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Winnicott e-prints

versão On-line ISSN 1679-432X

Winnicott e-prints vol.1 no.1 São Paulo  2006

 

ARTIGOS

 

O acontecer humano: alguns apontamentos *

 

The human happening: some notes

 

 

Eder Soares Santos1

Doutorando em Filosofia – Universidade Estadual de Campinas

Endereço para correspondência

 

 


Resumo

Pretendemos mostrar neste artigo alguns aspectos da teoria do amadurecimento de Winnicott e da teoria da acontecência (Geschichtlichkeit) de Heidegger, a fim de apresentar alguns apontamentos sobre o existir humano e tentar encontrar encaminhamento para questões como as seguintes: Qual é o estatuto de ser do doente psíquico? Pode–se dizer que o doente psíquico tem o mesmo modo de ser do não–doente? Em que medida podemos dizer que ele é quando denominamos, por exemplo, que um certo paciente é esquizofrênico, ou é psicótico etc.?

Palavras–chave: Winnicott, Heidegger, Amadurecimento, Acontecência, Existência, Acontecer humano.


Abstract

In this article, we attempt to show some aspects of maturation theory of Winnicott and of happening (Geschichtlichkeit) theory of Heidegger, in order to present some notes about the human existence and try to find addressing for questions like that: Which is the statute of being of the person who is psychically sick? Can we say that he is in the same way of being of the one who is not sick? In which terms can we say that he is when we state, for example, that one patient is schizophrenic, that another is psychotic, etc.?

Keywords: Winnicott, Heidegger, Maturation, Happening, Existence, Human happening.


 

 

1. Introdução

Pretendemos, neste trabalho, mostrar alguns aspectos da teoria da acontecência (Geschichtlichkeit) heideggeriana e da teoria do amadurecimento pessoal de Winnicott, a fim de fazer alguns apontamentos sobre o acontecer humano que nos impõem alguns questionamentos como os aludidos a seguir: qual é o estatuto de ser do doente psíquico? Pode–se dizer que esse doente é no mesmo modo de ser que o não–doente? Em que medida podemos dizer que ele é quando denominamos, por exemplo, que tal paciente é esquizofrênico ou é psicótico etc.? Dizer que ele é esquizofrênico ou psicótico serve apenas para diferenciá–lo daquele que é dito "normal" (definição limitante e limitadora do existir humano que, a cada dia, se torna mais difícil de estabelecer).

Esse é parece ter sentidos diferentes nos dois casos. O ser existente (Dasein) é, enquanto ser – usando a linguagem da fenomenologia existencial heideggeriana –, um ser–no–mundo, um poder–ser que se comporta em relação à possibilidade de ser mais própria que lhe vem ao encontro e, por isso mesmo, como um poder ir ao encontro de sua possibilidade mais impossível, ou seja, sua morte. Porém, pergunta–se: o doente psíquico grave encontra–se caído na impropriedade do modo de ser da vida cotidiana da mesma maneira que a pessoa "normal"? Qual é o modo de ser da queda do doente psíquico grave? Em que medida pode–se falar em compreensão do ser nesses casos, já que a abertura do ser para esse doente parece depender de um próximo passo ainda sempre a ser dado, em direção à clareira do sentido do seu próprio existir?

As respostas para essas questões ônticas, isto é, questões que dizem respeito ao existir humano concreto, como tentaremos mostrar, parecem encontrar encaminhamento na filosofia de Heidegger e na teoria psicanalítica de Winnicott, pois ambas teorias pretendem escapar ao aguilhão do determinismo da ciência natural.

 

2. A noção de acontecência2 em Heidegger

Para a tematização da noção de acontecência, Heidegger considera o ser–o–aí (Dasein) enquanto o ser inteiro próprio, em relação ao ser para a morte. A morte é apenas "um fim, que abrange a inteireza do ser–o–aí (Heidegger 2001, p. 373). O nascimento como um outro fim, assim como o "entre" (Zwischen) entre nascimento e morte, necessitam ser tratados, a fim de que a explicação do ser para a morte próprio ou impróprio não permaneça "unilateral" (einseitig). Nesse sentido, deve ser tematizado "o estendimento do ser–o–aí entre nascimento e morte" (idem), para se apresentar qual é a estrutura inteira do ser–o–aí.

