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Revista Brasileira de Orientação Profissional

versão On-line ISSN 1984-7270

Rev. bras. orientac. prof vol.21 no.2 Campinas jul./dez. 2020

http://dx.doi.org/10.26707/1984-7270/2020v21n207 

10.26707/1984-7270/2020v21n207

ARTIGO

 

Teoria da Psicologia do Trabalhar: uma perspectiva inclusiva para orientação de carreira

 

The Psychology of Working Theory: an inclusive perspective for career guidance

 

Teoría de la Psicología del Trabajo: una perspectiva inclusiva para la orientación profesional

 

 

Fernanda Mendes PiresI; Marcelo Afonso RibeiroII; Alexsandro Luiz de AndradeIII

IUniversidade Federal do Espírito Santo, Vitória, ES, Brasil
IIUniversidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
IIIUniversidade Federal do Espírito Santo, Vitória, ES, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O artigo apresenta e discute a Teoria da Psicologia do Trabalhar (TPT), demonstrando sua relevância para as teorias de carreira e sua pertinência no atual mundo do trabalho e contexto brasileiro. A TPT abarca a experiência de trabalhar de todas as pessoas, inclusive grupos em desvantagem socioeconômica e cultural, enfatizando múltiplos fatores contextuais que afetam o acesso e as experiências de trabalho. O trabalho decente é proposto como central para a teoria e discutem-se os preditores contextuais, mediadores psicológicos e econômicos, bem como os moderadores e os resultados que fundamentam a TPT. Este debate contribui com os desafios contemporâneos, trazendo implicações teóricas, para políticas públicas e para o campo da orientação profissional e de carreira.

Palavras-chave: orientação vocacional; vulnerabilidade; justiça social; autodeterminação, psicologia do trabalhar.


ABSTRACT

This article presents and discusses the PWT (Psychology of Working Theory), highlighting its relevance for the career theories and its pertinence in the current working world and in the Brazilian context. The PWT proposition is to embrace the experience of working of all people, including groups at socioeconomic and cultural disadvantage, emphasizing multiple contextual factors that affect the access and experiences of work. Decent work is proposed as central to the theory, and contextual predictors, psychological and economical mediators are discussed, as well as the moderators and the outcomes that constitute the PWT. This debate contributes to the contemporary challenges, pointing out implications for theory, public policies and career guidance and counseling.

Keywords: vocational guidance, vulnerability, social justice, self-determination, psychology of working.


RESUMEN

El propósito de este artículo es presentar y discutir la TPT (Teoría de la psicología del trabajo), demostrando su relevancia para las teorías de carrera y para el mundo laboral actual y el contexto brasileño. TPT propone adoptar la experiencia de trabajar para todas las personas, incluidos los grupos en desventaja socioeconómica y cultural, destacando los múltiples factores contextuales que afectan el acceso y las experiencias laborales. Propone el trabajo decente como elemento central de la teoría y discute los predictores contextuales, los mediadores psicológicos y económicos, así como los moderadores y los resultados que subyacen a la TPT. Este debate contribuye a los desafíos contemporáneos, trayendo implicaciones teóricas, para las políticas públicas y para el campo de la orientación profesional y de la carrera.

Palabras clave: orientación vocacional, vulnerabilidad, justicia social, autodeterminación, psicología del trabajo.


 

 

Introdução

Vivemos hoje em um mundo globalizado e marcado pela contradição de avanços econômicos e tecnológicos enquanto as sociedades testemunham constantes desafios que envolvem pobreza, desigualdade, desemprego, terrorismo, pressões migratórias, crises climáticas e pandemias sem fronteiras (Organização das Nações Unidas [ONU], 2014). Com atenção ao mundo do trabalho, os desafios envolvem precarização, vínculos intermitentes, terceirização e contratação em modalidade Pessoa Jurídica (pejotização) (Organização Internacional do Trabalho [OIT], 2019), cenário a ser agravado pelas consequências econômicas e sociais da pandemia do Coronavírus iniciada no ano de 2020.

De forma análoga aos desafios globais, no Brasil, as adversidades e pluralismos no mercado de trabalho são evidenciados pelas 11,9 milhões de pessoas que enfrentam o desemprego (11,2% da força de trabalho), 26,4 milhões de pessoas subutilizadas e 4,7 milhões que desistiram de procurar por trabalho - os desalentados - com número em franco crescimento nos últimos anos (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE], 2020). Acrescenta-se ao cenário do país o fato de que as leis trabalhistas e previdenciárias foram revisadas, criando uma flexibilização de trabalho geradora de precarização para uma grande maioria.

Indo ao encontro destas preocupações, The Psychology of Working Theory (PWT), traduzida no presente estudo como a Teoria da Psicologia do Trabalhar (TPT), se concentra na experiência psicossocial do trabalhar (Blustein, 2001). Para o autor, usa-se o termo trabalhar em vez de trabalho, fortalecendo uma concepção mais dinâmica que remete ao ato da experiência de uma pessoa em dado contexto e como uma dimensão relacional (Blustein, 2006).

