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Winnicott e-prints

versão On-line ISSN 1679-432X

Winnicott e-prints vol.1 no.2 São Paulo  2006

 

ARTIGOS

 

Análise cronológica dos textos de Winnicott sobre as origens da moralidade1

 

Chronologic analysis of Winnicott's texts about the origins of morality.

 

 

Daniela Céspedes Guizzo Gomes da Silva

Endereço de correspondência

 

 


RESUMO

Neste artigo a autora fez uma análise cronológica de textos onde Winnicott escreveu sobre questões referentes às origens da moralidade. A autora escreveu sobre a originalidade com que este autor tratou do tema desde seus primeiros textos científicos. São apresentadas as críticas e os comentários de Winnicott sobre a concepção do tema pela psicanálise tradicional.Para tanto, a autora fez um percurso desde os textos escritos pelo psicanalista inglês na década de 30 até os da década de 70, selecionando em torno de 20 textos para esta análise. Ela chegou à conclusão que Winnicott ao longo dos anos amadureceu suas idéias e criou uma teoria do amadurecimento moral incluindo nela termos e conceitos novos.Com base nesta análise cronológica de textos, a autora afirma que as origens da moralidade se encontram nas primeiras relações pessoais estabelecidas entre a mãe e o bebê e acompanham o amadurecimento pessoal do bebê quando este pode viver experiências junto a um ambiente suficientemente bom.

Palavras–chave: Tendência inata à moralidade, Confiabilidade, Concernimento, Crença em…, Bondade original.


ABSTRACT

In this article the author elaborated a chronologic analysis using Winnicott's psychoanalysis theory about the origins of morality. The author wrote about the Winnicott's originality with this theme since he started his first scientific texts. The article shows critics and comments of him concerning the conception of this theme in the traditional psychoanalysis.This article describes the first texts wrote by this English psychoanalyst in 1930 until his texts of 1970. The author of this article selected nearly 20 texts for this chronologic analysis and concluded that Winnicott matured his ideas and created a theory of a moral mature with news terms and concepts.Based on this chronologic analysis, the author affirm that the origins of morality could be found in the first personal relations established between a mother and her baby and it goes with the baby in his/her development if the environment could be good enough and continuous.

Keywords: innate morality, reliability, concerning, belief in…, original goodness.


 

 

A psicanálise winnicottiana orienta–se pela teoria do amadurecimento pessoal normal. Winnicott foi um pediatra que se tornou psicanalista e teve como foco de seu estudo os problemas que levavam as mães e seus bebês ao seu consultório. O autor identificou questões emocionais primitivas nesta relação entre a mãe e o seu bebê, especialmente no primeiro estágio de vida do bebê.

As questões relativas à moralidade para Winnicott estão inseridas no desenvolvimento de sua obra não especificamente acompanhando a progressão de um conceito teórico, como foi para Freud junto à construção e à descrição de um aparelho psíquico ou para Klein junto à descrição de um superego precoce ou do conceito de posição depressiva. A moralidade, para este autor, faz parte de um amadurecimento pessoal e pode ser descrita nos termos de um desenvolvimento na criança da capacidade para ter um senso moral. Winnicott criou termos novos acerca do tema e os estudou em momentos diversos do curso do amadurecimento de uma pessoa; termos como: "moralidade inata", "crença em…", "bondade original", entre outro.

Na década de 30, em seus primeiros textos, Winnicott já esboçava interesse pelo tema. Em "Contribuição para uma discussão sobre a enurese" (1936b/1997), ele escreveu sobre como a satisfação e o prazer podem significar para o bebê que "existe bondade no mundo" e sobre o modo como ele estabelece "pessoas e coisas boas dentro dele" (1936b/1997, p. 144).

É necessário salientar como os sentimentos do bebê são muito mais intensos do que podemos supor através da empatia. O bebê normalmente vê o prazer que o corpo oferece no manejo das ansiedades, pois a satisfação e o prazer significam para ele que existe bondade no mundo, de modo que ele estabelece pessoas e coisas boas dentro dele; esta crença nas coisas lhe permite suportar a dor e a frustração, que geram maldade, ódio, e o fazem encontrar pessoas e coisas más dentro dele – objetos maus que ele teme que destruam os bons, e que quer colocar fora dele se puder fazer isso de forma segura. (Winnicott, 1936b/1997, p. 144)

Neste pequeno trecho de um de seus primeiros textos, já é possível observar claramente que Winnicott não associou as palavras "satisfação" e "prazer" a questões de ordem sexual e, sim, ao que ele denominou de "bondade no mundo". é possível observar também neste texto que o autor fez uso da palavra "crença" que, posteriormente, em textos da década de 60, foi utilizada para sustentar o seu conceito de "crença em…", cujo significado seria o de uma capacidade que a criança adquire para acreditar naquilo que a sua família ou a sua sociedade acreditem.

No final da década de 30, preocupado com as questões que envolviam "o bem e o mal encontrados no mundo das relações humanas" (1957d[1939]/1999, p. 94), Winnicott escreveu um artigo intitulado "Agressão" (1957d[1939]/1999); nele o autor tratou em um determinado momento da agressão de alunos dirigida a professores e escreveu: "Pois o comportamento agressivo de uma criança que chama atenção de um professor nunca é uma questão exclusiva de emergência de instintos agressivos primitivos. Nenhuma teoria válida sobre a agressividade infantil poderá ser construída a partir de premissa tão falsa" (1957d[1939]/1999, p. 94).

