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Revista Brasileira de Orientação Profissional

On-line version ISSN 1984-7270

Rev. bras. orientac. prof vol.22 no.2 Campinas July/Dec. 2021

http://dx.doi.org/10.26707/1984-7270/2021v22n207 

10.26707/1984-7270/2021v22n207

ARTIGO

 

Carreira militar no Instituto Tecnológico de Aeronáutica: representações sociais de alunos ingressantes

 

Military career at the Aeronautics Institute of Technology: social representations of incoming students

 

Carrera militar en el Instituto Tecnológico de Aeronáutica: representaciones sociales de los estudiantes entrantes

 

 

Marta Maria TellesI; Marina Miranda Lery SantosII; Cristiane Pessôa da CunhaIII

IUNIFA, Universidade da Força Aérea, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
IIICEA, Instituto de Controle do Espaço Aéreo, São José dos Campos, SP, Brasil
IIIITA, Instituto Tecnológico de Aeronáutica, São José dos Campos, SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo do estudo foi investigar, sob a vertente da Teoria das Representações Sociais, os fatores que orientaram a escolha profissional de universitários pela carreira militar de engenharia no Instituto Tecnológico de Aeronáutica e quais são suas inquietudes e temores com relação à profissão escolhida. Foram entrevistados 31 alunos pertencentes às turmas ingressantes nos anos de 2018 e 2019. No processamento dos dados utilizou-se o software NVivo12, que se baseia na análise de conteúdo. Os resultados apontaram que a representação social da carreira militar é construída em meio à constante revisão das escolhas para o futuro e o lugar conferido a ela na trajetória profissional dependerá da confiança, da utilidade e da relação estabelecida entre felicidade e trabalho.

Palavras-chave: escolha profissional; estudantes universitários; projeto de vida; aspirações profissionais; representações sociais.


ABSTRACT

The objective of the study was to investigate, under the Social Representation Theory, the factors that guided the professional choice of university students for the military engineering career at the Aeronautics Institute of Technology and what are their concerns and fears regarding the chosen profession. Thirty one freshman students were interviewed in the years 2018 and 2019. For data processing, the NVivo12 software was used, which is based on content analysis. The results showed that the social representation of the military career is built amid a constant review of the choices for the future, and the place given to it in the professional trajectory depends on confidence, utility and the relationship established between happiness and work.

Keywords: occupational choice; college students; life project; occupational aspirations; social representation.


RESUMEN

El estudio investigó, bajo la Teoría de Representación Social, factores que orientaron la elección profesional de los estudiantes universitarios por la carrera de ingeniería militar en el Instituto Tecnológico de Aeronáutica y cuáles sus inquietudes y temores con respecto a la profesión elegida. Se entrevistó a 31 estudiantes de las clases entrantes en 2018 y 2019. Se utilizó el software NVivo12, basado en análisis de contenido (Bardin, 2016), para procesar los datos. Los resultados mostraron que la representación social de la carrera militar se construye en medio revisión constante de opciones para el futuro, y el lugar que se le otorgue en la trayectoria profesional dependerá de confianza, utilidad y la relación que se establezca entre felicidad y trabajo.

Palabras clave: escogimiento profesional; estudiantes universitarios; proyecto de vida; aspiraciones profesionales; representación social.


 

 

Introdução

O objetivo deste estudo foi investigar, sob a vertente da Teoria das Representações Sociais, os fatores que orientaram a escolha profissional pela carreira militar de engenharia de estudantes universitários ingressantes no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), nos anos de 2018 e 2019.

A escolha profissional tem sido objeto de estudo no âmbito internacional e também no Brasil. Estudos recentes consideram aspectos como, por exemplo, a maturidade para escolha profissional (Neiva, Silva, Miranda & Esteves, 2005; Bordão-Alves & Melo-Silva, 2008), a relação entre a crença de autoeficácia e interesse profissional (Guerreiro-Casanova & Polydoro, 2011; Murgo, Barros & Sena, 2020), o perfil de estudantes (Zazula & Appenzeller, 2019), e a relação entre a orientação profissional e a realização (Tintaya Condori, 2016).

Outras pesquisas relacionam a escolha profissional à construção de projetos de vida, com foco na transmissão geracional da profissão na família (De Almeida & Magalhães, 2011), e nas relações entre estilos parentais, interesses profissionais e indecisão de adolescentes (Murgo, Barros & Sena, 2018).

Embora vários estudos abordem os interesses ou motivações para a escolha de uma carreira específica (e.g. Oliveira, Barreto, Souza & Calbino, 2011; Sales e Chamon, 2011; Silva, Martins e Rocha, 2016), quando se trata da carreira militar as pesquisas são mais direcionadas à experiência profissional, focando em aspectos como gênero, (Araujo & Roso, 2019; Santos & Rocha-Coutinho, 2010), stress, comprometimento (Martins, 2013; Oliveira & Bardagi, 2009), evasão (Rossi, 2001) e motivação (Takahashi, Lemos & Souza, 2015; Raimundo & Neto, 2017), este último ligado aos fatores considerados para a permanência na carreira.

Neste trabalho, optou-se por abordar a escolha da carreira militar pela vertente da Teoria das Representações Sociais (TRS), entendendo que no campo da educação a representação das tarefas profissionais pode ser estudada a partir das "[...] representações compartilhadas na sociedade que constituem o recurso mental dos agentes no momento de sua entrada na formação [...]" e por meio das "[...] representações socioprofissionais que são delineadas no curso da formação [...]" (Jodelet, 2011, p. 25).

