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Winnicott e-prints

versão On-line ISSN 1679-432X

Winnicott e-prints vol.2 no.1 São Paulo  2007

 

ARTIGOS

 

Heidegger e Winnicott: pensadores da origem (Anfang)

 

Heidegger and Winnicott: origin's thinker

 

 

Caroline Vasconcelos Ribeiro*

Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia
Universidade de Campinhas

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Pretendemos com este artigo fazer uma conexão entre a postura heideggeriana em relação à história do ser e a winnicottiana em relação à história do paciente. No âmbito ôntico, Winnicott repensa não apenas a semântica da tradição metapsicológica, como aponta para um princípio humano muito mais primitivo que o do aparelho psíquico freudiano. O primitivo para a teoria winnicottiana não é o inconsciente reprimido, resgatável via interpretação, e sim "algo" mais originário, inapreensível em termos de datações e representações. Winnicott não parte de um começo já garantido, mas nos fala de privações ambientais que freiam ou impedem a possibilidade de se ter uma história pessoal, uma biografia. Pleiteamos indicar que este psicanalista, assim como Heidegger, nos convida para além do começo (Beginn) ao formular uma espécie de origem (Anfang) marcada pela necessidade de cuidados ambientais que, apesar de não serem experienciados pelo bebê enquanto registro, marcam seu destino. Almejamos ainda, apontar que esse passo de volta rumo ao não-experienciado pelo bebê, diferencia radicalmente as bases ontológicas do pensar winnicottiano em relação ao freudiano.

Palavras-chave: Freud; Heidegger; História de vida; Origem; Winnicott.


ABSTRACT

We pretend with this paper do a connection between a Heidegger's posture in a history relation of being and the Winnicott's history relation with the patient. In the ontological scope Winnicott re-thought not only the metapsichologic traditional semantic to aim from a human beginning much more primitive than Freud's psychic system. The primitive for Winnicott's theory it's not the repressed unconscious recovered by the way of interpretation and already for "something" much source, not apprehensive in terms of us about representations and date. Winnicott doesn't start from a guaranteed beginning already but speech to environmental privacy that brakes or prevent the possibility to have a personal history, a biography. We row indicate that this psychoanalyst as well Heidegger invite us to over there the beginning (Beginn) when form a kind of origin (Anfang) registered an environmental need care that although it not experienced for the while register brand it's destiny. We still wish aim that step around bound for the not experienced for the baby difference radically the ontologic bases of Winnicott's thought in relation to Freud's.

Keywords: Freud; Heidegger; History of life; Origin; Winnicott.


 

 

Durante mais de uma década Martin Heidegger ministrou seminários a um grupo de estudantes de psiquiatria na casa do amigo Medard Boss, em Zollikon na Suíça. As atas do seminário registram o esforço do filósofo em levar esse seleto grupo a experienciar o desabrigo que se instaura quando a pretensa segurança do pensamento científico-natural é abalada, desconstruída ontologicamente. O esforço consistia em descortinar um modo de apreender fenômenos clínicos não devedor do naturalismo, não servil aos imperativos de mensuração e classificação. Para tanto, o olhar heideggeriano não se restringia a avaliar os resultados de uma dada prática clínica, centrando-se em dilemas da psicoterapia. Antes, pretendia uma análise filosófica acerca das bases ontológicas sobre as quais se edificam tais ciências. O que implica perguntar pela concepção de homem, saúde e doença que permeia seu arcabouço teórico e determina sua prática.

