SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.23 issue1From employee to employer: the decision to spinout on information technologyEvaluation of career interventions with adults: Integrative literature review author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Revista Brasileira de Orientação Profissional

On-line version ISSN 1984-7270

Rev. bras. orientac. prof vol.23 no.1 Campinas Jan./June 2022

http://dx.doi.org/10.26707/1984-7270/2022v23n206 

10.26707/1984-7270/2022v23n206

ARTIGO

 

A influência dos estereótipos de gênero no julgamento de profissões

 

The influence of gender stereotypes in the judgment of professions

 

La influencia de los estereotipos de género en el juicio de las profesiones

 

 

Erica Karine Santana SantosI; Elder Cerqueira-SantosI

IUniversidade Federal de Sergipe, São Cristovão, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente estudo buscou analisar a influência dos estereótipos de gênero no julgamento de profissões vistas socialmente como masculinas ou femininas, sob a perspectiva de adolescentes em processo de escolha profissional. Trata-se de um estudo de caráter quantitativo, exploratório e analítico, realizado através de coleta online, da qual participaram 486 adolescentes maiores de 14 anos, de diferentes perfis sociodemográficos. Os participantes responderam a um questionário sociodemográfico, sucedido de instrumentos sobre papéis de gênero, sexismo e dominância social. Verificou-se uma rigidez nos estereótipos de gênero, visto que os adolescentes foram mais favoráveis quando a ocupação seguia um padrão de normatividade e rejeitaram o fato de uma mulher ocupar uma profissão socialmente masculina. Discute-se o impacto destas questões e o quanto elas influenciam a escolha profissional.

Palavras-chave: Estereótipos; Gênero; Adolescentes; Escolha profissional.


ABSTRACT

This study aimed to analyze the influence of gender stereotypes in the judgment of professions seen socially as male or female, from the perspective of adolescents in the process of professional choice. This is a quantitative, exploratory and analytical study conducted online, in which 486 adolescents over 14 years old, from different sociodemographic profiles. The participants answered a sociodemographic questionnaire, followed by instruments on gender roles, sexism and social dominance. There was a rigidity in gender stereotypes, since adolescents were more favorable when occupation followed a normative pattern and rejected the fact that a woman occupies a socially male profession. The impact of these issues and how much they influence professional choice are discussed.

Keywords: Stereotypes; Gender; Adolescents; Professional choice.


RESUMEN

El presente estudio buscó analizar la influencia de los estereotipos de género en el juicio de las profesiones consideradas socialmente como hombres o mujeres, desde la perspectiva de los adolescentes en el proceso de elección de profesionales. Es un estudio cuantitativo, exploratorio y analítico, realizado a través de la recolección en línea, en el que participaron 486 adolescentes mayores de 14 años, de diferentes perfiles sociodemográficos. Los participantes respondieron un cuestionario sociodemográfico, seguido de instrumentos sobre roles de género, sexismo y dominación social. Hubo rigidez en los estereotipos de género, ya que los adolescentes fueron más favorables cuando la ocupación siguió un patrón normativo y rechazó el hecho de que una mujer ocupa una profesión socialmente masculina. Se discute el impacto de estos problemas y cuánto influyen en la elección profesional.

Palabras clave: Estereotipos; Género; Adolescentes; Elección profesional.


 

 

Introdução

A ação de escolher é algo presente na vida de todos os indivíduos, pois desde que nasce ele está sempre escolhendo (Soares, 2018). Escolher é decidir, dentre uma série de opções, aquela que parece a melhor naquele momento, cada escolha feita faz parte de um projeto de vida que vai se realizando (Lucchiari, 2017). Escolher um trabalho, uma profissão, é escolher a forma pela qual o indivíduo quer participar do mundo em que vive (Soares, 2016). Ao escolher uma área profissional, inicia-se um processo de formação em direção a ela e tenta-se definir, ao mesmo tempo, o lugar que se vai ocupar na sociedade (Rappaport, 2004).

A escolha da profissão é, talvez, uma das decisões mais importantes na vida de uma pessoa, considerando que o ser humano é valorizado socialmente pela atividade que exerce e que sua identidade pessoal está muito ligada ao que faz profissionalmente. Quando se conhece uma pessoa, por exemplo, logo se quer saber com o que ela trabalha, pois assim se poderá ter uma ideia do seu estilo de vida, dos seus gostos e das suas habilidades (Basso, 2008). O trabalho está na base de toda sociedade e possui mais de uma significação, dentre elas, a de realizar uma obra na qual o indivíduo se expresse, tenha reconhecimento social e permaneça além da sua vida (Albornoz, 2008).

A escolha profissional é multifatorial, confirmando que o processo da escolha é algo bastante complexo (Gonzaga, 2011). Vários fatores influenciam na qualidade da escolha e no tipo de vínculo que o sujeito vai desenvolver com o seu objeto de trabalho, dentre eles: os políticos, os econômicos, os sociais, os educacionais, os familiares e os psicológicos (Neiva, Silva, Miranda & Esteves, 2005), o gênero também é apontado como um fator que deve ser considerado em relação a escolha (Nepomuceno & Witter, 2010). Uma das grandes tarefas do adolescente será processar, de alguma forma, as diversas influências recebidas (Rappaport, 2004). No Brasil tem-se observado duas tendências predominantes entre os jovens: um grupo dos que possuem condições socioeconômicas mais favoráveis investem em mais anos de estudo retardando a entrada no mercado de trabalho, porém com perspectiva de uma melhor inserção no futuro; e o outro grupo, dos menos favorecidos economicamente, que se submetem a subempregos com remunerações baixas, o que, geralmente, também não lhes garante a sobrevivência (De Moura & Possato, 2012).

Na maioria dos casos, quem escolhe é um adolescente e essa escolha acontece nas mudanças implícitas da passagem da infância à idade adulta. Compreendendo a adolescência como um período de crise, transição e ajustamento, Bohoslavsky (2007) entende que uma das áreas em que esse ajustamento se realizará refere-se precisamente ao estudo e ao trabalho, entendidos como meio e forma de ascender a papéis sociais adultos. A velocidade das transformações sociais, as incertezas econômicas globais, os avanços tecnológicos são fatores que contribuem para transformações marcantes no mundo do trabalho na atualidade, tornando as escolhas no campo profissional particularmente difíceis para os jovens (Oliveira, Pinto, & Souza, 2003).