Considerando que "a representação é um pensamento prático posto ao serviço da satisfação e da justificação das necessidades, interesses e valores do grupo que o produz" (Jodelet, 2003, p.102), esta pesquisa contribui com o campo da orientação profissional à medida em que a abordagem da TRS abre caminho para entender a "versão" da realidade sobre e com a qual os jovens direcionam suas escolhas profissionais.

Muitos estudos recentes na área da orientação profissional (e.g. Neiva et al 2005; Murgo et al, 2020, 2018; Zazula & Appenzeller, 2019; Tintaya Condori, 2016) foram desenvolvidos a partir de métodos quantitativos e variáveis analisadas por meio de escalas e questionários. Embora tenham trazido contribuições relevantes, vislumbrou-se a possibilidade de discutir a orientação profissional a partir de uma análise dimensional (Jodelet, 2003) do conjunto de informações, conhecimentos, crenças, imagens, discursos, presentes no entorno social dos alunos que, compartilhados, constituem a representação social da carreira militar, avançando, em relação aos estudos já publicados, por se tratar de uma perspectiva teórico-metodológica que possibilita a ressignificação de saberes e a elaboração coletiva.

Assim, buscou-se compreender, a partir do pensamento espontâneo que emerge do cotidiano, as representações sociais construídas pelos alunos que fizeram a opção pela carreira militar ao prestarem o vestibular do ITA, com o intuito de identificar quais fatores orientaram suas escolhas profissionais e quais são suas inquietações em relação à escolha realizada.

O Instituto Tecnológico de Aeronáutica

O ITA está subordinado ao Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial, um complexo de pesquisa e desenvolvimento tecnológico do Comando da Aeronáutica.

Anualmente, o vestibular seleciona candidatos para o preenchimento de vagas no Curso de Graduação em Engenharia e composição do Quadro de Oficiais Engenheiros (QOEng) da Ativa (carreira militar) e da Reserva (carreira civil). Dividido em Curso Fundamental (1º e 2º anos) e Curso Profissional (3º, 4º e 5º anos), são oferecidas seis Engenharias: Aeronáutica; Eletrônica; de Computação; Mecânica-Aeronáutica; Civil-Aeronáutica e Aeroespacial.

A escolha por vaga privativa, destinada à carreira militar, ou por vaga ordinária, destinada à carreira civil, nos anos de ingresso dos participantes deste estudo, foi realizada no momento da inscrição no vestibular, sem a possibilidade de mudança, no caso dos aprovados que optaram pela carreira militar.

Os candidatos aprovados são classificados dentro do número de vagas fixadas e matriculados compulsoriamente no Curso de Preparação de Oficiais da Reserva, ministrado pelo Centro de Preparação de Oficiais da Reserva da Aeronáutica de São José dos Campos (CPORAER-SJ). Durante o 1º ano do Curso Fundamental todos os alunos cumprem o Serviço Militar. A partir do 2º ano, apenas os pertencentes às vagas privativas permanecem com instruções semanais de cunho militar.

 

Método

O estudo foi realizado no ITA junto aos alunos ingressantes. Em atendimento aos procedimentos éticos, destaca-se que o estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), do Instituto de Ciência e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista (UNESP), Campus de São José dos Campos, e aprovado por meio do Parecer Consubstanciado nº 3.908.585.

Participantes

De um total de 54 alunos, 27 deles ingressantes em 2018 e outros 27 ingressantes em 2019, participaram do estudo 16 voluntários de cada uma das turmas, totalizando 32 participantes. Uma entrevista precisou ser descartada, pois um voluntário ingressante em 2019 não cumpria o requisito de ser optante pela carreira militar.

Dos 31 alunos que colaboraram com o estudo, 29 são do gênero masculino e dois do gênero feminino, o que se justifica pelo fato de apenas três mulheres terem feito a opção pela carreira militar na turma de 2019 e duas mulheres na turma de 2018. Há estudantes oriundos das cinco regiões do Brasil e a média de idade dos participantes é de 20,72 anos. Destaca-se que 17 deles tomou conhecimento do ITA por meio da escola onde estudavam ou de cursinhos pré-vestibular. Seis participantes tomaram conhecimento por amigos, três por familiares e cinco pela Internet e feiras de exposição. A grande maioria (25) realizou o vestibular do ITA três vezes ou mais até ser aprovado.

Instrumentos

Elaborou-se um Roteiro contendo as perguntas (1) Quais são suas opiniões, crenças, ideias e sentimentos sobre a carreira militar?; (2) Poderia explicar o que o levou a optar pela carreira militar?; (3) Como avalia, hoje, a sua escolha pela carreira militar?; (4) Quais são suas inquietudes e temores com relação à carreira militar? e aplicou-se entrevistas semiestruturadas, a fim de explorar a variedade de pontos de vista sobre as escolhas profissionais dos alunos do ITA.

Procedimentos

Os alunos selecionados foram reunidos durante o horário regular das atividades militares e informados a respeito da pesquisa. Quando da realização da coleta dos dados, os voluntários que se apresentaram, leram e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Para caracterizar o perfil dos participantes, solicitou-se o preenchimento dos dados demográficos idade, gênero, naturalidade, quantas vezes prestaram vestibular para o ITA e como tomaram conhecimento da Instituição. As entrevistas semiestruturadas, com duração média de 40 minutos, foram realizadas nas dependências do CPORAER-SJ considerando a disponibilidade daquele Centro, bem como os compromissos acadêmicos dos voluntários.

