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Winnicott e-prints

versão On-line ISSN 1679-432X

Winnicott e-prints vol.1 no.1 São Paulo  2006

 

ARTIGOS

 

Winnicott e Heidegger: temporalidade e esquizofrenia

 

Winnicott and Heidegger temporality and schizophrenia

 

 

Elsa Oliveira Dias

Centro Winnicott de São Paulo

Endereço para correspondência

 

 


Resumo

O objetivo deste trabalho é estabelecer algumas conexões entre a psicanálise de D. W. Winnicott e a analítica existencial de M. Heidegger. Viso, em particular, 1) examinar as observações de Heidegger sobre a estrutura do Dasein do recém–nascido, formuladas no parágrafo 15 de Einleitung in die Philosophie (Introdução á Filosofia, GA 27) à luz das concepções de Winnicott sobre a constituição do si–mesmo infantil, dando ênfase especial à temporalidade primitiva do bebê e ao caráter temporal do trauma; 2) analisar, levando em conta a teoria winnicottiana dos distúrbios esquizofrênicos, as observações sobre um caso de esquizofrenia feitas por Heidegger no Seminários de Zollikon.

Palavras–chave: Psicanálise, Winnicott, Analítica existencial, Heidegger


Abstract

The objective of this work is to establish some links between D. W. Winnicott's psychoanalysis and M. Heidegger's existential analytic. Particularly, I intend, first, to examine Heidegger's remarks on the Dasein structure of the new–born baby, formulated in paragraph 15 of Einleitung in die Philosophie (Introduction to Philosophy, GA 27) enlightened by Winnicott's conceptions on infantile selfconstitution, giving special emphasis to the baby's primitive temporality and the temporal character of trauma; secondly, considering Winnicottian theory of schizophrenic disturbances, I intend to analyze the observations on a case of schizophrenia made by Heidegger in the Seminars of Zollikon.

Keywords: Psychoanalysis, Winnicott, Existential analytic, Heidegger


 

 

1. Introdução

Não fosse o meu estudo de Heidegger e o trabalho clínico, como terapeuta daseinsanalítica, durante 12 anos, e é provável que eu não tivesse descoberto Winnicott, pediatra e psicanalista inglês, cuja obra representa, na ótica da linha de pesquisa que o GFPP1 vem desenvolvendo, uma mudança paradigmática da teoria e da prática psicanalíticas. Ao estudar Winnicott, pela primeira vez, imediatamente reconheci que ele se movia num horizonte ontológico que me era familiar e que, de modo algum, poderia basear–se nas premissas naturalistas da psicanálise tradicional.

A partir dessa primeira aproximação, mais intuída do que analiticamente explicitada, uma série de estudos vêm sendo desenvolvidos, em colaboração com Zeljko Loparic, traçando as possíveis conexões entre a filosofia de Heidegger e a psicanálise de Winnicott. A idéia que vem tomando corpo é que, com seu estudo da natureza humana, Winnicott teria dado início, sem saber e de forma ainda parcial, à ciência do homem que Heidegger vislumbrou ser possível, construída à luz da ontologia fundamental daseinsanalitica. O desenvolvimento desse tema foi facilitado pela publicação dos seminários de Zollikon em que Heidegger, a convite de Medard Boss, reuniu–se em períodos esparsos durante 15 anos, com um grupo de médicos e psiquiatras interessados em encontrar um outro modo, que não o científico–natural, de pensar as questões humanas que estão envolvidas no exercício de sua profissão.

O debate, lamentavelmente póstumo, entre Winnicott e Heidegger que temos tentado empreender, vem se revelando profícuo tanto no que se refere à filosofia quanto no que tange à psicanálise. Heidegger é o filósofo que pode dar embasamento ao aspecto ontológico do paradigma winnicottiano, assim como Kant representou o mesmo com relação a Freud. Por outro lado, Winnicott não só completa conceitualmente como dá concretude a muitos aspectos da ontologia heideggeriana, o que torna de fato possível que se constitua uma ontologia regional para a terapia psicanalítica. Com isso, estaremos correspondendo ao que Heidegger, segundo Medard Boss, certa vez manifestou, a saber, o desejo de que sua filosofia viesse a contribuir para a compreensão e tratamento de pessoas psiquicamente enfermas.