Todo projeto de vida, por mais pessoal que seja, tem sempre um componente social e universal (Soares, 2016). E a diferenciação social de gêneros certamente ocasionará uma distinção de escolhas das profissões, dado que a tendência do sujeito será seguir os padrões estipulados pela sociedade e pela cultura estabelecida (Praça & Souza-Leite, 2017). As novas configurações da divisão do trabalho empreendida por Hirata e Kergoat (2007) em seu trabalho que é um marco no debate sobre o assunto, pressupõem que a divisão sexual do trabalho é a forma de divisão do trabalho social decorrente das relações sociais entre os sexos; mais do que isso, é um fator prioritário para a sobrevivência da relação social entre os sexos. As autoras supracitadas propõem uma forma particular da divisão social do trabalho em dois princípios organizadores: o princípio de separação (existem trabalhos de homens e trabalhos de mulheres) e o princípio hierárquico (um trabalho de homem "vale" mais que um trabalho de mulher). As relações de gênero ancoradas pelo machismo e pelo sexismo ainda estão muito presentes em nossa sociedade; são relações construídas historicamente, que delineiam quais papéis sociais são destinados a homens e mulheres (Silva & Mendes, 2015).

O sexismo é compreendido como um conjunto de estereótipos sobre a avaliação cognitiva, afetiva e atitudinal acerca do papel apropriado na sociedade, dirigida aos indivíduos de acordo com o sexo (Glick & Fiske, 1996). Os autores destacam a existência de novas formas de sexismo, que são entendidas como ambivalentes e baseiam-se na assumida inferioridade ou diferença das mulheres como um grupo; esse modelo denominado como sexismo ambivalente apresenta duas formas principais: hostil e benévolo. O sexismo hostil evidencia crenças e práticas típicas de pessoas que consideram as mulheres inferiores aos homens, refletindo antipatia e intolerância em relação ao seu papel como figura de poder e decisão; e o sexismo benevolente refere-se a uma atitude positiva, aparentemente não preconceituosa em relação à mulher, evidenciando o sentido paternalista que a descreve como pessoa frágil, que necessita de atenção, mas que também pode complementar o homem (Formiga, Golveia & Santos, 2002). Partindo desse pressuposto, um construto que se alinha às discussões sobre o sexismo, refere-se à teoria da "Orientação à Dominância Social", a qual captura a extensão dos desejos dos indivíduos de dominar e a desigualdade com base nos grupos. Esses desejos de domínio social são expressos em atos individuais de discriminação e participação em processos intergrupais e institucionais que produzem melhores resultados para os dominantes do que para os dominados (Pratto, Sidanius & Levin, 2006).

A dicotomia de masculino x feminino ainda está inserida nas tradições de quase todas as culturas e as sociedades constroem estereótipos de gênero que se apresentam tanto no comportamento dos sujeitos, como em suas avaliações cognitivas de si mesmo e dos outros, segundo estas categorias (Lobato, 2001). Os estereótipos de gênero configuram-se por crenças sobre o que caracteriza homens e mulheres (Natividade, Laskoski, Barros, & Hutz, 2014). É comum encontrar na sociedade conjunto de ideias concernente à natureza da masculinidade e feminilidade (Formiga & Camino, 2001). Determinadas características são mais comumente relacionadas às mulheres e outras aos homens; como características tradicionalmente atribuídas às mulheres podem ser citadas aquelas que favorecem o ensino, o cuidado, as atividades domésticas cotidianas, a maternagem, a sensibilidade, a passividade, a meiguice e a tolerância; com relação às características tradicionalmente associadas aos homens podem ser citadas as de liderança, agressividade, força física, lógica e ousadia (Lima, Voig, Feijó, Camargo, & Cardoso, 2017).

Uma revisão integrativa da literatura que buscou discutir os estudos publicados nos últimos cinco anos abordando a variável gênero na escolha profissional e de carreira recuperou nove artigos (sete empíricos, um teórico e um teórico-empírico), e mostrou que, apesar do número pouco expressivo de estudos encontrados, foi possível encontrar diferenças de gênero em diversas facetas na área da Orientação Profissional e de Carreira. Os autores concluíram que existem poucos estudos sobre a temática no contexto brasileiro, evidenciando a necessidade e importância de novas pesquisas que viabilizem a reflexão e discussão das questões de gênero no tocante à escolha profissional e de carreira (Santana-Santos & Cerqueira-Santos, 2020).

A partir desse panorama, este estudo buscou analisar a influência dos estereótipos de gênero no julgamento de profissões vistas socialmente como masculinas ou femininas, sob a perspectiva de adolescentes que se encontram em processo de escolha profissional. Acredita-se que, no Brasil, os projetos de vida relacionados à escolha profissional e de carreira perpassam por uma questão cultural muito específica, ligada a questões como o sexismo, a dominância social e a divisão sexual do trabalho, as quais contribuem significativamente para a reprodução de lugares sociais diferentes para homens e mulheres, a partir da atribuição de papéis de gênero, levando à construção de crenças e comportamentos que influenciam nos interesses e, consequentemente, nas escolhas.

 

Método

Delineamento

Trata-se de um estudo de caráter quantitativo, exploratório e analítico (survey e desenho quase-experimental de cenários).

Participantes

A amostra foi constituída por adolescentes de 14 a 23 anos (segundo o critério da OMS, 2011), de diferentes perfis sociodemográficos, convidados a partir de uma chamada online para responder à pesquisa. A amostra foi aleatória e os critérios de inclusão eram: adolescentes a partir de 14 anos, que estavam cursando o ensino médio e que aceitaram o termo de consentimento. Com base no critério cenário/sujeitos, o número mínimo a ser alcançado era de 100 participantes para cada cenário, podendo extrapolar essa meta. Os convites foram amplamente divulgados para garantir que indivíduos de vários estados do Brasil respondessem, assim como para que se conseguisse uma boa proporção de diferentes perfis demográficos em termos de renda, gênero, orientação sexual, tipo de instituição e opção de curso que pretendiam prestar no vestibular/Enem. A amostra final foi composta por 486 adolescentes; destes, 344 (70,8%) se autodeclararam do gênero feminino, 140 (28,8%) se autodeclararam do gênero masculino e apenas 2 (0,4%) como outro. A respeito da orientação sexual, 380 (78,2%) se autodeclararam como heterossexuais, 88 (18,1%) bissexuais e 18 (3,7%) homossexuais. A idade variou de 14 a 23 anos, com média de 16,35 anos (DP = 1,37). No que se refere à identidade racial, a maioria se autodeclarou como pardos (as) (n = 236; 48,6%) e brancos (as) (n = 179; 36,8%). Acerca da religião, houve maior concentração para a católica, com 220 (45,3%) respondentes.