Vulgarmente, o "estendimento" (Erstreckung) é entendido como "contexto" (Zusammenhang) da vida. Por isso, segundo Heidegger, trata–se de retomar esse conceito de "contexto" entre nascimento e morte, que ontologicamente ainda está completamente obscuro, partindo da temporalidade como sentido do ser da inteireza do ser–o–aí. O "contexto" no sentido vulgar, como contexto da vida (Lebenszusammenhang), é entendido como uma "seqüência de vivências "no tempo" (idem). Por conseqüência, as vivências são entendidas "no agora" como o "real" (wirkliches) simplesmente presente, fincando as vivências do passado subentendidas como o que não é mais real e, as do porvir, como o que ainda não é real (idem).

Na característica do "contexto", fica indeterminado existencialmente tanto o simesmo persistente como o que é mutável das vivências. Entretanto, é objetivo da analítica do ser–o–aí mostrar que este não é uma mera soma de realidades momentâneas (Momentanwirklichkeiten) nem uma via (Strecke) simplesmente dada da vida, a qual pode ser preenchida pelas suas respectivas realidades. Na concepção vulgar de "contexto", o "entre" nascimento e morte não é procurado fora do homem, mas sim, com direito, no homem mesmo. Por isso, tomar o homem como algo simplesmente presente (Vorhanden), intramundano, faz com que "fracasse toda tentativa de oferecer uma característica ontológica do ser "entre’ nascimento e morte" (Heidegger 2001, p. 374).

O ser–o–aí é aquele que em seu ser se estende (erstreckt) a si mesmo, e que "tem seu próprio ser, desde o princípio, constituído como estendimento" (idem). Nascimento e morte, existencialmente entendidos, estão já de algum modo compreendidos no ser–oaí e referidos ao ser do ser–o–aí como o ser para a morte lançado, isto é, o ser–o–aí existe nascencial (gebürtig) e, enquanto tal, também já morre no sentido de ser para a morte. Em conseqüência disso, aponta Heidegger: "Ambos, "fim’ e seu "entre’, são, enquanto o ser–o–aí existe facticamente, unicamente possíveis em função do fundamento do seu sero– aí como cuidado" (Heidegger 2001, p. 374).

Na unidade do estar–lançado (Geworfenheit) – esquecendo–se ou repetindo–se – e da existencialidade – como ser para a morte na fuga ou como precursor (Vorlaufen) –, o ser–o–aí já existe como cuidado para o seu próprio ser com o "entre" entre nascimento e morte: "Na unidade do estar–lançado como ser para a morte que foge e que é precursor "relacionam–se’ [hängen] nascimento e morte no ser–o–aí. Enquanto cuidado, o ser–o–aí é o "entre" (idem).

O "contexto" do ser–o–aí torna–se esclarecido originariamente a partir da movimentação (Bewegtheit) do ser–o–aí. A abertura do "entre" entre nascimento e morte é possível em razão da movimentação específica da existência. Essa movimentação não significa movimento (Bewegung) de um simplesmente presente, mas é determinada a partir da temporalidade ek–stática do ser–o–aí. A movimentação está indicada no estendimento (Erstrecktheit), que é originariamente um caráter ek–stático da temporalidade.3

As ek–stases se estendem e formam, como estendimento (Erstreckung), uma extensão (Erstreckheit) unificada. O ser–o–aí é ek–stático, mantém–se aberto (offen) no "entre" de ambos em razão do caráter do estendimento da temporalidade ek–stática. A movimentação da existência quer dizer "movimentação específica do estender–se estendido" (Heidegger 2001, p. 375), a qual possibilita a abertura do "entre" entre nascimento e morte. Heidegger nomeia essa movimentação específica de "o acontecer do ser–o–aí" [das Geschehen des Daseins] (idem).