Não me deterei aqui nas teses mais centrais, que vêm sendo desenvolvidas por Loparic, e por outros participantes do GFPP: o amadurecimento e a acontecência, o caráter temporal da existência humana, os vários sentidos de realidade, a precariedade do ser, a negatividade que permeia toda positividade, a existência como experiência imediata e não mental, não mera presentidade (vorhandenheit) etc. O que pretendo, neste estudo é 1) usar a teoria de Winnicott sobre os estágios pré–primitivos do amadurecimento, articulados com sua teoria das esquizofrenias, e 2) cotejá–las com o que Heidegger disse sobre o começo da vida, tendo em vista que também o filósofo pronunciou–se a respeito da esquizofrenia, nos seminários de Zollikon.

 

2. O ser–para–o–começo e o Dasein como ser–no–mundo

Tendo descrito as estruturas fundamentais do homem, como ente que está lançado no mundo, esquecido do ser–para–a morte, Heidegger não pensou nas dificuldades relativas à chegada e ao alojamento no mundo. Embora tenha apontado, já em Ser e Tempo, a necessidade de se examinar a questão do ser–para–o–começo, Heidegger não chegou a tratar das questões relativas ao início da acontecência do Dasein histórico. É bastante provável que, como filósofo, ele não tenha nem ao menos considerado a idéia de haver uma chegada, ou seja, de que, para ser–no–mundo, tenha–se que chegar ao mundo. Limitou–se a falar do ser lançado (Geworfenheit), já lançado. Ao inquirir–se sobre o sentido de ser, o Dasein está já lançado na facticidade do mundo.

De fato, a que vem, em Ser e Tempo, o ser–para–o–começo? Qual é o problema com o qual Heidegger está envolvido quando, na segunda parte dessa obra, formula a questão sobre o ser–para–o–começo? Ele está tentando resolver a questão relativa à totalidade, ao "ser total" (das Ganzsein), à inteireza do Dasein. Trata–se de saber, diz Heidegger no parágrafo 72, se se chegou "efetivamente a considerar, no ter prévio da análise existencial, o todo do Dasein, desde o ponto de vista de seu modo próprio de estar–inteirado?" Ao longo da primeira parte de Ser e Tempo, Heidegger preparou a formulação fundamental de que o que falta ao Dasein é o seu fim. Mas, acrescenta, mesmo que se tenha alcançado, na questão relativa à totalidade do Dasein, uma "autêntica claridade ontológica", com a caracterização do Dasein como um "ser relativamente ao fim", isso ainda não completa a resposta, pois a morte , diz ele, "não é senão um término do Dasein, sendo o outro o nascimento".2 Heidegger não dá continuidade a essa afirmação de modo que, em Ser e Tempo, isso é tudo o que temos. A ontologia fundamental do Dasein, apresentada neste livro, permaneceu incompleta.

Na preleção de 1928/29, Introdução à Filosofia, Heidegger faz outra breve incursão pelo tema do começo. Concordando com as freqüentes objeções de que o seu questionamento abrange tão somente a morte, e não também o nascimento, Heidegger observa que o nascimento não pode ser meramente entendido como o outro fim do Dasein. Não se pode fazer, na investigação deste, sem mais nem menos, como fazem os botânicos que ora começam sua pesquisa pela flor, ora pela raiz. Heidegger continua:

Justamente no que se refere ao fato do nascimento, que de certo modo não se situa pura e simplesmente atrás de nós, pode–se dizer que aquilo que inicialmente nos parece ser o que primeiro fomos é, para o conhecimento, o mais tardio. Para o nascimento, temos que necessariamente ir em um retrocesso, mas isso não significa, simplesmente, algo como uma inversão do ser–para–a–morte. Para esse retroceder é preciso uma elaboração do ponto de partida totalmente diversa do que para qualquer outro ultrapassamento de limite no Dasein. O mesmo vale, analogamente, para a interpretação da infância, desde que, de antemão, ela não seja guiada por propósitos meramente psicológicos ou pedagógicos (Heidegger, 1996, p. 124–5)

Aqui Heidegger avança um pouco mais, mas tem–se a impressão de que ele não sabe muito bem o que fazer com o começo, pelo menos nada que se pareça com as suas análises do ser–para–a–morte como possibilidade da impossibilidade do ser–no–mundo.

