incentivo à pesquisa e à publicação denunciam a responsabilização individual do docente pela qualidade da educação e fornecem indícios de vulnerabilidade e exclusão social dos mesmos, frutos da mercantilização da EPT brasileira (Campello et al., 2009; Heleno et al., 2018; Heleno & Borges, 2016). A manutenção de uma visão diferencial das IES públicas, em que os docentes supõem que a meta de obter uma vaga nestas poderia ser alcançada e a percepção de desvalorização do tecnólogo e do docente da EPT endossam esses indícios. Também permitem a constatação de uma diversificação de postos na qual o trabalho dos docentes nos cursos de GRH (em IES privadas) representa o início da inserção na docência do ensino superior, ou seja, um degrau para melhores colocações, como as obtidas em concursos públicos, corroborando Heleno et al. (2018). Por essas considerações, nos perguntamos: "Por que os professores não atribuem mais prioridade à Segurança normativa? Um vínculo temporário com as instituições educacionais contribuiria para isso?" Sugerimos explorar estas questões em futuras pesquisas.

Os escores de Ocupação dos docentes de GRH foram superiores aos dos psicólogos (média = 2,32) (Borges & Yamamoto, 2010). Devido às políticas adotadas, a carga horária (horas/aula) define a remuneração que, por sua vez, está associada ao Reconhecimento econômico, incluído nos atributos valorativos mais priorizados pelos docentes. A percepção dos docentes de GRH de que o trabalho deva significar mais Ocupação sinaliza a naturalização destas políticas que são sustentadas pelos marcos legais e favorecem a existência de diferentes vínculos de trabalho/emprego. Tais resultados reafirmam tendências globais de intensificação e precarização do trabalho que também atingem o trabalho docente (Barros, Silva, Zamboni, Martins & Cardoso, 2019; Campello et al., 2009; Sales & Machado, 2017; Silveira & Bianchetti, 2016).

As diferentes faixas identificadas entre os tipos de atributos descritivos (Tabela 4) corroboram parcialmente a H3. Os participantes conferiram a terceira posição à Independência econômica com escores menores do que Humanização-sociabilidade, Realização e Igualitarismo-reconhecimento-acolhimento. No entanto, os resultados foram surpreendentes porque Segurança normativa e Ocupação-responsabilidade também obtiveram escores maiores do que Independência econômica. Posteriormente, a média da Independência econômica como um atributo descritivo foi menor que a do Reconhecimento econômico como um atributo valorativo, indicando que existe uma insatisfação com a política salarial dos docentes. Indagamos, porém, se a insatisfação consistiria em um efeito paradoxal da ênfase nas relações com os clientes entre professores e alunos e em resultados econômicos de uma organização, já que autores (p. ex., Dalagasperina, & Monteiro, 2016; Sales & Machado, 2017) encontraram dificuldades em tais relacionamentos na docência superior privada.

Esses resultados de insatisfação com as políticas salariais provavelmente sustentam ações dos docentes, explicadas nas entrevistas, como trabalhar em outras IES, fora da docência e/ou ter a docência como complemento de renda. Assim, isto pode estimular novos aumentos na Ocupação-responsabilidade e Esgotamento. A instabilidade tem implicações psicológicas cognitivas e emocionais (Blanch & Cantera, 2009; Dalagasperina, & Monteiro, 2016). Os resultados observados fornecem indícios preocupantes de insegurança no trabalho dos docentes de GRH, sinalizando a necessidade de estudos futuros analisarem este ponto e seus impactos.

Considerando as respostas às entrevistas, concluímos que a percepção de Humanização-sociabilidade predomina na relação com os alunos e, em menor frequência, entre colegas. Esses resultados demonstraram que os contatos interpessoais constituem um dos pilares do trabalho dos docentes de GRH, concordando com a literatura sobre o significado do trabalho docente (Albu & Cojocariu, 2012; Sales & Machado, 2017).

Em relação à Segurança normativa, os resultados permitem a conclusão de que os desafios impostos pelas mudanças no papel e na atuação docente são acentuados pelo fato dos alunos de GRH terem um perfil distinto, com histórico de vulnerabilidade social, reforçando a necessidade de mais estudos sobre o trabalho do docente na EPT (Heleno & Borges, 2016). Estes resultados sobre Segurança normativa parcialmente rejeitam a H4.

Identificamos os escores de Realização na primeira das duas faixas intermediárias (Tabela 4). As respostas às entrevistas permitem a constatação de que a Realização dos docentes de GRH é sustentada pela contribuição social que representa. No entanto, a auto e heteroexigência com parco aporte institucional, conforme já mencionado, e a existência de uma "autonomia controlada" contribuem para que a Realização esteja na segunda faixa. Estes resultados fornecem indícios da necessidade de maior responsabilidade corporativa com implantação de programas e políticas de promoção da saúde docente visto, por exemplo, a preocupante incidência da síndrome de burnout entre professores e sua correlação positiva com baixa autonomia (Aloe, Amo, & Shanahan, 2014).