Nesse texto, Winnicott afirmou que a agressividade que alguns bebês manifestam, desde o início, não é exclusiva da emergência de instintos agressivos primitivos. Esta afirmação winnicottiana diverge da posição kleiniana de que a agressividade se expressa como inveja, ódio ou sadismo e que é uma manifestação da pulsão de morte. Winnicott relacionou as reações agressivas de um bebê ao papel do ambiente nos estágios iniciais, relacionou a dependência do bebê ao fato de que ele reage ao tipo de cuidados que recebe.

No artigo "Crianças na guerra" (1940b/1999), Winnicott escreveu a respeito de como é possível compreender o efeito da guerra nas crianças e sobre a capacidade que elas teriam para entendê–la. De acordo com o autor, seria necessário conhecer inicialmente as idéias e os sentimentos que a criança já possui "naturalmente" e sobre os quais as notícias da guerra seriam inseridas. Para Winnicott, as crianças lidam com "guerras pessoais" travadas em seu íntimo, possuem um mundo interno rico e já possuem conhecimentos sobre cobiça, ódio e crueldade, sobre amor e remorso, sobre o impulso para fazer o bem e sobre a tristeza. "As crianças pequenas compreendem muito bem as palavras bom e mau, e não adianta dizer que, para elas, essas idéias estão apenas na fantasia, uma vez que, na verdade, seu mundo imaginário pode parecer–lhes bem mais real do que o mundo externo" (1940b/1999, p. 28).

Com base em sua experiência clínica da observação de bebês e fundamentado na teoria kleiniana, Winnicott escreveu o artigo "A observação de bebês numa situação padronizada" (1941b/2000). Nesse texto, afirmou que a criança sente que as coisas dentro dela são boas e más, assim como as coisas do mundo externo. Estas qualidades "boa" e "má" dependem de uma aceitação para serem trazidas para o mundo interno do bebê e esta aceitação dependerá da intensidade dos impulsos destrutivos em relação aos impulsos amorosos e também da capacidade que o bebê tem de tolerar as ansiedades derivadas das tendências destrutivas. Segundo Winnicott, é importante considerar a natureza das defesas do bebê e o grau de desenvolvimento da sua capacidade para fazer reparações. Tudo isto está ligado à idéia de que "a capacidade da criança de manter vivo o que ela ama, e sustentar a crença em… sua capacidade de amar, tem um peso determinante sobre as qualidades ('boas' ou 'más') que lhe parecerão ter tanto as coisas do mundo externo quanto as do seu interior" (1941b/2000, p. 122).

O estudo da alimentação dos bebês trouxe para Winnicott importantes questões para o desenvolvimento de suas idéias a respeito do estabelecimento de uma primeira relação de compromisso entre a mãe e o bebê e, conseqüentemente, sobre as origens da moralidade. Em "Alimentação do bebê" (1945c/1982), o autor afirmou que a alimentação da criança é uma questão de relações mãe–filho; é um "ato de pôr em prática a relação de amor entre dois seres humanos" (1945c/1982, p. 31). Afirmou, ainda, que a alimentação natural é dada quando o bebê a quer, e ela cessa quando bebê cessa de querê–la; "é nessa base, e só nela, que um bebê pode começar a transigir com a mãe; o primeiro sinal de transigência é a aceitação de uma alimentação regular e segura" (1945c/1982, p. 34).

O autor afirmou que mamar a cada três horas pode ser conveniente para a mãe e pode ser aceito pelo bebê como o cumprimento de um desejo seu, na medida em que ele se adapte a estes horários e que de fato tenha fome somente a cada três horas. Se o intervalo for maior, sobrevém a angústia, mas a confiança pode ser recuperada se a mãe amamentar o seu bebê quando ele solicitar e poderá voltar ao horário regular quando o bebê for capaz de tolerá–lo. De acordo com Winnicott, "se a mãe estiver orientando suas relações com o bebê à sua própria maneira, estará fazendo o melhor que pode pelo seu filho, por ela e pela sociedade em geral" (1945c/1982, p. 36).

Por outras palavras, a única base autêntica para as relações de uma criança com a mãe e o pai, com as outras crianças e, finalmente, com a sociedade, consiste na primeira relação bem sucedida entre a mãe e o bebê, entre duas pessoas, sem que mesmo uma regra de alimentação regular se interponha entre elas, nem mesmo uma sentença que dite que um bebê deve ser amamentado ao peito materno. Nos assuntos humanos, os mais complexos só podem evoluir a partir dos mais simples. (Winnicott, 1945c/1982, p. 36)

Uma questão interessante sobre o choro do bebê e sua relação com um sentimento de responsabilidade foi estudada por Winnicott no texto "Por que choram os bebês?" (1945j[1944]/1982). De acordo com o autor, o choro triste é algo que significa que a criança "alcançou seu lugar no mundo", que em vez de reagir às circunstâncias, ela passou a sentir responsabilidade pelas circunstâncias. A criança pode sentir–se totalmente responsável pelo que lhe sucede e pelos fatores externos da sua vida e, aos poucos, com os devidos cuidados maternos, ela poderá fazer a distinção pelo que ela de fato é responsável e pelo que ela sente como se fosse de sua responsabilidade (1945j[1944]/1982, p. 73).

