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Winnicott e-prints

versão On-line ISSN 1679-432X

Winnicott e-prints vol.2 no.1 São Paulo  2007

 

ARTIGOS

 

Origem em Heidegger e Winnicott1

 

Origin in Heidegger and Winnicott

 

 

Zeljko Loparic

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Universidade de Campinas

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Após fazer uma breve apresentação da maneira como o tema da origem surge no pensamento de Heidegger, o artigo mostra que esse tema se desdobra necessariamente no do nascimento. Em seguida, o nascimento é estudado tal como tematizado por Heidegger na primeira e na segunda fase da sua filosofia. Por fim, o artigo explica os conceitos de nascimento e origem que compõem a teoria do amadurecimento de Winnicott, a fim de iniciar um diálogo entre o pensamento heideggeriano do ser e a psicanálise winnicottiana do acontecer maturacional.

Palavras–chave: Heidegger, Winnicott, Origem, Nascimento, Amadurecimento.


ABSTRACT

After making a brief presentation of the manner in which the topic of origin emerges in Heidegger's thought, the article shows that this topic necessarily includes that of birth. Next, the birth is studied in the light of the first and the second phase of Heidegger's philosophy. Finally, the concepts of birth and origin that are contained in Winnicott's theory of maturation are presented in order to introduce a dialogue between Heidegger's thinking of Being and Winnicott's psychoanalysis of human coming to be and growth.

Keywords: Heidegger, Winnicott, Origin, Birth, Maturation.


 

 

1. Introdução

A origem é um conceito distintivo do Heidegger tardio, portanto, um conceito pós–ontológico e mesmo pós–filosófico. Refere–se ao nascedouro da relação do homem ao ser, na qual se funda o pensamento do ser. Pois pensar é pensar o ser, e nada mais. Esse nascedouro tornou–se ativo na Grécia antiga, onde, pela primeira vez, o ser se deu ao pensar. Contudo, o pensamento que emergiu deixou impensado o essencial: a origem da relação do homem ao ser. Os primeiros pensadores gregos diziam o (que é o) ser, isto é, tratavam de dar conta da pergunta: o que é o ser? Entretanto, nada revelaram sobre a fonte que dá ao homem o ser como coisa a pensar nem tampouco sobre a própria doação do ser, a partir da qual a pergunta pelo ser poderia ser respondida.

Com a virada metafísica do pensamento do ser — iniciada, mas não consumada, por Platão —, não apenas a origem da relação do homem ao ser e, por conseguinte, do pensamento do ser, mas o ser ele próprio tornou–se um impensado, reduzido ao ser do ente. A pergunta–guia da filosofia na sua fase metafísica passou a ser: o que é o ente enquanto ente? O esquecimento da origem — do lugar do nascimento do homem como pensador do ser — e do próprio ser aprofundou–se na época moderna, quando o ser do ente acabou projetado (em resposta à interpelação do próprio ser) como representidade (Vorgestelltheit), um tipo de cunha do ser do ente que possibilitou com que, na atualidade, os entes no seu todo se desocultem e sejam pensados não no que são, mas tão–somente nas suas relações mútuas acessáveis representacionalmente pelos seres humanos. Na linguagem de Heidegger, os entes passaram a existir como recursos (Bestand), como "constanteações" (Beständigungen) ou, ainda, como instalações provisórias decorrentes da armação (Gestell), que exerce poder hegemônico sobre eles todos. A expressão cabal desse estado de coisas é o fato de a ciência moderna ignorar por completo a pergunta pelo ser do ente, melhor, de tratar essa pergunta como sem sentido.2 Assim, o verdadeiro triunfo da metafísica — da virada esquecedora da pergunta pelo ser em prol da pergunta pelo ser do ente — é, paradoxalmente, o fim da metafísica, com a emergência de um pensamento que só trata das relações entre os entes não enquanto entes, nem mesmo enquanto objetos, mas como conjuntos de dados (informações) organizados por meio de representações, isto é, de dados intuitivos expostos em conceitos puros ou empíricos cuja elaboração é feita cada vez mais automaticamente, prescindindo até mesmo do sujeito do conhecimento, ainda necessário em Kant3

O Heidegger tardio entende que o ser deixou de ser pensado não em virtude de um projeto humano, mas pela imposição da origem. Sendo assim, e supondo que o homem continue possuído pela origem, o único futuro possível desse acontecer consiste em que se inicie, da mesma origem, um outro começo do pensamento do ser, não mais metafísico nem mesmo filosófico. Retorno à origem: essa é a versão do Heidegger tardio do mote husserliano: às coisas, elas mesmas. A filosofia, como filia, é um sintoma de distância. O amor é o fenômeno de aproximação. Se e quando essa distância acabar — mais precisamente, se e quando o homem passar a existir a partir da origem que lhe assegura o contato direto com o ser —, a própria filosofia acabará. A verdadeira forma inicial do pensamento do ser — o desvelamento da presença a partir da origem doadora — não é, portanto, a filosofia, mas antes o canto, a celebração, a exultação diante do ser como desocultamento. O modo próprio do pensar exultante se perfaz com o dizer dos poetas, restabelecido como tal por Hölderlin, poeta do poetar. A palavra originária não é conceitual, mas significante–sensificadora4 ou, como dirá Heidegger mais tarde, a palavra que acena e põe a caminho. Pois tudo é caminho (1959, p. 198).

 

2. Um desdobramento da pergunta pela origem: o problema da nascença

Compreende–se facilmente, portanto, por que Heidegger vê na técnica o perigo extremo para o homem se esse ente é definido pela relação à origem que dá a pensar o ser.5 Esse perigo impõe a tarefa, específica da nossa época, de reatar com a origem. A execução dessa tarefa exige, entre outras coisas, que seja devidamente tematizado o relacionamento do homem com a origem e que se examine o modo como se inicia o pensamento do ser a partir da origem, bem como as figuras desse pensamento. Em outras palavras, o problema da origem inclui necessariamente o da nascença e do amadurecimento do homem.

Gostaria de observar, antes de mais nada, que o nascimento não é um tema consagrado na filosofia. Esta privilegiou quase exclusivamente o outro fim da existência humana: a morte. Foi a meditação de Sócrates sobre a morte que estabeleceu o lugar central desse tema no contexto da divisão metafísica do mundo em este mundo, o mundo do não–ser, e o mundo depois da morte e antes do nascimento, isto é, o mundo do ser ou das idéias. Desde então, os filósofos permaneceram muito mais interessados pelos moribundos do que pelos bebês. Via de regra, o nascimento era visto como uma catástrofe — queda na caverna do mundo sensível, lugar do esquecimento, do sofrimento etc. — e a morte como chance de salvamento. Isso é claro em Platão: ele não é concernido pela possibilidade de o homem entrar no mundo, mas pela possibilidade de ele sair do mundo, transcender o mundo, ainda vivo ou morto. Além disso, quando fala em maiêutica, teoria e prática de parto, trata do renascimento, na mente humana, das idéias esquecidas, não do verdadeiro nascimento, isto é, da emergência dos seres humanos do não–ser.

Precisamente essa temática é imposta nos dias de hoje ao pensamento filosófico pelo saber da técnica moderna, embora em termos diferentes dos da metafísica de Platão. O saber ideacional, mesmo não referido mais ao mundo das idéias, mas, ao modo de Kant, apenas ao mundo dos fenômenos, assegura–nos a possibilidade de fabricação dos humanos, por um processo de implementação, na matéria, de códigos virtuais existentes originalmente na natureza e exibidos, representacionalmente, na linguagem objetificante da ciência. Até a época atual, esse código ainda era o segredo da natureza não humana (corpo humano). Os desenvolvimentos atuais da biologia genética mostram que, no futuro, ele poderá ser refeito ao gosto da vontade do poder, abrindo um espaço de possibilidades infinitas para a produção de humanóides, mais ainda, para a modificação artificial de todas as espécies. Dessa forma, a espécie humana afigura–se como aquele produto da natureza, no qual esta última ganhou a consciência de si mesma como fabricante das espécies e mediante o qual os seus segredos de produção foram expostos conceitualmente como processos técnico–práticos.