Proposta inicialmente como um quadro teórico por Blustein (2001, 2006, 2013), importante autor contemporâneo do campo da orientação profissional e de carreira (OPC), a TPT propõe abarcar todos aqueles que trabalham (empregados, autônomos, empreendedores, trabalhadores do cuidado, informais, precarizados, subempregados) e que querem trabalhar (desempregados e desalentados) (Blustein, 2019). A justificativa central para a construção da TPT é a de que não há estudos, até o momento, que expliquem adequadamente as experiências de trabalhar das pessoas nos “degraus inferiores da escada da posição social”, isto é, pessoas sem acesso a capital financeiro e social, marginalizadas por questões de preconceito (por exemplo, racismo, sexismo, homofobia), e pessoas forçadas a fazer transições involuntárias em sua trajetória de trabalhar (Duffy, Blustein, Diemer & Autin, 2016, p. 127).

Além disso, a TPT, sem negar a relevância dos fatores subjetivos, atribui importância central aos fatores contextuais como primários na experiência de trabalhar, visto que a inequidade (ONU, 2014) e a tendência a atribuir baixos níveis de realização profissional a características dos indivíduos, negligenciam os múltiplos fatores externos e estruturais, explícitos ou implícitos, que afetam o desenvolvimento de carreira (Diemer & Ali, 2009; Duffy et al., 2016). A TPT reconhece que convivem neste mundo diferentes formas de opressão política e social, como racismo, sexismo e classismo, e que exercem grande influência na distribuição e no acesso a recursos, suportes e possibilidades para as pessoas (Blustein, 2006).

Esta perspectiva recebeu uma proposição de modelo teórico por Blustein em parceria com Duffy, Diemer e Autin (Duffy et al., 2016) e a sua apresentação é o foco principal deste artigo. Desta forma, o objetivo deste trabalho é apresentar a TPT, demonstrando sua relevância no cenário das teorias de carreira, bem como destacar a sua pertinência diante das atuais configurações do mundo do trabalho e do contexto brasileiro. O artigo se justifica visto que não há nenhum texto no Brasil que sistematize esta teoria, com exceção de uma breve apresentação do quadro teórico por Silva (2011), mas sem incluir o modelo teórico publicado em 2016. Seria, portanto, a introdução de um pensamento reconhecido internacionalmente no campo da OPC e que dialoga de forma pertinente ao contexto social e de trabalho no Brasil.

Antecedentes da Teoria da Psicologia do Trabalhar

As primeiras concepções teóricas sobre carreira são datadas de 1909, quando Frank Parsons buscava maior eficiência e satisfação com um método calcado no ajustamento entre pessoa e ocupação (Parsons, 1909, 2005). Desta proposta inicial foram desenvolvidas algumas teorias como a Teoria do Ajuste do Trabalho, que também enfatizava o alinhamento e a interação entre pessoa e ambiente (Dawis, 2005), e a Teoria da Personalidade Vocacional, desenvolvida por John Holland (1997), que adicionou ao debate a preocupação com a forma pela qual as pessoas interagem com o ambiente do trabalho e como as características de ambos resultam em ajustamentos e escolhas vocacionais adequados.

Super (1980) propôs um novo enfoque para a compreensão das carreiras redirecionando este debate para a perspectiva desenvolvimentista ao apresentar a teoria Life Span / Life Space – Ciclo de Vida e Espaço de Vida, que explica o desenvolvimento de carreira e ações adaptativas diante de diferentes etapas do ciclo vital – life span – e os diferentes papéis – life space. Savickas (2002) expande a proposição de Super (1980) para uma visão de mundo mais dinâmica e imprevisível, em que questões contextuais e sociais passam a influenciar mais fortemente o desenvolvimento de carreira num entrelaçamento com dinâmicas da vida pessoal, passando a nomear este processo de construção da carreira.

Destacando a relação do contexto com a construção da carreira, duas teorias forneceram embasamento para a construção da TPT (Duffy et al., 2016). Em princípio, a Teoria de Circunscrição e Comprometimento (Gottfredson, 2005) entende que a pessoa descarta ou agrega possibilidades de ocupações socialmente aceitáveis, ou inaceitáveis, e é mais comum que construa uma zona de alternativas ocupacionais de acordo com seu nicho na sociedade (por exemplo, sexo e posição social exercendo grande influência nos padrões vocacionais). E, adicionalmente, a Teoria Social Cognitiva (Lent, 2013) que enfatiza o complexo quebra-cabeça da carreira em que pessoas, seus comportamentos e ambiente se influenciam, passando a reconhecer, por vezes, uma sobreposição do ambiente à agência humana (por exemplo, qualidade educacional, estilo parental e saúde ou deficiência física).

Sob a perspectiva individual e objetiva, reconhece-se que as trajetórias de carreira hoje são mais instáveis, descontínuas e autogeridas, o que tem afetado uma gama cada vez maior de trabalhadores (Lent, 2013). Como exemplo, segundo Hall (2002), tem-se as carreiras proteanas, nas quais enfatiza-se a lógica individual de autogerenciamento e direcionamento por valores, bem como as carreiras sem fronteiras, focando aspectos da mobilidade física e psicológica da pessoa ao longo de seu ciclo laboral para além dos limites institucionalizados, como uma organização ou uma profissão. Existem também as carreiras caleidoscópicas, que valorizam dimensões de crescimento, autonomia e equilíbrio entre domínios de vida pessoal e laboral.