Gravadas e transcritas na íntegra, os textos resultantes das entrevistas foram importados para o NVivo 12, programa que processa dados com base na análise de conteúdo (Bardin, 2016). Antes da importação procedeu-se à correção ortográfica para a verificação de inconsistências textuais. Em seguida, iniciou-se o trabalho de identificação de temas comuns, a partir das respostas às perguntas propostas nas entrevistas. Ao final desse levantamento, foram nomeadas as categorias Carreira Militar e Inquietudes.

 

Resultados

Com base na frequência das palavras que compõem o corpus textual inserido no software, diferentes modelos de visualização dos resultados foram gerados pelo NVivo12 e, entre eles, optou-se pela apresentação da nuvem de palavras que permite identificar, além daquelas mais relevantes, o contexto em que aparecem nos posicionamentos dos entrevistados.

Na Discussão são apresentados recortes das falas e, no intuito de garantir a confidencialidade das identidades, cada participante foi identificado com código composto pelo ano da turma e número correspondente à ordem da entrevista.

 

Discussão

Entendendo que "[...] o conhecimento emerge do mundo onde as pessoas se encontram e interagem [...]" (Moscovici, 2003, p. 9), volta-se o olhar para "a forma de saber", para o conteúdo do pensamento (Jodelet, 2001) dos alunos sobre a carreira militar.

Para acessar esse conteúdo buscou-se conhecer crenças, valores, opiniões e sentimentos sobre a carreira militar, elementos constituintes da representação (Jodelet, 2001). Também interessou conhecer as motivações para a escolha profissional e a avaliação, hoje, sobre ela, posto que, segundo Jodelet (2001, p. 17) "[...] elementos informativos, cognitivos, ideológicos, normativos, crenças, valores, atitudes, opiniões ou imagens são [...] organizados sempre sob a aparência de um saber que diz algo sobre o estado da realidade."

Voltando a atenção para a identificação desses elementos verificam-se, a partir das palavras disciplina, militarismo e hierarquia (Figura 1), pistas para as formas de saber dos alunos pesquisados.

 

 

Entre os ingressantes em 2019, apenas um deles não soube expressar opiniões sobre a carreira militar, o mesmo ocorrendo com um ingressante em 2018, que assim se posicionou.

[...] eu não tenho uma opinião formada, sintética sobre o que é a carreira militar, eu vivenciei muito pouco (2018_12).

Com base nas respostas, constatou-se a relação da carreira militar com os preceitos hierarquia e disciplina, bem como sua relação com "um estilo de vida diferente", o qual "envolve vocação", como ilustram as falas.

[...] então é algo que também envolve vocação, essa é a palavra. Você tem que ter um pouco de vocação também e um estilo de vida totalmente diferente, porque se você pensar nas leis trabalhistas, por exemplo, a gente não tem carteira assinada, não tem horários fixos. O militar é militar vinte e quatro horas por dia, como dizem, e tem que estar sempre à disposição [...] (2019_08).

Então, eu gosto bastante do jeito, eu acho que falta até isso, disciplina e hierarquia serem ensinados mais cedo em algumas escolas, porque eu acho que é um problema que tem em muito lugar. E que realmente eu acho um ponto muito positivo do militarismo e eu me identifico, inclusive (2019_10).

Percebe-se que a carreira militar está associada ao respeito, à observância dos preceitos regulamentares das Forças Armadas (FA). Outras opiniões parecem ressaltar o "prestígio" e o sentido de "integração" que revestem a carreira militar.

Para mim é uma carreira extremamente valorosa, é uma carreira de prestígio social, é uma carreira de integração também (2019_16).

O sentido de integração também pode ser percebido pelos posicionamentos de outros alunos que entendem a carreira militar como patriotismo.

[...] é uma coisa que está ajudando a desenvolver o nosso próprio país. Para mim, eu acho isso uma causa bem nobre, por mais humilde que seja o ambiente de trabalho, dependendo do que você está fazendo na FAB, cada coisinha ajuda a melhorar o nosso país (2019_11).

É uma instituição que tem bastante impacto social, então eu vou ver resultado do que eu estou fazendo e isso vai impactar muita gente, não vai ter um impacto isolado. É preciso patriotismo, eu acredito [...] (2018_13).

As expressões "causa nobre", "carreira nobre", "impacto social" e "servir ao país", conteúdo das falas de alguns alunos, encontram lógica em Huntington (1996, p.33), para quem "as motivações do oficial residem no amor técnico por sua habilidade no sentido de obrigação para utilizar essa qualidade em benefício da sociedade". Em estudo de representações sociais junto a Aspirantes e Oficiais da MB, Rodrigues (2014, p. 100) identificou entre os Aspirantes "[...] uma visão da carreira como forma de servir ao país, dedicando-se a uma nobre causa – "vida de integral dedicação a uma causa nobre, que é bem comum de todos os brasileiros".

Outros alunos nutrem a ideia de carreira militar como sinônimo de estabilidade.

A carreira militar é uma carreira bastante estável [...] porque você tem uma garantia de emprego muito boa e tem uma garantia de continuar nesse emprego, muito boa [...] (2019_11).

É uma vida estável, uma vida boa para quem, depois que se formar, quiser um pouco mais de tranquilidade, comparado com as outras opções de mercado que o ITA oferece (2019_15).

Por meio das expressões "muito boa" e "uma vida boa", é possível verificar a forte relação à estabilidade mencionada, produzindo um sentimento de "tranquilidade", como sugere um dos alunos. Por outro lado, cinco alunos demonstram apreço pela carreira militar e a vinculam à virtude da profissão e à família.