O principal resultado desse saber é o fim da fixidez das espécies, inclusive da humana, isto é, da naturalidade, ou melhor, da natufactualidade em geral e a sua assimilação e prolongação na artificialidade, ou seja, na artefactualidade. No contexto da tecnologia de produção dos humanos e dos humanóides, o homem é retirado não apenas conceitualmente, mas efetivamente, do colo da natureza, para se tornar um artefato industrial, pela realização de algumas das infinitas possibilidades virtuais geneticamente codificadas e doravante calculáveis na linguagem técnico–prática da ciência contemporânea. Aqui, o morrer significa, por sua vez, ser deletado; suicídio é deletar–se, desrealizar certo conjunto de possibilidades virtuais.6 O homem não só perde a transcendência no depois da morte, mas também no aquém da vida. Ele não pode mais morrer nem nascer. Ele, portanto, não pode mais existir.

Dessa forma, o problema da origem leva necessariamente a novos desdobramentos. A sua formulação completa terá de contemplar, por um lado, a pergunta heideggeriana pela relação do homem à origem, da qual emerge a relação do homem ao ser e que, por sua vez, poderia ser o ponto de partida do pensamento pós–metafísico do ser. Por outro lado, terá de ser factual, no sentido de possibilitar a tematização do surgimento do homem a partir da origem e da relação do homem ao ser em condições de prevenir, de modo efetivo, que o relacionamento do homem com o ser dos entes ou mesmo com os entes em geral seja reduzido aos termos da natufactualidade (nascimento e crescimento biológico) ou da artefactualidade (fabricação dos humanos e sua reprogramação).

Como mostrei num trabalho anterior (Loparic 2006), a possibilidade da produção industrial dos seres humanos ocupa o pensamento de Heidegger pelo menos desde 1939, quando, ao comentar o conceito de physis do livro B, 1 da Física de Aristóteles, ele escreveu: "Às vezes parece que a humanidade da época moderna tem pressa em atingir o seguinte objetivo: que o homem se produza tecnicamente a si mesmo" (1958 [1939] , GA 9, p. 257). Um dos principais resultados da meditação heideggeriana sobre esse objetivo potencial da modernidade — base da crítica de Heidegger ao nazismo, iniciada em 1936, ponto freqüentemente ignorado pelos seus críticos — será resumido na seguinte observação acerca das perspectivas da fabricação dos humanos, enunciada num texto escrito nos anos 40: "Visto que o ser humano é a matéria–prima mais importante, pode–se contar que, um dia, com base em pesquisa química contemporânea, serão erigidas fábricas para a criação artificial do material humano" (1954, p. 95).

Um prenúncio dessa perspectiva está na concepção moderna do ser vivo como organismo. "Organismo", diz Heidegger, é "um conceito moderno, mecânico–técnico, de acordo com o qual o crescimento é interpretado como uma feitura que se faz a si mesma" (1958 [1939], GA 9, p. 255). Dessa forma, a physis grega fica descaracterizada como autoprodução ou auto–organização. Abre–se o caminho para que a técnica substitua a natureza. Uma das conseqüências desse desenvolvimento é a vida como tal se tornar uma feitura que pode ser produzida "tecnicamente". Nesse horizonte do ser, prossegue Heidegger, "não haveria mais saúde, nem mesmo nascimento e morte" (idem). O mesmo motivo reaparece no fim do texto sobre a physis em Aristóteles, quando Heidegger diz ser perfeitamente possível que a morte seja objetificada, no sentido de concernir algo meramente disponível, que pode ser manipulado, chegando–se à "in–essência extrema" da physis, "que se exibe como a própria e única essência, o qual erguer–se permanece de fato a essência de toda in–essência" (ibid., p. 298).

Caso se chegasse a esse estado, o homem, afirma Heidegger, teria feito voar a si mesmo pelos ares, pois o que é simplesmente sem sentido valeria como o único "sentido" e a manutenção dessa validade apareceria como o "domínio" humano sobre o globo terrestre. Dessa forma, o homem não existiria mais como Dasein, nem mesmo como um sujeito, embora essas possibilidades de ser não estariam ultrapassadas, mas apenas tranqüilizadas na forma de uma "constância" à moda chinesa; que é a extrema in–essência em relação à physis–ousia (ibid., p. 257).

Daí surge, repito, o problema inevitável de explicitar uma concepção da origem do ser humano que seja, por um lado, pós–metafísica (pós–filosófica), no sentido de possibilitar que se pense a relação do homem com a origem e, por outro lado, factual, a ponto de permitir pensar a chegada ao mundo do ser humano sem implicar, com isso, um acontecer natufactual ou artefactual. Em outras palavras, na época da técnica, a filosofia se depara com a tarefa de buscar uma concepção pós–metafísica do homem que permita a elaboração de uma ciência do homem (Wissenschaft vom Menschen7) não objetificante, nem no sentido científico nem no metafísico–objetificante.8 Essa ciência deverá mostrar que a natureza humana carrega em si a possibilidade de os seres humanos, amostras temporais dessa natureza, virem ao mundo nascendo e que, por serem nascenciais, não podem ser fabricados, nem pela natureza não–humana nem pela indústria. Dessa forma ficará exposta, de forma aguda, a questão da relação entre o nosso corpo físico, objeto da manipulação tecnológica, e nós mesmos, constituídos num acontecer essencialmente não–objetificável.

O primeiro Heidegger não formulou explicitamente essa tarefa. Mas uma solução implícita para ela pode ser encontrada: a relação com o ser é embutida, diz Heidegger em Ser e tempo, na própria estrutura da existência do ente que é o homem. O pensamento do ser, entendido como compreensão projetiva do ser, Seinsvertändnis, é um relacionamento ao ser, Seinsverhältnis, do ente que existe como um ser–o–aí (das Da–sein).9 O homem é chamado a ser o aí, o lugar de manifestação de si mesmo e de todas as coisas, por uma voz "interna", por um chamamento que vem dele mesmo (autêntico) a ele mesmo (não–autêntico). Dessa forma, contudo, a pergunta pela origem da relação do homem ao ser — ou seja, do estabelecimento dessa relação — permaneceu ainda fora de foco. Nos conceitos heideggerianos de lance (Geworfenheit) do homem no aí e do ser–para–o–início, o tema é apenas indicado, mas não pensado.

A tematização da relação à origem e do estabelecimento dessa relação impôs–se como tarefa explícita para Heidegger só mais tarde, sem dúvida como decorrência do reconhecimento de que a compreensão que projeta o sentido do ser, tal como concebida em Ser e tempo, não era a fonte do poder da técnica sobre o todo dos entes. Esse poder vinha de outro lugar, da relação do ser ao homem que, sem dúvida, constitui a existência do homem, mas que, contudo, não é um elemento da estrutura da existência. Estou aludindo aqui ao abandono, por parte de Heidegger, da ontologia fundamental de Ser e tempo como filosofia primeira.10 No contexto da pergunta pela técnica, a pergunta pelo sentido do ser do primeiro Heidegger transformou–se na indagação, exposta anteriormente, pela origem que destina ao homem o ser a pensar nas sucessivas cunhas epocais.

No que segue, examinarei com mais detalhes a maneira como Heidegger abordou o tema específico do nascimento, tanto na primeira como na segunda fase do seu pensamento. Após apontar as insuficiências da sua posição, farei ver, de modo sumário, que a psicanálise freudiana não contém uma teoria da nascencialidade humana — ou seja, da origem do homem — que ofereça uma alternativa ôntica positiva para a idéia de fabricação dos humanos. Essa teoria está disponível, contudo, na psicanálise pós–freudiana de Winnicott, a qual, se combinada com o pensamento pós–metafísico da origem desenvolvido por Heidegger, permite reformular a questão do ultrapassamento da artefactualidade tecnológica em geral.