No texto "Para um estudo objetivo da natureza humana" (1945h/1997), Winnicott utilizou o termo "superego pessoal", referindo–se a uma época em que a criança ainda não é uma unidade independente e seu ego está no processo de construir um "superego pessoal" para o manejo e emprego dos instintos. Segundo o autor, para que a construção se efetive, se faz necessário um ambiente estável, com seres humanos amorosos; "as pessoas circundantes são usadas pela criança em crescimento como ideais e como rigorosas, durante o processo de construção de um superego mais pessoal, com suas próprias idéias sobre controle e liberdade" (1945h/1997, p. 37).

Ao analisar a delinqüência juvenil, em "Alguns aspectos psicológicos da delinqüência juvenil" (1946b/1999), Winnicott fez uma comparação entre a criança normal e a anti–social. Para ele, a criança normal, auxiliada nos estágios iniciais por seu próprio lar, desenvolve a capacidade para controlar–se, desenvolve um "ambiente interno" que tende para descobrir um "bom meio". Já a criança anti–social, que não teve a oportunidade de criar um bom "ambiente interno", precisará de um "controle externo se quiser ser feliz e capaz de brincar ou trabalhar" (1946b/1999, p. 131).

Winnicott afirmou que a delinqüência indica que alguma esperança subsiste e fez uma distinção entre o delinqüente e a criança que se comporta de modo anti–social. Segundo o autor, o comportamento anti–social de uma criança não é necessariamente uma doença; pode ser um pedido de ajuda para pessoas "fortes, amorosas e confiantes". Entretanto, o delinqüente, "em certa medida", ressalvou Winnicott, é doente; "o sentimento de segurança não chegou à vida da criança a tempo de ser incorporado às suas crenças" (1946b/1999, p. 131).

No texto "Necessidades ambientais; os estágios iniciais; dependência total e independência essencial" (1996k[1948]/1997), Winnicott afirmou literalmente que "moralidade é uma questão de compromisso". O autor fez esta afirmação referindo–se a crianças que chegaram a certo estágio, o "estágio de seres humanos completos", que têm idéias próprias sobre o certo e o errado e que são capazes de perceber que o outro tem o seu ponto de vista e é desta maneira que, para Winnicott, a palavra "compromisso" entra em cena. O autor acrescentou que em estágios um pouco anteriores a este, a moralidade parece ser representada pela reparação em relação à culpa e que esta culpa só pode ser tolerada se "algo estiver sendo feito a respeito".

Na concepção winnicottiana, quando se chega a estágios mais primitivos a moralidade pode ser entendida como uma coisa "terrorífica e terrível", onde não existe compromisso e as questões são encaradas como de vida e morte. Para o autor, nada pode ser feito se alguém deixou alguma coisa incompleta nesses estágios e essas pessoas não podem aceitar compromissos.

Nós podemos entender o que isso significa quando percebemos situações extremas em nós mesmos ou nas crianças que estão tentando ter momentos em que precisam defender alguma coisa, sua integridade, sua individualidade, seus direitos como seres humanos. De qualquer forma, parece–me que há algo de muito feroz na moralidade do bebê, e em tudo aquilo que temos dentro de nós que pertence à época em que éramos bebê e a um desenvolvimento infantil mais inicial. (Winnicott, 1996k[1948]/1997, p. 51)

O texto "O bebê como uma organização em marcha" (1949b/1982) traz uma idéia winnicottiana de que a tendência para a vida e para o desenvolvimento faz parte de algo "inato" no bebê. Para Winnicott, os bebês possuem uma "centelha vital e seu ímpeto para a vida, para o crescimento e o desenvolvimento é uma parcela do próprio bebê, algo que é inato na criança e que é impelido para frente de um modo que não temos de compreender" (1949b/1982, p. 29). A esta idéia de algo inato no bebê está associada a idéia winnicottiana de uma "moralidade inata", termo fundamental para este estudo sobre as origens da moralidade e que foi descrito por Winnicott em "A moralidade inata do bebê" (1949g/1982).

Nesse texto, Winnicott descreveu duas formas de se apresentar às crianças normas de moralidade. A primeira se refere aos pais "implantarem" estas normas e "forçarem" a aceitação do bebê ou da criança, desperdiçando, assim, a oportunidade de integrá–las na personalidade em desenvolvimento. A segunda maneira se refere à facilitação e ao incentivo das "tendências inatas para a moralidade". De acordo com o autor, os métodos sensíveis utilizados pela mãe, assim como a realidade de seu amor, permitem que "as raízes do senso moral pessoal" do bebê sejam salvaguardadas (1949g/1982, p. 107).