Percorrer as teorias de carreira ao longo do século XX possibilita a integração de suas contribuições e perspectivas, tornando mais aprofundada a compreensão do que está em jogo quando se fala em desenvolvimento de carreira (Savickas, 2002). Para Swanson (2013), as teorias tradicionais debatem sobre a construção de trajetórias profissionais, sem questionar se esta é uma possibilidade para todos os trabalhadores e negligenciam as diferentes realidades econômicas e sociais.

Teorias de Carreira para Quem?

Diante do breve cenário contextual e evolução teórica apresentados, faz-se presente o questionamento sobre o quanto os estudos de carreira são realistas e apropriados a toda a população (McMahon, Watson, & Lee, 2019), visto que não indagam se as pessoas têm ou não condições de escolhas em relação ao trabalho (Swanson, 2013). As pesquisas neste campo estão tradicionalmente orientadas para grupos dominantes: homem branco europeu de classe média (McMahon et al., 2019; Prilleltensky & Stead, 2012; Richardson, 1993) conhecidos como colarinhos brancos (Blustein, 2006). Mesmo reconhecendo o progresso dos estudos com atenção a gênero, para Richardson (1993), é possível supor que a pequena representatividade de determinados grupos seja uma cegueira ao contexto social de raça, etnia e classe.

Compreende-se, por exemplo, que pessoas desempregadas ou pobres são resultados de um sistema maior que envolve questões culturais, econômicas e sociais, e não mero reflexo de deficiências pessoais (Stead, 2013). Limitar o debate à agência individual é uma narrativa simplista e sedutora, pois negligencia os fatores estruturais e supervaloriza a pessoa, como se houvesse acesso simétrico a recursos e oportunidade para todos (Diemer & Ali, 2009; Prilleltensky & Stead, 2012). Com isso, a crítica é de que as teorias tradicionais não dão atenção a um contexto sociocultural mais abrangente o que, por outro lado, gera oportunidade para ampliar o debate ao reconhecer as diferentes experiências de trabalho das pessoas e a natureza mutável do mercado e dos arranjos sociais (Swanson, 2013).

Esse aspecto já era, de certa forma, indicado por Richardson (1993), para quem o termo carreira implica algum tipo de progressão ao longo do tempo. Esta ênfase enviesa a operacionalização do termo a populações de classe média e alta, que têm acesso a oportunidades educacionais e ocupacionais que permitem este tipo de crescimento em suas trajetórias profissionais, como por exemplo, aumento da especialização do trabalho, busca por crescimento e aspirações em relação à sua atuação (Arulmani, 2014). De forma complementar, Blustein (2006) afirma que a definição de carreira apresentada por Super (1980), como uma sequência de posições ocupadas ao longo da vida, enraíza o termo em um contexto de pessoas com acesso à educação, provavelmente ricas e de países ocidentais avançados, não sendo uma configuração equitativa para as pessoas, etnias e grupos menos privilegiados.

Com isso, ao que tudo indica, a grande narrativa de carreira não nasceu para o trabalhador modal que luta para procurar emprego que pague por sua subsistência (Arulmani, 2014; Blustein, 2006). Tais críticas ao termo servem para destacar a distância entre este conceito e as pessoas que nunca tiveram a possibilidade de priorizar as decisões de carreira em suas vidas. Sabe-se que, na tentativa de ampliar a compreensão do termo carreira, Savickas (2002, 2009) recupera as múltiplas formas que o trabalhar pode ter, conceituando carreira como trajetórias de vida, nas quais as pessoas progressivamente projetam e constroem suas próprias vidas, incluindo suas experiências profissionais, estruturadas no modelo proposto pelo Life Design (Savickas et al., 2009). Ainda assim, Swanson (2013) afirma que o trabalho é uma função básica humana e não deveria se restringir a um significado de carreira, sendo, portanto, os estudos de carreira uma subcategoria dentro de um campo mais amplo dos estudos do trabalho.

Estas proposições não pretendem substituir a noção de carreira; contudo, vê-se “o trabalho como um conjunto de atividades que, em circunstâncias ideais, pode gerar maiores níveis de volição em opções educacionais e opções de trabalho, culminando em uma carreira” (Blustein, 2011, p. 3). A carreira é, assim, um trabalho imbuído do exercício volitivo em adequar-se, preparar-se e se desenvolver continuamente com potencial de realização pessoal, para além dos ganhos materiais (Arulmani, 2014). Mesmo reconhecendo que o termo carreira, em geral, é elitista e remete àqueles com diplomas universitários, desenvolvimento da vida profissional em empregos formais, com proteção de leis trabalhistas e renda formal e justa, Ribeiro e Fonçatti (2017) defendem que todos têm carreira e propõem nomear uma ampla variedade de trajetórias de vidas de trabalho como carreiras, para que se reconheçam as trajetórias de mais trabalhadores como válidas, com legitimidade social, em um movimento de inclusão e justiça social a partir da produção teórica.