 

3. O nascimento em Heidegger I

Em Ser e tempo, Heidegger caracterizou o homem como ser–para–a–morte, como possibilidade da impossibilidade de ser no mundo e, mais fundamentalmente ainda, da impossibilidade de ser–o–aí (das Da zu sein), de ser a abertura. O problema do nascimento como outro fim do existir humano foi, portanto, claramente explicitado, mas não desenvolvido e, menos ainda, resolvido. No início do parágrafo 72 de Ser e tempo, Heidegger escreve:

A morte é, no entanto, apenas o "fim" do ser–o–aí [Dasein] e, em sentido formal, apenas um dos fins que abrangem a totalidade do ser–o–aí. O outro "fim" é o "início", o "nascimento". Só o ente "entre" nascimento e morte apresenta o todo que se procura. Desta forma, ficou "unilateral" a orientação dada até aqui à analítica, apesar de tender para o ser–todo existente e de explicar, genuinamente, o ser–para–a–morte próprio e impróprio. O ser–o–aí só foi feito tema enquanto existe, por assim dizer, "para frente" e deixa "para trás" de si todo ter sido. Não apenas se desconsiderou o ser–para–o–início, mas, sobretudo, a extensão do ser–o–aí entre o nascimento e a morte. Na análise do ser–todo, passou–se por cima da "conexão da vida" em que o ser–o–aí, continuamente e de algum modo, se mantém. (Heidegger 1927, p. 373)

A temática do nascimento, negligenciada em Ser e tempo, ressurge, ainda que apenas episodicamente, no parágrafo 15 das preleções Einleitung in die Philosophie, de 1928/29, intitulado: "Ser descobridor no caso do Dasein da aurora da história e da aurora da vida". Como é que fica, em particular, pergunta Heidegger, "a essência do Dasein quando criança? (1996, GA 27, p. 123). A resposta sobre o papel do Dasein recém–nascido tem de ser entendida, diz ele, "como interpretação básica fundamental–ontológica do Dasein" e não como doutrina ôntica (idem). Heidegger escreve:

Com base nas pesquisas psicológicas, psicanalíticas, antropológicas e etnológicas, temos hoje possibilidades mais ricas de visão de determinados nexos do Dasein. Mas os fatos e os fenômenos que são trazidos destas pesquisas precisariam de uma revisão crítica fundamental tão logo se recorra a eles a título de modos do Dasein. Essa revisão deve ser guiada pela tese fundamental de que, se se trata de um Dasein humano, tanto no caso do Dasein infantil como no caso do Dasein dos povos primitivos, então deve servir–lhes de base um essencial caráter acontecencial, mesmo quando o conhecemos, não sem dificuldade. Não obstante, encontram–se aqui problemas de tipo completamente diferente, cujo caráter problemático conheceremos a seguir. (1996, GA 27, p. 124)

Tendo em vista a existência de diferentes etapas e períodos iniciais do homem enquanto criança, apresenta–se a questão metodológica fundamental de como deve ser apreendido esse "outro Dasein". O modo de apreensão recomendado é a privação, isto é, parte–se "de uma concepção positiva do Dasein que lhe serve de base, não sem uma orientação da idéia do humano em geral" (idem). "Isso, no que eu meço", continua Heidegger, "deve antecipadamente estar determinado, e essa medida padrão é, por conseguinte — como todo fundamento de uma privação — não inessencial, mas co–determinante para aquilo que deve ser determinado em modo privativo" (idem).

Heidegger menciona o fato de ter sido freqüentemente perguntado, e na maioria das vezes no sentido de uma objeção, por que, na sua investigação do Dasein, ele abrangia apenas a morte e não também o nascimento. Sem dar uma resposta clara, Heidegger afirma não ser de opinião que o nascimento seja meramente o outro fim do Dasein, que pudesse e permitisse ser tratado do mesmo modo que a problemática da morte. Não se pode, na investigação do Dasein, "recorrer sem mais nem menos ao nascimento ao invés de à morte, tal como o botânico que, na investigação da planta, pode começar, alguma vez, pelo outro final, a raiz, ao invés de começar pela flor". Diante do factum do nascimento que, de certo modo, não se situa pura e simplesmente atrás de nós, vale a afirmação:

aquilo que, para nós, imediatamente parece ser o que fomos primeiro é, no conhecimento, o último. Para o nascimento devemos necessariamente ir em retrocesso, mas isso não é simplesmente a inversão do ser para a morte. Para esse retrocesso, é preciso uma elaboração completamente diversa da posição inicial de partida, [assim] como para todas as passagens de fronteira no Dasein. O mesmo vale, analogamente, para a interpretação da infância, se ela não estiver guiada por propósitos meramente psicológicos ou pedagógicos. (1996, GA 27, p. 124)

Ao tematizar de forma ainda muito elementar o modo do Dasein infantil, Heidegger observa que, nos primeiros momentos de seu estar–aí–na–Terra, uma criança se manifesta pelo choro, pela movimentação, debatendo–se agitadamente em direção ao mundo, espaço adentro, sem qualquer meta, e, entretanto, já em direção de... A ausência de meta "não é ausência de direção; direção não é orientação para uma meta; direção quer dizer: para..., para lá... para longe..." (ibid., p. 125). O Dasein do bebê humano é determinado, em primeiro lugar, pelo sossego, calor, alimento, sono — e sonolência. Poder–se–ia concluir–se daí que esse Dasein estivesse, inicialmente, encerrado em si. Isso seria um erro, "na medida em que a reação mesma da criança — se é que podemos nos orientar por essa expressão — tem o caráter do choque, do susto" (idem). O primeiro choro talvez seja um choque bem determinado que gera susto. Mas o que é o susto? Heidegger especifica:

Susto é uma sensibilidade à perturbação, uma forma primitivo–original do deter–se (Innenhalten), um comportamento de deixar ser algo, mas também um atônito ser lançado em queda (Be–stürztsein), um ser atingido por..., sendo que o pelo que do ser afetado ainda está oculto. Ser afetável é já uma disposição afetiva. A essência do choque pode–se fazer mais clara tão–somente em conexão com o fenômeno do susto e da angústia. O choque significa que a disposição afetiva é perturbada, que um mal–estar sobrevém, contra o qual ela terá que se defender. (Idem)

Nem mesmo nas primeiras semanas de vida o bebê humano é um sujeito fechado em si. Ele é, desde o início — e não apenas quando é arrancado da sonolência —, dirigido para fora. Ele desde sempre já está fora, junto de... Isso significa que "algum ente já é manifesto à criança, embora não ocorra ainda nenhum comportamento ante esse ente, nenhuma atenção dirigida" (idem). Virar–a–cara e defender–se, assim como a necessidade de sossego, centrada em si, o calor e o sono têm um caráter negativo totalmente peculiar. Antes de tornar claros esses fenômenos de virar–a–cara e de resistência, em sua estrutura ontológica, não podemos começar a interpretar o estado das crianças, em sua essência. Heidegger prossegue:

O estado de sonolência, no qual um Dasein inicial se encontra, não quer dizer que ainda que não há nenhum comportamento ante o ente, mas apenas que esse comportar–se ante ... não tem ainda nenhuma meta determinada. O estar junto ao ente está, em certa medida, ainda enevoado, ainda não aclarado, de tal forma que esse Dasein ainda não pode fazer nenhum uso determinado do ente junto ao qual ele, segundo sua essência, sempre já está. (1996, GA 27, p. 126)

Ser arrancado do estado de sonolência não quer dizer sair do círculo de um sujeito, mas que o ser–do–lado–de–fora junto de... desenevoa–se, torna–se claro e, na claridade, acontece o primeiro ver. O junto a... emerge para o Dasein. Esse é um emergir do já ter prévio.