Ainda na segunda faixa, identificamos o tipo Igualitarismo-reconhecimento-acolhimento. Nas entrevistas verificamos que este tipo é sustentado pelo reconhecimento por parte dos alunos, das IES e, com menor frequência, pela percepção de consonância com as demandas institucionais, cumprimento de obrigações trabalhistas, ausência de conflitos e transparência nas avaliações. Ainda assim, é importante destacar que as formas de reconhecimento praticadas pelas IES também aumentam a Ocupação-responsabilidade e o Esgotamento dos docentes de GRH, com a designação de novas disciplinas e atividades. E que existe a ausência de uma política clara de incentivo ao aperfeiçoamento visto a presença de discordância entre docentes de uma mesma IES. Constatamos também a percepção de falta de reconhecimento por parte das IES e a relação ambígua com colegas (companheirismo e competitividade), advinda da mercantilização da EPT, que contribuem para explicar a assimetria dos resultados e a inclusão nesta faixa. As ambiguidades indicam que os docentes são mais críticos a este tipo e que a implementação de programas e políticas de gestão de pessoas mais participativas podem trazer benefícios, como reconhecimento efetivo do conhecimento e experiência destes docentes e um maior engajamento no trabalho (Marinova, Peng, Lorinkova, Dyne, & Chiaburu, 2015).

Entre os atributos descritivos, Esgotamento e Desumanização, foram os tipos com escores mais baixos, conforme previsto pela H4, apesar do escore de Esgotamento ser significativamente maior do que o de Desumanização. Na comparação com outros estudos brasileiros constatamos que os docentes de GRH percebem maior Esgotamento que os psicólogos (Borges & Yamamoto, 2010) e em nível semelhante ao dos operários da construção civil (Barros et al., 2017). Além disso, evidenciamos nas entrevistas os efeitos da precariedade (pressões, ameaças e estresse) que resultam em pedidos de licença e de demissão entre outros. Estes resultados evidenciam indícios de comprometimento da saúde e bem-estar dos docentes. Os baixos escores de Desumanização (Tabela 4) foram contrapostos com a percepção de desvalorização do tecnólogo e do professor da EPT nas entrevistas. Estes resultados, por um lado, refletem que as entrevistas parecem ser um método mais sensível para capturar este tipo. Por outro, corroboram estudos anteriores (Heleno et al., 2018; Heleno & Borges, 2016) demonstrando que a desvalorização do tecnólogo segue institucionalizada e atinge os docentes da EPT.

A presente pesquisa, por focalizar população específica, tem capacidade de generalização limitada, mas sua natureza exploratória diante de uma lacuna no conhecimento sobre o setor EPT implicou no fato de encontramos resultados inesperados que rompem com o senso comum. Os docentes, se afastando de uma imagem missionária (Penteado & Souza Neto, 2019), tornaram-se pessoas mais envolvidas na cultura contemporânea, que demanda recompensas econômicas. Os docentes pareciam refletir a desvalorização de seu papel pela política institucional, buscando outras alternativas de emprego e esperando realização moderada. Assim, perguntamos: Diante dos resultados, o que podemos pensar sobre a docência na EPT em longo prazo? As estratégias de gestão adotadas hoje nessas IES se preparam para um bom desempenho em um novo período de crescimento econômico? Os vínculos temporários entre professores e entre professores e instituições asseguraria a manutenção dos melhores professores? Essa manutenção seria importante para a sobrevivência das IES no setor privado?

Assim, este estudo incrementa a literatura sobre o trabalho docente na EPT brasileira e em cursos de curta duração no nível superior no cenário internacional, tendo como ponto forte a combinação de diferentes técnicas de coleta de dados. Essa combinação permite uma análise geral e uma maior compreensão dos significados do trabalho, considerando as especificidades desta ocupação e campo em particular. A análise atesta que a consolidação das tendências globais, como a diversificação dos vínculos de emprego, a intensificação do trabalho, a precariedade e a instabilidade, a vulnerabilidade e os riscos de exclusão social estão transformando os significados do trabalho. Denunciou disfunções psicossociais preocupantes derivadas da implementação de políticas neoliberais que causam desvalorização e descaso com trabalhadores (Agulló-Tomás, 2001; Bauman, 2011; Blanch & Cantera, 2009; Hewison, 2016; Standing, 2013).

Por fim, defendemos a implantação de marcos legais e políticas integrais e efetivas em conformidade com os conceitos internacionais de saúde (OMS), saúde laboral e trabalho decente (OIT) no âmbito da EPT brasileira. Estas iniciativas podem propiciar múltiplos benefícios para professores (aumento da qualidade de vida, saúde, bem-estar psicossocial), alunos (aumento da qualidade do ensino e futura empregabilidade), IES (diminuição de absenteísmo e rotatividade, retenção de professores e alunos, valorização da imagem institucional e da marca), organizações (ética, competitividade e excelência) e sociedade (cidadãos co-responsáveis pelo desenvolvimento inclusivo).

 

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Endereço para correspondência:
Faculdade Interdisciplinar de Humanidades (FIH) da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), Gabinete 58
Rodovia MGT 367 - Km 583, nº 5.000. Alto da Jacuba
Diamantina/MG
CEP: 39100-000
Telefone: (38) 3532-1200 (ramal 8708)
E-mail: camilaheleno@gmail.com

Recebido: 23/09/2018
1ª Reformulação: 12/08/2019
Aceito: 21/01/2020

 

 

2 Palavra-chave foi adotada por indicar o nome do curso superior de tecnologia no qual os participantes lecionam, embora não se encontre na terminologia utilizada pela BVS-Psi
Sobre os autores:
Camila Heleno é Professora Adjunta da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM).
E-mail: camilaheleno@gmail.com
Esteban Agulló-Tomás é Professor Titular do Departamento de Psicologia da Universidade de Oviedo, Espanha.
E-mail: estebanagullotomas@gmail.com
Livia Borges é Professora Titular aposentada da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), atuando no Programa de Pós-graduação em Psicologia. Bolsista em produtividade em pesquisa pelo CNPq (PQ-1A).
E-mail: liviadeoliveira@gmail.com

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