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Revista Brasileira de Orientação Profissional

versão On-line ISSN 1984-7270

Rev. bras. orientac. prof vol.22 no.2 Campinas jul./dez. 2021

http://dx.doi.org/10.26707/1984-7270/2021v22n205 

10.26707/1984-7270/2021v22n205

ARTIGO

 

Seleção e Orientação Profissional nos Arquivos Brasileiros de Psicotécnica

 

Recruitment and selection in the Arquivos Brasileiros de Psicotécnica

 

Selección y Orientación profesional en los Arquivos Brasileiros de Psicotécnica

 

 

Karla Lacerda GomesI; Rodrigo Lopes MirandaI; Sérgio Dias CirinoII

IUniversidade Católica Dom Bosco (UCDB)
IIUniversidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Esta pesquisa bibliométrica historiciza aspectos da Psicologia Organizacional e do Trabalho, no Brasil. Ela descreve e analisa publicações associadas à Seleção Profissional, nos Arquivos Brasileiros de Psicotécnica (1949-1968). Os resultados apontam o desenvolvimento da Psicologia em organizações, a partir da atuação de profissionais que utilizavam de métodos e técnicas da Psicologia, principalmente da Psicometria. Eles buscavam compreender as habilidades e tendências do trabalhador, e seu ajustamento às condições do trabalho. Isso ocorreu em momento socioeconômico brasileiro que requisitou conhecimentos e práticas da Psicologia fossem para a "modernização" nacional, utilizando métodos e técnicas aplicadas à seleção que, por sua vez, articulavam-se com o zeitgeist de regulamentação da profissão e formação em Psicologia, no Brasil.

Palavras-chave: História da Psicologia; Bibliometria; Psicologia Aplicada; Psicologia Organizacional e do Trabalho


ABSTRACT

This bibliometric research historicizes aspects of the Organizational and Occupational Psychology in Brazil. It describes and analyzes publications associated with the Recruitment and Selection, in the Arquivos Brasileiros de Psicotécnica (1949-1968). The results point out the development of Psychology in organizations, based on professionals' performance who applied Psychology methods and techniques mainly Psychometrics. They meant to understand the worker's skills and tendencies, and their adjustment to work conditions. This occurred in a Brazilian socioeconomic moment that required Psychology knowledge and practices either for the national "modernization", using methods and techniques applied to the selection which, in turn, were articulated with the zeitgeist  of  the profession regulation and the formation in Psychology, in  Brazil.

Keywords: History of Psychology; Bibliometrics; Applied Psychology; Organizational and Work Psychology


RESUMEN

Esta investigación bibliométrica historiza aspectos de la psicología organizacional y del trabajo en Brasil. Describe y analiza publicaciones asociadas a la Selección Profesional, en los Arquivos Brasileiros de Psicotécnica (1949-1968). Los resultados apuntan al desarrollo de la psicología en las organizaciones, basada en el desempeño de profesionales que utilizaron métodos y técnicas de psicología, principalmente psicometría. Intentaron comprender las habilidades y tendencias del trabajador, y su adaptación a las condiciones de trabajo. Esto ocurrió en un momento socioeconómico brasileño que requería conocimientos y prácticas de Psicología para ir a la "modernización" nacional, utilizando métodos y técnicas aplicadas a la selección que, a su vez, se articuló con el espíritu de regulación de la profesión y la formación en Psicología, en el Brasil

Palabras clave: Historia de la Psicología; Bibliometria; Psicología Aplicada; Psicología de las Organizaciones y del Trabajo


 

 

Introdução

Há vários anos historiadores da Psicologia têm utilizado alternativas metodológicas de natureza quantitativa ou mista para compreender fontes serializáveis, tais como as publicações científicas (Bratt, Engelen, van Gemert & Verhaegh, 2020; Araújo, Saraiva, & Carvalho Neto, 2019), as citações a autores (Brožek, 1991) e as revistas científicas (Klappenbach, 2009). Esse tipo de estudo enseja discussões sobre os impactos de abordagens bibliométricas (Klappenbach, 2017). Assim, assume-se que os veículos de comunicação científica, sobretudo os periódicos e seus artigos, constituíram-se como um vetor primordial de acesso à informação das comunidades científicas (Baldwin, 2018). A partir de tais fontes, tornar-se-ia possível avaliar como um conjunto de cientistas organizavam e debatiam os achados mais recentes de seu campo e, assim, seria factível analisar aspectos sociais da produção da ciência. Ou seja, as fontes serializáveis nos permitiriam observar a conformação de comunidades científicas, estilos de pensamento, culturas de produção científicas, entre outros aspectos constitutivos da ciência.