Instrumentos

Como proposto no desenho quase-experimental, os participantes foram encaminhados aleatoriamente a um dos quatro diferentes cenários, os quais descreviam a breve história de uma pessoa que busca por uma vaga no mercado de trabalho. Cada dois cenários contavam a mesma história, alterando apenas os nomes dos envolvidos, de forma a caracterizar uma profissão socialmente considerada feminina sendo interpretada por uma mulher (Enfermagem – Fabiana), uma profissão socialmente considerada feminina sendo interpretada por um homem (Enfermagem – Felipe), uma profissão socialmente considerada como masculina sendo interpretada por uma mulher (Engenharia Civil – Marta) e uma profissão socialmente considerada como masculina sendo interpretada por um homem (Engenharia Civil – Marcos). Logo em seguida, os participantes responderam a sete perguntas que verificavam a compatibilidade da pessoa para o cargo, entre elas: cinco perguntas sobre concordância ou discordância (em escala likert), uma pergunta dicotômica (sim ou não) e uma pergunta aberta. A seguir: 1) O quanto você acha que essa pessoa é o funcionário ideal para o cargo?; 2) O quanto você acha que essa pessoa tem conhecimento e competência para assumir o cargo?; 3) O quanto você acha que a vida pessoal dessa pessoa é apropriada para essa profissão?; 4) O quanto você acha que essa pessoa será firme para executar as tarefas a ela designadas?; 5) O quanto você acha que o sexo/gênero dessa pessoa é apropriado para desempenhar as tarefas desta profissão?; 6) Na sua opinião esta pessoa é adequada para o cargo? e 7) Justifique sua resposta.

Numa segunda etapa, os participantes responderam a quatro instrumentos: duas escalas, um inventário e um questionário de dados sociodemográficos. Escala de Papéis de Gênero: elaborada por Barros, Natividade e Hutz (2013), possui 14 itens e é utilizada com o objetivo de aferir papéis de gênero, com índice de precisão verificado por meio do Coeficiente Alfa de Cronbach, sendo que para Feminilidade o valor foi de 0,76 e para Masculinidade foi de 0,70. Inventário de Sexismo Ambivalente (ISA): elaborado originalmente em língua inglesa (Glick & Fiske, 1996) e adaptado por Formiga, Golveia e Santos (2002), possui 22 itens que avaliam as atitudes em relação às mulheres a respeito de duas dimensões do sexismo, o hostil e o benévolo, e apresentou parâmetros psicométricos para a população brasileira com os seguintes indicadores de ajuste: GFI = 0,77 e AGFI = 0,72; c²/g.l. = 3,18; e RMSR = 0,10. Escala de Orientação à Dominância Social - 7 (Ho et al., 2015) é uma medida de autorrelato composta por 2 fatores substanciais ("Dominância Social" e "Anti-Igualitarismo") e 2 fatores de método (pró-traço x contra-traço). No estudo original de desenvolvimento, o instrumento apresentou boas propriedades psicométricas (CFI > 0,90; RMSEA < 0,08; χ²/graus de liberdade < 2,00) em sete amostras diferentes, além de boa validade convergente, divergente e de critério entre grupos. Na versão em português da SDO7 as respostas podiam variar em uma escala Likert de 1 (discordo totalmente) a 7 (concordo totalmente). Para este estudo foi utilizada a versão longa da SDO7 para o contexto nacional (Vilanova, Soares, Quadros Duarte & Costa, 2020), que apresentou Coeficiente Alfa de Cronbach superior a 0,70. Questionário sociodemográfico: elaborado pelos autores do estudo, contendo questões que abrangem dados sociodemográficos e questões relacionadas à escolha profissional.

Procedimentos para coleta de dados

A coleta de dados foi realizada por meio de uma survey, para a qual os participantes foram convidados a responder por meio de uma chamada pública em redes sociais (WhatsApp, Facebook, Instagram, Twitter) entre 30 de março e 12 de maio de 2020. O anúncio de divulgação da pesquisa foi gerado via rede social para que um maior número de adolescentes fosse alcançado. A partir de um questionário criado no Google Docs, foi gerado um link, no qual os participantes tinham acesso à pesquisa, bem como ao termo de consentimento e a uma breve descrição do estudo, a partir do qual era possível clicar no botão de concordar em participar do estudo e, assim, prosseguir. Nesse momento, era solicitado que o participante escolhesse um número entre 1 e 4; assim, ele era direcionado para um dos cenários de descrição da situação e, em sequência, para os demais instrumentos. As respostas foram transferidas para o SPSS sem a identificação dos respondentes. Ao final do questionário, havia a possibilidade de o respondente disponibilizar o seu e-mail para que, em um momento posterior, fosse informado dos resultados obtidos pela amostra geral.

Aspectos éticos da pesquisa

A pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal de Sergipe e aprovada com o nº (omissão para avaliação). O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e o Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE) foram adicionados na primeira página do formulário, para que os participantes e responsáveis só pudessem avançar na pesquisa aceitando os termos e assentindo em participar do estudo. O TCLE e o TALE continham informações sobre objetivos do estudo, contato dos pesquisadores, assim como a garantia de sigilo das informações pessoais e a possibilidade de o participante desistir da pesquisa a qualquer momento, não havendo problema quanto a isso.

Análise de dados

Os dados foram analisados quantitativamente a partir do programa estatístico SPSS, versão 23. Foram realizadas análises univariadas descrevendo a amostra pelos dados sociodemográficos. Foram realizados testes de normalidade que apontaram a possibilidade de análise de dados conforme segue. Na estatística inferencial bivariada paramétrica, foram aplicados os testes t de Student (t) (gênero, tipo de instituição, renda e local de moradia versus sexismo hostil, sexismo benevolente, dominância social e anti-igualitarismo), ANOVA one-way (F) (identidade racial, orientação sexual e religião versus sexismo hostil, sexismo benevolente, dominância social, anti-igualitarismo); foi utilizado o teste post hoc de Tukey para as análises ANOVA realizadas nesse estudo e também foi aplicada a correlação de Pearson (r) (cenários (1, 2, 3 e 4), papéis de gênero (feminilidade), papéis de gênero (masculinidade), sexismo hostil, sexismo benevolente, dominância social e anti-igualitarismo). As análises bivariadas viabilizaram a comparação de grupos para as respostas sobre os cenários e a associação com as variáveis medidas pelas escalas. A partir das questões aplicadas após os cenários, foi calculado um escore de concordância/discordância sobre a adequação cargo-perfil da pessoa. Foram comparados os escores produzidos para os quatro grupos de acordo com os cenários (feminino-feminino, feminino-masculino,  masculino-feminino,  masculino-masculino). Cada grupo de cenários foi comparado para as variáveis sexismo hostil, sexismo benevolente, dominância social, anti-igualitarismo. Foram realizadas 4 regressões lineares, tendo como variável de desfecho os escores de concordância para cada um dos cenários, a saber: Cenário 1 (Profissão socialmente vista como feminina sendo interpretada por uma mulher), Cenário 2 (Profissão socialmente vista como feminina sendo interpretada por um homem), Cenário 3 (Profissão socialmente vista como masculina sendo interpretada por uma mulher) e Cenário 4 (Profissão socialmente vista como masculina sendo interpretada por um homem).