Contudo, na continuação, Heidegger faz importantes e pertinentes observações sobre o Dasein do começo, tanto os recém–nascidos como os povos pré–históricos.3 Sem me deter nessa aproximação altamente discutível – entre os recém–nascidos e os povos pré–históricos – Heidegger dirá que, sendo humanos, esses entes têm a mesma essência do Dasein. De que essência se trata? Do fato de o Dasein ser, essencialmente, a abertura na qual os entes podem aparecer; de ele ter que ser o–aí dos entes do mundo e do simesmo. Esse traço essencial do ser humano deve ser preservado também com relação ao ser–para–o–começo. No que se refere ao recém–nascido, Heidegger afirma que "o modo do Dasein de uma criança, no primeiro momento de seu–estar–aí–na Terra é um chorar, um movimentar–se agitado para o mundo, para o espaço adentro, sem qualquer meta e, entretanto, em direção de..." Essa descrição de Heidegger de que a criança, acabada de nascer, avança mundo adentro "sem qualquer meta e, entretanto, em direção de..." encontra confirmação nas observações do pediatra Winnicott. Para este, o bebê, por necessidade ou impulso, faz um gesto espontâneo em alguma direção; ele não tem meta precisa, pois é extremamente imaturo e não sabe nem de si, nem do que necessita; ele, simplesmente, "busca encontrar algo em algum lugar" (cf. Winnicott, 1988, p. 120).

Heidegger diz, além disso, que o que determina primariamente a existência dos recém–nascidos é "sossego, calor, alimento, sono e sonolência" e que, em geral, costuma–se concluir, erroneamente, dessa condição, que "esse Dasein estaria, inicialmente, em certa medida, ainda enrolado e encerrado em si, um indivíduo ainda completamente embutido em si."4 Para Heidegger, essa conclusão é um erro, pois a reação mesma da criança tem o caráter do choque, do susto. Talvez seja o primeiro choro um choque bem determinado. Susto é uma sensibilidade à perturbação, uma forma primitivo–original de deter–se, um comportamento de deixar–ser algo, mas também um ser sobressaltado, atingido, um ser atingido por...,, sendo que o pelo que ele foi afetado (do ser–afetado) ainda está oculto.

Ou seja, segundo Heidegger, o recém–nascido, por sua afetabilidade, que é já uma disposição de ânimo (Befindlichkeit), uma afinação, já existe como abertura e, portanto, no aberto do mundo.

 

3. O ser–para–o–começo e a contribuição de Winnicott

É como clínico e como estudioso dos fenômenos da saúde e dos distúrbios psíquicos, em especial, das psicoses, que Winnicott se debruça sobre o começo, convencido de que é no início da vida que estão sendo constituídos os fundamentos da existência, ou seja, os alicerces da personalidade e da saúde psíquica.

O começo, dirá Winnicott, deve ser pensado como uma soma de começos. Existem muitos e o nascimento biológico, que é um deles, não coincide com o que se poderia chamar de nascimento ontológico. Há uma "longa jornada" entre nascer e chegar ao mundo. Ou seja, há ainda um longo caminho até o bebê inicial adquirir a condição de poder habitar no mundo externo em familiaridade, juntos das coisas e com outros, e até perder–se no mundo, cair nele, esquecido de si e da facticidade. Nos termos da teoria winnicottiana do amadurecimento, diremos que o bebê cresce desde um mundo subjetivamente concebido até chegar a estabelecer relações com o mundo objetivamente percebido, sendo que, na saúde, ele alcança o segundo sem perder contato com o primeiro.

São exatamente as dificuldades, as conquistas – e, eventualmente, o fracasso –, da longa jornada que caracterizam o ser–para–o–começo. "É um esforço constante", diz ele, chegar ao começo e aí se manter" (Winnicott 1965j, p. 174) Ao falar da dificuldade de chegar ao começo e aí se manter, Winnicott está se referindo à precariedade do ser, não apenas no sentido ontológico, mas ao fato de que o estado de ser do início, que surge do não–ser, é frágil e dependente de cuidados ambientais, que podem falhar. Não é essa, contudo, a questão que está agora em pauta. O que está em questão é que, segundo Winnicott, não é assim que nasce que um bebê já está pronto para existir, no sentido heideggeriano de ser–no–mundo. Isso não quer dizer, necessariamente, que o bebê tenha uma outra estrutura ontológica. Quer dizer apenas que ele é extremamente imaturo: todas as estruturas ontológicas fundamentais estão lá, exatamente aquelas com que Heidegger caracterizou o Dasein – e algumas outras formuladas por Winnicott, como a gradual habitação da psique no corpo –, mas elas ainda não foram integradas, ou apropriadas, pelo indivíduo, como aspectos de seu eu, de sua existência pessoal. Isso só se dá num certo momento do amadurecimento e, essencialmente, requer – este ponto é fundamental – a ajuda do ambiente.