Estudos contemporâneos têm utilizado periódicos latino-americanos para lançar uma luz historiográfica sobre aspectos da Psicologia, na região (Fernandez, Polanco, Pereira, Beria & Zapico, 2017; Polanco, Beria & Klappenbach, 2017). A par de tais investigações, há aquelas que focalizam a história das disciplinas Psi – Psicologia, Psiquiatria e Psicanálise -, no Brasil (Mota, Castro, & Miranda, 2016; Mota & Miranda, 2017; Xavier & Miranda, 2018). Os resultados desses estudos indicam a heterogeneidade de referenciais teóricos que circulavam entre as décadas de 1930 e 1970, aspectos das influências intelectuais daqueles envolvidos com o campo, características da produção intelectual –tal como a autoria–, entre outros. Eles nos parecem particularmente relevantes porque se tem atentado para uma periodização no entorno da regulamentação da profissão e da formação em Psicologia, no país, em 1962. Portanto, tais investigações ensejam a compreensão de certas condições do passado, que estabeleceram funções específicas para o profissional da Psicologia e que, ainda hoje, regulam a formação e a atuação dos psicólogos brasileiros. Assim, esses trabalhos bibliométricos, com enfoques historiográficos, têm mapeado características mais gerais das comunidades científicas, vinculados que estão à produção Psi no Brasil. Eles possibilitam sairmos de narrativas exclusivamente biográficas, institucionais ou intelectuais e, dessa forma, complementam nossa compreensão sobre a história, no país.

Nessa direção, este artigo objetiva descrever e analisar características das produções veiculadas nos Arquivos Brasileiros de Psicotécnica (ABP), durante sua existência, entre os anos 1949 e 1968. Particularmente, o estudo focaliza produções vinculadas à Psicologia Aplicada ao Trabalho e, mais especificamente, os artigos sobre Seleção Profissional. Dessa forma, o periódico foi selecionado por ser um dos primeiros da área no Brasil a divulgar estudos referentes à relação entre o indivíduo e seu ambiente de trabalho, e como esta impactava na vida do trabalhador como um todo e na própria sociedade, além de estar completamente disponível online. Essas produções foram destacadas por considerarem ter sido esse campo de atuação um dos que impactaram fortemente a formação e a profissão de Psicologia, no Brasil (Antunes, 2017). Particularmente, no que tange à Seleção Profissional, lê-se na Lei No. 4.119/62 – aquela que regulamenta a formação e a profissão de Psicologia no Brasil - que uma das funções privativas do psicólogo seria o uso de "métodos e técnicas psicológicas [para] a orientação e seleção profissional." Melhor esclarecendo, ela parecia ser uma prática eminente daqueles envolvidos com o campo. Metodologicamente, esta é uma pesquisa bibliométrica (Klappenbach, 2017), inserida na interface entre uma História Crítica da Psicologia (Burman, 2017) e uma História Social da Psicologia (Portugal, Facchinetti, & Castro, 2018).

Para atingir o objetivo proposto, este texto está organizado em duas seções: (a) em que se apresenta um panorama socioeconômico do Brasil, à época, e como isso se articula com a criação dos ABP e (b) na qual se respondem a três questões centrais, endereçadas às fontes de pesquisa – quem eram os autores que assinavam tais artigos, qual era o assunto abordado nos artigos e quais eram as influências intelectuais que ali circulavam. Ao final, estima-se apresentar que tais produções coadunavam com o momento social, cultural, econômico e político do Brasil, no período. Inclusive, seus conteúdos sinalizavam impactos da conformação de uma Psicologia aplicada ao trabalho, naquele horizonte social brasileiro.

Os Arquivos Brasileiros de Psicotécnica e o corpus documental da pesquisa

A organização racional do trabalho e os Arquivos Brasileiros de Psicotécnica

Ao longo da história do Brasil, intensas transformações econômicas, políticas e sociais, decorrentes do processo de industrialização, afetaram diretamente a forma de vida no modo de produção capitalista e, por conseguinte, as relações de trabalho (Zanelli, Borges-Andrade, & Bastos, 2004). Essas mudanças impactaram na constituição da identidade dos trabalhadores, como também na formação e comportamentos das sociedades, principalmente a partir da Revolução Industrial, no final do século XVIII, na Europa e, no Brasil, a partir de 1840, com a inicialização do processo industrial. O contexto de industrialização brasileira foi marcado pelas Primeira e Segunda Guerras Mundiais, consideradas um impulsionador indireto do crescimento industrial. Todavia, foi durante os governos de Getúlio Vargas (1930-1945/1951-1954) e de Juscelino Kubitschek (1956 – 1961) que surgiram as bases da modernização política, econômica e administrativa do país, em função dos investimentos do Estado, da empresa privada brasileira e do capital estrangeiro, exigindo-se, assim, o aprimoramento da mão de obra disponível para uma maior capacidade produtiva. Em função dos impactos nas relações e condições de trabalho advindas dessas transformações econômicas, bem como nos métodos de gestão adaptados à realidade brasileira, buscaram-se as contribuições de profissionais vinculados a diferentes áreas, dentre elas a Psicologia. Suas pesquisas e intervenções mantinham interesses voltados para a Psicologia Aplicada ao Trabalho e seus textos e práticas difundiram o conhecimento na área (Antunes, 2017).