Nesse artigo, o autor afirmou que o que ele estava descrevendo era a "gradual formação na criança de uma capacidade para adquirir o sentido de responsabilidade, o qual, na sua base, é um sentimento de culpa" (1949g/1982, p. 108). A presença da mãe neste período é essencial porque a criança está se adaptando à idéia de destruição do objeto e ao fato de ela amar este mesmo objeto. Esta mãe foi descrita por Winnicott como mãe–ambiente e, ao mesmo tempo, mãe–objeto. De acordo com o autor, na medida em que a criança pode integrar estes dois aspectos da mãe, ela poderá se afeiçoar a ela, mas isso envolve também a criança "numa espécie particular de sentimento de culpa", relacionado aos elementos destrutivos das experiências instintivas. A criança passará a tolerar este sentimento quando ela souber que haverá uma oportunidade de reparar e reconstruir.

Na mesma seqüência de termos novos postulados por Winnicott, nos textos de 1949, onde falou sobre a existência de uma tendência para a vida e de uma tendência inata, pode–se encontrar, também no texto "As crianças e as outras pessoas" (1949n/1982), o termo "culpa inata". Nesse texto, o autor se referiu ao fato de a mãe continuar sendo uma pessoa viva para o bebê, nos momentos de ataque e, com isso, permitir que ele descubra o "sentido nato da culpa" que, segundo Winnicott, constitui o "único sentimento apreciável de culpa e a principal fonte do impulso urgente para consertar, para recriar e para dar" (1949n/1982, p. 123).

"A mãe não impede que a criança tenha idéias de destruição e assim permite que a culpa inata se desenvolva segundo seu próprio rumo. é a culpa inata que esperamos ver surgir com a evolução da criança e pela qual estamos dispostos a esperar; a moralidade imposta nos aborrece" (1949n/1982, p.123).

Até o período do final da década de 40, Winnicott afirmou a seus leitores que eles poderiam reconhecer, em tudo o que ele teorizou, a teoria de Melanie Klein; demonstrou seu reconhecimento pela importância teórica do conceito kleiniano de posição depressiva; no entanto, no início da década de 50, passou a apontar suas divergências e a imprimir o seu modo pessoal de conceituar este estágio do desenvolvimento.

No artigo "A posição depressiva" (1988[1954]/1990), o autor fez uma crítica à expressão "posição depressiva". De acordo com ele, essa expressão foi utilizada por conta de uma constatação clínica de um "espírito depressivo"; porém, ressalvou que isto não significa que o bebê se encontre doente, atravessando um estado de doença depressiva. Para Winnicott, é preciso atentar que existem outros sentidos para esta expressão e que se ela fosse considerada como um estágio normal do desenvolvimento, isto facilitaria sua compreensão.

Pode–se encontrar no artigo "A posição depressiva no desenvolvimento emocional normal" (1955c[1954]/2000) um esclarecimento maior do autor sobre este tema da expressão "posição depressiva". Inicialmente, ele chamou a atenção para a palavra "normal" do título e escreveu que o que ele gostaria de enfatizar seria "a posição depressiva no desenvolvimento normal enquanto uma conquista" (1955c[1954]/2000, p. 355). O autor deu ênfase ao fator tempo e à mãe que sustenta a situação; segundo ele, o bebê chega à posição depressiva sendo sustentado pela mãe ao longo de uma fase de sua vida.

Winnicott sugeriu, ainda nesse texto, chamar o termo "posição depressiva" de "estágio do concernimento", pois, segundo ele, o termo kleiniano "é um nome ruim para um processo normal" (1955c[1954]/2000, p. 358). Para o autor, é neste estágio que o indivíduo humano passa da pré–piedade para a piedade, ou concernimento. Ele afirmou que, na medida em que o bebê é "abençoado" com uma mãe que sobrevive, que reconhece um gesto de doação, que permite a reparação e a restituição, que sustenta a situação no tempo, se estabelece então um "círculo benigno". O fortalecimento deste círculo faz com que o bebê seja capaz de tolerar as dificuldades das experiências instintivas e, de acordo com Winnicott, aqui está a origem do sentimento de culpa, uma "culpa verdadeira", que não é implantada e que surge da junção das duas mães, do amor tranqüilo e excitado, do amor e do ódio (1955c[1954]/2000, p. 365).

A grande importância da posição depressiva é, portanto evidente, e a contribuição de Melanie Klein à psicanálise revela–se aqui uma verdadeira contribuição à sociedade, à criação de filhos e à educação. A criança saudável tem uma fonte própria de culpa, e não precisa ser ensinada a sentir culpa ou compaixão. (Winnicott, 1955c[1954]/2000, p. 365)

Analisando esta mesma questão no texto "Agressão, culpa e reparação" (1984c[1960]/1999), partindo do ponto em que a destrutividade se transforma em construtividade, Winnicott assinalou que o sentimento de culpa envolvido nesta situação era "silencioso" e "não consciente"; classificou–o também como "potencial", anulado pelas atividades construtivas e o diferenciou do sentimento de culpa clínico que, para ele, tem uma carga consciente (1984c[1960]/1999, p. 162).