A pergunta pelo "contexto de vida" (Lebenszusammenhang) volta–se, assim, originariamente para a questão ontológica–existencial pelo acontecer (Geschehen) do ser–o–aí. A análise do acontecer conduz à investigação da temporalidade. Esta possibilita a movimentação e a continuidade–de–si–mesmo do ser–o–aí e, dessa forma, o seu acontecer. A liberação (Freilegung) da estrutura desse acontecer a partir da temporalidade tem o significado de "alcance da compreensão ontológica da acontecência" (idem).

O que se abre no projeto (Entwurf) da acontecência, Heidegger apreende como "o que já se encontra encoberto na temporalização da temporalidade" (Heidegger 2001, p. 376). Sendo assim, pode–se afirmar que o ser–o–aí não é "temporal" (zeitlich), porque "encontra–se na História". Pelo contrário, o ser–o–aí existe acontecente (geschichtlich) e pode, assim, existir porque é temporal no fundamento do seu ser (idem).

Passemos agora à investigação da noção de acontecer em Winnicott para saber se é possível encontrar aí alguma afinidade com essa noção em Heidegger.

 

3. A psicanálise winnicottiana: uma possibilidade para o acontecer humano

Winnicott não procura basear suas explicações sobre a natureza humana no princípio de causalidade, nem enquadrá–las no âmbito determinista da ciência natural. Ele não vê o ser humano como um mecanismo, mas sim como alguém que demanda cuidado para alcançar o status de pessoa – seu amadurecimento –, isto é, o seu próprio acontecer. Sobre esse ponto, questiona–se Winnicott:

Um lactente é um fenômeno que pode ser isolado, ao menos hipoteticamente, para observação e conceitualização? Eu sugiro que a resposta é não. Quando voltamos os olhos para nossas análises de crianças e adultos, tendemos a ver mecanismos ao invés de lactentes. Mas, se nós olharmos para o lactente, veremos uma criança em cuidado [in care]. (Winnicott 1962c [1961], p.74)

Winnicott procura, segundo Elsa O. Dias, escapar ao determinismo causal, por isso ele usa expressões do tipo: "no início, há apenas um bebê potencial que precisa tornar–se real. Isso quer dizer que o ser humano" (Dias 1998, p. 97), desde o seu início, não é constituído por determinações intrínsecas que se manifestariam com o passar do tempo. Não há "determinações" intrínsecas no bebê, sejam elas somáticas ou psíquicas. Com a única exceção da tendência ao amadurecimento e à integração, todas as outras características possíveis precisam ser criadas.

Em Winnicott, não estão em jogo as forças que levam a um efeito, mas o deixar acontecer humano, isto é, deixar o que ainda não é vir a ser. Surge, a partir dessa idéia de "que o que ainda não é venha a ser", a questão de saber qual é o sentido do ser em Winnicott, ou seja, qual é o ponto de partida desse autor para poder compreender o ser humano. Winnicott oferece uma pista quando diz: "somente fora da não–existência pode a existência iniciar–se" (Winnicott 1974, p. 5). Nessa perspectiva, o acontecer humano se dá entre o não–existir e o existir. Winnicott confirma novamente essa idéia ao afirmar: "a vida de uma pessoa consiste num intervalo entre dois estados de nãoestar– vivo [unaliveness]" (Winnicott 1988, p. 132).

A pergunta pelo sentido do ser em Winnicott vai tão longe, ou tão profundamente, quanto em Heidegger. Para este filósofo, a semântica da palavra "ser" deve ser entendida "num retorno à simplicidade originária" (Loparic 1995, p. 47), há muito tempo esquecida pela metafísica e há tempos desconhecida pela metapsicologia. Em Winnicott, essa semântica está referida à linguagem materna, àquela da intimidade originária do bebê (Loparic 1996).