 

Resultados

No que concerne aos dados escolares dos respondentes, 284 (58,4%) são provenientes de escola pública e 202 (41,6%) de escola particular. Com relação à série escolar, 128 (26,3%) são alunos do primeiro ano do ensino médio, 113 (23,3%) do segundo ano do ensino médio e 245 (50,4%) do terceiro ano do ensino médio. A respeito dos cursos que pretendem prestar no vestibular/ Enem, 107 (22%) pensam em Medicina, 60 (12,3%) em Direito, 49 (10,1%) em Psicologia, 29 (6%) em Engenharia, 71 (14,6%) ainda não sabem que curso prestar e 170 (35%) pensam em outros cursos.

Em relação a questões de moradia, renda e acesso à tecnologia, 389 (80%) residem na zona urbana e 97 (20%) residem na zona rural. Destaca-se que 326 (67,1%) são do interior e 160 (32,9%) são da capital. Quanto ao estado, os adolescentes foram predominantemente de Sergipe 315 (64,8%) e da Bahia 66 (13,6%). A grande maioria reside com os pais (n = 420; 86,4%), em residência própria (n = 400; 82,3%), não trabalham e são sustentados pela família ou por outras pessoas (n = 418; 86%). A renda mensal familiar varia entre menos de 1 mil reais a 3 mil reais (n = 298; 61,3%), têm acesso à internet em casa (n = 470; 96,7%) e têm aparelho celular (n = 477, 98,1%).

Com relação à variável gênero foram encontradas diferenças estatisticamente significativas para as variáveis sexismo hostil, sexismo benevolente, dominância social e anti-igualitarismo. Verificou-se que os respondentes autodeclarados do gênero masculino possuíam maiores médias que os autodeclarados do gênero feminino em todas as variáveis supracitadas (Tabelas 1 e 2). No que diz respeito à variável tipo de instituição, apresentaram também significância estatística os testes conduzidos com sexismo hostil, sexismo benevolente e anti-igualitarismo. Isso indica que alunos de instituições públicas apresentaram maior média do que alunos de instituições privadas nos testes conduzidos com as três variáveis. As análises conduzidas com dominância social não mostraram diferença estatisticamente significativa entre os grupos de instituição privada ou pública (Tabelas 1 e 2).

 

 

 

 

A variável renda apresentou significância estatística nas análises conduzidas apenas com sexismo hostil e sexismo benevolente. As análises apontam que os sujeitos de renda baixa foram tiveram resultados superiores aos de renda alta nas duas dimensões de sexismo. As análises conduzidas com dominância social e anti-igualitarismo não mostraram diferença estatisticamente significativa entre os grupos de maior ou menor renda (Tabelas 1 e 2). A variável local de moradia, apresentou significância estatística nas análises conduzidas com sexismo hostil, sexismo benevolente e anti-igualitarismo, indicando que quem reside no interior apresentou maiores médias do que quem reside na capital. As análises conduzidas com dominância social não mostraram diferença estatisticamente significativa entre grupos do interior ou da capital (Tabelas 1 e 2).

Apresentaram significâncias estatísticas as análises de variância conduzidas com identidade racial para sexismo hostil, sexismo benevolente e para dominância social. Em relação ao sexismo hostil, a diferença é encontrada entre brancos e pardos e entre brancos e pretos. No que se refere ao sexismo benevolente, a diferença é encontrada entre brancos e pardos, entre brancos e pretos e entre brancos e indígenas. Quanto à dominância social, a diferença é encontrada entre brancos e pretos. As análises de variância conduzidas com anti-igualitarismo não mostraram diferença estatisticamente significativa entre os grupos de brancos, pardos, pretos, amarelos e indígenas (Tabelas 1 e 2). No que se refere à orientação sexual, apresentaram significância estatística as análises de variância conduzidas com sexismo hostil, sexismo benevolente e com dominância social. Em relação ao sexismo hostil, a diferença é encontrada entre heterossexuais e bissexuais. Quanto ao sexismo benevolente, a diferença é encontrada entre heterossexuais e bissexuais. Na dominância social, a diferença também é encontrada entre heterossexuais e bissexuais. As análises de variância conduzidas com anti-igualitarismo não mostraram diferenças estatisticamente significativas entre os grupos de heterossexuais, homossexuais e bissexuais (Tabelas 1 e 2).

A variável religião também apresentou significância estatística nas análises de variância conduzidas com sexismo hostil, sexismo benevolente, dominância social e com o anti-igualitarismo. Em relação ao sexismo hostil, a diferença é encontrada entre católicos e agnósticos/sem religião/não sei, entre evangélicos/protestantes e espíritas/ afro-brasileiros e entre evangélicos/protestantes e agnósticos/sem religião/não sei. No que se refere ao sexismo benevolente, a diferença é encontrada entre católicos e evangélicos/protestantes, entre católicos e espíritas/afro-brasileiros, entre católicos e agnósticos/sem religião/ não sei, entre evangélicos/protestantes e espíritas/afro-brasileiros e entre evangélicos/protestantes e agnósticos/sem religião/ não sei. No que diz respeito à dominância social, a diferença é encontrada entre católicos e agnósticos/sem religião/não sei e entre evangélicos/protestantes e agnósticos/sem religião/não sei. E em relação ao anti-igualitarismo, a diferença é encontrada entre católicos e evangélicos/protestantes e entre evangélicos/protestantes e agnósticos/sem religião/ não sei (Tabelas 1 e 2). Uma ANOVA foi realizada para comparação das escalas (ISA e SDO7) com os cursos escolhidos pelos estudantes (Medicina, Direito, Psicologia e Engenharia), mas não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas.

Análises de correlação de Pearson foram realizadas com base nos resultados significativos apresentados a priori (Tabela 3). No que concerne a uma profissão socialmente vista como feminina sendo interpretada por uma mulher (Cenário 1), foram encontradas correlações negativas significativas com a dominância social e o anti-igualitarismo e correlações positivas significativas com os papéis de gênero (feminilidade). No que se refere a uma profissão socialmente vista como feminina sendo interpretada por um homem (Cenário 2), foram encontradas correlações negativas significativas com a dominância social e com o anti-igualitarismo e correlações positivas significativas com os papéis de gênero (feminilidade). No que diz respeito a uma profissão socialmente vista como masculina sendo interpretada por uma mulher (Cenário 3), foram encontradas correlações negativas significativas com a dominância social, com o anti-igualitarismo e com o sexismo hostil. Para o cenário 4, que trata de uma profissão masculina sendo interpretada por um homem, não foram encontrados resultados significativos nas correlações.