Sendo assim, a interpretação primeira deve, antes de qualquer coisa, começar por mostrar como o mero virar–a–cara da criança diferencia–se de uma defesa: "O virar–a–cara é um mero esquivar–se de..., mas, no esquivar–se está já uma determinada defesa, uma recusa de... No fugir de algo já há um contra, mas ainda não um contra ativo; do virar–a–cara e defender–se, devemos distinguir a resistência, na qual se inicia o movimento contrário propriamente dito, o contrapor–se" (ibid., p. 126). Todos esses fenômenos da intencionalidade são simultâneos e caracterizam, segundo Heidegger, "a primeira situação na qual se encontra um tal Dasein na inicial e desamparada entrega ao mundo" (idem).

Temos aqui uma série de esboços interpretativos do próprio punho de Heidegger que constituem, sem dúvida, um ponto de partida precioso para uma antropologia ôntica, tanto pediátrica como psicanalítica, dos recém–nascidos. É difícil não reconhecer que as análises de Heidegger ficaram basicamente incompletas. Em particular, ele não diz nada sobre o problema onto–ontológico do nascmento e nem trabalha a experiência do nascimento propriamente dita. Cabe perguntar, inclusive, se e como um ente, cujo ser tem a estrutura de ser–no–mundo11 pode nascer, isto é, chegar ao mundo. Pelo que sei, poucos seguidores de Heidegger continuaram essa linha de pesquisa.12 Creio, contudo, que é possível dizer que a sua perspectiva sobre a vida humana imediatamente pós–natal se coaduna, no essencial, embora não nos detalhes, com a abordagem psicanalítica da vida dos bebês desenvolvida por Winnicott, que será abordada posteriormente e que pode ser lida como uma pediatria ôntica pós–metafísica, isto é, como disciplina antropológica científica compatível, ainda que de modo totalmente não intencional, com os cânones da antropologia filosófica elaborada por Heidegger, sobretudo em Ser e tempo e nos Seminários de Zollikon.

 

4. O nascimento em Heidegger II

Na segunda fase do pensamento heideggeriano, o assunto do nascimento, como fenômeno onto–ontológico que precisaria ser estudado, praticamente desaparece, assim como toda a problemática da interpretação fundamental–ontológica dos modos de ser ônticos dos bebês e das crianças. Mais ainda, o primeiro fim do existir humano foi pensado em termos não–humanos, isto é, decididamente não–antropológicos, com base em considerações pré–metafísicas dos pré–socráticos e no canto pós–metafísico de Hölderlin.13

Essa mudança de enfoque decorre da maneira como Heidegger formulou o problema da técnica. Como notei anteriormente, Heidegger reconheceu, por volta de 1936, que a técnica — a constanteação (Beständigung) de todas as coisas como representidades, modo de ser dos entes no seu todo na época de hoje — não pode resultar de um projeto do ser–o–aí nem, portanto, ter a sua origem no aí do ser–o–aí ou, ainda, no acontecer do ser–o–aí. Por isso, tornou–se imperioso perguntar pela origem desse modo de ser epocal num outro acontecer. Heidegger entenderá que se trata do acontecer do ser ele próprio, ditado por ele próprio, envolvendo os seus modos de des–ocultamento (a–letheia).

Heidegger buscou, nos pré–socráticos, os traços dessa origem, a saber, a da relação do homem com o ser e do começo do pensamento do ser; e, nos hinos tardios de Hölderlin, outro fundamento do ser, desta vez não mais metafísico, a partir dessa mesma origem. Em Heidegger I, o tratamento do tema do nascimento permaneceu, como vimos, inacabado. Em Heidegger II, tornou–se abstrato, sem implicações concretas. Esse ponto pode ser mostrado facilmente, analisando os motivos relativos ao tema do nascimento que se encontram nos textos heideggerianos sobre os pré–socráticos — em particular, Heráclito — e sobre Hölderlin.

É a palavra pré–metafísica physis dos pré–socráticos que seria a portadora do sentido originário do ser como o que concede aos entes que se automanifestem no sentido de nascerem, baseados em si mesmos como si mesmos. É precisamente a nascencialidade dos entes, tomada no sentido de manifestidade, que cabe recordar a fim de superar o niilismo teórico–prático e moral–prático da modernidade (humanismo). Um traço essencial do niilismo é esquecer, de maneira radical, o nascer e crescer como automanifestação do ente, substituindo–a pela manifestidade que não é mais a nascencialidade, tendo o sentido de total e completa instalação.14

Como é que esse sentido nascencial do ser ou da manifestidade se torna acessível aos humanos? Qual é o relacionamento dos humanos com o ser que permite que este se mostre como physis, movimento de nascer? Heidegger responde: segundo Heráclito, esse acesso é o ethos, o morar (wohnen). A physis se mostra ao homem no morar em meio dos entes no seu todo (1979, GA 55, pp. 205–6). O ethos é a sustentação da estada do homem nesse meio (idem). O homem, e só ele, atém–se ao ente no seu todo, relaciona–se ao ente no seu todo, perfazendo e cultivando, dessa maneira, a si mesmo. Esse relacionamento acontece sempre com base na sustentação ou na falta de sustentação.

Como se perfaz a estada do homem em meio dos entes? De início, pela respiração. Viver é respirar, processo que tem suas duas fases: inspirar e expirar. Entretanto, considerada na sua essência, afirma Heidegger, a respiração não é referente ao ar, mas designa o próprio ser do ser humano e significa "o abrir–se, tragando e expelindo, para aquilo que é concedido ao homem", isto é, o todo do ente (1979, GA 55, p. 314). O respirar, na medida em que caracteriza a essência do ser humano, não é um automatismo; ele precisa ser assistido, sem que essa assistência jamais se torne respiração artificial, apoiada em aparelhos. Quem fornece essa assistência, esse tipo de sustento, ao respirar humano? Ninguém. O expirar inspirando humano — isto é, o viver, o sustentar–se, o morar em meio do ente dos seres humanos — fundamenta–se no logos. Que é o logos? Aquilo que permite a colheita e a reunião do ente. Respirar se perfaz colhendo e reunindo os entes num todo. Essa "atividade" é suportada e guiada pelo logos em cada um de nós, o qual, por sua vez, se recolhe num único Logos, que junta e reúne os entes no seu todo de modo a possibilitar que se manifestem eles mesmos, individualmente, baseados em si mesmos, mas num único mundo (1979, GA 55, pp. 317 e 326). O ser humano, que mora ao meio dos entes colhendo e reunindo os entes, recebe suas indicações e caminhos, recebe sustentação e conselhos do Logos (ibid., p. 351).

Ora, em Heráclito, Logos tem o sentido de região, de contrea que "circunda, aconselha e se faz presente" ao homem (ibid., p. 352). É, portanto, situado na contrea que o homem se constitui como um si–mesmo e recebe as suas próprias possibilidades de ser (ibid., p. 356). É da mesma fonte que ele haure os modos de deixar que os entes no seu todo sejam eles mesmos, que se manifestem eles mesmos, baseados neles mesmos. Isso acontece no poiein, na produção de obras, na energeia. É nessa contrea que também acontece o que se chama história da humanidade ocidental (idem), o eixo central da qual é a acontecência do esquecimento da fenomenalidade (manifestidade) do ente a que temos acesso pela inspiração expiradora inicial. Essa história termina pelo apossamento por parte do ser humano do seu si–mesmo esquecido, que só pode existir devido ao sustento da contrea.15

O traço essencial da contrea — e que, segundo Heidegger, precisa ser preservado — é o fato de ela não ser humana. Heidegger se afasta tanto da tese judaico–cristã segundo a qual a raiz do homem é Deus, como da de Marx, inspirada em Feuerbach, que afirma ser a raiz do homem o homem (e não Deus). A origem do ser humano não é Deus nem outro ser humano, mas "o relacionamento com aquilo que não é o ser humano, embora seja de lá que este recebe a sua destinação" (1986, GA 15, p. 390). A razão principal pela qual Heidegger recusa as teses de Marx é o fato de este dizer que o ser humano é um produto do trabalho humano, o que significa: "O ser humano é uma fábrica. Ele se faz a si mesmo, tal como ele faz os seus sapatos" (ibid., p. 323), posição representa a forma mais radical do esquecimento da manifestidade do ser humano. A nascencialidade se reduz à manifestidade — o modo de ser dos entes em geral e do homem em particular facilitado por um espaço não–humano.