Concomitantemente, com o objetivo de discutir o processo de industrialização do país e dar suporte ao seu crescimento, por meio da pesquisa e da formação educacional de mão de obra, foi criado, no Brasil, na década de 1930, o Instituto de Organização Racional do Trabalho (IDORT) e, posteriormente, em 1947, o Instituto de Seleção e Orientação Profissional (ISOP), que tinha como objetivo contribuir com estudos voltados às organizações de trabalho por meio de métodos e procedimentos científicos (Sparta, 2003). Os trabalhos desenvolvidos no ISOP foram marcantes no desenvolvimento da Psicologia Aplicada quando de sua valorização como um vetor na formação de mão-de-obra qualificada para a indústria nacional (Castro & Alcântara, 2011; Seidl-de-Moura, 2011). Além disso, eles foram pioneiros na formação de especialistas em seleção e orientação profissional e influenciaram na conformação de associações de Psicologia, na proposição de projetos de regulamentação da profissão de psicólogo, dentre outros.

Nas palavras de Franco Seminério, um dos membros do ISOP,

Não havia qualquer tipo de serviço destinado ao público para ministrar as técnicas essenciais da psicologia aplicada ao trabalho: a orientação e a seleção profissional. ...Coube ao ISOP implantar de forma sistemática essas técnicas, que abriria ao público, um tipo de atendimento que podia se considerar realmente novo naquela época em nossa comunidade (Seminério, 1973, p.112).

Aqueles estudos, então, impactariam na construção de instrumentos válidos no sentido de auxiliar, com capacitações técnicas, a solucionar problemas humanos no trabalho (Abade, 2005).

Sob a supervisão técnica de Emílio Mira y Lopez, o ISOP passou a contribuir para o ajustamento entre o trabalhador e o trabalho, mediante o estudo científico das aptidões e vocações do primeiro e dos requisitos psicofisiológicos do segundo. É importante salientar o papel desempenhado por Mira y López na América Latina no geral e, no Brasil, em particular (Jacó-Vilela & Rodrigues, 2014). No ISOP, ele criou possibilidades de articulação do trabalho científico com questões cotidianas e, assim, promovia uma perspectiva de ações práticas para a sua solução de problemas concernentes à psicologia aplicada. Mais particularmente, o autor foi influente no estudo do "fator humano" na racionalidade técnica que se instituía junto ao modo de produção brasileiro graças à política econômica de substituição de importações. Nesta seara, pode desenvolver mecanismos de compreensão do ser humano a partir de medidas psicométricas como, por exemplo, na criação do Psicodiagnóstico Miocinético (PMK) para avaliação de personalidade (Jacó-Vilela, 2004).

Nesse cenário, em 1949, o ISOP lançou os Arquivos Brasileiros de Psicotécnica (ABP), que tinham por função, entre outras, divulgar estudos relacionados à díade pessoa-trabalho e suas repercussões no indivíduo, no ambiente organizacional e na sociedade, considerando aspectos produtivos, de saúde e qualidade de vida, das relações sociais, entre outros vieses pertinentes à interação homem-trabalho (Abade, 2005; Sparta, 2003). Mira y López foi seu editor até 1964, quando de seu falecimento.

Constituição do corpus documental

A escolha dos artigos veiculados nos ABP e, mais especificamente aqueles com temas relacionados Seleção Profissional, deve-se a alguns fatores. Primeiramente, na história da ciência, nota-se que os artigos científicos e, consequentemente, os periódicos, conformaram-se com o tipo de comunicação mais eficiente, direcionada a uma comunidade científica (Baldwin, 2018). Em segundo lugar, o tempo de existência do periódico, entre 1949 e 1968, auxilia em mapear produções da Psicologia Aplicada ao Trabalho, em um contexto de "modernização" nacional e, particularmente, de institucionalização da profissão e formação em Psicologia, no Brasil, com a promulgação da Lei No. 4.119/1962. Em terceiro lugar, vale lembrar que nesta Lei, estava como função privativa do psicólogo o uso de métodos e técnicas psicológicas com o objetivo de seleção e orientação profissional (cf. Art 13º, § 1º). Ademais, as fontes primárias (e.g., Seminério, 1973) e a bibliografia (e.g., Castro & Alcântara, 2011; Seidl-de-Moura, 2011) consultadas sinalizam que a "psicologia aplicada ao trabalho" era caracterizada pela "seleção e orientação profissional." Dessa forma, aquelas produções publicadas nos ABP e interessadas na Seleção Profissional poderiam nos aproximar das condições de produção da Psicologia, o que impactaria a sua conformação legal, no país. Por fim, o recorte temporal compreende o período de existência do periódico que, embora tenha tido continuações, modificou suas vinculações e objetivos, seja com os Arquivos Brasileiros de Psicologia Aplicada (ABPA; circulante entre 1969 e 1978), seja com os Arquivos Brasileiros de Psicologia, ainda em circulação.

O acesso ao periódico se deu entre fevereiro e março de 2019, por meio de uma consulta à Biblioteca Virtual da Faculdade Getúlio Vargas (FGV) onde os textos estão disponibilizados. Os ABP publicaram, durante sua existência, 1238 textos que podem ser categorizados como resenhas, artigos originais, comunicações de eventos, dentre outros. Em 1969, os ABPA classificaram os manuscritos publicados pelos ABP a partir de sua categoria temática, tais como Psicologia do Trabalho, Psicologia Clínica etc. A partir desta categorização dos textos, 122 foram identificados tendo como tema a Psicologia do Trabalho que, por sua vez, subdividia-se em outras cinco subcategorias: Geral (n=36); Análise Profissiográfica (n=23); Grupos Profissionais (n=23); Seleção (n=28); Readaptação/Reabilitação (n=8) e Prevenção dos Acidentes (n=4). Tais identificações advêm dos ABPA que, em 1969, publicaram o "Índice Remissivo da Matéria Publicada nos Arquivos Brasileiros de Psicotécnica, 1949-1968", categorizando as publicações do período, por assunto. Dessa maneira, a categoria Psicologia do Trabalho e suas eventuais subcategorias são produtos de autores vinculados aos referidos periódicos, à exceção da categoria Geral, que foi assim denominada, pelos pesquisadores envolvidos na investigação, para uma melhor organização do estudo, haja vista que os títulos não foram designados a nenhuma subcategorização específica, pelo próprio periódico (Figura 1).