 

 

Através da correlação de Pearson, foi possível verificar que os papéis de gênero (feminilidade) apresentam correlações positivas significativas com os papéis de gênero (masculinidade) e correlações negativas significativas com a dominância social e com o anti-igualitarismo. Além disso, os papéis de gênero (masculinidade) apresentam correlações positivas significativas com o sexismo benevolente e correlações negativas significativas com anti-igualitarismo. O sexismo hostil apresentou fortes correlações positivas e significativas com o sexismo benevolente, com a dominância social e com o anti-igualitarismo. O sexismo benevolente também apresentou fortes correlações positivas e significativas com a dominância social e com o anti-igualitarismo. A dominância social apresentou uma forte correlação positiva e significativa com o anti-igualitarismo.

Foram realizadas quatro regressões lineares, uma para cada cenário, considerando as variáveis gênero, série escolar, renda, papéis de gênero (feminilidade), papéis de gênero (masculinidade), sexismo hostil, sexismo benevolente, dominância social e anti-igualitarismo. O melhor modelo explicativo foi encontrado para o cenário 3 (Engenharia Civil – Marta), conforme a tabela 4. No modelo de regressão linear tendo como variável de desfecho a concordância para o cenário 1 (Enfermagem – Fabiana), o modelo apresentou variância explicada de 15% [F (9,102) = 2,023; p = 0,044, r2 = 0,151], tendo como única variável significativa a renda (β = 0,201; t = 2,078; p = 0,040). No modelo de regressão linear tendo como variável de desfecho a concordância para o cenário 2 (Enfermagem – Felipe), o modelo apresentou variância explicada de 8% [F (9,112) = 1,141; p = 0,341, r2 = 0,084] e não apontou nenhuma variável significativa. No modelo de regressão linear tendo como variável de desfecho a concordância para o cenário 4 (Engenharia Civil – Marcos), o modelo apresentou variância explicada de 3% [F (9,111) = 0,392; p = 0,937, r2 = 0,031] e não apontou nenhuma variável significativa.

 

 

Discussão

O objetivo do presente estudo foi analisar a influência dos estereótipos de gênero no julgamento de profissões vistas socialmente como masculinas ou femininas, sob a perspectiva de adolescentes que se encontram em processo de escolha profissional. Os papéis sociais desempenhados por homens e mulheres são frequentemente questionados e carregados de estereótipos ligados às características e às competências dadas socialmente para cada gênero, impactando diretamente nos lugares ocupados por homens e mulheres em diversos âmbitos, inclusive no mundo do trabalho. As atitudes do papel de gênero e sua influência nas percepções do desempenho masculino e feminino no trabalho são aspectos importantes para a compreensão da desigualdade de gênero no local de trabalho (Buchanan, 2014). Existe uma tendência de se considerar as mulheres menos competentes do que os homens (Conceição, Amorim, & Pereira, 2020).

Os dados exploratórios desse estudo revelam que nas análises conduzidas com gênero e as escalas ISA e SDO7, os meninos apresentaram maiores médias que as meninas para as variáveis: sexismo hostil, sexismo benevolente, dominância social e anti-igualitarismo. Tal fato corrobora com os achados da pesquisa conduzida apenas com adolescentes masculinos sobre estereótipos de gênero e sexismo ambivalente, que apontou a persistência de visões estereotipadas e sexistas contra as mulheres, tanto através da hostilidade quanto da benevolência. São variáveis que geralmente se associam a dominação, discriminação, preconceitos e violência, através de agressões físicas e psicológicas contra a mulher, bem como à manutenção de quadro de opressão do gênero feminino (Mesquita Filho, Eufrásio, & Batista, 2011).

O tipo de instituição de ensino (pública ou privada) e o local de moradia (capital ou interior) também foram fortes preditores de sexismo hostil, sexismo benevolente e anti-igualitarismo. Os adolescentes de instituição pública e que residiam no interior apresentaram as maiores médias de sexismo hostil, sexismo benevolente e anti-igualitarismo. O processo de ensino e aprendizagem de como ser menino e menina é definitivamente reforçado pela escola, que pode ser apontada como a grande (re) produtora, como instituição normativa que é, em todos os seus níveis, do sexismo e dos papéis de gênero, do que é socialmente considerado adequado e possível para um homem e para uma mulher, os modos adequados e possíveis de ser, agir, pensar, decidir, enfim, viver (Lima et al., 2017). Os marcadores culturais das juventudes podem estar associados aos papéis sociais de homens e mulheres, os quais recebem influências no âmbito das relações sociais que se dão na família, na escola e na sociedade em geral. A depender das bases que fundamentam tais influências, os resultados da caracterização dos papéis sociais de homens e mulheres são diferentes, podendo ter resultados de reforço ao escopo das posturas discriminatórias centradas no patriarcalismo, que acabam por segmentar escolhas e cargos profissionais das juventudes em função apenas da diferença biológica entre os sexos (Nascimento & Cruz, 2016).

A análise de correlação realizada para o Cenário 1 (Enfermagem – Fabiana) mostrou correlações positivas significativas com os papéis de gênero (feminilidade). De acordo com a literatura, as principais motivações de estudantes do sexo feminino envolvem atividades profissionais vinculadas ao contato interpessoal e ajuda ao outro, pensamento criativo e abstrato, raciocínio lógico e pensamento organizado; e no que se refere à preferência por ambientes, locais e objetos de trabalho, apontaram apreciar locais que ofereçam a possibilidade de contato interpessoal e trabalhos com objetos suaves e utilizando o tato, instituições de ajuda (educacional ou de saúde) e disponibilidade para o cuidado ao outro e/ ou que requeiram energia psíquica, mas também locais fechados em que se possa expor a criatividade e agir com espontaneidade (Jacquemin, Okino, Noce, Assoni, & Pasian, 2006; Shimada & Melo-Silva, 2013; Resende & Pasian, 2017). Existe uma representação de quais são os tipos de profissões vistas como mais adequadas para os homens e para as mulheres, visto que, no caso das mulheres, as profissões mais citadas sugeriram a imagem de uma mulher tida como mais delicada, doméstica e preocupada com a qualidade de vida das outras pessoas (Belo, Souza, & Camino, 2010).