O ser humano inicial caracteriza–se por um aspecto de sua natureza temporal: a extrema imaturidade do início da vida. O bebê começa a vida em estado de nãointegração, ainda não habita no corpo, e não sabe nada de si mesmo nem do ambiente. Esse estado só é possível numa situação de dependência absoluta dos cuidados ambientais. Devido à tendência inata à integração, o bebê irá aos poucos integrar–se numa unidade, o que significa, em termos winnicottianos, amadurecer. Mas, para tanto, ele necessitará essencialmente do favorecimento ambiental. Como vem acentuando Loparic, se o homem é fundamentalmente solitário, no que diz respeito à sua morte, ele só se pode nascer e chegar ao mundo se estiver acompanhado, assistido, sustentado por outros seres humanos, isto é, por entes que já têm a estrutura do Dasein. Tanto em termos do amadurecimento, como no que se refere aos modos peculiares do ser–com do início da vida, o fato é que estes são aspectos em que a psicanálise de Winnicott completa a ontologia fundamental heideggeriana ou, talvez se possa dizer, realiza a ontologia regional que lhe compete, sem alterar o horizonte ontológico proposto pelo filósofo. A descrição, por Winnicott, das etapas pelas quais o ser humano inicial tem que passar para poder chegar ao mundo era necessária pois, sendo Heidegger o filósofo da temporalidade, tendo ele formulado a essencial historicidade do Dasein, sua acontecência, ele não falou de amadurecimento. O homem heideggeriano se temporaliza, mas não amadurece, a partir da imaturidade.

Embora a palavra "dependência" aponte imediatamente para a existência do outro, esse outro não é, nesse momento inicial, do ponto de vista do bebê, nenhum objeto, no sentido técnico do termo, uma vez que ele não está suficientemente amadurecido para possuir ou usar objetos. A mãe não é externa, nem interna, porque o sentido da externalidade, assim como o que habitualmente se chama de mundo interno, ainda não foi constituído. Do ponto de vista do bebê, diz Winnicott, "não há, nesse estágio tão primitivo, nenhum fator externo; a mãe é parte da criança" (Winnicott 1965n, p. 59). Apesar disso, exatamente como também Heidegger formulou, o bebê é imediatamente afetado pelo tipo de cuidados que o ambiente está, ou não, capaz de fornecer. O mundo está sendo apresentado pela mãe, sendo ela mesma o primeiro objeto, e, tal como é apresentado, participa intrinsecamente da constituição paulatina do si–mesmo do bebê. Esse mundo – subjetivo nesse momento – , no qual se inicia um tipo também peculiar de temporalização e espacialização subjetivas, é composto pela totalidade dos cuidados maternos. Muito simplificadamente, pode–se dizer que o colo da mãe é o primeiro mundo a ser habitado. "Subjetivo", aqui, não quer dizer nenhum conjunto de representações constantes da consciência de um sujeito. Significa, sim, que, devido aos cuidados maternos, o bebê vive de tal modo que não é surpreendido pela irrupção de nenhuma amostra do mundo externo, o que seria uma invasão, uma intrusão – Heidegger diz que o recém–nascido é susceptível ao choque, ao susto – incompreensível para ele, inabarcável no âmbito de sua experiência, pois ele não tem maturidade para outro sentido de realidade que não o subjetivo.5 Desse modo, quando o ambiente é suficientemente bom, tudo o que chega ao bebê – acontecimentos ou coisas, a amamentação, o banho, uma mudança de posição – chega de tal modo que não denuncia o seu caráter externo, sendo sentido como um aspecto do próprio bebê. Enquanto dura a "ilusão de onipotência", este está desencarregado de tomar conhecimento do fato da existência de algo externo que lhe facilita a vida.

Descrevendo a estrutura ontológica do ser humano, Heidegger afirma que o mundo é um aspecto do Dasein. Se Winnicott fosse apresentado a essa formulação, ele certamente acrescentaria o que é preciso acontecer, onticamente, para que a estrutura ontológica seja realizada. Ou seja, Winnicott diria: sim, o mundo é um aspecto do Dasein desde que tudo corra bem no início da vida, pois, quando as invasões ambientais escancaram precocemente a existência de algo externo ao si–mesmo, então o mundo externo, não sendo mediatizado pelo si–mesmo criativo, torna–se, não um aspecto do simesmo, mas uma ameaça permanente de invasão da qual só cabe defender–se.