Ao conduzir a atenção dos interlocutores para os pressupostos ontológicos subjacentes à pesquisa científica, o filósofo convida o grupo a voltar-se para onde o olhar científico não pretende e nem pode ater-se. Heidegger então, provoca o grupo na direção do espanto e da suspeita filosófica, para além do consolo dos códigos que classificam. Dirige-se a conceitos cardeais da psiquiatria, psicologia e psicanálise com sua peculiar postura desconstrutora, visando remover "os entulhos acumulados" pelas mais diversas vertentes epistemológicas. Os enrijecidos conceitos de corpo, tempo, espaço, causalidade, sofrimento psíquico, esquecimento etc. são desencobertos, conduzidos às suas fontes, na tentativa de desvelar a proveniência primeira, a "certidão de nascimento" (Geburtsbriefes) de cada um.1 Tarefa esta nada simples para filósofos, quiçá para representantes da ciência natural. Não por acaso Boss, no prefácio à primeira edição da obra que reúne as atas do seminário, confessa que diante do esforço dos participantes em acompanhar o fôlego do pensamento de Heidegger, fantasiava que um marciano estava encontrando pela primeira vez um grupo de terrestres e tentava comunicar-se com eles.2

Por empreender um procedimento que visa alcançar as raízes ontológicas de um campo ôntico de saber, Heidegger teve que lidar com um ramo de teorização objetificante, com um conjunto instituído de teorias e técnicas. No caminho desta tarefa o filósofo não pôde deixar de esbarrar-se com a psicanálise e de encaixá-la no rol das ciências naturais herdeiras da metafísica moderna. Neste sentido, suas assertivas em relação a Freud são duras, às vezes desconcertantes, causando assim as mais diversas reações de defesa por parte dos interlocutores educados para ver apenas o que a ciência autoriza.

Munido com os resultados da analítica existencial do Dasein3 empreendida em Ser e tempo, Heidegger desafia os participantes do seminário a pensarem sobre a concepção de homem subjacente em todo programa de ajuda médica e psicoterápica. Aí aconselha ao terapeuta "(...) anotar que se trata sempre do existir e não do funcionar de algo. Quando só se visa este último, não se ajuda o Dasein". (Heidegger,2001,p.180).

Dizer que o homem não se reduz a um funcionar de uma máquina geradora de sintomas e salientar a dimensão de sua existência, implica apontar para o fato de que o ser humano não é um efeito da natureza, não está no mundo como os objetos e as coisas simplesmente subsistentes. Não! O homem existe. Mais que isso: só o homem existe! Quer dizer, o homem não se limita a ocorrer no mundo entre tantos outros entes, mas possui o privilégio ontológico de existir numa certa compreensão de ser e, nesta compreensão, compreender o seu próprio ser em um mundo. Tal compreensão (Verstehen) não é da ordem das faculdades que representam, não tem inicialmente um caráter temático, predicativo. Radica-se na lida cotidiana com os entes que vêm ao encontro no mundo. Cabe ressaltar que essa relação do homem com o mundo além de não se pautar inicialmente numa ação do entendimento que categoriza, é marcada pela co-originariedade entre homem e mundo. De modo que o homem não existe previamente e sai da esfera de sua interioridade – do seu intrapsíquico, se quisermos – para depois se ater ao mundo. O homem existe como ser-no-mundo numa eterna doação de sentidos e escolha de possibilidades fáticas.

Ora, o homem heideggeriano não é algo que funciona, não é um aparelho, uma engenhoca. Repetimos: o homem existe! Não como um mero ente subsistente, mas como um acontecente (geschichtlich) numa ex-tensão (Erstreckung) entre nascimento e morte, cuja marca maior é a finitude e a precariedade de ter que se escolher a todo momento.4 Para este filósofo, tal ex-tensão não se dá numa seqüência linear marcada pelo determinismo causal, pois "o Dasein não preenche um trajeto e nem um trecho ‘da vida' já simplesmente dado". Assim, continua Heidegger (1995b,p.179):

Compreendido existencialmente, o nascimento não é e nunca pode ser um passado no sentido do que não é mais simplesmente dado. Da mesma maneira, a morte não tem o modo de ser de algo que ainda simplesmente não se deu, mas que está pendente e em advento. De fato, o Dasein só existe nascendo e é nascendo que ele já morre, no sentido de ser-para-a-morte.