A tabulação das publicações foi realizada em planilha do Microsoft Excel e organizada a partir de informações provenientes da fonte, por título, autor, gênero, instituição, informações gerais, idioma, volume, ano, número e página da publicação. Com o objetivo de aprofundar metodologicamente as análises, as publicações que apresentaram referências bibliográficas também tiveram as mesmas tabuladas, como forma de identificar influências intelectuais daqueles autores, à época. Além disso, os 28 artigos que compõem o corpus documental desta pesquisa foram lidos na íntegra e analisados a partir de seu conteúdo (Tabela 1). A contar de tal leitura, procuramos responder, basicamente, a três questões: (a) quem eram os autores de tais publicações, o que auxiliaria a ver os atores sociais vinculados à Psicologia Aplicada ao Trabalho e, particularmente, à Seleção; (b) quais as temáticas de interesse, o que contribuiria para mapear os objetos, os instrumentos de trabalho e a possibilidade de Psicologia Aplicada produzidos por tais autores e (c) quais as suas referências intelectuais, como elementos que ajudariam na reflexão sobre potenciais conceitos e marcos teóricos que circulavam, no país, à época.

 

 

Resultados e Discussão

Quem eram os autores das publicações?

A partir da mensuração e análise das 28 fontes primárias, referentes à categoria Seleção (Tabela 1), observamos que o padrão de autoria era singular, com 70% (n= 21) das fontes assinadas por uma única pessoa e apenas sete artigos por duas, ou mais. Esta característica parece ser um padrão da escrita científica brasileira à época e, particularmente, no campo Psi – Psicologia, Psiquiatria e Psicanálise (Mota, Castro, & Miranda, 2016; Mota & Miranda, 2017; Xavier & Miranda, 2018). Outro elemento que pode ser observado, no que tange à autoria, é o gênero, em que se nota que 70% (n= 14) dos autores principais era do sexo masculino e apenas 30% (n= 7) correspondia ao feminino. Esta característica chama a atenção, uma vez que ela não se coaduna com o perfil tradicionalmente feminino na Psicologia no Brasil. Estudos anteriores mostram que havia uma preponderância feminina em publicações relacionadas à Psicologia, desde a década de 1950. Tais estudos, inclusive, utilizam o mesmo periódico, mas outra categoria temática (Mota & Miranda, 2017). Na década de 1980, por sinal, havia um total de 87% de psicólogas registradas no Conselho Federal de Psicologia (CFP), indicando a prevalência feminina no campo profissional (Lhulier, 2013). O dado ora encontrado precisa ser melhor investigado, mas sugere que poderia haver uma correlação entre gênero e campo de atuação e interesse da Psicologia a depender do sexo.

Ao se observar a formação de tais autores, nota-se que eles advinham de diferentes áreas, tais como Engenharia (Roberto Mangé), Psiquiatria (Mira y Lopez), Psicologia (Mira y Lopez e Francisco Campos), Pedagogia (Helena Antipoff), Enfermagem (Ermengarda de Faria Alvim), entre outros. Isso reflete a multiplicidade de perfis que atuavam no cenário da Psicologia brasileira, à época. Como a formação em Psicologia, no país, só ocorreria de forma institucionalizada a partir da década de 1950, estimava-se que a formação daqueles personagens fosse variada e não vinculada, necessariamente, à Psicologia (Antunes, 2017). Essa multiplicidade de formações atuando em um mesmo campo auxilia, até mesmo, a compreender o cenário de tensionamentos da Psicologia brasileira, naquele tempo. Entre as décadas de 1950 e 1960, houve um conjunto de controvérsias entre variadas profissões para o delineamento da formação e da profissão de psicólogo, no país (Rudá, Coutinho, & Almeida Filho, 2015). Esse tipo de debate, que também ocorreu em outros lugares do mundo (ver; Amouroux, 2017; Buchanan, 2003; Klappenbach, 2000), abordava as funções privativas do psicólogo que implicariam, entre outras, em um mercado de trabalho e em uma delimitação de campos de atuação profissional. Assim, se diferentes áreas atuavam em um mesmo campo, haveria tensionamentos no momento de estabelecer certas fronteiras, as quais, por sua vez, esclareceriam os limites e possibilidades de cada profissional. Os dados advindos dos ABP, no que tange à Seleção, sugerem que o campo organizacional e do trabalho era ocupado por diferentes profissionais que, em sua atuação, operavam com a Psicologia e seus métodos e técnicas. Como não existia a formação em Psicologia, como graduação, os primeiros "psicólogos" eram graduados em outras profissões. Muitos deles com mestrado ou doutorado em psicologia realizado no exterior. Dessa forma, pode-se hipotetizar que ali, também, seria um campo de tensionamentos do fazer da Psicologia.