Eu tenho muita afinidade com a carreira militar, então, eu gosto e tenho muito apreço (2019_14).

Muito bonita, dá oportunidade de ajudar as pessoas, uma coisa que eu valorizo muito. Nem tudo é dinheiro (2018_08).

Esse apreço pode ser compreendido na afirmação do aluno 2018_08 "Nem tudo é dinheiro", noção complementada pela fala do aluno 2018_15.

Na verdade, eu indicaria o militarismo para todo mundo, eu acho que é uma experiência enriquecedora e que você se torna mais maduro com isso. Você aprende a respeitar as pessoas que têm mais conhecimento que você e cooperar diante de uma situação de tensão, talvez. Eu acho isso uma coisa muito interessante, eu acho que o militarismo é algo que contribui para o nosso desenvolvimento pessoal (2018_15).

O aluno associa o militarismo ao amadurecimento e ao aprendizado, percepção que converge com a concepção trazida por Schirmer (2007, p. 15) de que a carreira militar "[...] é um processo educacional contínuo, porque, em cada degrau da hierarquia, há muito o que aprender e ensinar, para o aprimoramento das qualidades pessoais e o melhor desempenho no serviço."

Com base nas percepções dos alunos, depreende-se existir dificuldade na formulação de uma ideia precisa sobre a carreira militar e busca-se fundamentos em Moscovici (1978) para entender que o esforço não está na compreensão desta carreira no âmbito das FA, por exemplo, mas em destacar e colocar em evidência os pontos de vista compatíveis com as suas referências enraizadas. Percebe-se que se sentiram habilitados a falar sobre os valores que envolvem a carreira militar, hierarquia, disciplina e patriotismo, além de relacioná-la à estabilidade e à afinidade.

Considerando esse repertório, concorda-se com Oliveira et al (2011, p. 241) ao afirmarem que "no momento das escolhas profissionais, os indivíduos operam segundo representações socialmente compartilhadas sobre o significado simbólico de determinadas profissões e carreiras." Para Rossi (2001, p. 1), a escolha de uma profissão vai além da decisão, pois envolve a opção por um modo de viver e de ser útil, "[...] com reflexos no tempo e no espaço". A fala de um aluno se aproxima desse pressuposto.

Primeira coisa, eu tive que olhar para mim e não queria olhar para os outros. Eu tinha que olhar para mim, olhar se eu tinha postura para isso, se eu tinha afinidade pela carreira militar, qual era minha necessidade e se o militarismo conseguiria suprir a minha necessidade. [...] o que foi pesando, na verdade, foi como eu me via daqui a cinco anos, como eu me via daqui a dez anos. Eu não podia me ver só na formação, eu tinha que me ver depois de formado, eu tinha que ver qual era a atuação da FAB, o que estava acontecendo, como eu podia ser útil (2019_16).

Tomando por base as informações que armazenam e os saberes sobre a carreira militar, julgou-se pertinente identificar os principais fatores que os impulsionaram nessa escolha profissional e solicitou-se que apontassem, em uma escala de prioridades, suas motivações. Sobre a escolha profissional, Santos, Luna & Bardagi (2014, p. 275) tecem considerações.

Para que possa fazer escolhas consistentes e construir uma carreira satisfatória, será preciso que o adolescente tenha oportunidade e disposição para buscar e refletir a respeito de uma série de informações acerca do mundo do trabalho e de si próprio (seus interesses, valores, habilidades e aspirações), para realizar uma análise hierárquica relacionada a estas questões e para se comprometer com este processo.

O alinhamento entre a carreira e os projetos profissionais pode depender de fatores socioeconômicos, ainda desiguais na modernidade, em termos de acesso aos meios de autorrealização (Santos et al, 2014). Essa questão fica visível quando se recorre à Figura 1 e se identifica os vocábulos "escolha", "financeira", "estabilidade" e "dinheiro" que, juntos, parecem apontar para uma escolha voltada às necessidades do contexto social em que os alunos estão inseridos.

Partindo deles, buscou-se as motivações e a opção mais citada foi a "estabilidade financeira". Entre os ingressantes em 2019 ela foi elencada na primeira posição por cinco alunos e, na segunda posição, também por cinco alunos. Entre os ingressantes em 2018, a estabilidade financeira foi a primeira opção para sete deles, a segunda opção para dois e a terceira para um aluno.

Independentemente da posição ocupada na escala de prioridades, observou-se que 20 dos 31 alunos escolheram a carreira militar visando a benefícios, segundo suas palavras, "salário", "soldo", "dinheiro", "pagar meus estudos", "independência financeira", "segurança financeira". Duas falas resumem a justificativa para essa escolha.

Eu acho que o que pesa bastante é a independência financeira (2018_03).

[...] o ITA tem uma opção de carreira militar um pouco melhor, porque você vira aspirante a oficial logo e isso é um chamativo enorme, é um gol da FAB. Não sei se para eles é vantajoso, mas para o aluno do ITA que está entrando, que não sabe bem o que é a vida militar, muitas vezes também é avesso à vida militar, não há por que ser hipócrita, porque não conhece. O cara que chega e vê que tem um plano de carreira tão exponencial, sabe que vai chegar a aspirante com dois anos, assim que entrar no ensino profissional, é um chamativo, é uma carta que a FAB usa bem e que consegue alcançar o objetivo dela, na minha opinião (2019_16).