Diante deste debate, a TPT ganha espaço. A proposição de uma perspectiva mais inclusiva para o trabalhar pretende reconhecer a relevância das teorias já existentes, e propõe-se a expandir ou reconstrui-las para uma faixa mais ampla da população (Blustein, 2001). A próxima seção discorrerá sobre tal proposição teórica, esmiuçando seus elementos e relações.

O Modelo Teórico da Psicologia do Trabalhar

A princípio, a Psicologia do Trabalhar era um quadro teórico (PWF – Psychology of Working Framework) e propunha-se como uma meta-perspectiva destinada a expandir o enfoque dos orientadores de carreira e gestores de políticas públicas (Blustein, Kenna, Gill, & Devoy, 2008; Silva, 2011), além de ser uma resposta às críticas de Richardson (1993) sobre o elitismo das teorias de carreira no campo da OPC. Não se relacionava a um grupo de estudiosos e tampouco se apresentava como uma proposição teórica, afirmando-se como uma perspectiva crítica aos estudos sobre carreira, que se dedicam às pessoas com privilégios no mundo do trabalho (Blustein, 2013). Estava mais próxima da discussão e do ativismo político para embasar políticas públicas em OPC (Blustein, 2006), por isso se definia como um quadro teórico, e não como uma teoria. Contudo, a perspectiva recebeu uma proposição teórica por Blustein em parceria com Duffy et al. (2016) e seus componentes são apresentados no decorrer deste estudo.

Inicialmente proposta por Blustein (2001), a TPT apresenta uma ênfase aos fatores socioculturais, tratando-os como primários para se compreender as decisões de trabalhar e carreira de todas as pessoas, mas, em particular, daquelas de origem pobre, sem privilégios e marginalizadas (Blustein, 2013; Duffy et al., 2016), o que a denota como uma proposição inclusiva (Blustein, 2001). Como já mencionado, a TPT propõe que tanto a dimensão individual, quanto a contextual/estrutural são importantes para a compreensão do trabalhar, das identidades e das carreiras, e o que irá explicar a experiência de trabalhar das pessoas é a relação entre estas duas dimensões, enfatizando seu enfoque relacional. A Figura 1 apresenta os preditores, os moderadores e os resultados do modelo teórico.

 

 

Especificamente, destacamos variáveis contextuais e psicológicas com a hipótese de prever trabalho decente seguro, variáveis com a hipótese de moderar as relações entre variáveis preditivas e trabalho decente, e variáveis com a hipótese de ser resultados da realização de um trabalho decente (Duffy et al., 2016, p. 131).

Entre os preditores, como dimensões contextuais/estruturais temos as restrições econômicas e a marginalização, e, como dimensões individuais, a volição de  trabalho e adaptabilidade de carreira. O trabalho decente seria a resultante relacional destas duas dimensões. Assim, de forma central está o trabalho decente, que se mostra basal para a análise dos resultados e impactos psicológicos do trabalhar. Na dimensão dos resultados do modelo, vê-se que os impactos da satisfação no trabalho e bem-estar na vida ocorrerão por meio do alcance da satisfação de três grupos de necessidades: de sobrevivência, de conexão social e de autodeterminação, satisfação esta decorrente do exercício do trabalho decente (Blustein, 2013; Duffy et al., 2016). Os moderadores são variáveis que alteram a direção ou fortalecem/enfraquecem dada relação entre preditores e resultados. Duffy et al. (2016) postulam quatro moderadores para o modelo, sendo dois de característica mais psicológica/individual (personalidade proativa e consciência crítica) e dois de característica mais contextual/estrutural (suporte social e condições econômicas).

Reconhece-se, prioritariamente, que forças sociais, econômicas e políticas influenciam a distribuição de recursos e possibilidades no mundo do trabalho (Blustein, 2001, 2006; Duffy et al., 2016). Além de ser uma nova perspectiva que pretende abarcar todos que trabalham e querem trabalhar, a teoria compreende que o trabalhar é central na vida e para a saúde mental das pessoas, e que entender esta experiência é essencial, mesmo que ocorra em diferentes contextos, tal como o trabalhar informal e o de cuidado (Blustein, 2013).

Conceitos de uma Nova Teoria

Blustein (2006), ao definir trabalhar, afirma que: a) funciona como meio para construção de identidade e senso de coerência em suas interações sociais, b) tem um significado pessoal a depender da cultura, c) envolve esforço, atividade e energia em tarefas para o social ou econômico, e; d) é constante na vida das pessoas. Nessa direção, trabalhar é parte natural e central da vida humana (Blustein, 2006), é fator chave para a segurança econômica e social, bem-estar material, igualdade de oportunidades e desenvolvimento humano, e também carrega significados de integração social, identidade e dignidade pessoal (OIT, 2015, 2019). Está positivamente associado com saúde e bem-estar (Blustein, Olle, Connors-Kellgren, & Diamonti, 2016), e, numa perspectiva macrossocial, surge como via fundamental para a superação da pobreza, de desigualdades e da exclusão social (OIT, 2015). Na prática, todos estes elementos podem estar entrelaçados (Blustein, 2006).