No mais primitivo dos estágios iniciais, o da primeira mamada teórica, o bebê é uma mera continuidade de ser e a necessidade primordial, da qual derivam todas as outras, é a de continuar a ser, durar, perdurar. Os cuidados maternos suficientemente bons preservam a continuidade de ser em meio aos variados estados e situações pelas quais um bebê passa. A mãe apresenta continuamente o mundo, ao bebê, "em pequenas doses", para que os acontecimentos da vida deste restrinjam–se à sua limitada área de compreensão e se tornem, gradualmente, previsíveis para ele. Ela mesma, sendo a mãeambiente, oferece ao bebê um mundo – um lugar, uma rotina –, simples e monótono, o que, aos poucos, permitirá ao bebê começar, ele próprio, a conhecer e a prever alguns pequenos nexos, já que, quando há regularidade, um primitivo esquema "se...então", que não é baseado na mente, mas na crescente familiaridade com o andamento das coisas, começa a estabelecer–se. Esse é um aspecto essencial da confiabilidade materna.

Se o ambiente não é capaz de fornecer cuidados suficientemente bons e tem, ao contrário, um padrão imprevisível de comportamento, o bebê, ao invés de simplesmente continuar a ser, passa a reagir. Heidegger nota com toda a propriedade: "A reação da criança tem o caráter de choque, de susto". Segundo Winnicott, a reação é traumática, pois quebra a continuidade de ser: "A alternativa a ser é reagir e reagir interrompe o ser e o aniquila. Ser e aniquilamento são as duas alternativas" (1960c, p. 47; grifos meus). Durante todo o período que antecede a constituição da identidade unitária, o bebê não tem como defender–se da falha ambiental sem ser aniquilado. Por isso, diz Winnicott, em outro texto: "A perturbação que força o bebê a reagir, retira–o de um estado de 'ser'. Este estado de 'ser' só pode ser obtido sob certas condições. Enquanto está reagindo, um bebê não está 'sendo'" (1958f, p. 267). Nesse tipo de ambiente, um bebê pode, portanto, estar exposto a sucessivas interrupções da linha do ser. Como suspensões do estado de ser, essas interrupções são uma espécie de blackout, de morte psíquica: "A morte, para um bebê nos estágios iniciais, significa algo bem definido, ou seja, a perda do ser em razão de uma reação prolongada contra a intrusão ambiental. (1988, p. 156; grifos meus). Esses traumas primitivos, a que Winnicott também se refere como "loucura originária", são denominados "agonias impensáveis".

Se o padrão ambiental é de imprevisibilidade, estabelece–se um estado prematuro de sobressalto, de alerta, devido à virtualidade de uma ameaça de invasão (1974, p. 75). Nesse caso, ficam inibidos, impedidos ou aniquilados a espontaneidade e o impulso criativo do bebê; ele se torna puramente reativo e tem início um sistema defensivo organizado para prevenir a ocorrência de outro trauma. O amadurecimento pessoal cessa. O indivíduo continua a crescer física e, talvez, mentalmente, mas, no que tem de mais pessoal, ele encrua. Apesar de biologicamente vivo e até saudável, não alcança viver ou sentir–se vivo; permanece imaturo num sentido básico, fundamental. A vida toda é um esquema defensivo e as "escolhas" são feitas, sem que o indivíduo saiba, no sentido de evitar a área de perigo letal. É precisamente esse o caso dos psicóticos e é essa a razão pela qual Winnicott afirma que suas dificuldades e problemas "não fazem parte da vida, mas da luta para alcançar a vida" (1988, p. 100).

Esses indivíduos carregam consigo o "medo do colapso" que se manifesta como medo da loucura ou da cegueira que sobrevirá, ou de um desastre eminente que fatalmente os espera. O colapso futuro, aguardado e temido, já aconteceu no passado, embora não tenha sido experienciado, porque não havia ainda um indivíduo, integrado num eu, para poder experienciá–lo. O ser–no–mundo, o "estar em casa", na familiaridade das coisas e com outros, é impossível para eles. Alguns deles, tal como o ponto K, de Juliano Pessanha, eles não podem "se esquecer 'da grande ausência' e, para quem "a vida, para eles, é um 'poema de distância',.um 'exílio insuperável'." (J. Pessanha, O ponto K, p. 107)