Em seu estudo, Rodrigues (2014) também identificou o elemento estabilidade como preponderante. Segundo ela, "na sociedade contemporânea, marcada pela instabilidade no emprego, sobretudo, no setor privado, a estabilidade torna-se central. [...] um fator de atração para os jovens ingressantes e que tem assegurado a permanência de oficiais" (Rodrigues, 2014, p. 87) é ideia presente na expressão "tem um plano de carreira tão exponencial" utilizada pelo aluno 2019_16.

Considerando ainda a estabilidade, pelo viés financeiro, o fato de perceberem um salário, que em seus pontos de vista é atraente, traz como benefícios a emancipação da família e a almejada independência, exemplificadas nas declarações.

[...] independência, dar mais ar para os meus pais respirarem, com menos gastos, me mantendo aqui em São Paulo (2019_06).

[...] para poder ser independente, o quanto antes, dos meus pais, do dinheiro deles, porque aqui a gente ganha mil e trezentos nas duas primeiras e depois sete mil. Com certeza não vou precisar da ajuda deles financeiramente (2018_11).

Entre os demais 11 alunos, os elementos motivadores da escolha ficaram pulverizados em "influência familiar", "afinidade", identificação aos "valores militares", "vocação", "nota de corte" no vestibular, "estabilidade" na carreira. Esses elementos, assim como a estabilidade financeira, recebem a influência do sistema de valores e da importância atribuída a cada um deles, de acordo com o contexto em que se inserem, a exemplo da família, conforme relatam.

Acho que, no meu ver, optei por influência do meu pai que sempre quis ser militar, mas por falta de incentivo nunca se engrenou para tentar, também não teve muita oportunidade (2018_09).

Sempre achei muito bonita a carreira militar, porque minha família é de militares, sempre tive isso na minha cabeça (2018_10).

Um dos alunos, ao apontar que o principal elemento motivador de sua escolha foi a vocação, pareceu demonstrar maturidade em sua escolha, a despeito das características que considera negativas na carreira militar.

Foi algo que eu sempre quis, tudo bem que não atende todas as expectativas, mas eu gosto. O salário do militar é baixo e o engenheiro não é muito valorizado na FAB. Acho que isso é triste. [...] O que me levou a optar foi a vocação pela carreira (2018_07).

As palavras "hierarquia" e "disciplina", menos recorrentes, apontam para "valores militares".

[...] disciplina e hierarquia [...] eu acho um ponto muito positivo do militarismo e eu me identifico. Inclusive, a gente no ITA coloca alguns valores que é a tal da disciplina consciente, eu vejo muita relação com os princípios do militarismo [...] (2019_10).

[...] sempre me dei bem com essa questão de disciplina e hierarquia. Enquanto para algumas pessoas pode ser meio ruim, para mim é algo mais natural. Respeitar o mais antigo, esperar que tem um tempo para trocar de faixa (2018_03).

O aluno 2019_10 compara hierarquia e disciplina à disciplina consciente que vivenciam na vida estudantil. Strauss, Esteves e Delpino (2008, não paginado) explicam que "[...] o ITA propõe uma forma diferenciada de atuação baseada em aspectos peculiares, voltados para a autogestão discente e traduzidos na Disciplina Consciente e no Espírito Iteano". Para aqueles que passam pela Instituição, funcionários, professores e alunos, representa não só honestidade e autodisciplina, mas também um estilo de vida que incorporam à rotina.

Os fatores identificados na opção pela carreira militar guardam relação com aqueles encontrados por Rossi (2001) em estudo sobre escolha profissional e evasão escolar na Escola Preparatória de Cadetes do Exército. Destacaram-se "[...] profissão militar segura e estável, a "Vocação", ou melhor, o gosto e a identificação com as atividades que irá desenvolver, a Tradição e influência familiar, a perspectiva de ascensão na escala social, a ilusão de boa remuneração" (Rossi, 2001, p. 140).

Resultado semelhante foi encontrado por Telles (2011), junto a um grupo de militares já formados e outro em formação na FAB, cujos interesses influenciadores na decisão pela carreira militar foram a estabilidade financeira, a afinidade com a carreira e a influência familiar.

Tomando por base a necessidade de conhecer, analisar e integrar todos os fatores intervenientes no processo de escolha profissional, tais como local de trabalho, rotina, ambiente, relacionamento e retorno, remuneração, promoção, prestígio, os alunos foram questionados sobre a avaliação que fazem, hoje, depois do ingresso ao ITA, sobre a opção. Identificou-se dois posicionamentos compartilhados pelos grupos: os indecisos e os que se consideram certos da escolha pela carreira militar até o momento. O grupo de "indecisos" é composto por quatro alunos ingressantes em 2019 e um deles assim se posiciona.

Eu ainda não tenho muita certeza se foi bom ou se foi ruim, porque eu ainda, sinceramente, não tenho certeza se eu vou querer continuar ou não (2019_05).

Considerando que os alunos indecisos ingressaram em 2019, pode-se inferir que talvez não se sentissem seguros no momento da entrevista para afirmar se a escolha foi acertada, já que a carreira militar ainda era algo novo. Segundo Oliveira et al (2011, p. 243), diante de um cenário de incertezas e de instabilidade do mercado de trabalho, "a primeira identidade profissional tende cada vez mais a não ser definitiva [...] torna-se cada vez mais desafiador para o jovem vislumbrar um futuro de longo prazo para sua carreira." E a maioria, 11 alunos que ingressaram em 2019 e os 16 que ingressaram em 2018, se dizem certos da escolha até o momento.