No texto "A psicanálise do sentimento de culpa" (1958o[1956]/1990), Winnicott fez uma análise do que foi desenvolvido em termos conceituais a partir do conceito de superego e, segundo ele, a idéia de introjeção da figura paterna foi demasiado simples. Segundo Winnicott, existe uma história precoce de superego em cada indivíduo: "a introjeção pode se tornar humana e semelhante ao pai, mas, nos estágios iniciais, os introjetos do superego, utilizados para controle dos impulsos e produções do id, são sub–humanos, e na verdade primitivos em grau máximo" (Winnicott, 1958o[1956]/1990, p. 22). Por conta deste caráter primitivo dos introjetos do superego, o autor justificou o estudo do sentimento de culpa no lactente, onde estas questões primitivas podem ser encontradas.

Uma análise especializada de Winnicott e com um elevado grau de complexidade sobre o conceito de superego pode ser encontrada no artigo: "Joseph Sandler – Comentários sobre On the concept of the superego" (1989xi[1960]/1994). Nele Winnicott comentou questões levantadas por Sandler sobre o desenvolvimento na psicanálise do conceito de superego. Para Sandler, o conceito foi enfraquecido por uma "dissolução conceptual" e o que era visto como conflito do superego agora passava a ser visto em termos de relações objetais. Sandler fez em seu artigo um levantamento do desenvolvimento do conceito de superego freudiano e prosseguiu demonstrando como ele alcançou complexidade por meio do trabalho de outros autores, especialmente Melanie Klein.

Winnicott escreveu neste artigo que o conceito kleiniano sublinha os elementos do superego que não necessariamente chegam ao ponto de desenvolvimento em que podem se tornar "totais" ou "humanos"; para ele, somente na saúde o superego clássico freudiano, que pertence à passagem do complexo de édipo, pode ser observado.

Segundo Winnicott, uma criança que se encontra suficientemente bem para ser uma pessoa total entre três pessoas, pode experenciar a situação triangular e pode ser capaz de elaborar na presença dos pais o conflito edípico e estabelecer um superego que tem um "certo relacionamento" com os pais.

Ainda neste artigo, o autor comentou sobre o uso da palavra "superego". Para ele esta palavra pode ser utilizada de qualquer maneira que se decida estudar Freud e empregá–la como se acredita que ele veio a usá–la, pois, de acordo com Winnicott, ela foi utilizada para atingir uma linguagem comum. O autor contrastou a palavra "superego" com a palavra "self", segundo ele, "self" é uma palavra que faz parte da língua, tem uma história e um significado próprio; não se pode alterar seu significado nem que se queira fazer isso. O autor fez esta reflexão sobre o uso dessas palavras para explicar a relação do superego freudiano com a mente e também para explicar a sua maneira de teorizar a mente. Esta questão o remeteu a um artigo escrito em 1949, "A mente e sua relação com o psicossoma" (1954a[1949]/2000) em que ele afirmou que a mente não se localiza em "lugar algum" e que a atividade mental é um modo de funcionamento do psicossoma, tendo escrito que "o verdadeiro eu e o continuar a ser têm como base, na saúde, o desenvolvimento do psicossoma" (1954a[1949]/2000, p. 345).

Na remissão a este texto, ele estava se referindo a um falso self que vive pela mediação de uma mente ou uma vida intelectual que se tornou separada do psicossoma e, com isso, ele pontuou a posição da mente em sua teoria em contraste com a posição dela na teoria freudiana.

Winnicott comentou, nesse artigo, que, embora Freud utilize a mente para a compreensão do superego, os processos intelectuais e a parte verbalizada dos sentimentos, para ele, Freud nunca deixou esquecer que estava tratando de fenômenos que têm suas raízes em um material não verbal. Winnicott, nesta parte do texto, estava debatendo a idéia de que Freud considerou o superego como sendo algo pertencente ao complexo de édipo e também estava discutindo os mecanismos intrapsíquicos que datam do início da vida do indivíduo. O autor afirmou que, se houver uma aceitação dos leitores de que, na saúde, há uma "construção gradual ao longo das linhas destes mecanismos intrapsíquicos, no sentido do que acaba por tornar–se o superego do conceito freudiano" (1989xi[1960]/1994, p. 355), então é possível chegar à conclusão de que o debate se refere a um só problema. Winnicott continuou o debate tomando como princípio que "estes mecanismos do funcionamento mental inicial não devem ser chamados de superego ou sequer receberem a dignidade da expressão 'esquema pré–autônomo de superego' " (1989xi[1960]/1994, p. 355).

Embasado nessa complexa discussão, Winnicott julgou ser importante avaliar "a qualidade subjetiva na visão que a criança tem dos pais e a qualidade da percepção objetiva" (1989xi[1960]/1994, p. 355). Neste momento do texto, o autor iniciou uma comparação dos elementos do superego kleiniano com o superego clássico freudiano. Fez esta comparação em termos da análise de pacientes e concluiu que, com base nos dois conceitos, o trabalho chega ao mesmo ponto, "à vida instintual tal como experenciada na transferência" (1989xi[1960]/1994, p. 356). Para ele, no início, parece haver uma grande distinção entre os dois conceitos; porém, esta distinção se atenua ao se considerar que no conceito freudiano sobra lugar para as idéias de uma visão subjetiva dos pais, que introduz a idéia destes como projeções, do mesmo modo que o conceito kleiniano.