A questão fundamental da ontologia heideggeriana, vista da perspectiva de Winnicott, é a de saber se o indivíduo chegará ou não à condição de habitar o mundo como um estar–no–mundo. Trata–se de saber se o que acontece onticamente ao bebê – tendo em vista sua dependência absoluta de um elemento imponderável, que são os cuidados maternos –, possibilitará, ou não, a concretização das estruturas ontológicas ou determinará a modalização deficiente delas, chegando a impedir que elas se efetivem. Ocasionada onticamente, a psicose é a interrupção, a paralização do amadurecimento. O que Heidegger não pressentiu – nem tinha como fazê–lo, em virtude de seus pressupostos e do fato de estar elaborando o horizonte da pergunta pelo sentido de ser, e não os fundamentos de uma psicologia e, menos ainda, uma psicologia –, é que ser–o–aí, ao modo de ser–no–mundo–junto–às–coisas–e–com–outros, pode nunca chegar a ser uma possibilidade ôntica, a despeito de ter que ser suposta a mesma estrutura ontológica de todo ser humano.

 

4. Ser–no–mundo e esquizofrenia: o homem do relógio

Segundo a teoria winnicottiana, os distúrbios psicóticos, em especial os de caráter esquizofrênico, têm seu ponto de origem em falhas ambientais ocorridas no começo da vida, no período que antecede a integração num eu unitário. Será, portanto, interessante, lançar um olhar winnicottiano sobre um caso de esquizofrenia examinado brevemente por Heidegger no seminário de Zollikon do dia 21 de janeiro de 1965. Heidegger traz para discussão uma parte de um texto de um psiquiatra, Franz Fisher, intitulado "Estrutura de espaço–tempo e perturbação do pensamento na esquizofrenia". Trata–se de um pequeno trecho da anamnese de um jovem esquizofrênico que havia, segundo o médico, sido examinado na fase subaguda da psicose, sendo que esta "não apresenta nada de essencialmente especial, além das perturbações de tempo e espaço". Como se poderá notar do próprio relato, além das perturbações de tempo e espaço, ficam evidentes muitos outros problemas, relacionados sobretudo à falta de identidade – que não chegou a ser constituída, tendo em vista que ele permanentemente se mistura às coisas do mundo – e, na verdade, a todos os outros problemas que daí decorrem e que são característicos da esquizofrenia, definida esta, em largos traços como a dificuldade em estabelecer relações com a realidade: ausência de impulso criativo, da capacidade de estar–junto–das–coisas em familiaridade etc.

1. Antes de entrar na análise conceitual do comentário de Heidegger, faço uma observação técnica. Pode–se facilmente notar que, convidado a pronunciarse sobre a esquizofrenia, Heidegger foi mal assessorado e talvez se possa dizer que essa oportunidade de uma contribuição sua foi, num certo sentido, desperdiçada. Foi apresentado a Heidegger o pequeno trecho de uma anamnese, feita por um psiquiatra. Nem ao menos era um caso de análise do tipo psicanalítico, que era, afinal, o que Heidegger vinha discutindo com os psiquiatras. Não estão disponíveis, para análise, outros dados nem outras circunstâncias do paciente, o que colabora para o fato de sua interpretação padecer de um certo grau de arbitrariedade. Teria sido bem melhor se algum dos presentes tivesse, ele mesmo, trazido um caso que estivesse sob seus cuidados de modo a poder fornecer detalhes adicionais que se fizessem necessários. Ao invés disso, recorreu–se a um texto exíguo, já publicado, cujo autor não pertencia ao grupo de debate. Além disso, se o fragmento clínico foi escolhido para ilustrar um problema de temporalidade, ou para ir ao encontro de um tema conhecidamente de interesse de Heidegger, devido à presença de um relógio, creio que se pode dizer que houve, na escolha, uma objetificação da questão temporal.

A "vivência" descrita por F. Fischer é a seguinte: Observando um relógio de parede, o rapaz diz o que se segue:

"Para que me serve o relógio? Tenho que ficar olhando–o. Sou compelido a olhar o relógio. Há tanto tempo, eu sou sempre novamente diferente. Se não houvesse o relógio na parede, teria que perecer. Não sou eu mesmo um relógio?Em toda parte, em todos os lugares? Mas eu não posso de outro modo, muda demais.

Agora olho de novo para o relógio, o ponteiro, o mostrador e que ele anda. Isto se rompe como que por si mesmo, e eu estou junto, mas não posso mudar nada.