A escolha consciente mencionada pelo aluno 2019_08 remete aos argumentos de Bordão-Alves e Melo-Silva (2008) sobre "escolha autônoma e responsável". Os autores ressaltam que "a promoção integrada das diversas identificações que teve e a conciliação com seus próprios interesses, aspirações, valores e crenças, concorrem para grande possibilidade de uma escolha satisfatória" (Bordão-Alves & Melo-Silva, 2008, p.25).

Verifica-se, por meio das expressões citadas pelos alunos - "feliz de verdade", "acho que eu sou feliz", "estou satisfeita", "traz muita satisfação pessoal", "uma das melhores escolhas" - que o saldo parece positivo entre aqueles que afirmam ter feito a opção acertada até o momento.

Rossi (2001) considera importante atentar para as idealizações que os jovens fazem sobre as suas preferências em termos de carreiras, baseadas em informações sobre a realidade profissional que os rodeia. "A partir delas, construímos nossas fantasias sobre as profissões, o mercado de trabalho e finalmente sobre o nosso futuro profissional. Santos et al. (2014, p. 266) apontam a constante revisão como uma característica da vida moderna em que "[...] os referenciais seguros evidenciados em expressões tais como "é isto que se deve fazer", "fazer o que tem que ser feito" ou "isto é o certo" vão se tornando mais rarefeitos.

Considerando os elementos motivadores de suas escolhas pela carreira militar, infere-se que foram guiados, por um lado, por aspectos de natureza simbólica como por exemplo, hierarquia, disciplina e patriotismo e, por outro, pelos benefícios relacionados à estabilidade, seja ela financeira ou da carreira. Com base em suas motivações, julgou-se oportuno identificar se há e quais são as situações relacionadas à carreira militar que lhes causam inquietudes ou temores.

Representadas graficamente na Figura 2, as palavras mais recorrentes são apresentadas, bem como suas relações.

 

 

Apenas dois alunos afirmaram não haver situações que lhes causem inquietude ou temor. As situações, sobre as quais temem os demais alunos participantes, foram agrupadas nos temas: não atuar na área de engenharia, acomodação, dúvida sobre a opção, visão conservadora.

Volta-se a atenção para as palavras trabalho, trabalhar e pessoas que direcionam para a compreensão dos motivos que os levam às inquietações relativas a não atuar na área de engenharia e acomodação. Dos 31 alunos, 15 deles demonstram temor pela possibilidade de atuarem em funções não afetas à engenharia. Eles o justificam referindo-se a relatos de militares ou de colegas do ITA, como exemplificam duas falas.

Sim, de talvez, como a gente fica ouvindo as histórias das outras pessoas, até me preparando hoje, pensando numa coisa, e no futuro acabar fazendo uma coisa totalmente diferente que possa me desestimular ou algo do tipo [...] (2019_12).

Sim, eu já ouvi falar de histórias, relatos de gente que fica subutilizada e que isso pode levar algum tempo para você poder mudar de situação (2018_15).

As trocas e interações entre os alunos e outros atores pertencentes ao contexto do ITA concorrem para a criação de um universo consensual onde sentir-se subutilizado ou não aproveitado passa a ser um fato provável no entendimento dos pesquisados, justificado por "ouvir falar de histórias". É possível inferir que talvez esse sentimento explique também por que nas declarações sobre a escolha pela carreira militar, quando avaliam a decisão tomada, aparecem termos como "até agora".

Procurando fundamentos para compreender esse universo consensual criado a partir das histórias ouvidas, vale-se das palavras de Moscovici (1978, p. 53).

[...] cada pessoa parte de observações e, sobretudo, de testemunhos que se acumulam a propósito dos eventos correntes [...] uma experiência vivida e contada por um amigo [...] Mas estes relatos estão muito próximos porque nos dizem respeito, suas observações interferem com as nossas próprias observações, e suas linguagens ou suas noções, elaboradas a partir de fatos que nos são estranhos e, por vezes, estranhos continuam a ser-nos, fixam a nossa atenção e dirigem as nossas interrogações. O que vemos, o que sentimos, está, de algum modo, sobrecarregado pelo invisível e pelo que é provisoriamente inacessível aos nossos sentidos.

Depreende-se que os alunos partem de uma realidade presumida e a reconstituem como uma hipótese que "[...] penetra no mundo da conversação, prosseguindo as permutas verbais depois de certo tempo" (Moscovici, 1978, p. 53). Assim, passam a demonstrar inquietação com a crença na subutilização e no mau aproveitamento do potencial que possuem, como exemplificado em duas falas.

Eu tenho medo de não gostar do que estiver fazendo e de ficar em um trabalho em que eu não me sinta realizado (2019_11).

Acho que a inquietude é ser subaproveitado. Ter estudado cinco anos aqui e não trabalhar com nada que você estudou (2018_07).

Um número expressivo de alunos acredita na possibilidade de subutilização e utiliza essa crença para construir sua interpretação sobre a carreira militar. Isso ocorre porque, segundo Jodelet (2001, p.32), "[...] a representação supõe um processo de adesão e participação que a aproxima da crença." A autora explica que, segundo Veyne (1976, p. 74), "o pensamento de cada um deles é, de diversas maneiras, marcado pelo fato de os outros pensarem da mesma forma [...]" (Jodelet, 2001, p. 32). A declaração de um aluno ilustra esse pressuposto.

É uma coisa geral na minha turma, os meus colegas de turma. [...] uma visão assim que está generalizada é a subvalorização do engenheiro da FAB (2018_13).