Assim, acreditamos que um dos pontos centrais da teoria do amadurecimento pessoal diz respeito à idéia de continuar a ser apoiado pelo cuidado ambiental. Winnicott confirma essa idéia: "Com "o cuidado que ele recebe de sua mãe’, cada lactente é capaz de ter uma existência pessoal, e assim começa a construir o que pode ser chamado de continuidade de ser" (Winnicott 1960c, p. 54).

Não se trata apenas de saber o que ocorre quando tudo vai bem e o bebê pode ser dito normal ou quais tipos de distúrbios emocionais pode sofrer uma pessoa quando o iniciar da vida foi ruim; trata–se, em última análise, de acentuar a importância do continuar a ser, pois este indica um "estado de ser [que] pertence ao lactente e não àquele que a observa. Continuidade de ser é saúde" (Winnicott 1988, p. 127).

Assim, através de um impulso criativo e originário, nota–se que aquele que está surgindo enquanto ser deve ser provido das condições ambientais (cuidados maternos) para que possa manter essa inefável experiência do continuar a ser, que é um estado precário e, por isso mesmo, está sujeito às intempéries do ambiente. O que está em jogo aqui é, justamente, ser (Winnicott 1986h [1970], p. 42).

Winnicott conseguiu não só apresentar as questões do início de um continuar a ser para o homem do ponto de vista dos fenômenos psíquicos, como também ressaltou a importância de o amadurecimento humano acontecer num entre temporal que está limitado por dois sentidos de não–existência. O homem vive entre dois estados de não estar vivo (unaliveness) e torna–se (e conquista) ser nesse intervalo do existir (Winnicott 1988, p. 132); e, enquanto ser, ele está acontecendo (amadurecendo) no tempo.

Dessa perspectiva, a descrição dos fenômenos psíquicos não tem mais a ver com os encadeamentos causais produzidos por um aparelho. O psíquico diz respeito a um acontecer temporal, ou seja, refere–se aos diferentes momentos do amadurecimento pessoal; amadurecer, num sentido ontológico, quer dizer poder acontecer. Observa–se aí a necessidade de se levar em conta a temporalidade do ser humano para que se possa pensar o psiquismo; necessidade muito semelhante àquela exigida por Heidegger para se poder tratar da questão do ser–o–aí em sua fenomenologia.

Parece, então, que as concepções que Winnicott tem da natureza humana vão, de certa forma, ao encontro da questão do sentido do ser levantada por Heidegger. Isso indicaria que Winnicott não apenas alterou o exemplar (o paradigma)4 que sustentava a psicanálise tradicional, mas que também os seus pressupostos ontológicos, os fundamentos sobre os quais ele orienta a sua teoria, são outros (Loparic 1995 e Dias 1998). Isso nos leva a pensar que o paradigma da psicanálise de Winnicott não é mais aquele da psicanálise tradicional, ou seja, o complexo de Édipo e a performance (Leistung) das pulsões no aparelho, e sim o do ser humano – um acontecer temporal – sendo cuidado, representado pelo paradigma do "bebê no colo da sua mãe".5

 

4. O acontecer humano: reflexões sobre algumas questões

Gostaríamos agora de retomar algumas questões que foram sugeridas na introdução deste trabalho e indicar uma possibilidade de refleti–las a partir da idéia de que somos acontecentes (geschichtlich).

Perguntou–se sobre o estatuto de ser do doente psíquico grave, como um esquizofrênico ou psicótico. Winnicott mostrou que é o estatuto do reagir e não o de continuar a ser (Winnicott 1960c, p. 47). Eles vivem sob a ameaça de serem aniquilados, de perder a sua continuidade de ser e de não poder nunca chegar a se sentirem reais. O poder acontecer ou não se impõe aqui com toda a sua força ônticoontológica. Nesse sentido, cabe investigar se o doente psíquico é no mesmo modo de ser que aquele do não–doente. Nesse caso, precisa–se discutir o que é ser.