Eu fico me repetindo que é isso um relógio, mas isto não combina muito bem: os ponteiros, o mostrador e que ele anda. Tenho uma impressão especial em relação a isso, como se tudo se dissolvesse, mas, assim mesmo, estivesse uma coisa ao lado da outra. Mas há ainda outra coisa. Estou completamente assombrado, nunca vi nada semelhante. Pois o ponteiro está sempre diferente, agora ele está lá, depois ele pula, de certa maneira, e se vira assim. A cada vez é um outro ponteiro? Talvez haja alguém atrás da parede que introduz sempre um ponteiro novo, cada vez em algum lugar diferente. Devo dizer: isto não é um relógio que anda, isto pula e se modifica. A gente fica entregue à observação do relógio e perde o fio para consigo mesmo – pois eu mesmo sou um relógio, em toda parte, em mim; pois sempre é assim confuso. Eu mesmo sou tudo isso – que perco quando observo o relógio na parede. É um fugir de si mesmo, estou fugindo e não estou mais aí. Eu apenas sei: o relógio pula com muitos ponteiros e não pode ser juntado direito. Agora chega de relógio de parede, mas não por minha vontade, preciso voltar para o outro lugar, ficar de outro jeito. Como disse: eu sou o relógio vivo, sou relógio em toda parte – é assim que tudo vai e vem.

Quando me arranco disso, porque tudo é tão confuso, então olho novamente para o relógio de parede, ele pode me ajudar, de modo parecido à árvore em frente da janela. Ruídos não são tão bons."

a) O comentário de Heidegger.

O essencial da interpretação de Heidegger consiste na distinção entre o relógio de parede e o mero relógio, mais precisamente, entre uma e mesma coisa, que é experienciada pelo paciente como relógio de parede e mero relógio. A primeira seria um tipo de relação que lhe abre o acesso ao ambiente familiar; a segunda, pelo contrário, o arranca desse ambiente, priva–o dele. A árvore diante da janela é semelhante ao relógio de parede, pois, diz Heidegger, ela "também é mundo circundante (Umwelt) para ele, ela pode deixá–lo morar, pode dar–lhe uma morada familiar, natural" (p. 81) Por outro lado, o mero relógio é parecido com os barulhos, que "não são tão bons". Bons para quê?, pergunta Heidegger. E responde: "Como ajuda. Isto quer dizer: uma pessoa não pode existir com meros ruídos que não se referem a nada, tampouco com o tempo como mera seqüência de agoras." (Heidegger, SZ, p. 81)

Heidegger afirma que sua interpretação do caso, ainda que de maneira esquemática, mostra, como se deve proceder numa interpretação qualquer: "não olhar para uma suposta "vivência interna", mas perguntar como a relação com as coisas é determinada, como a coisa verdadeira é uma indicação para o mundo". O essencial do seu ponto de vista é ver que se trata "do mesmo relógio de parede, que uma vez é dado ao paciente como relógio de parede e outra vez só o aprisiona e devora como mero relógio. Somente onde existe uma mesma coisa, algo pode dizer respeito ao homem de modo diferente , cindido."

b) Meu comentário sobre o comentário de Heidegger à luz de Winnicott:

Gostaria de fazer algumas observações sobre esta interpretação de Heidegger.

1. Claro está que o mero relógio é o mesmo relógio de parede destituído de suas significações no mundo do paciente. Este modo de ver está de acordo com a tese geral de Heidegger de que a doença, inclusive a psíquica, é um fenômeno de privação. No presente caso, Heidegger pressupõe que o paciente chegou a ter familiaridade com o seu ambiente, mas houve privação, ou seja a familiaridade foi perturbada, prejudicada, distorcida, por assim dizer. Como ocorre a privação, não se sabe. Ora, se levarmos Winnicott em conta, teremos que dizer que constituir essa familiaridade e contar com ela é uma aquisição, a qual não pode ser dada por suposta, pois pode não ser obtida ao longo do amadurecimento. Para Winnicott, é precisamente a não aquisição das relações confiáveis com o ambiente que está na origem da psicose de tipo esquizofrênico e não, como entende Heidegger, a perda – a privação – dessas relações.

2. Com privação, Heidegger quer significar não apenas ausência dos estados que caracterizam a saúde, mas uma perturbação desses estados. "A doença", diz Heidegger, "não é simples negação da condição psicossomática. A doença é um fenômeno de privação. Em toda privação está a co–pertinência essencial, aquilo a quem falta algo, de que algo foi suprimido" (Heidegger, SZ, p. 73). No seminário de 12 de março de 1965, diz Heidegger: "O que rege toda abertura é o estar junto às coisas que nos dizem respeito corporalmente sem intermediações. A falta de contato que se verifica na esquizofrenia é uma privação do estar aberto. Mas esta provação não significa que a abertura desaparece, apenas que ela é modificada para a pobreza de contato". (Heidegger, SZ, p. 101). Winnicott estaria de perfeito acordo com a idéia de que a doença não retira do indivíduo a sua natureza saúde, em Winnicott, é maturidade, é levar ao máximo possível o que pertence intrinsecamente ao próprio indivíduo, a doença é imaturidade, é permanecer aquém da possibilidade.