Passo agora ao tema da origem e do nascimento em Hölderlin. Heidegger reconstruiu com detalhes o retorno de Hölderlin e, do seu herói Hyperion, à natureza grega e a Heráclito, bem como o projeto hölderliniano de uma topologia do seer (Seyn), a partir da mesma origem da qual foi projetada, no primeiro começo, a physis dos pré–socráticos. Contudo, Heidegger deixou completamente de lado outros elementos do movimento regressivo de Hyperion: o retorno à infância, ao nascimento no colo da natureza–mãe. É verdade que Hyperion revela apenas alguns poucos detalhes da experiência de chegar ao mundo–natureza e de começar a brincar. Nos hinos tardios, Hölderlin transfere traços de um relacionamento com a mãe à natureza–mãe, à terra–mãe. Dessa forma, mais do que Hyperion, ele salta por cima da nascencialidade humana, que inclui a relação inicial mãe–bebê humano.

Heidegger segue Hölderlin totalmente nessa transposição, como se pode ver, por exemplo, do seu comentário dos seguintes versos de Hölderlin (1989 [1934/35], GA 39, 242):

.... pois, o mais

pode o nascimento,

e o raio de luz, que

vai ao encontro do recém–nascido.16

Sem hesitar, Heidegger diz que a palavra "nascimento" se refere "à origem do escuro fechado do colo", a saber, "à terra–mãe".17 Nascimento significa: a origem como abismo fundante não é a origem pura e simplesmente, mas tão–somente um dos poderes da origem, o outro sendo o "raio de luz". No raio de luz, escreve Heidegger,

vigora uma direção oposta de originação, à medida que ele recai sobre o recém–nascido. O raio de luz não significa aqui apenas uma luz qualquer e a luminosidade em geral em oposição à escuridão, mas, assim como na estrofe II [do hino "O Reno"], o "nascimento" corresponde à "mãe–terra", o "raio de luz" corresponde ao "trovejante". Raio de luz é o relâmpago. Trovão e relâmpago são, para Hölderlin, aquilo em que somente algo divino se anuncia, mais ainda, onde a essência do Deus se manifesta. (1989 [1934/35], GA 39, p. 242).18

 

5. Insuficiências da abordagem do nascimento em Heidegger II

Heráclito (o pensamento pré–metafísico dos pré–socráticos) e Hölderlin (o dizer poético) são de onde Heidegger parte para pensar o ultrapassamento da técnica e, portanto, do projeto de fabricação dos humanos. Esse lugar é apresentado como indicação do caminho em direção de uma região do futuro, na qual uma humanidade pós–metafísica poderia talvez fixar a sua morada, atentando para a nascencialidade, a automanifestação do ente e para o fundamento desse tipo de presencialidade. Contudo, cabe perguntar se tais esperanças podem ser depositadas nesse ponto de partida. Em especial, se esse ponto de partida possui a concretude que mostramos ser exigida pela formulação do problema da nascencialidade: apresentar uma alternativa factual viável para o tratamento tanto metafísico, como natufactual e artefactual, do estabelecimento da relação do homem com o ser.

Começo por Heráclito. Supondo que Heráclito sabia como se manter na Physis–contrea, como é que o homem de hoje pode reencontrar o caminho da contrea? O modo de recordação do ser como Physis — esse é o meu primeiro reparo — permanece conceitualmente não–determinado.19 Nesse sentido, há uma perda em relação a Ser e tempo, livro que mostra que estar numa situação inter–humana, num determinado ambiente, é suficiente para sabermos o essencial sobre o que fazer e deixar de fazer.20

Em segundo lugar, o viver enquanto respirar é imediatamente "reduzido" ao ser, tomado no sentido de legein, que por sua vez se recolhe no corresponder ao Logos. Esse tipo de desconstrução da realidade específica do viver, cujo efeito é privar o viver de concretude ôntica, tem o óbvio inconveniente de não dar espaço para o respirar como função orgânica, algo que, para o homem de hoje como para o de ontem, é a condição necessária da vida e da morada em qualquer mundo real. Essa função orgânica de respirar deveria, portanto, poder ser colhida pelo legein. Como? Como deve ser "recolhido" o caráter "biológico" do ser humano na contrea do Logos? Nenhuma resposta parece possível, pois o orgânico como tal não pode se manifestar na clareira heraclitiana do ser tal como reconstruída por Heidegger. Tendo retornado a Heráclito, na companhia de Hölderlin, Heidegger não sabe mais como reconstruir o viver concreto, o respirar factual.21

Em terceiro lugar, a posição de Heidegger carece de generalidade. Isso se depreende da seguinte observação elementar: talvez os adultos sadios possam, mas os bebês (e os psicóticos adultos) não conseguem respirar heideggerianamente.22 A simples verdade é que, sozinhos, os bebês humanos não conseguem juntar ou reunir nada (legein) por eles próprios: antes de nascerem, precisam ser juntados e protegidos pelo útero da mãe; depois de chegarem à luz, pelos braços da mãe. O que conta para eles, nessa fase da vida, é a relação concreta com o corpo da mãe que os sustenta, não a correspondência ao Logos, a não se que alguém mostre o que isso pode significar para um bebê por nascer ou para um recém–nascido. De resto, além de respirar, os bebês precisam logo começar a engolir coisas e a expelir coisas, e, para tanto, também precisam não só do corpo e dos braços da mãe, mas da presença viva da mãe. Digo presença viva, porque a psicanálise contemporânea mostra que o bebê de uma mãe "morta", uma mãe depressiva, por exemplo, pode deixar de querer mamar.

Quem cuida dos bebês, portanto, não é a contrea, mas as mães. Os bebês simplesmente morreriam na clareira do ser.23 Eles não moram na Physis, nem no Geviert (a quadrindade), mas no colo da mãe, do qual o berço é uma extensão não tematizada como tal pelo bebê. Quero dizer: sem esse tipo de mundo, eles não poderiam existir enquanto seres humanos na condição de bebês. Para chegar ao mundo e estabelecer a relação com o ser, o bebê humano precisa de outro ser humano. E para se manter no mundo, na relação com o ser, ele precisa de uma sustentação pelo ambiente, sendo que esse ambiente é essencialmente a mãe, não o ser como contrea.

Finalmente, como é que o retorno à Physis, o morar por respiração, poderia nos livrar da técnica? Não há nenhuma resposta de Heidegger tardio a essas perguntas. O que encontramos nos seus textos é o reiterado reconhecimento da força do niilismo (primado do ente sobre a região) e da nossa incapacidade de anular a objetificação, expressa exemplarmente na afirmação de 1966: "Só um deus pode nos salvar".24

Observações semelhantes — no sentido de que a interpretação heideggeriana de Heráclito não indica o caminho de regresso à origem, padecendo de falta de concretude dos modos de ser na e para a origem, da falta da generalidade da concepção da relação à origem e da impotência diante do processo de objetificação técnica — aplicam–se à leitura heideggeriana de Hölderlin. Claro está que ninguém nasce na Terra–mãe, mas, como diz o zen budista Lin–chi, de mãe e pai (1975, p. 10). Ao interpretar Hölderlin, Heidegger está tratando de tudo, salvo da ontologia da nascencialidade humana e, menos ainda, dos aspectos ônticos desse processo. O nascimento é um acontecer entre os humanos e os divinos, assim como o é, por exemplo, o nascimento de Jesus. Toda concretude procurada por Heidegger é a que se encontra no verso, assim como tudo o que um teólogo que saber do nascimento de um filho de uma virgem é o que está no versículo. Não há nenhum esforço de "desmitologização" no sentido de Bultmann: pensar a narrativa religiosa do Novo Testamento como exemplificação das possibilidades de ser ônticas de um ente caracterizado ontologicamente como um Da–sein, um ser–o–aí.