Nesse sentido, temem ainda a acomodação ao trabalho e um deles acrescenta a "estabilidade financeira" como um fator interveniente.

Algo que me incomoda e, teoricamente, é um fator que deveria agradar as pessoas, estabilidade financeira que a gente tem [...]. Eu pelo menos vi dentro da FAB que muitos dos funcionários, funcionários não, muitos militares, eles não atingem o máximo potencial que eles poderiam atingir. (2019_08).

Como já discutido, a opção pela carreira militar deriva, para uma parcela dos alunos, da vantagem econômica durante a formação. No entanto, o aluno 2019_08 parece se preocupar também com o comodismo que a estabilidade financeira pode trazer após a conclusão do curso. Outros alunos abordam a sensação de acomodação e estagnação, conforme exemplifica este relato.

É um temor você sentir que está estagnado. Você tem uma oportunidade que você consegue ao se formar e você vê seus colegas , às vezes, ascendendo socialmente e , às vezes, você sente que está estagnado. [...] é o receio por você não conseguir alçar voos maiores. Então, realmente, meu receio é a estagnação, você conseguir ser uma pessoa assim mais influente, às vezes, até tentar ajudar de um outro modo melhor o país (2019_10).

Quando o aluno 2019_10 se coloca no sentido de "conseguir ser uma pessoa assim mais influente" e "tentar ajudar de um outro modo melhor o país", é possível perceber um sentimento de incerteza quanto à sua opção pela carreira militar. Esse mesmo sentimento parece ser compartilhado pelo aluno 2018_08 ao afirmar que a "parte financeira" "é meio estagnada" na carreira militar e "é uma coisa que pesa".

Deduz-se existir um conflito, pois ao mesmo tempo em que apontam a estabilidade, tanto financeira quanto da carreira como uma segurança, temem, ou que alguns militares nessas condições não utilizem todo o seu potencial ou que estejam perdendo outras oportunidades no contexto profissional do meio civil. Parece haver um descompasso entre a escolha profissional, e a consequente opção por um determinado estilo de vida, e o nível de aspiração que estabeleceram. Sobre esses sentimentos de estagnação/acomodação, Rossi (2001, p. 47) esclarece.

As pessoas que têm um nível de aspiração muito alto para suas habilidades certamente passarão sua vida insatisfeitos e frustrados por não alcançarem as metas a que se propõem. As que estabelecem um nível de aspiração inferior a suas possibilidades provavelmente se verão acomodadas, estagnadas e muitas vezes insatisfeitas.

A falta de informações sobre a área de atuação depois de formado também é motivo de inquietação.

Eu acho que, às vezes, não conseguir evoluir na carreira militar é uma inquietude. Eu não tenho muito conhecimento sobre qual área eu devo atuar, mas dentro da área eu não tenho conhecimento do que eu posso fazer para melhorar em tal área. A carreira militar aqui ainda é muito obscura, eu não sei aonde eu tenho que ir, eu sei que eles vão me encaminhar, mas eu não sei o que fazer para ser o melhor naquela área e tudo mais (2019_14).

Nota-se existir incerteza nas declarações em relação à atuação profissional. Outro ponto identificado que parece impactar diretamente nessa insegurança é o caráter indireto das informações veiculadas por seus interlocutores, porque, muitas delas, são oriundas de testemunhos nem sempre da pessoa que vivenciou tal situação.

Verifica-se que essa insegurança perdura, segundo argumentam três alunos, quando relacionada também às dúvidas sobre a opção pela carreira militar, assunto frequentemente retomado nas declarações.

Temor é sobre não ser o que eu pensei que seria, porque optar pela carreira militar antes de entrar aqui não acredito que foi algo muito inteligente. Você fazer alguém que não conhece nada de militarismo optar já por algo que vai ter que seguir para a vida inteira dela (2019_15).

Pensando na carreira militar, vejo a situação dos meus colegas que estão na área privada, por assim dizer, estão ainda melhor. Ainda não tenho certeza daquilo que eu quero (2018_01).

A inquietude é, será que eu me encaixo nesse perfil? Embora hoje eu ache que eu me encaixo, acho que as coisas podem mudar. Por uma visão de fora, a gente sempre admira a carreira militar. A questão é se realmente é para mim isso. Acho que isso é sempre uma análise contínua, não é o momento da decisão (2018_09).

Outro ponto julgado inquietude foi o conservadorismo que atribuem à instituição militar, conforme relatam três alunos.

[...] a visão conservadora de algumas pessoas no militarismo (2019_03).

Temor eu tenho, porque eu acredito que o sistema militar é um pouco arcaico. Eu acredito que dado que é um sistema conservador, por se falar de segurança, não permite muita flexibilidade e reformas com o tempo. Eu tenho medo de injustiças da hierarquia de, em algum momento, eu me deparar com alguém mais antigo que me persiga ou coisa do tipo [...] Então, é algo que a gente está sujeito e não seria uma inquietude com a FAB em si, mas sim com a vida (2019_06).

Sim, na FAB as decisões, elas costumam ser um pouco centralizadas e eu acredito que, em alguns casos, elas são centralizadas em pessoas que não estão preparadas para tomar essas decisões (2018_13).

Esse cenário de inquietações parece derivar dos desejos dos alunos de aliarem seus projetos de vida profissional aos projetos de vida pessoal, contexto em que balizam suas escolhas. Concordando com Moscovici (1978, p. 59), ao afirmar que as representações sociais "[...] fazem com que o mundo seja o que pensamos que ele é ou deve ser", observa-se a incidência do saber declarativo dos alunos a respeito da carreira militar, sobre suas escolhas profissionais e as inquietudes possivelmente derivadas.