Ainda no que se refere à autoria, nota-se que 20 pessoas assinaram os 28 artigos como autores principais. Desse total, quatro se destacam com, aproximadamente, 39% (n=11) de publicações a saber Francisco Campos (n= 5), Emilio Mira y López (n= 2), Franco Lo Presti Seminério (n= 2) e José Astolpho Amorim (n= 2). Desses, ganha notoriedade Francisco Campos. Poucas informações foram encontradas sobre ele, o que faz com que se levante a hipótese de que seja um personagem ainda pouco historicizado, na história da Psicologia brasileira. Sobre ele, sabe-se que era psicólogo, foi Chefe da Divisão de Seleção do ISOP do Rio de Janeiro por 30 anos, e veio de Madrid, Espanha, para o Brasil, a convite de Mira y López.

Outro ponto de destaque que se observou nas publicações, é que 57,1% (n=16) dos autores não indicavam estar vinculados a nenhuma instituição acadêmica. Concluindo, a hipótese aqui levantada, a partir das análises das publicações, é que eles atuavam em organizações diversas – públicas ou privadas – em Psicologia Aplicada, e suas publicações se originavam a partir dos estudos realizados em seu próprio ambiente de trabalho ou onde prestavam serviços. Todavia, daqueles que sinalizaram filiação institucional, havia uma prevalência do próprio ISOP. Com isso, a hipótese levantada é que os ABP, que eram um veículo de comunicação do ISOP, possam ter buscado evidenciar os estudos e intervenções desenvolvidos pelo próprio instituto e seus profissionais como modo de fomentar sua visibilidade no cenário nacional. Essa característica enseja, inclusive, ao pioneirismo das produções do ISOP no que se refere à Psicologia Aplicada ao contexto do Trabalho e, mais particularmente, na Seleção e Orientação Profissional. Entretanto, esta interpretação precisa ser melhor explorada, já que estudos anteriores, que utilizaram o mesmo periódico, embora com enfoque em outras temáticas, não chegaram à mesma conclusão (e.g., Mota & Miranda, 2017). Ou seja, para outras temáticas, os trabalhos e ingerências dos ABP pareciam não ser uma "vitrine" para os trabalhos do próprio ISOP, mas, sim, constituíam um veículo de comunicação de pessoas que atuavam e pesquisavam, em diferentes campos da Psicologia. Assim, futuras pesquisas que mapeiem a totalidade de publicações da referida revista podem ajudar a compreender a sua correlação com o ISOP, para além de abrigar sua editoria.

Quais eram os assuntos abordados pelos autores?

A partir da leitura dos 28 textos, foi confeccionada a Tabela 2, que sumariza a frequência de temáticas categorizadas pelos responsáveis por essa investigação. Sua observação sinaliza que aproximadamente 42% (n=12) das publicações discutiam sobre a contribuição de testes psicológicos para a seleção de pessoas e, logo em seguida, em termos de frequência, quase 18% (n=5) discutiam sobre fundamentos técnicos e teóricos dos processos seletivos (e.g. Santos, 1959). As demais temáticas, tais como o desenvolvimento de baterias de testes para avaliação de cargos, apesar de menos frequentes, conectam-se aos elementos que apareciam de forma mais acentuada (e.g. Tavares, Siqueira, Costa, & Rodrigues, 1960). Esses resultados, portanto, sugerem que o desenvolvimento da Psicologia Aplicada ao Trabalho, principalmente no que compete à Seleção, esteve conectado ao uso de métodos e técnicas psicométricas:

Há duas bases de trabalho igualmente respeitáveis no que se refere aos métodos psicológicos de seleção de pessoal: a corrente psicométrica e a corrente clínica... a característica fundamental do método psicométrico é a comparação dos perfis individuais, representados pelos escores dos testes, com as normas ocupacionais que simbolizam, sob certos aspectos, o perfil ou o normotipo profissional... A corrente clínica usa os mesmos testes e os mesmos princípios psicométricos, mas os resultados das provas são analisados e interpretados em função da dinâmica do comportamento, isto é, da ação múltipla dos fatôres [sic] sociais e pessoais que condicionam as reações dos indivíduos... o uso de testes e provas psicológicas é, senão o melhor, pelo menos o recurso de maior segurança de que atualmente se dispõe para seleção de pessoal. Walther, Super, Berrien, Tiffin, Lawshe, Thorndike e muitos outros citam estudos dos mais variados pelos quais é possível verificar que o emprêgo [sic] de técnicas psicológicas de seleção supera os alcançados pelos processos tradicionais ou pelo recrutamento ocasional. (Santos, 1959, p. 45 – 46)

Anualmente, desde 1957, logo após a matrícula, todos os cadetes do Curso Básico são submetidos aos testes de Aptidão e Personalidade. Isso se verifica pela aplicação dos: Bateria de Classificação do Exército, Bateria de Testes de Aptidão Geral, Teste Z, Árvore e Figura Humana. Apurado o nível mental pela Área 1 da BCEx (Bateria de Classificação do Exército), o que dá a inteligência geral através de uma composição entre os fatores verbal, abstrato e espacial. (Tavares, Siqueira, Costa, & Rodrigues, 1960, p.1)