3. A não constituição de relações de familiaridade não depende exclusivamente do ser humano, considerado isoladamente, mas da sua relação com o ambiente essencialmente humano no início da vida, ou seja, com a mãeambiente. Winnicott diz: Quando o ambiente é caótico, e as interrupções da continuidade de ser ultrapassam o limite do que o indivíduo é capaz de tolerar, "o caos passa a fazer parte da constituição do indivíduo" (Winnicott, 1988, p. 157) e o que fica retido, no indivíduo, mesmo já adulto, é um estado de sobressalto permanente, de um insuperável sentido de ameaça, de uma permanente ameaça de confusão.

4. Do ponto de vista de Winnicott, parece plausível dizer que, diferentemente do que pensa Heidegger, algo como um mero relógio, ou mero barulho, pode ser o único modo de um objeto inicial ser experienciado por um esquizofrênico, o que ocorre quando a mãe ambiente falha severamente. Quando o paciente diz: "Para que me serve o relógio?", já se pode ver que ele não habita na familiaridade das coisas, cujo sentido é o "para isso". Andar pelo mundo, distraído de si, em familiaridade com as coisas requer ausência de agonia impensável, ou seja, de um sentido de ameaça precocemente estabelecido. Caso contrário, ele estará sempre em sobressalto, tendo que tomar conta das coisas para não ser invadido. Não pode descansar e deixar que as coisas sejam, que o mundo aconteça. Precisa submeter–se ao "para isso" das cosias ou controlá–las, devido à ameaça potencial. Diz o paciente, com relação ao relógio: "Tenho que ficar olhando–o. Sou compelido a olhar o relógio".

5. Por isso, o relógio de parede pode ser visto, antes, não como um fenômeno originário, mas como uma defesa contra os objetos sem sentido no mundo não confiável, no qual o paciente estava condenado a existir.

O objetivo principal destas observações não foi o de apontar uma falha na interpretação de Heidegger, nem de, simplesmente, propor uma interpretação alternativa. O meu propósito foi o de apontar a necessidade de rever a posição de Heidegger sobre a natureza da doença psíquica e da doença em geral, a saber, de ver, nela, uma mera privação da saúde, dando a saúde como um fato não problemático. A grande novidade da psicanálise de Winnicott foi precisamente a de fazer ver que a saúde é uma aquisição e que esta aquisição só pode ser feita graças à facilitação fornecida por outros seres humanos. Desta forma, Winnicott não apenas modificou a postura patologizante da psicanálise tradicional, que teorizava sobre o indivíduo sadio a partir dos seus distúrbios, como também apresentou razões para a necessidade de reformular o ponto de partida metodológico da analítica existencial da Heidegger: o de partir do ser humano mediano, isto é, do adulto normal, a fim de descobrir e articular a estrutura da existência humana como tal.

 

Referências

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Endereço para correspondência
E–mail: elsadias@uol.com.br

 

 

1 Grupo de Filosofia e Práticas Psicoterápicas da PUCSP.
2 Aqui já se encontra uma aproximação com Winnicott, que afirma ser a vida um intervalo entre dois estados de não–estar–vivo: "O primeiro dos dois, a partir do qual emerge o estar–vivo, dá colorido às idéias que as pessoas costumam ter sobre a segunda morte [the second death]" (1988, p. 154) Na tradução brasileira, a expressão "the second death", "do original, não aparece, tendo a frase sido assim traduzida: "A vida de uma pessoa consiste num intervalo entre dois estados de não–estar–vivo. O primeiro dos dois, a partir do qual emerge o estar–vivo, dá colorido às idéias que as pessoas costumam ter sobre o segundo" (Cf. Winnicott 1988, p. 154).
3 Os povos pré–históricos são diferentes dos povos primitivos de hoje, objetos da antropologia e da geografia humana.
4 Terá tido Heidegger conhecimento da teoria sobre o narcisismo de Freud?
5 Para Winnicott, diferentemente da psicanálise tradicional, o bebê não deve ser visto como alguém que , primariamente, pode ser satisfeito ou frustrado, mas como um ser que está sempre à beira de uma agonia impensável.

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