Na análise do superego freudiano, exatamente como na análise das ansiedades hipocondríacas e das projeções correspondentes nos casos paranóides, o que em última análise faz diferença para o paciente é o surgimento da vida instintiva na transferência. é aqui onde se dá uma união da análise das ansiedades hipocondríacas kleinianas e da análise do superego freudiano; todos são em última análise remontados, na análise, à vida instintual do indivíduo. (Winnicott, 1989xi[1960]/1994, p. 356)

O que se pode extrair desta profunda discussão de Winnicott com Sandler, especificamente para este estudo sobre as origens da moralidade, não é somente o que o autor entende do conceito de superego e sim a importância que Winnicott atribuiu à vida instintual e ao ambiente.

Em "Melanie Klein: sobre o seu conceito da inveja. II – Primórdios de uma apreciação crítica do enunciado kleiniano da inveja" (1989xf[1962]/1994), Winnicott comentou sobre este conceito de Klein que indiretamente se refere às origens da moralidade. Para o autor, embora o enunciado kleiniano sobre a inveja seja de grande importância, não se trata de algo que pode ser aplicado a bebês e, na medida em que estas idéias são estendidas para a primeira infância há um "enfraquecimento" do trabalho da autora sobre a posição depressiva. Segundo Winnicott, Klein se remete, ao conceituar a inveja, a "fatores herdados" sem considerar a "maternagem" e o "ambiente suficientemente bom (ou não)".

No início da década de 60, Winnicott escreveu dois artigos onde é possível constatar o amadurecimento de suas idéias sobre a origem da moralidade. São eles: "O desenvolvimento da capacidade de se preocupar" (1963b[1962]/1990) e "Moral e educação" (1963d/1990).

Em "O desenvolvimento da capacidade de se preocupar" (1963b[1962]/1990), o autor analisou o emprego das palavras "preocupação" e "culpa". Para ele, "a palavra 'preocupação' é empregada para expressar de um modo positivo um fenômeno que em seu aspecto negativo é expresso pela palavra 'culpa' " (1963b[1962]/1990, p. 70). Assim, a preocupação diz respeito a uma "maior" integração do ego e tem uma relação "positiva" com o senso de responsabilidade, ao contrário da culpa, que implica "um certo grau" de integração e corresponde a uma ansiedade ligada ao conceito de ambivalência.

Para Winnicott, preocupação significa que o indivíduo passou a se importar, ou a valorizar, e também sentir e aceitar responsabilidade. O autor afirmou que a capacidade para se preocupar pressupõe uma organização complexa do ego, uma conquista e enfatizou que a provisão ambiental continua a ser vitalmente importante tanto neste processo como nos outros.

Usa–se descrever a origem da capacidade de se preocupar em termos de relacionamento do lactente com a mãe, quando aquele já é uma unidade estabelecida, e quando o lactente sente a mãe, ou figura materna, como uma pessoa completa. Este é um desenvolvimento que faz parte basicamente do período de relacionamento entre duas pessoas. (Winnicott, 1963b[1962]/1990, p. 71)

Considerando a análise cronológica de textos à qual este capítulo se propõe, é possível afirmar que, depois do texto "A moralidade inata do bebê" (1949g/1982), o texto "Moral e educação" (1963d/1990) é aquele de maior importância em relação ao estudo sobre as origens da moralidade. Nesse artigo, o autor apresentou de um modo especializado e amadurecido o conhecimento que adquiriu ao longo dos anos por meio de seus estudos sobre a moralidade. Nele se encontram termos novos e análises teóricas de grande alcance dentro da teoria do amadurecimento.

A idéia de "crença em…" é um dos primeiros termos do texto onde se pode constatar a originalidade do pensamento winnicottiano sobre a moralidade. Winnicott trouxe esta idéia em analogia à crença que a criança tem em Deus; a "crença em…" é algo a se desenvolver na criança, diz respeito a uma confiança que ela já tenha sobre uma experiência. A criança passa a acreditar naquilo que ela já sabe. Segundo Winnicott, por exemplo, pode–se transmitir o deus da casa para uma criança que desenvolveu a "crença em…"; porém, se ela não tiver desenvolvido a "crença em…" Deus será um mero truque de pedagogia. Ao analisar esta idéia de crer em Deus, Winnicott afirmou que as religiões fizeram muito do pecado original, mas nenhuma chegou à idéia da "bondade original", onde se cria e recria o conceito de Deus.

Ao tratar destas questões de crédito em algo ou em alguém, o autor chegou ao estudo da educação moral e discutiu se ela é viável ou não. Ele afirmou que o trabalho de educador depende do desenvolvimento da criança e de suas capacidades anteriormente adquiridas. Winnicott fez, neste texto, uma retomada de todo o processo de amadurecimento, desde a existência física do lactente, passando pelo estabelecimento da unidade EU SOU, pelo ambiente suficientemente bom, até o estabelecimento de uma identidade pessoal.

O autor também fez neste artigo um estudo sobre o "senso de valores" e afirmou que "não é solução para os valores morais aguardar que a criança desenvolva seus próprios valores, não se encarregando os pais de oferecer nada que se origine do sistema social local" (1963d/1990, p. 95). Para ele, os pais têm que ajudar as crianças a descobrirem os códigos morais sociais e "dar exemplo", um exemplo "sincero", ressaltou, não superior ao que os pais realmente sejam.