De acordo com a teoria do amadurecimento pessoal (Winnicott 1984h [1968], p. 62), ser pressupõe estabilidade do ambiente, ou seja, confiabilidade e "mesmidade" no cuidado materno, de forma que se possa alcançar no amadurecimento saúde o suficiente para se poder ficar até mesmo doente. Ser para os doentes que sofrem de distúrbios emocionais graves é uma questão de primeira ordem, pois reagir não é ser e, por isso, a questão de ser ou cair para sempre para fora da existência torna–se primordial, torna–se uma questão da sua própria sobrevivência, fazendo com que esse tipo de doente esteja mais atento à sua possibilidade de estar–no–mundo do que de ser–no–mundo. Isso nos remete à outra questão: quais os modos possíveis de ser nos casos de se estar ou não doente? Como se estabelece esse acontecer?

No estágio de dependência absoluta, o cuidado suficientemente bom, provido pela mãe ao seu lactente, pode prevenir distúrbios emocionais graves. A tendência ao amadurecimento e a criatividade originária que o bebê traz consigo ao nascer são sustentadas (held) pela presença de alguém, pois ele depende da presença daquele que provê cuidado e que se adapta às suas necessidades para possibilitar e facilitar o seu amadurecimento (Winnicott 1965a, pp. 3–14). A fim de que essa adaptação se dê de maneira mais adequada, é preciso que a mãe esteja em um estado de preocupação materna primária e que o cuidado provido seja suficientemente bom, ou seja, a perfeição do cuidado não deve ser mecânica, igual ao de uma máquina de cuidar de bebês; isso implica algumas falhas por parte da mãe, mas que não serão exageradas nem para mais nem para menos no seu cuidado para com o bebê. O que tiver de ser feito será realizado na medida certa, de modo que seja suficientemente bom (Winnicott 1958n [1956], p. 494).

A partir disso, o ambiente, que é formado pela dependência absoluta, o cuidado materno e a mãe suficientemente boa que provê o cuidado, torna–se confiável, permitindo que um sentido de ser possa se estabelecer a partir da continuidade do ser. Mas, o que acontece se tudo começou mal, se o ambiente não provê o cuidado necessário e a mãe, por um motivo ou por outro, não pode ser suficientemente boa? O bebê vai começar mal a sua existência, pois a continuidade de vida e a continuidade de ser não se coadunam; contudo, ainda assim, ele vai poder começar. Como isso se explica?

Se a mãe, por exemplo, for muito inconstante no seu cuidado para com o bebê, ele não vai poder criar uma confiabilidade no ambiente. Ao invés de ser, ele vai ter de reagir às intrusões provocadas por esse ambiente e de criar defesas como as das agonias impensáveis.6 Qualquer reagir excessivo às falhas do ambiente interrompem o continuar a ser do bebê. Assim, o início do existir fica marcado pelo ter de começar a partir de defesas às intrusões e da necessidade de sobreviver às falhas ambientais. Se as intrusões não forem tão agudas, de modo a não interromper completamente o sentido de ser, o que se estabelece pode ser falso (Winnicott 1958n [1956], p. 497) no sentido de o ser si mesmo do bebê, o seu self, poder se desenvolver "sobre uma base de submissão e se relacionar com as exigências da realidade externa de forma passiva" (Winnicott 1988, p. 108).

De qualquer modo, percebe–se que o ser que está surgindo, o bebê, procura fixar o seu lugar na existência, ainda que de forma precária e deficiente. Se o começo não for suficientemente bom, muitas coisas da vida dessa pessoa podem ser prejudicadas; sendo assim, o seu modo de viver no mundo e de lidar com as outras pessoas e os acontecimentos do cotidiano será uma fuga ou um modo de proteção contra as dificuldades da sua existência. Dentre as coisas que correm o risco de serem prejudicadas, está o seu poder ser um si–mesmo verdadeiro.

6 Agonias ou angústias impensáveis são traumas localizados nos estágios iniciais do amadurecimento humano; entende–se por trauma, nesse início, a quebra da continuidade da existência de uma pessoa. Sobre esse assunto, cf. Santos 2000.