Convém destacar que pensar sobre o significado do trabalhar somente passa a ser tópico de preocupação para pesquisadores e organizações quando o sentido do próprio trabalhar parece ter desaparecido, estimulado pela crescente divisão e fragmentação das tarefas, princípios observados com a Revolução Industrial, em que se desconectaram esforços e resultados do trabalho (Blustein, 2006). Como abordado, diante de um cenário que lida constantemente com flexibilidade, trabalho temporário, precarização e desemprego (OIT, 2019), a reflexão sobre os desafios e as possibilidades de alcançar uma ocupação digna e decente torna-se, além de crítica, central para debater quaisquer aspectos relacionados ao trabalhar.

Trabalho Decente: um Conceito Central

O conceito de trabalho decente cunhado pela OIT em 1999 envolve “um trabalho produtivo e de qualidade em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade humanas” (OIT, 2015, p. 27). Embora Ribeiro, Silva e Figueiredo (2016) constatem que as definições remetem ao trabalho formal, o que não englobaria a atual multiplicidade de formas existentes de trabalhar, o trabalho decente deve abranger empregos formais, informais, autônomos e domésticos, abarcando segurança e condições saudáveis no ambiente de trabalho, segurança social, de renda e possibilidade de diálogo (Guai, 2003).

Em 2018, mais de um quarto dos trabalhadores em países de média e baixa renda viviam em moderada ou extrema pobreza, isto é, com menos de 3,2 dólares por dia (OIT, 2019); no caso do Brasil este valor representava na época 13,44 reais por dia. Este fato evidencia que não é qualquer tipo de trabalhar que tenderá a reduzir ou eliminar o quadro de desigualdade social, pois determinadas formas, condições e relações tendem, inclusive, a reproduzir e até perpetuar pobreza, discriminação e exclusão social (OIT, 2015). Nesse sentido, entende-se que há uma forte convergência entre o trabalho decente e a dignidade humana (OIT, 2015) e, por isso, o esforço em oportunizar esse acesso torna-se elementar (Blustein, Kenny, Di Fabio, & Guichard, 2019). Deve-se compreender o termo, não como um conceito científico, mas como um paradigma que orienta uma estratégia e táticas para sua promoção (OIT, 2015).

Blustein (2019) ao traçar um panorama contemporâneo do mundo do trabalho nos Estados Unidos, definiu cinco maneiras como o trabalhar acontece (ou não): precário (correspondente ao que se chama no Brasil de informal ou não-regulado), desemprego, subemprego, trabalho decente e trabalho decente com sentido e propósito. Isto posto, parece notório o motivo pelo qual o trabalho decente ganha centralidade no modelo teórico da TPT.

Relação entre Fatores Contextuais/Estruturais e Individuais: os Condicionantes do Acesso ao Trabalho Decente

A TPT procura reconhecer os fatores socioculturais como condicionantes do acesso ao trabalho decente. Para isso, a teoria destaca quatro preditores para alcançar um trabalho decente: dois preditores contextuais/estruturais (restrições econômicas e experiências de marginalização), e dois preditores individuais (capacidade de volição e adaptabilidade de carreira) (Duffy et al., 2016).

A restrição econômica dá ênfase ao status socioeconômico dos trabalhadores e busca compreender de que maneira este fator, objetivo ou subjetivo (Diemer & Ali, 2009), pode interferir no acesso ao trabalho decente. A classe social é uma das dimensões culturais mais significativas na vida das pessoas e pode ser definida como a posição de uma pessoa dentro de uma hierarquia econômica (Liu, 2013). Sabe-se que o classismo é uma forma de exclusão e rejeição social, tal qual racismo e sexismo, entretanto, diferente dos outros gatilhos, a marginalização provocada pelo classismo não carrega aspecto fenotípico, parece invisível, automático e até normativo no funcionamento social (Liu, 2013). O privilégio da posição social, por vezes, aparece moderado por outras formas de privilégio de identidade (Liu, 2013) e, por isso, Duffy et al. (2016) sugerem que haja interação entre marginalização e restrições econômicas. Ademais, sabe-se que os recursos econômicos não atuam de forma isolada, visto que repercutem no capital cultural e social e compõem o habitus de classe, também transmitido intergerações (Bourdieu, 2011). Para a TPT, as pessoas com maiores restrições econômicas terão menor probabilidade de garantir um trabalho decente (Duffy et al., 2016).

A marginalização pode ser compreendida como um rebaixamento de pessoas para uma posição social de menor poder (Duffy et al., 2016). A marginalização tem papel relevante no modelo, pois ela estabelece barreiras que podem ser evidentes ou sutis, e ameaçam o acesso ao trabalho decente, forçando, inclusive, os trabalhadores marginalizados a realizarem opções por ambientes que não lhes ofereçam proteção social. Para além da classe social, a TPT compreende outras formas de marginalização e discriminação interpessoal, tais como minorias raciais ou étnicas, minorias sexuais e de gênero, desempregados, pessoas com condições incapacitantes, mendigos e imigrantes.