A "provisão de oportunidades" foi outro tema estudado neste texto e diz respeito a uma solução pessoal da própria criança em lidar com a destruição do que ela ama; segundo Winnicott, em vez de educação moral, seria melhor propiciar à criança a oportunidade de ser criativa, incentivar suas habilidades.

O artigo "O desenvolvimento do sentido de certo e errado de uma criança" (1993c[1962]/1999) é uma transcrição de uma das palestras radiofônicas que Winnicott concedeu à BBC de Londres e, de acordo com o prefácio dos organizadores, estas palestras revelaram alguns dos mais lúcidos e convincentes textos do autor. Esta observação dos organizadores pode ser confirmada pela leitura deste texto, pois nele Winnicott fez uma apresentação resumida de suas idéias e as tornou acessíveis às pessoas mais interessadas neste assunto: os pais das crianças. Uma das questões mais relevantes deste artigo se refere à afirmação do autor que "a base da moralidade é a experiência fundamental do bebê de ser o seu próprio e verdadeiro eu, de continuar sendo" (1993c[1962]/1999, p. 121).

Até este momento de uma breve apresentação de textos, que respeita uma ordem cronológica, somente os aspectos positivos da conquista da moralidade foram apresentados, salvo algumas considerações sobre a criança anti–social e o delinqüente. Contudo, uma questão afim e importante para este estudo é a não–conquista da moralidade, a incapacidade para a moralidade. O texto "A ausência de um sentimento de culpa" (1984b[1966]/1999) pode ser útil para expor algumas considerações de Winnicott sobre o tema.

Nesse texto, o autor fez referência a duas questões: a "inconfiabilidade" na figura materna, que torna inútil o esforço construtivo da criança e pode fazer com que o sentimento de culpa seja "intolerável". Deste modo, a criança retrocede para a inibição, para a perda do impulso que é parte do amor primitivo. A segunda questão é "pior": as experiências iniciais não possibilitam o processo inato para a integração, não existe unidade e nem senso de responsabilidade (1984b[1966]/1999, p. 123).

Winnicott chamou a atenção para o caso de uma criança afetada pela tendência anti–social e que pode se tornar delinqüente. Nestes casos, costuma–se dizer que esta criança não tem senso moral ou nenhum senso clínico de culpa; porém, o autor refutou este tipo de idéia. Sobre esta questão escreveu:

Mas refutamos essa idéia porque não a consideramos verdadeira quando temos a oportunidade de realizar uma investigação psiquiátrica da criança, especialmente no estágio anterior àquele em que os ganhos secundários passaram a predominar. Existe esse estágio anterior à chegada dos ganhos secundários, quando a criança necessita de ajuda e se sente louca porque de dentro dela vem uma compulsão para roubar, para destruir. (Winnicott, 1984b[1966]/1999, p. 124)

Em "A criança no grupo familiar" (1986d[1966]/1999), Winnicott afirmou que a família é um grupo cuja estrutura se relaciona com a estrutura da personalidade; é um "agrupamento" dentro da unidade de personalidade ou "uma duplicação da unidade da personalidade" (1986d[1966]/1999, p. 125). O autor introduziu a idéia da família paralelamente ao conceito do objeto subjetivo que se torna um objeto que é percebido objetivamente. Para ele, a família é um lugar onde a criança pode descobrir o amor e o ódio, onde ela pode esperar simpatia e tolerância; é ela também que leva a criança a outros agrupamentos que, aos poucos, vão se ampliando até chegar ao tamanho de uma sociedade local e da sociedade em geral.

Neste texto, Winnicott fez uma referência às "lealdades" e às "deslealdades"; para ele, na realidade do mundo onde as crianças precisam viver como adultos, toda lealdade indica uma "natureza oposta", que ele afirmou poder chamar de deslealdade. Segundo o autor, uma criança que teve a oportunidade de alcançar estas descobertas, referidas anteriormente, dentro de sua família, estará em melhores condições para "assumir seu lugar no mundo". De acordo com Winnicott, é possível perceber as deslealdades ao retroceder no tempo; elas provêm do fato de que "se alguém tem de ser ele mesmo será desleal a tudo aquilo que não for ele mesmo". Para o autor, a afirmação "EU SOU" é uma das palavras mais "agressivas" e "perigosas" do mundo; só quem as alcança pode ser um membro adulto da sociedade (1986d[1966]/1999, p. 136).