 

 

Observou-se que os estudos da temática Seleção estavam relacionados, diretamente, com o próprio desenvolvimento da psicotécnica (Psicometria). De acordo com a literatura, tais estudos se apropriavam e desenvolviam instrumentos capazes de avaliar constructos psicológicos, tais como personalidade, atenção, relacionamento interpessoal, agressividade, psicomotricidade, entre outros (Zanelli, Borges-Andrade, & Bastos, 2004; Motta, 2004). Além disso, a leitura das 28 publicações sugere que os métodos e técnicas psicológicas se mostravam úteis a diferentes públicos, tais como costureiras, motoristas, enfermeiros e astronautas. Essa característica pode dizer de certo zeitgeist da Psicologia à época e, particularmente, no país. Estudos recentes (Miranda, Rota Junior, Baker, & Cirino, 2016) indicam que havia forte presença de aparatos vinculados à psicometria na história da Psicologia brasileira, sobretudo naquela que se ancorava em tal materialidade para se apresentar como ciência. Inclusive, alguns autores (Buchanan, 2003) sinalizam que a forte conexão entre Psicologia e testes mentais ocorreria não apenas no cenário de uma psicologia científica, institucionalizada, mas também na prática de uma Psicologia Aplicada. Nessa direção, vê-se o artigo "O Psicodiagnóstico Miocinético na Seleção de Motoristas" (Vieira, Amorim & Carvalho, 1956):

Os resultados apresentados pela prova de personalidade dos motoristas apontam como imprescindível êsse [sic] exame; de preferência realizado a nosso ver pelo Psicodiagnóstico Miocinético, pelas vantagens que apresenta: facilidade de aplicação, impossibilidade de aprendizagem, não exige do examinando nível cultural e outras que deixamos de enumerar. Estas vantagens tornam indicada a aplicação do P. M. K. nos exames de seleção para profissões que exijam o conhecimento da personalidade. (p.58)

Assim, os métodos e técnicas psicológicas apareciam como aspectos centrais da atuação daqueles vinculados a uma Psicologia Aplicada ao campo do Trabalho, sendo utilizados por uma variada gama de profissionais, viabilizando a compreensão de processos sociocomportamentais dos trabalhadores, com a finalidade de adaptação do desempenho humano às atividades laborais e aos fluxos racionalizados e sistematizados de produção (Malvezzi, 1979). Esta observação se coaduna com as temáticas e as formas com que aquelas pessoas, que publicavam nos ABP, lidavam com a relação trabalhador-trabalho. A partir da leitura do material, nota-se que, por vezes, as pesquisas tinham um enfoque mais direcionado ao trabalho do que ao próprio trabalhador, ou seja, o foco era atender às demandas de produtividade que impulsionassem o crescimento econômico, mantendo o "bem-estar" do trabalhador em uma perspectiva secundária. A pessoa certa, no lugar certo e ajustada ao trabalho, parecia ser o ponto central no período da industrialização brasileira. Nesse cenário, a Psicologia que circulava nos ABP conformava tal acepção (Malvezzi, 2010; Motta, 2004). Na mesma direção, nota-se, por exemplo, o título "A seleção como processo de ajustamento do homem ao trabalho", de Fanny Winicki, cujo trabalho norteava e promovia a reflexão sobre o trabalho do psicólogo na análise das características e habilidades do trabalhador, visando ao seu ajustamento às condições específicas do cargo na empresa. Ainda nessa seara, lê-se, em Santos (1959):

A seleção... vê menos o interêsse [sic] do indivíduo do que o da emprêsa [sic] ou entidade. Esta sobrepõe-se aos interêsses [sic] individuais; o seu objetivo imediato é o satisfatório ajustamento a um grupo social... O conceito de seleção é evidente. É o processo pelo qual escolhemos os melhores elementos para participarem de um grupo operacional. Seleção nem sempre significa escolher os que revelam aptidões ou capacidades nos seus índices mais elevados. É simplesmente, a escolha dos melhores, daqueles que mais convêm a um determinado plano de ação, pois que, muitas vezes [sic], os escolhidos não são os de nível mais elevado e sim os mais adequados a uma situação predeterminada (p. 40).

Dessa forma, as fontes do período sugerem que a seleção profissional implicava em uma relação da pessoa selecionada para um "grupo social" que precisava, por seu caráter laboral, ser "operacional." A seleção ocorreria de forma a evidenciar, primordialmente, o interesse da empresa e, para tanto, o foco poderia ser tanto o sujeito com as "capacidades nos seus índices mais elevados" quanto aquele que "mais [conviesse] a um determinado plano de ação." A pessoa, por sua vez, parecia ficar em segundo plano.