Além disso, é óbvio que faltam considerações que tratem das condições de possibilidade do nascimento das idéias na mente humana, assunto de Platão, mas também, e antes de mais nada, do nascimento e criação de seres humanos que estejam em condições de ter idéias. O desenvolvimento dessa temática exigiria o retorno à analítica existencial ampliada e, ao mesmo tempo, o abandono do recurso ao dizer poético (dizer ditado pelo ser, que diz o ditame do ser, dizer "ditaminal"), a não ser parafraseado em termos de uma ontologia e de uma teoria factual do funcionamento mental humano.

 

6. O nascimento na psicanálise pós–freudiana: Winnicott

Não faltam ciências positivas que tratem do nascimento dos seres humanos e da vida pré–natal e pós–natal. Na maioria delas, o nascimento é visto como um processo natural e, não raramente, pelo viés da morte, e a origem, como um lugar na natureza inanimada.

Na psicanálise (metapsicologia) freudiana, por exemplo, a vida é concebida, especulativamente, como tensão físico–química que surge na matéria sem vida e cria diferenças vitais, as quais, em virtude do princípio de constância (ou de nirvana), tendem a desaparecer (Freud 1920g/1975, pp. 248 e 264). A origem da vida é a matéria inorgânica e o caráter essencial da vida é a pulsão (Trieb) de restabelecer o estado inicial. Ou seja, a forma básica de toda pulsão é a pulsão de morte. Cada indivíduo humano emerge como matéria orgânica a partir da inorgânica, existe como um organismo, isto é, como uma máquina ("aparelho psíquico"), para, em seu devido tempo, retornar ao estado inorgânico. No momento de nascimento, ocorre um aumento de tensão, razão pela qual nascer é um acontecimento traumático, tendo o trauma o sentido de desamparo diante da excitação não controlável (Freud 1926d[1925]/1975, p. 303). Em resumo, a psicanálise freudiana consente com a tese da natufactualidade do homem,25 posição obviamente incompatível com o pensamento pós–metafísico de Heidegger.

Na psicanálise pós–freudiana de Winnicott, contudo, o panorama muda radicalmente. A vida não é mais objeto de especulação metapsicológica de cunho naturalista. O nascimento, em particular, deixa de ser pensado como episódio de um processo material, perde o caráter traumático e passa a ser valorizado como experiência individual altamente valiosa, constitutiva do processo de amadurecimento do ser humano num ambiente humano facilitador. Diferentemente de Heidegger, que chega ao tema do nascimento a partir do problema da origem, Winnicott pensa a origem a partir do nascimento, mais precisamente, com base na vivência pessoal de nascer (Winnicott 1958a/1978, p. 177). Evitando a linguagem objetificadora de um observador externo, tal como usada por Freud, Winnicott sustenta que o indivíduo humano não emerge do estado inorgânico, mas da solidão essencial que é inerente à natureza humana, experienciada anteriormente a qualquer instinto e precedida de um estado ainda mais primitivo: o de não–vida ou de não–ser. O nascimento é, portanto, na sua essência, "o estado do indivíduo humano quando o ser emerge do não–ser" (1988/1990, p. 131), próprio de "um ente que está aí para ser" (1986b/1993, pp. 41–2).26 No desenvolvimento do lactente individual, "viver se origina e se estabelece do não–viver e ser torna–se um fato que substitui não–ser, assim com a comunicação se origina do silêncio" (1965b/1983, p. 191). Por conseguinte, o que está em jogo na vida humana é ser, muito mais do que sexo (1986b/1993, p. 35). A morte só se torna significativa no processo de vida de um ser humano depois de ele chegar ao ódio, o que ocorre em data posterior ao nascimento.

A emergência do ser a partir do não–ser só acontece num ambiente humano. A fim de nascer e tornar–se um existente estabelecido — um exister, diz Winnicott, usando um neologismo —, todo ser humano precisa (pelo menos no mundo atual) de uma mãe–ambiente. Depois de ter tido a mãe–útero, precisa da mãe–colo, da qual possa depender totalmente. Precisar do colo da mãe significa, em primeiro lugar, precisar de contato humano para sentir–se real e poder ser. É no colo materno que o bebê se apropria do ser e passa a se relacionar com a presença como tal. Isso acontece na exata medida em que ele se identifica com a mãe, no sentido de ser a mãe–ambiente (aqui ser tem um sentido transitivo) que cuida dele. "Eu sou", diz Winnicott, "não significa nada, a não ser que eu, inicialmente, seja junto com outro ser humano que ainda não foi diferenciado. Por essa razão, é mais verdadeiro falar a respeito de ser do que usar as palavras eu sou, que pertencem ao estágio seguinte" do amadurecimento humano (1987a/1988, p. 12). Não é exagero dizer, portanto, prossegue Winnicott, que a condição de ser adquirida no contato com a mãe é o início de tudo, sem o que fazer ou deixar que seja feito não tem sentido. Em outras palavras, no início, o homem não é ainda um existente; ele tende a tornar–se um e, para tanto, precisa assentar–se num mundo humano e, dessa forma, ter a oportunidade de contato. Mais precisamente, de ilusão de contato, pois não há contato direto possível entre o ente fundamentalmente solitário e a realidade externa (1988/1990, p. 114).

A palavra portuguesa "ser", cuja antiga grafia é "seer", diz esse início muito bem, pois deriva do latim sedere, "estar sentado, assentar–se, ficar sentado". Só pode existir quem primeiro se tornou capaz de ficar sentado num mundo mais primitivo ainda: o das primeiras mamadas e dos primeiros brinquedos. De fato, no início da vida, o recém–nascido precisa desenvolver até mesmo a capacidade de ficar sentado (ser) no colo da mãe. Note que a palavra portuguesa "existir" deriva do verbo latim exsistere (ou existere), "elevar–se para fora de ou por cima de, sair de, aparecer, mostrar–se", o qual deriva de sistere, "parar, fazer repousar, reter, subsistir", que é uma reduplicação de stare, "manter–se de pé, em posição vertical, firme". Essas etimologias ajudam a esclarecer um ponto central da teoria winnicottiana da nascencialidade humana: o homem só pode tornar–se um existente, alguém que se sente real e que é capaz de estar–no–mundo e de se relacionar com os outros seres humanos e com as coisas (as primeiras delas sendo os brinquedos) de modo criativo, depois de ter sido acolhido por um colo materno, do qual dependeu totalmente e que foi o seu primeiro lugar para ser.

É nessa relação de dependência total da mãe — relação efetiva, isto é, psicossomática, e não representacional, mental ou simbólica — que se constitui a capacidade do bebê de se integrar no tempo e no espaço, de se alojar no corpo e de se relacionar com os objetos no mundo, inicialmente apenas subjetivo e, em seguida, externo; por fim, de existir neste mundo externo, objetificado e representado. Como diz Winnicott, toda mãe devotada ao seu bebê dá–se conta de que ele se torna "exultante ao encontrar a mãe por trás do seio ou da mamadeira, e descobrir o quarto por trás da mãe, e o mundo para além do quarto" (1964a/1982, p. 22). Na experiência do bebê humano, resume ele, a idéia da mãe é associada não apenas com boa comida, mas também com "o cuidado carinhoso, a estabilidade da terra e o mundo em geral" (ibid., p. 150).