Aqui nem a morte reduz-se ao perecimento orgânico incontornável, nem o nascimento é a simples posse biológica da vida, nem o "entre" desta ex-tensão nascimento-morte é uma corrente disposta numa seqüência temporal linear do tipo passado-presente-futuro. Tomá-los desta maneira deflagraria a pretensão naturalista de objetificar o inobjetificável. É evidente que se poderia retrucar que a morte, a vida e a "ex-tensão" são experiências materialmente observáveis, até mesmo mensuráveis. Mas, uma investigação que não rende tributos à objetividade não se subordina ao que é palpável, antes, pergunta pelo sentido. E caminhar rumo ao sentido significa não entender o homem como um ente natural, cuja trajetória de vida é regida por determinismos causais, o que implica dizer, em traços largos, que a morte é a possibilidade inultrapassável que, enquanto possibilidade, lança o Dasein para seu poder-ser, abrindo-o para si mesmo. Nesta abertura, este ente pode assumir-se finito e precário ou escapar para suas incumbências cotidianas, "numa indiferença imperturbável frente à possibilidade extrema de sua existência". (Heidegger,1995b,p.37).

Dizer que o nascimento não passou e que a morte não se reduz ao que "ainda não aconteceu" significa arrancar do "fim" e do "começo" a conotação usual, alertando para o fato de que o ser-para-a-morte prenuncia o fim como um poder-ser a cada momento da existência.5 Esse "fim" não quer dizer término, pois, como afirma Heidegger (1995b, p.124) "o Dasein não tem um fim aonde chega e simplesmente cessa. Ele existe finitamente".

Diante de tamanha desconstrução conceitual não poderíamos considerar exagerado o testemunho de Boss sobre a tentativa de um marciano comunicar-se com terrestres. Terrestres que estavam com os pés fincados na educação científico-natural, certos da segurança deste solo. Cuja máxima aventura teórica que ousaram foi a de acompanhar a mitológica teoria das pulsões, a metapsicologia feiticeira e as analogias hidráulico-ferroviárias utilizadas por Freud para explicar o aparelho psíquico e o jogo de forças pulsionais.6 Entretanto, por mais que o pai da psicanálise assumisse o caráter indeterminado do cardeal conceito de pulsão (Trieb) e o tom especulativo de sua metapsicologia, sempre pleiteou inserir sua nova ciência no rol das ciências naturais, afirmando que sua teoria, analogamente a estas ciências, serve-se de construções auxiliares para sistematizar dados empíricos.7 Em O esboço da psicanálise declara que a sua ciência está interessada em processos que "são, em si próprios, tão incognoscíveis quanto aqueles que tratam as outras ciências, a Química ou a Física, por exemplo; mas é possível estabelecer as leis a que obedecem (...)".(Freud, 1940[1938]/1995, p.172).

Na busca destas leis, Freud advoga acerca da ausência de arbitrariedades na vida anímica. Então, na medida em que não é possível localizar uma motivação consciente em "todas as nossas decisões motoras", torna-se preciso e legítimo supor a existência do inconsciente como fator causal dos atos psíquicos. Com a instituição do inconsciente, "o determinismo psíquico prossegue sem nenhuma lacuna". (Freud,1901b/1995, p.250). Denunciando que a psicologia da consciência nunca foi além "das seqüências rompidas" que escondiam algo mais, Freud sustenta que o inconsciente capacitou a psicanálise a "assumir seu lugar entre as ciências naturais, como ciência" (Freud, 1940[1938]/1995, p.172).

É importante ressaltar que na trilha da restituição "das seqüências rompidas" o psicanalista lida com representações e afetos remotos, os quais, nas palavras de Freud, proliferam no escuro – no inconsciente – e assumem formas distorcidas de expressão. (1915d/1995, p.154). Assim, o que na vida mental jaz escondido pode expressar-se via sonhos, fantasias, sintomas, atos falhos, entre outras formas. A remoção de fenômenos psíquicos dolorosos para o "escuro" é exercida pela repressão, cuja tarefa maior – em linhas gerais – é evitar o desprazer afastando da consciência conteúdos psíquicos insuportáveis.