 

Considerações Finais

Este artigo teve por objetivo investigar, sob a vertente da Teoria das Representações Sociais, os fatores que orientaram a escolha profissional pela carreira militar de engenharia de estudantes universitários ingressantes no Instituto Tecnológico de Aeronáutica, nos anos de 2018 e 2019, e quais são suas inquietudes e seus temores com relação à profissão escolhida.

O conjunto da pesquisa mostrou que a carreira militar está representada na garantia da estabilidade financeira e independência, ao menos durante a formação, e que os conhecimentos sobre a carreira militar estão alicerçados nos valores militares, hierarquia e disciplina, e na afinidade originada da vocação ou da influência familiar.

Embora tenham optado pela carreira militar no vestibular, os alunos sinalizam que, no decorrer do curso e após a conclusão, as decisões são constantemente repensadas e reexaminadas, considerando a satisfação e a insatisfação, fazer e não fazer o que se gosta, sentir-se feliz ou sentir-se infeliz, a valorização e a desvalorização, sentir-se útil ou sentir-se subutilizado e a busca de identificação e de realização profissional.

As histórias ouvidas e relatadas sobre a subutilização do engenheiro militar misturam-se às impressões e às interações cotidianas dando origem a "pequenas teorias", como as denomina Jodelet (2003), que se traduzem nas representações criadas de maneira informal, tornando real uma ideia elaborada.

Pode-se concluir que essas "pequenas teorias" causam reflexos nas situações que os inquietam, porque a representação social da carreira militar está intimamente relacionada aos temores que demonstram sentir sobre uma possível não atuação na área da engenharia, sobre manterem a escolha profissional e se acomodarem diante da impossibilidade de realização de suas aspirações profissionais e sobre as dúvidas acerca da opção pela carreira militar. Para Jodelet (2003), as crenças sempre têm uma dimensão de adesão, há uma aceitação total do grupo sobre elas. Todas essas inquietações parecem se somar aos fatores que concorrem para a demonstração de que essa escolha não é definitiva, uma vez que os alunos se dizem ainda indecisos ou avaliam a escolha acertada apenas até o momento.

A "pequena teoria" criada por eles, sobre utilidade e subutilização, é constatada quando afirmam que temem a insatisfação com o exercício posterior da profissão e a impossibilidade de aplicar, na carreira militar, o conhecimento adquirido durante a formação. Parecem entender que o exercício de uma função desafiadora na área para a qual se formaram motiva a permanência na carreira militar, mas uma situação oposta poderia levá-los à acomodação, à insatisfação e, consequentemente, à desistência. Conclui-se haver estreita relação estabelecida em prosseguir ou não na carreira militar e a satisfação ou a insatisfação instantânea com o trabalho realizado.

O desejo de encontrar significados para a atuação, e as consequentes realização profissional e pessoal, também se desdobram para a satisfação e para a valorização. A possibilidade da perda do interesse pelo trabalho, em virtude do sentimento de desvalorização e da ausência de identificação, tende a levá-los à revisão de suas decisões e à busca por outras oportunidades.

Conclui-se que a representação social da carreira militar é construída em meio a essas relações transitórias, em que o imediatismo, o "agora" e os "interesses de momento" determinam a prática adotada, no sentido de manterem-se em status de constante revisão das escolhas profissionais para o futuro. Constata-se que o lugar conferido à carreira militar na estruturação da trajetória profissional irá depender, a todo momento, da confiança, da utilidade e da relação estabelecida entre felicidade e trabalho.

Como limitações deste estudo, tem-se o fato de a amostra incidir em apenas duas turmas e não apresentar uma visão geral dos demais alunos do Curso de Graduação em Engenharia do ITA, optantes pela carreira militar. A TRS contribui com os estudos sobre a escolha profissional na medida em que possibilita, a partir das experiências desse grupo de alunos, compreender a maneira como este interpreta e pensa a realidade e como direciona suas escolhas. Desta forma, esta metodologia pode ser aplicada em outros estudos que envolvam participantes de outras turmas, cursos e instituições de ensino, possibilitando a comparação dos resultados.

 

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Endereço para correspondência:
Rua Teopompo de Vasconcelos, 375 - Apto 24 - Vila Adyana
São José dos Campos (SP)
CEP: 12.243.830

Recebido: 28/09/2020
1ª reformulação: 08/03/2021
2ª reformulação: 31/08/2021
Aceito: 30/11/2021

 

 

Sobre as autoras:
Marta Maria Telles é psicopedagoga, Mestre em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e Doutora em Psicologia Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Atualmente é Professora Colaboradora da Universidade da Força Aérea (UNIFA).
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0413-1035
E-mail: tellesmmt@gmail.com / tellesmartam@hotmail.com
Marina Miranda Lery Santos é psicóloga, Mestre em Psicossociologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Doutora em Psicologia pela Université Toulouse Jean Jaurès (UT2). Atualmente é psicóloga do Comando da Aeronáutica, lotada no Instituto de Controle do Espaço Aéreo (ICEA).
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7242-9581
E-mail: marinammls@fab.mil.br / marinamlerys@gmail.com
Cristiane Pessôa da Cunha é enfermeira, Mestre em Saúde dos Grupos Humanos pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Atualmente é Professora do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA).
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5546-1491
E-mail: cpessoa@ita.br / cris.pessoac@gmail.com

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