A volição, por sua vez, representa a percepção individual de escolha na tomada de decisão de carreira, apesar das restrições (Steger, Dik, & Duffy, 2012). Sendo uma percepção, a volição tem origem nos fatos vividos e, por ser uma variável atitudinal maleável, também pode ser considerada como alvo para intervenções nos esforços de garantir um trabalho decente (Duffy et al., 2016). Pessoas que percebem altos níveis de volição em suas decisões sobre carreira têm maior satisfação com o trabalho, pois optam por trabalhar em congruência com suas preferências pessoais (Duffy, Autin, & Bott, 2015), podendo alcançar um trabalho significativo (Steger et al., 2012). Para o modelo da TPT, quanto maior a volição, maior é a probabilidade de se alcançar um trabalho decente, sendo que as experiências de marginalização e as restrições econômicas tendem a prever negativamente a volição (Duffy et al., 2016).

Por fim, a adaptabilidade de carreira, extraída do paradigma do Life Design, é um recurso psicossocial que envolve a autorregulação tanto de características individuais quanto em resposta a fatores contextuais (Johnston, 2018) e possibilita a prontidão para lidar com as questões previsíveis e imprevisíveis originárias ​​no mundo do trabalho (Savickas & Porfeli, 2012). A adaptabilidade é composta por 4 dimensões: preocupação com o futuro profissional, controle de si e do ambiente ao redor, curiosidade para explorar a si mesmo e diferentes cenários profissionais, e confiança em construir e implementar suas atividades e projeto de vida (Savickas & Porfeli, 2012). No modelo propositivo da TPT, entende-se que quanto mais alto o nível da adaptabilidade de carreira, maior é a probabilidade de a pessoa se engajar em um trabalho decente. Além disso, a experiência de marginalização e as restrições econômicas podem interferir negativamente nesta capacidade de adaptação (Duffy et al., 2016).

Atributos Individuais e Contextuais/Estruturais: a Moderação do Acesso ao Trabalho Decente

Vale observar que ao enfatizarem as condições contextuais e relacionais no modelo, os autores da TPT não excluem o entendimento de que as pessoas exercem influência sobre suas vidas. Lent (2013) afirma que crer na capacidade da pessoa em direcionar o seu próprio comportamento é um conceito libertador e não ignora que a interação entre pessoa e ambiente possibilite ou desabilite os caminhos para o trabalhar. Nesse sentido, a TPT entende que atributos pessoais e sociais podem alterar a direção e a força do impacto do contexto na capacidade de garantir um trabalho decente, com destaque para a personalidade proativa, a consciência crítica e o suporte social, como variáveis moderadoras de nível microindividual, e as condições econômicas (fatores do mercado de trabalho, tais como índices de desemprego) como uma variável macrossocial (Duffy et al., 2016).

Para Duffy e colegas (2016), a personalidade proativa representa a disposição individual para tomada de iniciativa. Por outro lado, ter consciência crítica significa analisar criticamente as contribuições sociais e estruturais relacionadas às inequidades compreendendo seu lugar nas relações sociais de poder e, também, em relação à eficácia política, o que envolve, além da reflexão, ações individuais e/ou coletivas. Ainda para esses autores, o suporte social é o grau em que as pessoas se sentem apoiadas pela família, amigos e redes de relacionamentos próximas. Estes três elementos do âmbito pessoal podem amortecer ou expandir os efeitos que as experiências de marginalização e restrições econômicas têm na percepção de volição de trabalho, adaptabilidade de carreira e a capacidade de conseguir um trabalho decente. E, além disso, tais variáveis podem ser pontos focais em orientações ou intervenções de carreira. Adicionalmente, as condições socioeconômicas também podem interferir no acesso ao trabalho decente. Caso se tenha um crescimento econômico, por exemplo, caem os níveis de desemprego e também os efeitos que as experiências de marginalização e as restrições econômicas podem produzir (Duffy et al., 2016).

Os Resultados do Acesso ao Trabalho Decente

O percurso do modelo teórico pressupõe que, para aquelas pessoas com o privilégio de obter um trabalho decente (Blustein, 2008), a atuação profissional poderá satisfazer necessidades de sobrevivência e de conexão social, além de proporcionar a experiência de autodeterminação. Como resultados, os impactos do atendimento destas satisfações podem gerar realização com o trabalhar e o bem-estar com a vida em geral (Duffy et al., 2016).

Para parte da sociedade, trabalhar está relacionado à sobrevivência como necessidade fundamental (Blustein, 2006). Sabe-se que é por meio do trabalho que as pessoas têm acesso a recursos monetários, físicos e de educação, o que também gera significado para desenvolvimento, consolidação e expressão das relações de poder social, muitas vezes, inconscientes (Blustein, 2006). Além disso, para o autor, trabalhar é conectar-se ao mundo social e que, para as pessoas sem muitas escolhas, as conexões relacionais são profundamente relevantes para o desenvolvimento de uma vida de trabalho digna e com significado (Blustein, 2011).