A busca de dados sonegados à consciência leva Freud a procurar o determinismo causal no inconsciente, no entanto, para Heidegger, essa busca de continuidade das conexões causais encerra um postulado que "não é tirado das próprias manifestações anímicas, mas é o postulado da ciência natural moderna".(Heidegger, 2001, p.222). Ao ocupar-se em preencher as lacunas da vida psíquica, a psicanálise faz coro ao princípio leibniziano da Razão Suficiente para o qual nada é sem razão, sem uma determinação primeira. Segundo Loparic (2001,p.122):

Esse princípio, aceito não somente por Freud, mas, de modo geral, pela ciência da natureza em seu todo, repousa sobre uma determinada concepção de realidade, segundo a qual, só é efetivamente real e verdadeiro aquilo que obedece ao princípio do fundamento, isto é, da razão suficiente.

Nesta perspectiva, toda manifestação humana é efeito de uma causa determinante. Não importa se o fenômeno psíquico em questão é da ordem da percepção ou da fantasia, tudo alcança a condição de realidade uma vez que seja passível de ser apreendido de acordo com leis de causalidade. Por isso, Heidegger (2001,p.36) afirma contundentemente: "(...) só é real e verdadeiro aquilo que pode ser subordinado a ininterruptas conexões causais de forças psicológicas, na opinião de Freud".

Ora, abordar o existir humano a partir de um princípio (causalidade) que vale para explicar determinações de entes que não têm o modo de ser do homem, não seria, no mínimo, um erro categorial? Para Heidegger, sim. Isto posto, ele alerta para o caráter derivado do saber psicanalítico na medida em que converte a vida humana em objeto causalmente explicável – utilizando para referir-se ao homem categorias comuns à matéria – e não alcança os modos de ser e de adoecer do homem em sua originariedade. Ao buscar o que funciona a psicanálise encobre e passa ao largo do que existe.

Atendo-se a esse aparelho que funciona, cabe ao psicanalista se distinguir dos demais médicos "pela rigorosa fé no determinismo da vida mental".(Freud, 1910, p.50). E, dada a íntima ligação entre a doença neurótica e o determinismo de seus sintomas, lançar-se resoluto no submundo psíquico com o intuito de auxiliar o paciente a preencher as lacunas na memória, superando as resistências provenientes da repressão. (Freud,1914g/1995,p.163). Para tanto, é necessário que o mesmo expresse tudo o que lhe vier à mente, trazendo à tona material para o trabalho de interpretação. Diante desta tarefa, confessa Freud (1905e[1901]/1995,p.23), convém ao psicanalista "(...) seguir o exemplo daqueles descobridores que têm a felicidade de trazer à luz do dia, após longo sepultamento, as inestimáveis embora mutiladas relíquias da antiguidade".

Tarefa árdua, visto que ao se colocar no caminho da recuperação deste material mutilado o analista encontra pela frente resistências que obstruem o acesso ao inconsciente. E, uma vez que as representações inconscientes reprimidas chegam à consciência por caminhos indiretos, distorcidos, resta ao analista buscar o sentido encoberto, traduzindo-as.8 O objetivo maior de toda esta empreitada é a reconstituição da cadeia de associações, restabelecendo a continuidade temporal de modo que as lacunas na consciência sejam minimizadas e tornem-se menos lesivas. O conteúdo outrora esquecido vem à tona mediante a comunicação verbal do paciente que, cumprindo a regra fundamental, deve expressar, sem crítica ou seleção, tudo que lhe ocorrer.(Freud, 1912e/1995). Cabe ao analista, diante desse material às vezes desconexo e caótico, formular interpretações que restabeleçam as conexões causais e temporais interrompidas pela repressão. Quer dizer:

A verdade verbalizada deve ser inseria numa história de vida, numa biografia. A história de vida do paciente nem sempre pode ser comprovada como real. Para os fins da cura psicanalítica, a diferença entre a história real e fictícia conta menos do que a eliminação das lacunas na trama das causas mediadas pelo sentido. Mesmo uma história fictícia, desde que assumida afetivamente, pode corrigir os caminhos das forças que habitam o paciente e que são causalmente responsáveis pelo seu destino.(Loparic, 1999a, pp. 352-353).