Entretanto, aquela concepção das relações trabalhador-trabalho não se desenvolvia de forma única. Campos (1957), por exemplo, diz:

A seleção se propõe, é claro, prevenir problemas de adaptação, focalizando o 'lado humano', o que nem sempre se equivale ao 'aspecto humano'. Significamos por 'lado humano' a adaptação do homem ao trabalho, quando, às vezes, seria mais humano adaptar o trabalho ao homem. (p. 1)

Assim, a psicometria surgia para compreender o impacto da realização das respectivas atividades para o bem-estar físico, psicológico e social do trabalhador e, preferencialmente, para adaptá-lo ao contexto laboral. O desenvolvimento de tais estudos poderia repercutir, ainda, em treinamentos que influenciassem os processos de aprendizagem e as adequações ao ambiente de trabalho, visando a um maior rendimento. Considerando que as fontes documentais não fornecem maiores informações, novos estudos poderiam ser feitos, com o intuito de compreender as concepções de relação trabalhor-trabalho, nos ABP.

O que aqueles autores liam?

Uma busca mais detalhada do corpus documental da pesquisa apontou a ausência de referências bibliográficas em mais de 82% (n=23) dos textos analisados. Essa ausência de referências claras parecia ser um padrão da escrita científica daqueles envolvidos com o campo Psi no Brasil à época (Mota, Castro, & Miranda, 2016; Mota & Miranda, 2017). Assim, só foi possível analisar as referências mencionadas por cinco publicações; portanto, isso nos permitiu mapear apenas certas influências intelectuais, ali, em circulação, a partir daqueles textos que fizeram menção a tal aspecto. Essas cinco produções foram responsáveis pela citação de 147 obras diferentes, assinadas por 128 autores (considerando apenas primeira autoria). Do total de 128 autores, foram feitas 186 citações e, desse montante, nove concentravam, aproximadamente, 29% delas (Tabela 3).

 

 

Três pontos chamaram a atenção, nesse conjunto de informações. Primeiramente, percebe-se que a prevalência masculina, entre os autores, citados também está presente. Isso pode sugerir que o campo da Psicologia Aplicada ao Trabalho era, à época, marcadamente masculino. Além disso, esta prevalência de citações a homens pode se referir a uma tendência histórica, na ciência no geral e na Psicologia, em específico, de citar homens em detrimento a mulheres (Kohlstedt, 1995). Em segundo lugar, nota-se a concentração de citações em Mira y Lopez, que pode se dever ao seu papel central no ISOP, bem como à sua figura de editor dos ABP. Isso poderia se dever, ainda, à sua contribuição na área de seleção e orientação profissional (Jacó-Vilela, 2004). Todavia, há um detalhe: uma única publicação foi responsável por 21 citações à Mira y Lopez. Em todas as demais, encontramos citações à Cinira Miranda Menezes, Alfredo de Oliveira Pereira, Maria C. Grompone, Anibal Silveira, Cesar Coronel, José A. Bustamante, Pedro Parafita Bessa (cf. Vieira, Amorim & Carvalho, 1956). Por fim, todos os autores que foram recorrentemente citados faziam parte do corpo técnico do ISOP. O fato nos leva a crer que a sua menção poderia reforçar o impulsionamento técnico do próprio instituto, promovendo, talvez, de maneira indireta, uma espécie de "núcleo-duro." Isso iria na direção da interpretação feita outrora: os ABP, pelo menos no que tange à rubrica Seleção, pareciam funcionar como "vitrine" da produção do próprio ISOP. Todavia, essa características precisa ser melhor investigada, já que a presença maciça de citações ao próprio corpo de autores do ISOP pode estar relacionada à carência de investigadores no país quanto ao modelo de veiculação de informação, à época.

Ao se analisar os idiomas das 148 publicações referenciadas, destaca-se uma maior incidência das publicações em português e em espanhol: 41% (n=62) e 25% (n=38) de incidências, respectivamente, quando comparadas àquelas em inglês (21%, n=31), por exemplo (Tabela 4). Esse resultado pode estar relacionado ao número de estudos desenvolvidos pelo ISOP que foram citados em português-brasileiro. Do total de referências em português-brasileiro, 42% (n=26) eram estudos desenvolvidos por membros do próprio ISOP. Os estudos publicados em espanhol parecem ter relação com a utilização do PMK que, por sua vez, está vinculado a Mira y Lopez. Nessa direção, vale ressaltar que há indícios de forte desenvolvimento de uma Psicotécnica no mundo do trabalho, na América Latina, a partir de influências espanholas (Gallegos, 2018). Essa influência, no caso do ISOP e, especificamente, nos artigos de Seleção dos ABP, poderia se originar da própria influência de Mira y Lopez, bem como do papel de pessoas que ele congregava. Cite-se, a título de exemplo, Francisco Campos, que foi o autor com maior frequência de publicação no periódico, considerando a rubrica analisada. A incidência secundária do inglês chama a atenção, visto que o segundo e terceiro quartis do século XX marcaram, para a Psicologia, uma mudança das influências intelectuais de uma matriz europeia – eminentemente francesa – para a inglesa, prioritariamente dos EUA (Campos, Jacó-Vilela, & Massimi, 2010). Além disso, vale lembrar que um importante vetor de desenvolvimento de trabalho, no campo da Psicologia Aplicada ao Trabalho, sobretudo de Seleção, foi a atuação de Hugo Münsterberg, nos Estados Unidos da América - EUA (Zanelli, Borges-Andrade, & Bastos, 2004). Nesse aspecto, identifica-se a necessidade de ampliação da pesquisa, com o objetivo de alcançar uma melhor identificação da influência de pesquisas anglofônicas como ancoragem intelectual para os estudos brasileiros, vinculados ao campo.