Cabe ressaltar que, a análise de correlação realizada para o Cenário 2 (Enfermagem – Felipe) mostrou correlações positivas significativas com os papéis de gênero (feminilidade), apontando que é aceitável um homem ocupar uma profissão socialmente feminina. Nesse sentido, a literatura aponta que homens que não seguem carreiras masculinizadas, são discriminados por serem considerados inferiores e até mesmo questionados em relação às suas orientações sexuais, por optarem por uma profissão tida como feminina. Dessa forma, acredita-se que a opção dos homens pela enfermagem, bem como sua inserção na categoria, é atravessada fortemente pelas dimensões de gênero (Cunha & Sousa, 2016).

Outro aspecto evidenciado pelas análises de correlações de Pearson e regressão linear, apontam a não aceitação de uma mulher ocupando uma profissão socialmente considerada masculina (Cenário 3: Marta – Engenharia Civil). Os resultados dessas análises levam à reflexão de que o sexismo tem uma direção, ele é machista e atrapalha a mulher, dificultando a sua inserção em uma carreira socialmente vista como masculina. Subtende-se que a mulher não tem competência e nem as características necessárias para assumir as tarefas do cargo. Houve um aumento na inserção de mulheres nas profissões ainda consideradas hegemonicamente masculinas, como as engenharias, mas é importante destacar que esses avanços ainda vão de encontro a concepções sexistas presentes no mundo acadêmico e profissional (Moraes & Cruz, 2018). Um estudo conduzido com mulheres engenheiras mostrou que elas continuam a sofrer preconceitos no campo e que existem contínuos desafios estruturais e socioculturais em ambientes acadêmicos e no local de trabalho que contribuem negativamente para as experiências das mulheres na engenharia. Suas habilidades e realizações técnicas são negligenciadas e seu gênero afeta de maneira proeminente as primeiras impressões e interações contínuas; na academia, as mulheres experimentaram viés implícito em uma variedade de interações e ambientes, especialmente de colegas do gênero masculino em projetos de equipe em que as contribuições das mulheres são negligenciadas (Smith & Gayles, 2018).

De forma antagônica, as concepções sobre a inserção de mulheres em profissões socialmente vistas como masculinas e de homens em profissões socialmente vistas como femininas têm sido discutidas na literatura (Rabelo, 2013; Salvaro, Quadros, & Estevam, 2016; Casagrande & Souza, 2016; Cunha & Sousa, 2016; Viana, De Sousa, & Torres, 2018; Narimatsu & Duque, 2020); bem como os impactos e diferenças salariais entre eles, confirmando a ideia de que as mulheres ganham menos que os homens mesmo quando realizam a mesma atividade (Madalozzo & Artes, 2017; Barros & Mourão, 2018). Um estudo mostrou que os principais desafios que os participantes acreditam que as mulheres enfrentam são em relação à desigualdade salarial e ao machismo, pois são vistas como incapazes e inferiores aos homens em profissões tipicamente masculinas; já no que se refere aos desafios encontrados por homens em profissões tipicamente femininas, em geral, os participantes negaram haver dificuldades ou desafios, sob a crença de que homens e mulheres têm as mesmas capacidades, independente do espaço que ocupam e que não deveria existir essa diferenciação profissional com base no gênero (Viana, De Sousa, & Torres, 2018).

Considerando o fato de que o presente estudo foi conduzido com adolescentes, com idade de 14 a 23 anos, em termos gerais, os achados corroboram com o trabalho realizado com adolescentes masculinos acerca da existência de preconceitos nas manifestações dos estereótipos de gênero e sexismo ambivalente, os autores apontam a possibilidade de que os componentes do preconceito sexista contra as mulheres possam ter maior presença do que o estereótipo de gênero; os resultados deste trabalho também indicam que o preconceito contra a mulher provavelmente se instala precocemente (Mesquita Filho et al., 2011).

Destaca-se a necessidade da construção de referências positivas durante a educação básica, que desconstruam os estereótipos de gênero em relação às aprendizagens e futuras carreiras (Moraes & Cruz, 2018). São diferentes os processos de socialização e de educação de meninos e meninas ao longo da vida e, quando adultos, homens e mulheres enfrentam circunstâncias dessemelhantes para construir suas trajetórias acadêmicas (Narimatsu & Duque, 2020).

 

Considerações finais

Este estudo investigou a influência dos estereótipos de gênero no julgamento de profissões vistas socialmente como masculinas ou femininas, sob a perspectiva de adolescentes que se encontram em processo de escolha profissional. Foram abordados adolescentes em período escolar do ensino médio, dado que esta é uma fase crucial para as primeiras tomadas de decisão referentes à escolha profissional e de carreira. Os resultados foram satisfatórios para os objetivos pretendidos com o estudo, uma vez que foram levantados dados de relevância, mas é importante apontar algumas limitações. A primeira delas é que a amostra é relativamente pequena e foi dividida em quatro cenários distintos, não havendo a possibilidade de fazer uma aleatoriedade dos participantes e nem de aumentar o número de escolas públicas e particulares. Destaca-se que a proposta inicial deste estudo contava com a coleta presencial, a qual já tinha as devidas liberações das escolas públicas e particulares com previsão de início em Março de 2020, mas em virtude do período de pandemia do novo coronavírus (Covid-19) e das recomendações de distanciamento social, a coleta foi realizada de modo online, o que pode ser uma outra limitação do estudo por conta do viés de acesso.

O principal resultado do estudo leva ao debate de que ainda existe uma influência do estereótipo de gênero com algumas tendências para determinados grupos (gênero masculino, morar no interior, possuir renda baixa e estudar em escola pública), principalmente quando o que está em julgamento é o papel da mulher. As mudanças sociais aconteceram ao longo dos anos, mas a mulher ainda não tem flexibilidade quanto às suas escolhas profissionais e quanto à inserção no mercado de trabalho, e suas competências ainda são questionadas quando ela opta por seguir uma profissão socialmente vista como masculina. Esse debate precisa alcançar muitos públicos, principalmente aqueles que se encontram nos grupos supracitados.

A temática principal desse estudo é muito importante e necessária para ser discutida dentro das escolas e até mesmo ser pensada dentro do mercado de trabalho, diante da forma como se projeta e se configura as profissões. Nesse sentido, sugere-se que estudos futuros possam ser conduzidos, bem como intervenções educativas com adolescentes em processo de escolha profissional, com o intuito de minimizar esses efeitos. É evidente que tais efeitos são ruins porque causam e mantêm uma desigualdade de gênero que não faz sentido, uma vez que ela não é baseada nas habilidades e competências profissionais e sim numa crença social pautada no estereótipo de gênero, no machismo e no sexismo.