Os textos apresentados neste momento datam de 1965 a 1970 e foram os últimos escritos por Winnicott, pois o autor veio a falecer no início de 1971. Pode–se constatar que ele passou a ampliar seus questionamentos sobre a moralidade para o âmbito da sociedade. Assim como Freud partiu do estudo do aparelho psíquico para analisar os problemas da civilização, da religião e da sociedade, Winnicott partiu do estudo do amadurecimento pessoal para as suas análises. Em "Sum: eu sou" (1984h[1968]/1999), é possível encontrar um trecho deste tipo de análise:

O estado de unidade é a conquista básica para a saúde no desenvolvimento emocional de todo ser humano. Com base nesse estado, a personalidade unitária pode se permitir a identificação com unidades mais amplas – digamos a família, o lar ou a casa. Agora, a personalidade unitária é parte de um conceito de totalidade mais amplo. E logo vai se tornar parte de uma vida social cada vez mais ampla, incluindo as questões políticas; e (no caso de algumas pessoas) de algo que pode ser chamado de cidadania no mundo. (…)

A base de tal divisibilidade é o self unitário, talvez transferido (por medo de ataque) para Deus. E aí retornamos ao monoteísmo e à aquisição de um significado para um, solitário, único; como é veloz a quebra de um em três, trindade! Três, o número da família mais simples possível. (Winnicott, 1984h[1968]/1999, p. 47)

O último texto a ser apresentado neste capítulo é "Individuação" (1989n[1970]/1994); nele há uma descrição winnicottiana de como um entre dois mundos espera por uma criança e, segundo o autor, é possível entender como faz toda diferença aquele mundo onde cada um nasceu. Winnicott pediu permissão para sua "supersimplificação":

Um: um bebê dá um chute no seio da mãe. Ela fica satisfeita por seu bebê estar vivo e dando pontapés, embora talvez doa e ela não se permita ser machucada por brincadeira. Dois: um bebê chuta o seio da mãe, mas esta mãe tem idéia fixa de que golpes no seio causam câncer. Ela reage, porque não aprova o pontapé e isto sobrepõe–se ao que quer que o chute possa significar para o bebê. A criança defrontou–se com uma atitude moralista e dar pontapés não pode ser explorado como maneira de situar o mundo ao qual ele pertence, que é o lado de fora. (…) é agora impossível para o menino ou para a menina sentirem–se preocupados, porque o código moral da mãe ergueu–se como um bloqueio ao crescimento natural no bebê de um senso de certo e errado, e de culpa e pesar. (…) Estes dois mundos são tão diferentes como água e azeite. Qualquer debate da "posição paranóide" em cultura pura é fútil, a menos que a provisão ambiental seja primeiramente avaliada e admitida. (Winnicott, 1989n[1970]/1994, p. 221)

Tomando como referência esta questão colocada por Winnicott sobre o significado que pode haver para um bebê o modo como o mundo o espera, pode ser útil para o encerramento deste capítulo aproximar este último texto do primeiro texto citado.

No texto sobre enurese, da década de 30, o autor escreveu sobre como a satisfação e o prazer encontrados no corpo pelo bebê podem significar para ele que existe "bondade no mundo". é possível admitir certa correspondência com este texto de 1970(1989n[1970]/1994), uma vez que o autor está tratando do modo como o mundo espera o bebê.

Com esta sugestão de aproximação dos textos, de modo a atender o objetivo da análise a que este texto se propõe, há a possibilidade de se afirmar que Winnicott amadureceu suas idéias ao longo dos anos e da criação de sua teoria do amadurecimento moral, mas não as modificou. O autor incluiu termos novos, fez análises mais profundas, mas não modificou suas idéias iniciais. Winnicott fez referências e críticas aos conceitos de superego, complexo de édipo e posição depressiva; porém, a teoria do amadurecimento moral winnicottiana é "essencialmente não–edipiana" e difere radicalmente da teoria da origem da moral desenvolvida na psicanálise de Freud e Klein (Loparic, 2000).

Com base nesta análise cronológica de textos, pode–se afirmar que a origem da moralidade para Winnicott se encontra nas primeiras relações de compromisso estabelecidas entre o bebê e sua mãe e acompanham o amadurecimento pessoal do bebê junto a um ambiente suficientemente bom. Para o autor, estas relações de compromisso se estabelecem no primeiro ano de vida do bebê.

Por conseguinte, as palavras–chave para o estudo da origem da moralidade winnicottiana são: tendência inata, confiabilidade, preocupação, concernimento.

 

Referências

Loparic, Z.(1996). Winnicott: uma psicanálise não edipiana. Revista Percurso, 9(17).         [ Links ]

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_______ (2000). A posição depressiva no desenvolvimento emocional normal. In D. Winnicott (2000/1958a), Da pediatria à psicanálise (pp. 355-374). Rio de Janeiro: Francisco Alves. (Trabalho original publicado em 1955[1954]; respeitando-se a classificação de Huljmand, temos 1955c[1954])

 

 

Endereço de correspondência
E–mail: dgpt2@terra.com.br

 

 

* A citação das obras de Winnicott segue a bibliografia compilada pelo Prof. Dr. Knud Hjulmand, do Departamento de Psicologia da Universidade de Copenhague, cujo critério é o ano da primeira publicação do artigo ou do livro do autor. No corpo do texto, após a menção do ano de publicação, está a página em que a citação pode ser encontrada nas edições brasileiras. A bibliografia feita pelo Prof. Dr. Hjulmand foi reproduzida em Natureza Humana – Revista Internacional de Filosofia e Práticas Psicoterápicas, vol. 1, n° 2, 1999. Consta também no seguinte endereço da Internet: www.cle.unicamp.br/grupofpp.
1 Este texto se refere à quarta parte do primeiro capítulo da Dissertação de Mestrado: Winnicott e as raízes da moralidade defendida pela autora em 2006 pela PUC–SP.

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