 

Referências

Dias, Elsa O. 1998: A teoria das psicoses em D. W. Winnicott. Tese (Doutorado em Psicologia Clínica). São Paulo – PUC.

_______ 2003: A teoria do amadurecimento de D. W. Winnicott. Rio de Janeiro, Imago.         [ Links ] Heidegger, Martin 1975: Die Grundprobleme der Phänomenologie. GA 24. Frankfurt/ Main, Klostermann.         [ Links ]

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Loparic, Zeljko 1996: "Winnicott e o pensamento pós–metafísico", in Catafesta, Ivonise F. da M. (org.) 1996: D. W. Winnicott na Universidade de S. Paulo, São Paulo, Lemos, pp. 21–45.

_______1997: "Winnicott e Melanie Klein: conflito de paradigmas". In: Catafesta, Ivonise. F. da M. (org.) 1997: A clínica e a pesquisa no final do século: Winnicott e a universidade. São Paulo, Lemos, pp. 43–60.

_______1999: "Heidegger and Winnicott". Natureza humana, v. 1, n. 1, pp. 103–35.

_______2000: "O "animal humano". Natureza humana. v. 2, n. 2, pp. 351–97.

Santos, Eder S. 2000: As angústias impensáveis em relação à angústia de castração. Tese (Mestrado em Filosofia). Campinas – Unicamp.

Winnicott, Donald W. 1958a: Textos selecionados: Da pediatria à psicanálise. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1978.         [ Links ]

_______ 1958n [1956]: "Preocupação materna primária". In: Winnicott 1958a.         [ Links ]

_______ 1960c: "The theory of the Parent–Infant Relationship". In: Winnicott 1965b.

_______ 1962c [1961]: "Further Remarks on the Theory of the Parent–Infant Relationship". In: Winnicott 1989a.

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_______ 1965b: The Maturational Processes and the Facilitating Environment. Madison/Connecticut, International Universities Press.         [ Links ]

_______ 1974: "Fear of Breakdown". In: Winnicott 1989a.         [ Links ]

_______ 1984h [1968]: "Sum, I Am". In: Winnicott 1986b.         [ Links ]

_______ 1986b: Home is Where We Start From. New York/London, Norton.         [ Links ]

_______ 1986h [1970]: Living Creatively. In: Winnicott 1986b.         [ Links ]

_______ 1988: Human Nature. New York, Brunner/Mazel.         [ Links ]

_______ 1989a: Psycho–analytic Explorations. Cambridge/Massachusetts, Harvard University Press.

 

 

Endereço para correspondência
E–mail: edersan@hotmail.com

 

 

* Texto apresentado no I Congresso Internacional de Filosofia da Psicanálise em novembro de 2005, cujo título, na ocasião, era "Um paradigma do acontecer humano".
1 Agradeço à FAPESP pelo apoio financeiro recebido, que tornou possível a concretização do presente trabalho.
2 Embora não dicionarizada, a palavra "acontecência" existe na literatura brasileira. Ela é usada, por exemplo, por Vilma Guimarães Rosa, no seu livro de contos intitulado Acontecências (Rio de Janeiro, José Olympio, 1968 apud Loparic (2000).
3 Por não ser a temporalidade em geral um ente, Heidegger concluiu: "ela não é nada, mas sim temporaliza–se" (Heidegger 1975, p. 329).
4 A noção de paradigma que utilizamos aqui é a empregada por Thomas Kuhn em sua obra A estrutura das revoluções científicas (Kuhn 1970). Para um exemplo da aplicação desse conceito à psicanálise, ver Santos 2000.
5 Cf. Loparic 1997.
6 Agonias ou angústias impensáveis são traumas localizados nos estágios iniciais do amadurecimento humano; entende–se por trauma, nesse início, a quebra da continuidade da existência de uma pessoa. Sobre esse assunto, cf. Santos 2000.

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