 

Referências

Albornoz, S. (2008). O que é trabalho. São Paulo: Brasiliense.         [ Links ]

Barros, M. C., Natividade, J. C., & Hutz, C. S. (2013). Construção e validação de uma medida de papéis de gênero. Avaliação Psicológica, 12(3), 317-324. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/pdf/avp/v12n3/v12n3a06.pdf        [ Links ]

Barros, S. C. D. V., & Mourão, L. (2018). Panorama da participação feminina na educação superior, no mercado de trabalho e na sociedade. Psicologia & Sociedade, 30, 1-11. doi: 10.1590/1807-0310/2018v30174090        [ Links ]

Basso, C. (2008). Escolha Profissional: estudantes universitários em crise durante as fases intermediárias da formação acadêmica (Dissertação de Mestrado). Universidade Federal de Santa Catarina, Santa Catarina, SC, Brasil. Recuperado de https://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/91687        [ Links ]

Belo, R. P., Souza, T. R. D., & Camino, L. (2010). Análise de repertórios discursivos sobre profissões e o sexo: Um estudo empírico na cidade de João Pessoa. Psicologia & Sociedade, 22(1), 23-31. doi: 10.1590/S0102-71822010000100004        [ Links ]

Bohoslavsky, R. (2007). Orientação vocacional: A estratégia clínica. São Paulo: Martins Fontes.         [ Links ]

Buchanan, T. (2014). The influence of gender role attitudes on perceptions of women's work performance and the importance of fair pay. Sociological Spectrum, 34(3), 203-221. doi: 10.1080/02732173.2014.895637        [ Links ]

Casagrande, L. S., & Souza, Â. M. F. D. L. (2016). Para além do gênero: Mulheres e homens em engenharias e licenciaturas. Revista Estudos Feministas, 24(3), 825-850. doi: 10.1590/1806-9584-2016v24n3p825        [ Links ]

Conceição, A. C., Amorim. A. K. F, & Pereira, C. R. (2020). O papel do conteúdo dos estereótipos na discriminação de gênero. In M. E. O. Lima, D. X. França, & R. M. K. Freitag (Orgs.), Processos Psicossociais de Exclusão Social. São Paulo: Blucher.         [ Links ]

Cunha, Y. F. F., & Sousa, R. R. (2016). Gênero e enfermagem: Um ensaio sobre a inserção do homem no exercício da enfermagem. RAHIS-Revista de Administração Hospitalar e Inovação em Saúde, 13(3), 140 - 149. doi: 10.21450/ rahis.v13i3.4254        [ Links ]

De Moura, R. R., & Possato, S. (2012). As dificuldades de inserção no mercado de trabalho e suas repercussões na vida dos jovens: Apontamentos a partir de uma experiencia em comunidade periférica de Ponta Grossa-PR. Eleuthera, 7, 193-221. Recuperado de http://eleuthera.ucaldas.edu.co/downloads/Eleuthera7_11.pdf        [ Links ]

Formiga, N. S., & Camino, L. (2001). A Dimensão do Inventário de Papeis Sexuais (BSRI): A masculinidade e feminilidade em universitários. Estudos de psicologia (Campinas), 18(2), 41-49. doi: 10.1590/S0103-166X2001000200004        [ Links ]

Formiga, N. S., Golveia, V. V., & Santos, M. N. D. (2002). Inventário de sexismo ambivalente: Sua adaptação e relação com o gênero. Psicologia em estudo, 7(1), 103-111. doi: 10.1590/S1413-73722002000100013        [ Links ]

Glick, P., & Fiske, S. T. (1996). The Ambivalent Sexism Inventoy: Differentiating hostile and benevolent sexism. Journal of Personality and Social Psychology, 70(3), 491-512. doi: 10.1037/0022-3514.70.3.491        [ Links ]

Gonzaga, L. R. V. (2011). Relação entre vocação, escolha profissional e nível de stress (Dissertação de Mestrado). Programa de Pós Graduação em Psicologia do Centro de Ciências da Vida. Pontífica Universidade Católica de Campinas, Campinas-SP, Brasil. Recuperado de http://tede.bibliotecadigital.puc-campinas.edu.br:8080/jspui/handle/tede/283        [ Links ]

Hirata, H., & Kergoat, D. (2007). Novas configurações da divisão sexual do trabalho. Cadernos de pesquisa, 37(132), 595-609. doi: 10.1590/S0100-15742007000300005        [ Links ]

Ho, A. K., Sidanius, J., Kteily, N., Sheehy-Skeffington, J., Pratto, F., Henkel, K. E., ... & Stewart, A. L. (2015). The nature of social dominance orientation: Theorizing and measuring preferences for intergroup inequality using the new SDO7 scale. Journal of Personality and Social Psychology, 109(6), 1003. doi: 10.1037/pspi0000033.supp        [ Links ]

Jacquemin, A., Okino, E. T. K., Noce, M. A., Assoni, R. D. F., & Pasian, S. R. (2006). O BBT-Br Feminino. Teste de Fotos de Profissões: Adaptação brasileira, normas e estudos de caso. São Paulo: Centro Editor de Testes e Pesquisas em Psicologia.         [ Links ]

Lima, F. I. A., Voig, A. E. G. T., Feijó, M. R., Camargo, M. L., & Cardoso, H. F. (2017). A influência da construção de papeis sociais de gênero na escolha profissional. DOXA: Revista Brasileira de Psicologia e Educação, 19(1), 33-50. doi: 10.30715/rbpe.v19.n1.2017.10818        [ Links ]

Lobato, C. R. P. S. (2001). Maturidade vocacional e gênero: adaptação e uso de instrumentos de avaliação (Dissertação de Mestrado). Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, Porto Alegre, RS, Brasil. Recuperado de https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/7452/000544703.pdf?sequence=1         [ Links ]

Lucchiari, D. H. P. S. (2017). Pensando e vivendo a orientação profissional. São Paulo: Summus.         [ Links ]

Madalozzo, R., & Artes, R. (2017). Escolhas profissionais e impactos no diferencial salarial entre homens e mulheres. Cadernos de Pesquisa, 47(163), 202-221. doi: 10.1590/198053143666        [ Links ]

Mesquita Filho, M., Eufrásio, C., & Batista, M. A. (2011). Estereótipos de gênero e sexismo ambivalente em adolescentes masculinos de 12 a 16 anos. Saúde e Sociedade, 20, 554-567. doi: 10.1590/S0104-12902011000300003        [ Links ]

Moraes, A. Z. D., & Cruz, T. M. (2018). Estudantes de engenharia: Entre o empoderamento e o binarismo de gênero. Cadernos de Pesquisa, 48(168), 572-598. doi: 10.1590/198053145159        [ Links ]