Com sua teoria da acontecencialidade humana, Winnicott coloca–se claramente em rota de colisão não somente com o naturalismo materialista, mas também com o artificialismo tecnológico, ambos presentes no paradigma freudiano da psicanálise. Mas o novo paradigma winnicottiano dessa disciplina tampouco pode ser assimilado, sem mais nem menos, à posição de Heidegger. De fato, nem o mundo objetificado da técnica, nem a contrea de Heráclito, nem a quadrindade de Hölderlin, nem mesmo no mundo dos afazeres pragmáticos, povoado de instrumentos e tematizado por Heidegger na sua analítica do cotidiano, pode ser experienciadopor um bebê humano e ter sentido para ele como oportunidade de contato e de estabelecimento de relação com o ser. Um bebê humano não pode nascer numa proveta, nem na physis dos pré–socráticos, nem na quadrindade pensada por Heidegger baseado em Hölderlin. Um ser humano só nasce da barriga da mãe capaz de engravidar, gestar e se devotar ao seu bebê. Ele não pode se criar nem se tornar um existente em nenhum outro ambiente (mundo). A mãe–natureza das parteiras tem o primado onto–ontológico tanto sobre a natureza–mãe dos mitos, das religiões, dos poetas e dos filósofos quanto sobre a natureza–máquina dos cientistas modernos. De duas uma: ou um recém–nascido de uma mãe humana não é interpelado pelo sentido do ser e, portanto, não é um ser humano, ou ele é concernido pelo sentido do ser e, então, o sentido do ser relevante é o da confiabilidade, não o da manifestidade ou o da representidade (objetividade). Tanto o segundo sentido, característico da técnica moderna, como o primeiro, buscado por Heidegger, devem ser abandonados como conceitos–guia exclusivos ou mesmo dominantes.

A meditação heideggeriana sobre a manifestidade, conduzida no quadro das suas sucessivas interpretações do sentido ou da verdade, ajuda, decerto, a diagnosticar o caráter encobridor e mesmo extremamente perigoso da armação técnica do mundo. Contudo, são poucas as chances de o caminho de saída dessa armação passar exclusivamente por uma região em que tudo acontece, como entende Heidegger I, em decorrência de projetos humanos, ou, como antevê Heidegger II, num jogo de luzes e sombras. Há boas razões de pensar que, ao lado das hermenêuticas do tipo heideggeriano e da teorização objetificante, feudo da ciência moderna, a maiêutica — a ciência e a arte do parto — deve permanecer fazendo parte da práxis filosófica. No entanto, a fim de atender às necessidades da atualidade, a concepção platônica dessa ciência–arte precisa ser reformulada de maneira a poder ser usada não somente para facilitar o parto de idéias, mas também, e em primeiro lugar, o nascimento e o crescimento dos seres humanos. Sem elucidar maieuticamente a nascencialidade dos humanos — as condições de possibilidade de eles chegarem–ao–mundo — e o amadurecer deles — a sua integração progressiva em unidades existentes, pessoais, estáveis, mas não rígidas —, é impossível, parece–me, tratar hermeneuticamente, de modo adequado, a existencialidade dos humanos, ou seja, as condições nas quais, uma vez crescidos e saudáveis, eles podem existir: continuar a estar–no–mundo até morrer. Explicarei brevemente as minhas razões para dizer isso, todas baseadas em fenômenos onto–ontológicos descritos pela psicanálise winnicottiana que acabo de explicitar.

Para o Heidegger de Ser e tempo,27 os primeiros objetos são os instrumentos de uso manual. Parece–me óbvio que essa análise se aplica apenas a adultos já relativamente civilizados e sadios, pois os povos "primitivos" — o próprio Heidegger admite isso (1927, pp. 81–2) — fazem as suas coisas muitas vezes por meio de objetos externos dotados de poderes mágicos (fetiches, totens etc.) Os bebês, no início, não podem fazer nem mesmo isso — sendo capazes tão–somente, como mostra Winnicott, de usar brinquedos, objetos não tematizados por Heidegger nem deriváveis de seus instrumentos (pelo contrário, tudo indica que os instrumentos heideggerianos devem ser pensados como derivações dos brinquedos). Quanto aos psicóticos, eles não conseguem nem brincar nem trabalhar (embora alguns deles consigam ser criativos e fazer arte).

Heidegger atribui à surpresa provocada pelos objetos à mão, bem como à sua falta e à sua impertinência a função de manifestar ao homem os entes que são meramente presentes e exteriores (1927, p. 74). Não resta dúvida, contudo, que os distúrbios da remissão instrumental só podem ter a função especificada por Heidegger para um ser humano que já constituiu devidamente a externalidade, isto é, alguém que não é um primitivo, nem um bebê, nem um psicótico. Em Winnicott, a realidade externa é uma conquista que ainda não foi feita por um bebê no início da vida e que o psicótico adulto jamais fez. Quando algo surpreende, falta ou importuna, o bebê não se abre para o meramente presente, mas, via de regra, perde o sentido de real, perde as suas relações objetais iniciais e perde até mesmo a sua identidade primária e, passando por essas "agonias impensáveis", fecha–se no seu mundo subjetivo, para, nos casos menos favoráveis, jamais conseguir sair dele. O psicótico, por sua vez, pode ficar sem as suas defesas e ser obrigado a reviver, num colapso, essas mesmas agonias.

Ser–com–outros, diz Heidegger, é um componente da estrutura do ser–o–aí (1927, p. 114). Isso significa que, no mundo de trabalhos manuais, os outros estão sempre junto conosco (p. 118). Ora, Winnicott, além de muitos outros autores, fez ver, conforme expliquei anteriormente, que o primeiro ser–junto–com só acontece com um certo outro, aquele que cuida do bebê, a saber, a mãe. Os outros, no plural, é uma formação posterior. Além disso, o ser–junto–com não tem o sentido de trabalhar com outros ou, como Heidegger diz ainda, de ser a–fim–de outros (p. 123), mas o de ser–a–mãe apenas a–fim–de poder ser e, paradoxalmente, de poder ser si mesmo.

Por último, o ser–no–mundo–junto–das–coisas–com–outros heideggeriano é possibilitado pelo momento central da estrutura da existência humana: o ser–o–aí, a abertura da presença e para a presença, o qual aí se concretiza na forma de mundos heideggerianos: o do trabalho e o da tematização teórica. Winnicott mostra que: 1) se deixarmos de lado o útero, o aí inicial do ser humano é o colo da mãe, que não é nenhum dos mundos heideggerianos, e 2) o bebê humano não consegue ser esse aí a não ser que, de início, seja recebido no colo por uma mãe anfitriã e cercado de cuidados adequados à suas necessidades de ser.

Em resumo, em Winnicott, o ser humano não é definido pela relação com o ser que seria constitutiva da sua essência, mas como aquele algo que tende a ser e a continuar sendo sem jamais se desfazer da possibilidade de não ser. A existência só pode começar da não–existência, diz Winnicott, sendo a "busca da não–existência pessoal" um elemento constitutivo da natureza humana (1989a/1994, p. 95). Winnicott escreve:

O estado anterior ao da solidão é um estado de não–estar–vivo, sendo que o desejo de estar morto é em geral um disfarce para o desejo de ainda–não–estar–vivo. A experiência do primeiro despertar dá ao indivíduo a idéia de que existe um estado de não–estar–vivo cheio de paz, que poderia ser pacificamente alcançado mediante uma regressão extrema. (1988/1990, p. 132)

Para Winnicott, os escritos existencialistas, que transformam a existência em um cult — ao dizer isso, Winnicott talvez esteja pensando em Sartre —, não exploram todas as dimensões, não digo da existência, mas da natureza humana, que inclui a não–existência pessoal. Esses textos constituem, antes, a tentativa de "neutralizar a tendência pessoal para a não–existência que faz parte de uma defesa organizada", cujo objetivo é evitar responsabilidade ou perseguição (1989a/1994, p. 95).