Ademais, o trabalhar fornece possibilidade à autodeterminação, que se refere à experiência de estar envolvido em atividades que sejam motivadoras (Duffy et al., 2016), assegurando o controle, a escolha e o planejamento da vida, incluindo os limites e as potencialidades psicossociais que o trabalhar produz. Vale destacar que são psicossociais porque são construídos na teia de relações indissociáveis entre pessoas e contextos (Blustein, 2011). Sabe-se que o trabalhar está longe de ser intrinsecamente motivador para muitas pessoas em todo o mundo; no entanto, um comportamento autêntico e autodeterminado pode ser produzido pelo próprio trabalhador se o contexto permitir que se sintam competentes para suas responsabilidades, estejam envolvidos por relações interpessoais e com autonomia de execução (Ryan & Deci, 2000).

Para o modelo teórico da TPT, o atendimento das necessidades de sobrevivência, conexão social e autodeterminação impactará em duas dimensões individuais: a realização com o trabalho e o bem-estar geral com a vida (Duffy et al., 2016). Pode-se compreender a satisfação com o trabalho como um construto pessoal, atrelado ao passado e ao presente (Macdonald & MacIntyre, 1997) e que expressa sentimentos positivos em relação ao trabalho, envolvendo aspectos cognitivos e afetivos (Judge & Kammeyer-Mueller, 2012). Já a satisfação com a vida pode ser compreendida como um julgamento cognitivo consciente sobre a vida em geral, não restrito ao trabalho, com critérios próprios e que estão à altura do que aquela pessoa considera como relevante (Pavot & Diener, 1985). Além do mais, é possível que os componentes do que é uma boa vida sejam semelhantes entre as pessoas, tal como saúde e relacionamentos, embora os pesos atribuídos aos componentes sejam diferentes (Pavot & Diener, 1985). Para a TPT, atender às necessidades de sobrevivência, conexões sociais e autodeterminação por meio do trabalho decente, prediz a percepção de satisfação com o trabalho e o bem-estar, além dos últimos estarem positivamente inter-relacionados (Duffy et al., 2016).

Implicações para a Prática da Orientação de Carreira e para as Políticas Públicas

A TPT oferta uma base empírica para efetivação de mudanças no nível individual e sistêmico (Blustein, Kenny, Autin, & Duffy, 2019). No nível individual, a TPT tende a estimular que os orientadores profissionais e de carreira se conscientizem a respeito das barreiras estruturais - econômicas, culturais e sociopolíticas - que impactam a história de vida e de carreira das pessoas. Inteirados de que acesso a recursos e sucesso na carreira estão ligados a características como classe social, raça e gênero, por exemplo, e não exclusivamente a habilidades e mérito individual, os orientadores podem propor intervenções mais aderentes e eficazes e não, inadvertidamente, em um discurso simplista (Prilleltensky & Stead, 2013), reforçar a opressão social já existente (Blustein et al., 2008) naqueles que sofrem e se culpam com os desafios relacionados ao trabalhar (Duffy et al., 2016). A prática psicológica inclusiva dos orientadores deve fomentar empoderamento, consciência crítica, engajamento proativo, isto é, os andaimes que apoiem a construção da volição e da adaptabilidade (Blustein et al., 2008; Blustein, Kenny, Autin et al., 2019). O orientador de carreira, bem como o psicoterapeuta, deve desenvolver uma conexão de escuta e preocupação genuína, ao mesmo tempo em que identifica as necessidades e dinâmica dos desafios do cliente (Blustein, Kenny, Autin et al., 2019).

A inclusividade, proposta pela TPT, envolve esforços para abordar questões mais sistêmicas, que podem implicar também em um posicionamento do orientador como um defensor e/ou agente de mudança social (Blustein, Kenny, Autin et al., 2019). Quanto à arena das políticas públicas, a TPT dá ênfase à crescente necessidade de defesa social do trabalho decente (Duffy et al., 2016). A Agenda de Trabalho Decente da OIT, por exemplo, promove políticas que aumentam e sustentam trabalho para todos, melhoria da proteção social, promoção de direitos e diálogo social entre trabalhadores, líderes governamentais, sindicatos e organizações do trabalho. Ademais, pesquisas, conversas e conscientização sobre a natureza dos sistemas econômicos que estruturam o trabalho e a carreira, além do envolvimento amplo da comunidade para criar mudança social, exemplificam caminhos para transformações no nível sistêmico (Blustein, Kenny, Autin et al., 2019).

Implicações para Futuros Estudos

Inicialmente, é importante destacar que os autores da Teoria recomendam observar o modelo debatido na Figura 1 com parcimônia, pois reconhecem que, na tentativa de propor uma estrutura simples para um desafio complexo, variáveis importantes podem estar ausentes, tal como saúde mental, e que futuras pesquisas integrarão evidências empíricas para a utilidade e continuidade desta discussão (Duffy et al., 2016). A respeito do campo de estudos sustentados pela TPT, Blustein (2001) sugere que as pesquisas privilegiem histórias de diversas experiências de trabalhar, para além da proeminente narrativa de carreira da classe média (Duffy et al., 2016). Sobre os aspectos metodológicos, sugere-se que abordagens qualitativas em profundidade sejam empregadas, tais como, observações, entrevistas, narrativas, análise de discurso, análise de conteúdo, análise temática, com destaque para o estímulo à produção de grounded theory (Blustein, 2001).