 

Considerações Finais

A presente pesquisa objetivou descrever e analisar aspectos da Psicologia Aplicada ao Trabalho que circularam nos ABP durante sua existência, tendo como foco de análises as publicações categorizadas pelo periódico como Seleção Profissional. Estabeleceram-se como norteadores dessas análises: (a) quem eram os autores que publicavam nos ABP com a rubrica Seleção? (b) as publicações abordavam quais assuntos? e (c) quais eram suas influências intelectuais?

Os resultados encontrados mostraram que houve uma predominância de autores do sexo masculino. Tal característica pode ser um perfil do campo de atuação em específico, uma vez que, no Brasil, havia uma predominância feminina nas publicações da época, contradizendo, no entanto, o que se esperava. Também foi identificado um perfil de temáticas vinculadas fortemente à psicometria e, além disso, um interesse maior pela adaptação do trabalhador ao trabalho. No que se refere às influências intelectuais dos autores, a maioria dos que publicavam sobre Seleção Profissional estavam vinculados ao ISOP e mencionavam, em seus trabalhos, citações do próprio ISOP, sugerindo que, para tal temática, a revista parecia ser uma "vitrine" para o seu trabalho.

Cabe ressaltar que, entre os achados nas fontes primárias, também foi possível observar que havia uma compreensão da importância da Psicologia Aplicada ao Trabalho, a partir de uma apropriação crítica de seus métodos e técnicas, que impactavam na compreensão da díade trabalhador-trabalho, bem como subsidiava uma melhor análise e desenvolvimento de formas de gestão. A atuação do psicólogo permitiu o estabelecimento de perfis profissionais (perfil profissiográfico) e a promoção de condições do desenvolvimento do trabalhador, conduzindo as investigações de habilidades e tendências de comportamento, visando ao ajustamento do trabalhador às condições específicas dos cargos. Entretanto, observou-se um enfoque racionalista e tecnicista por parte dos psicólogos, visando atender aos anseios produtivos e econômicos impulsionados pelo desenvolvimento industrial brasileiro, enquanto outra parte buscava, em suas pesquisas, um viés mais humanista. Essas visões por vezes dicotômicas, mas não contraditórias, foram necessárias para a construção do campo da Psicologia Organizacional e do Trabalho e para as suas formas de atuação.

À guisa de conclusão, acredita-se ser indispensável sinalizar as limitações deste estudo. Primeiramente, foi analisado apenas um periódico e, portanto, não é possível generalizar os resultados para outros periódicos gerais (e.g., Ciência e Cultura) ou específicos (e.g., Boletim de Psicologia), que circulavam concomitantemente aos ABP. Em segundo lugar, a categoria Psicologia do Trabalho perfaz, aproximadamente, apenas 10% do total de textos publicados no periódico. Assim, não é possível extrapolar as características daqueles atores e suas discussões para o campo geral da Psicologia, no Brasil à época. Novos estudos precisam ser realizados, utilizando outros periódicos, outros veículos de comunicação científica – tais como os Anais de eventos – e um corpus documental mais extenso. Tais modificações podem auxiliar na direção de uma compreensão mais sólida das características apresentadas na presente investigação. De toda sorte, acredita-se que foi possível observar como tais aspectos coadunavam com o momento social, cultural, econômico e político do Brasil à época. Esse contexto criava condições para a conformação de uma Psicologia científica aplicada ao trabalho que, por sua vez, mostrava sua pertinência pelo uso de métodos e técnicas aplicadas à Seleção Profissional. Essa interpretação, por sua vez, fornece indícios para uma compreensão mais robusta do contexto de regulamentação da profissão e da formação em Psicologia, no Brasil, como estabelecido pela Lei 4119/62.

 

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Endereço para correspondência:
Universidade Católica Dom Bosco
Programa de Pós-graduação em Psicologia
Av Tamandaré 6000, Jd. Seminário
CEP: 79117-900
Email: rlmiranda@ucdb.br

Recebido: 01/02/2021
1ª reformulação: 26/05/2021
2ª reformulação: 22/06/2021
Aceito: 22/11/2021

 

 

Sobre os autores:
Karla Lacerda Gomes é Mestre em Psicologia da Saúde pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB - 2020). Pós Graduação em Gestão Estratégica de RH pela Uniderp (2011) e em Avaliação Psicológica pelo IPOG (2016). Psicóloga pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS – 2006) com atuação na área Organizacional e do Trabalho e Avaliação Psicológica nesse contexto.
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7058-5417
E-mail: karlalacerda@hotmail.com
Rodrigo Lopes Miranda é Professor do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). Presidente da Sociedade Brasileira de História da Psicologia (SBHP). Bolsista de Produtividade 2 do CNPq.
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3222-7368
E-mail: rlmiranda@ucdb.br
Sérgio Dias Cirino é Professor Titular no Departamento de Psicologia da UFMG e Residente do Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares (IEAT) da UFMG. Bolsista de Produtividade 2 do CNPq.
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5835-0068
E-mail: sergiocirino99@yahoo.com

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