Segue–se que, na perspectiva da teoria winnicottiana da nascencialidade humana e do amadurecimento humano, a estrutura do existir humano, determinada pela analítica existencial de Heidegger como o ser–o–aí que possibilita o ser–no–mundo–junto–das–coisas–com–outros, deve ser considerada uma conquista que caracteriza o adulto sadio ou, no máximo, neurótico, e não como o horizonte do acontecer humano no seu todo, abrangendo chegar ao mundo (começar a existir), estabelecer–se como um existente, manter–se como tal no mundo (ser–no–mundo) e, por fim, deixar o mundo. É possível concordar com Heidegger que a "essência" do Dasein, do ser–o–aí, reside na sua existência (1927, p. 42). Contudo, fenômenos onto–ontológicos revelados pela psicanálise winnicottiana obrigam a pensar que, diferentemente do que afirma a ontologia fundamental de Ser e tempo, o conceito de Dasein não capta a "essência" da natureza humana. Esse resultado, em si mesmo, não surpreenderá ninguém que esteja familiarizado com o pensamento do segundo Heidegger. Ele é significativo, sobretudo, por recolocar em pauta, ainda que de forma modificada, problemas do tipo onto–ontológico não resolvidos em Ser e tempo e, posteriormente, negligenciados por Heidegger.

Creio ser forçoso afirmar que apenas uma visão ampliada do acontecer humano, ao mesmo tempo ôntica e pós–metafísica, a ser elaborada num diálogo entre a ciência factual e a filosofia, e conduzida de forma metodologicamente correta, ofereceria possibilidades reais para pensar com a necessária radicalidade o processo de objetificação do mundo pelos procedimentos representacionais e para dar conta do confronto do homem com a realidade externa assim constituída, assunto que perseguiu Heidegger a vida toda e que continuou desafiando todos os seus esforços.

 

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Winnicott, D. W. (1982). A criança e seu mundo. Rio de Janeiro: Guanabara Koogans. (Trabalho original publicado em 1964; respeitando–se a classificação de Huljmand, temos 1964a)

Winnicott, D. W. (1983). O ambiente e os processos de maturação. Porto Alegre: Artes Médicas. (Trabalho original publicado em 1965; respeitando–se a classificação de Huljmand, temos 1965b)

Winnicott, D. W. (1988). Os bebês e suas mães. São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1987; respeitando–se a classificação de Huljmand, temos 1987a)

Winnicott, D. W. (1990). Natureza humana. Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1988; respeitando–se a classificação de Huljmand, temos 1988)

Winnicott, D. W. (1993). Tudo começa em casa. São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1986; respeitando–se a classificação de Huljmand, temos 1986b)

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Endereço para correspondência
E–mail: loparicz@uol.com.br

Recebido em Setembro de 2007
Aceito em Setembro de 2007

 

 

1 Versão revisada da palestra proferida no Colóquio Internacional: "Origem em Heidegger e Freud", Évora, 16–17 de novembro de 2006.
2Cf. Loparic 2005b.
3Foi Kant quem decretou o fim da ontologia ao declarar que "o soberbo nome de ontologia [...] deve ceder lugar ao modesto nome de uma simples analítica do entendimento puro" (1787, p. 303; sobre as implicações desse assunto, cf. Loparic 2005a). Desconheço qualquer texto de Heidegger em que este faça referência a esse trecho de Kant. Comentei esse fato em Loparic 2007.
4No original: "sinnbildend", Heidegger 1989 [1934/35], GA 39, p. 114.>
5Para a exposição detalhada dessa tese, cf. Loparic 1996.
6Esse fenômeno é ilustrado no filme de Liddle Scott: Blade Runner.
7Cf. Heidegger 1987, p. 178.
8Sobre essa diferença, cf. Loparic 2008.
9Essa tradução de "Dasein" é sugerida em várias oportunidades pelo próprio Heidegger (cf. 1987, p. 157; GA 15, pp. 380, 383 e 415).
10Cf., por exemplo, Heidegger 1969a, pp. 31 e 33–4.
11Heidegger mantém essa tese até o final da vida, cf., por exemplo, 1986, GA 15, p. 372.
12Um razão disso talvez seja o fato, pouco notado, de que o homem não pode nascer se for caracterizado como Dasein. (Note que, ao tratar do presumido início da história do homem — tanto da espécie humana como de cada homem individualmente —, Kant se vê obrigado a supor que esse início de dá "com a existência do homem; a saber, na sua grandeza já formada, pois ele deve prescindir da ajuda materna", 1786/1964, p. 3.) É possível mostrar também que o homem com a estrutura de Dasein não pode nem ao menos se tornar psicótico, no sentido da psicanálise winnicottiana.
13O pensamento de Hölderlin é ainda metafísico (ligado a Schelling e Hegel), o seu canto dos últimos hinos não mais.
14Note que a oposição kantiana entre a legislação como autonomia e como heteronomia é paralela à distinção entre a manifestação como automanifestação e como instalação, embora os domínios semânticos dessas distinções sejam diferentes.
15Esse esquecimento realiza–se, de maneira extrema, na forma da subjetividade absoluta que, por sua vez, desemboca na vontade de poder e na instalação do ente no seu todo (a realidade que resulta da vontade do poder). Nessa altura, são as condições de possibilidade da instalação que fundamentam o modo básico de morar em meio do ente, que não é mais colheita ou reunião, mas provocação técnico–científica.
16No original: "... das meiste nemlich / Vermag die Geburt,/ Und der Lichtstrahl, der/ Dem Neugeborenen begegnet.
17Sobre a terra–mãe (Mutter Erde), cf. 2000b, GA 75, p. 320.
18Para reforçar essa interpretação, Heidegger remete à carta de Hölderlin para Böhlendorf de 4.12.1801.
19Talvez prevendo esse tipo de incômodo, Heidegger adverte ocasionalmente o seu leitor de que desconhece qualquer outro caminho do ultrapassamento (1989 [1934/35], GA 9, p. 425).
20Encontramo–nos numa situação parecida com aquela na qual nos deixa a leitura de Tao Te King: Ficamos abertos a uma dimensão de transcendência que nos proíbe de dizer qualquer coisa de preciso sobre ela e, portanto, sobre como pensar ou como se comportar a fim de permanecermos nela. É sabido que essa situação favoreceu a vitória, na China, do confucionismo (baseado na valorização das tradições familiares e sociais) sobre o taoísmo (orientado pelo Caminho). Além disso, o próprio taoísmo se viu forçado a tornar–se mais "positivo", criando rituais para corresponder ao Caminho.
21Para Heidegger, o ser é o concreto (con–crescere): herança hegeliana, para quem o absoluto é o concreto.
22O bom começo do respirar, sabemos isso da pediatria, depende do bom parto, em particular, do tempo da passagem do bebê do útero para o mundo externo, do corpo da mãe para o colo da mãe.
23Veja as práticas de certos povos de expor crianças ou idosos desprotegidos à natureza, como modo de condená–los à morte (como os espartanos e os esquimós).
24Tratei dessa afirmação de Heidegger em "Do ateísmo ao Deus da quadrindade", XII Colóquio Heidegger, PUCSP, São Paulo, 26–27/10/2007.
25Recentemente, no diálogo com a ciência cognitiva e a neurociência, a posição de Freud foi aproximada do ponto de vista artefactual.
26No original: a being who is there to be.
27As observações que se seguem são relevantes, mutatis mutandis, também para o diálogo entre Winnicott e o segundo Heidegger.

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