Narimatsu, G. D. M., & Duque, T. (2020). "Óh, ela é formada em Física": Um estudo sobre educação e gênero na região de Corumbá/MS. Perspectivas em Diálogo: revista de educação e sociedade, 7(14), 55-80. Recuperado de https://periodicos.ufms.br/index.php/persdia/article/view/8172        [ Links ]

Nascimento, A. P. L., & Cruz, M. H. S. (2017). Juventudes em debate: Uma análise teórica a partir da relação escola, culturas juvenis e gênero. Revista Cadernos de Ciências Sociais da UFRPE, 1(8), 144-170. Recuperado de http://www.journals.ufrpe.br/index.php/cadernosdecienciassociais/article/view/949         [ Links ]

Natividade, J. C., Laskoski, L. M., Barros, M. C., & Hutz, C. S. (2014). As diferenças sexuais podem fundamentar estereótipos de gênero? Deixem jovens de baixa escolaridade responderem. Psicologia e Saber Social, 3(1), 22-40. Recuperado de https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/psi-sabersocial/article/view/12201/9500        [ Links ]

Neiva, K. M. C., Silva, M. B., Miranda, V. R., & Esteves, C. (2005). Um estudo sobre a maturidade para a escolha profissional de alunos do ensino médio. Revista Brasileira de Orientação Profissional, 6(1), 1-14. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rbop/v6n1/v6n1a02.pdf        [ Links ]

Nepomuceno, R. F., & Witter, G. P. (2010). Influência da família na decisão profissional: Opinião de adolescentes. Psicologia Escolar e Educacional, 14(1), 15-22. doi: 10.1590/S1413-88572010000100002        [ Links ]

Oliveira, M. C. S. L., Pinto, R. G., & Souza, A. D. S. (2003). Perspectivas de futuro entre adolescentes: Universidade, trabalho e relacionamentos na transição para a vida adulta. Temas em Psicologia, 11(1), 16-27. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/pdf/tp/v11n1/v11n1a03.pdf        [ Links ]

Praça, M., & Souza-Leite, C. R. V. (2017). A relação profissão e gênero, a sociedade e sua cultura. Plures Humanidades, 18(1), 51-64. Recuperado de http://seer.mouralacerda.edu.br/index.php/plures/article/view/332/228        [ Links ]

Pratto, F., Sidanius, J., & Levin, S. (2006). Social dominance theory and the dynamics of intergroup relations: Taking stock and looking forward. European Review of Social Psychology, 17(1), 271–320. doi:10.1080/10463280601055772        [ Links ]

Rabelo, A. (2013). Debates sobre gênero na docência: O professor do sexo masculino nas séries iniciais do Rio de Janeiro-Brasil e Aveiro-Portugal. Educar em Revista, (48), 207-234. doi: 10.1590/S0104-40602013000200013        [ Links ]

Rappaport, C. R. (2004). Escolhendo a profissão. São Paulo: Editora Ática.         [ Links ]

Resende, G. C., & Pasian, S. R. (2017). Inclinações motivacionais de adolescentes concluintes do ensino fundamental em Manaus a partir do BBT-Br. Revista Brasileira de Orientação Profissional, 18(2), 232-247. doi: 10.26707/1984-7270/2017v18n2p233        [ Links ]

Salvaro, G. I. J., Quadros, S.M., & Estevam, D. O. (2016). Projetos profissionais de jovens, formação técnica em agropecuária. Psicologia & Sociedade, 28(2), 309-319. doi: 10.1590/1807-03102016v28n2p309        [ Links ]

Santana-Santos, E. K., & Cerqueira-Santos, E. (2020). Estereótipos de gênero na escolha profissional e de carreira no contexto brasileiro. In M. E. O. Lima, D. X. França, & R. M. K. Freitag (Orgs.), Processos Psicossociais de Exclusão Social. São Paulo: Blucher.         [ Links ]

Shimada, M., & Melo-Silva, L. L. (2013). Interesses profissionais e papéis de gênero: Escolhas femininas no BBT-Br. Avaliação Psicológica, 12(2), 243-251. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/pdf/avp/v12n2/v12n2a15.pdf         [ Links ]

Silva, M. C., & Mendes, O. M. (2015). As marcas do machismo no cotidiano escolar. Caderno Espaço Feminino, 28(1), 90-99. Recuperado de http://www.seer.ufu.br/index.php/neguem/article/view/31723        [ Links ]

Smith, K. N., & Gayles, J. G. (2018). "Girl Power": Gendered academic and workplace experiences of college women in engineering. Social Sciences, 7(1), 1-23. doi: 10.3390/socsci7010011        [ Links ]

Soares, D. H. P. (2016). O que é escolha profissional. São Paulo: Brasiliense.         [ Links ]

Soares, D. H. P. (2018). A Escolha Profissional: Do jovem ao adulto. São Paulo: Summus.         [ Links ]

Viana, H. A., de Sousa, A. W. L., & Torres, A. R. R. (2018). Engenheiras e enfermeiros: estereótipos, discriminação e desafios de profissionais contranormativos. Interdisciplinar-Revista de Estudos em Língua e Literatura, 29, 25-56. Recuperado de https://seer.ufs.br/index.php/interdisciplinar/article/view/9623        [ Links ]

Vilanova, F., Soares, D., Quadros Duarte, M., & Costa, Â. B. (2020). Evidências de validade da Escala de Orientação à Dominância Social no Brasil. Manuscript submitted for publication.         [ Links ]

World Health Organization [WHO]. (2011). Preventing early pregnancy and poor reproductive outcomes among adolescents in developing countries. Geneva: WHO. Retirado de http://www.who.int/maternal_child_adolescent/documents/preventing_early_pregnancy/en/index.html        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência:
PPGPSI – UFS
Av Marechal Rondon, Did II, sala 101
Campus da UFS
São Cristóvão, SE
CEP: 49100-000

Recebido: 15/09/2020
1ª reformulação: 30/08/2021
2ª reformulação: 13/12/21
Aceito: 25/04/22

 

 

Sobre os autores:
Erica Karine Santana Santos é Graduada em Psicologia pelo Centro Universitário Ages e Doutoranda em Psicologia pela Universidade Federal de Sergipe.
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7097-7023
E-mail: ericakarine.psi@gmail.com
Elder Cerqueira-Santos é Pós-Doutorado pela University of Toronto (Canada), Doutor em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul / University of Nebraska - USA e Professor do PPG de Psicologia da Universidade Federal de Sergipe.
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7097-7023
E-mail: eldercerqueira@gmail.com

Creative Commons License