A partir de uma revisão sistemática nas bases de dados Scopus e Web of Science (Pires & Andrade, 2020), desde a primeira publicação de Blustein (2001), constata-se um crescimento de publicações e uma aceleração a partir de 2016, ano em que Duffy et al. (2016) propuseram a teoria. Além disso, periódicos de alto impacto, tais como Journal of Vocational Behavior, Journal of Career Assessment e Journal of Counseling Psychology têm aberto espaço para publicações. Duffy, Blustein, Autin e Allan, responsáveis pelo artigo central da TPT (Duffy et al., 2016), concentram as autorias dos estudos derivados, o que impacta na centralização norte-americana das publicações sobre esse tema. Tal concentração, todavia, tem se alterado, visto que é possível identificar explorações empíricas em outros países como Austrália, Turquia, África do Sul e Coréia do Sul.

Até o momento, os estudos quantitativos têm sido prevalentes, já que muitas publicações têm testado as hipóteses levantadas no modelo teórico da Psicologia do Trabalhar e explorado o desenvolvimento e a adaptação de medidas de autorrelato. Além disso, há um esforço internacional de adaptação do instrumento de medida do trabalho decente, já realizado na Suíça, Itália, Turquia, Inglaterra, Portugal, Brasil, Coréia do Sul e França (Pires & Andrade, 2020).

 

Considerações Finais

Neste artigo, foi possível observar que o modelo teórico da Psicologia do Trabalhar funciona como uma combinação de perspectivas psicológicas e sociológicas, por isso relacional (Duffy et al., 2016). A forma como se faz a distribuição de recursos e suporte para acesso ao trabalhar podem ser barreiras sociais de grande poder, e esta constatação compõe claramente o cenário da TPT (Blustein, 2006). E, ao que tudo indica, estudos com mais atenção aos fatores contextuais, e um olhar inclusivo que incorporem cada vez mais trabalhadores, mostram-se mais congruentes e contributivos com a realidade social e econômica contemporânea. Em termos práticos, a TPT apresenta-se como uma grande promessa para os orientadores e ativistas de desenvolvimento de carreira, visto que estimula mudanças no nível individual e sistêmico (Blustein, Kenny, Autin et al., 2019).

Sabe-se que é necessário reconhecer o contexto local ao construir teorias e conceitos (Ribeiro & Fonçatti, 2017). Desse modo, futuros estudos no contexto brasileiro poderão agregar insights peculiares de um país de cultura coletivista (Gouveia & Clemente, 2000; Brewer & Chen, 2007) e imerso em um contexto socioeconômico com altos índices de desemprego e aumento da informalidade nos vínculos de trabalho. Além de trazer uma nova perspectiva para o debate brasileiro sobre carreira, este artigo teve como objetivo apresentar a TPT aos pesquisadores locais, incentivando que estudos de trabalho e carreira sejam mais inclusivos e, cada vez, mais consistentes com a conjuntura do país.

Por ora, sugere-se àqueles interessados no assunto a leitura de Blustein (2001, 2006), Duffy et al. (2016) e Richardson (1993), textos seminais para compreensão e início da imersão no debate. Além disso, o monitoramento contínuo em reconhecidas bases de dados acadêmicas permitirá acompanhar o avanço exponencial pelo qual a TPT tem caminhado. Para finalizar, devem-se citar quatro propostas que almejam os mesmos objetivos da proposta da TPT, como forma de referendá-las. No contexto internacional, a perspectiva da orientação profissional e justiça social (Hooley & Sultana, 2016); no contexto latino-americano, a orientação profissional crítica (Rascován, 2005); e, no contexto brasileiro, a abordagem sociohistórica (Bock, 2002) e a proposta intercultural (Silva, Paiva, & Ribeiro, 2016). Ao que parece, cresce o número de estudos mais inclusivos de carreira e, concomitantemente, ecoam vozes do ambiente social sinalizando que não podemos deixar ninguém para trás (ONU, 2014).

 

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Endereço para correspondência:
Programa de Pós-Graduação em Psicologia - Av. Fernando Ferrari, nº 514, Campus Universitário de Goiabeiras/ UFES - CEMUNI VI Vitória, ES, Brasil, 29075-910.

Recebido: 14/07/2020
1ª reformulação: 10/08/2020
Aceito: 31/08/2020

 

 

Sobre os autores:
Fernanda Mendes Pires é administradora e doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1964-5357 E-mail: fermpires@gmail.com
Marcelo Afonso Ribeiro é doutor e livre docente em psicologia social, atualmente docente do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. ORCID: http://orcid.org/0000-0002-0396-7693 E-mail: marcelopsi@usp.br
Alexsandro Luiz de Andrade é Psicólogo e Doutor em Psicologia. Professor da Universidade Federal do Espírito Santo. Recebe apoio de pesquisa Fapes e Cnpq. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4953-0363. E-mail: alexsandro.deandrade@yahoo.com

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