Entender o destino humano sob a ótica da causalidade e sob o jugo de forças, significa entender o homem qual um ente entre outros, atribuindo-lhe propriedades estrangeiras ao seu existir. Porém, Heidegger (1978, p.17) adverte que, ainda que fossem mil os olhos que visassem procurar no homem estados e propriedades (Beschaffenheit und Zustände), a vida humana nunca se tornaria acessível através de descrições que se endereçam ao que é objetivamente dado (Vorhandendes).

Diante do exposto, torna-se incontornável a pergunta pelo que se encobre quando se impõem à vida humana categorias comuns aos objetos.

Heidegger, em sua veemente crítica à psicanálise nos Seminários de Zollikon, afirma repetidamente que o modo de proceder desta ciência enclausura o homem, o ser-no-mundo, em categorias que obscurecem a constituição ontológica deste ente. Não havendo na teoria freudiana espaço legítimo para pensar as relações pré-teóricas e não-representacionais do Dasein, visto que todo aparelho psíquico, desde sempre, lida com a realidade externa ou interna via representação e é entendido como uma máquina mobilizada por forças pulsionais. Ao denunciar que a psicanálise freudiana é fiel herdeira da metafísica moderna que enclausurou o homem na condição de sujeito-representante e o mundo na de objeto-representado, o filósofo dirige sua crítica para a noção psicanalítica de "história de vida", ou seja, para o material nuclear do tratamento analítico. Heidegger (2001,p.181) então dispara: "A ‘história de vida' psicanalítica não é uma história, mas, na verdade, uma cadeia causal-naturalista, uma cadeia de causa e efeito e, ainda por cima, uma cadeia construída".

Diante desta enfática assertiva, resolvemos aqui desenvolver questões que possivelmente poderiam ser elaboradas por alguns dos "terrestres" presentes nos seminários na casa de Boss. Façamos então, a defesa do cientista: ora, quando Freud (1937d/1995) em Construções em análise, nos fala que o empenho de seu trabalho é o de completar trechos lacunares, tem em mente a restituição do percurso de vida do paciente a partir da conexão de fragmentos soterrados, que vêm à tona mediante um infatigável trabalho interpretativo. Por que isso que ele intenta não poderia ser "uma história"? E o que haveria de errado numa construção ou re-construção da "historia de vida do paciente", dado que a mesma detêm dados submersos geradores de patologias psíquicas? E ainda: com que fundamento Heidegger critica esse trabalho de resgate e reconstrução da "história de vida" do paciente se, no campo ontológico, ele fez algo análogo com a história do ser e os fragmentos dos pré-socráticos? Afinal, o filósofo da floresta negra empenhou o grande fôlego de seu pensar na repetição da questão do ser cujo sentido estava esquecido, soterrado pelos entulhos acumulados pela tradição filosófica. E, para tanto, voltou-se para o mais primitivo, o mais encoberto, a saber, os fragmentos dos primeiros pensadores. Não seria forçoso afirmar, continuaria argumentando um possível interlocutor de Zollikon, que ambos pensadores, em seus devidos campos, empenham-se em recuperar o passado que foi olvidado. O filósofo, o ser em seu sentido, o psicanalista, a história primitiva do paciente. Inclusive, seria possível ousar dizer que até as dificuldades que os dois encontraram no encaminhamento de seus projetos foram análogas: Heidegger voltou-se para a origem do pensamento ocidental e deparou-se com fragmentos em uma língua arcaica de difícil resgate e Freud, enquanto escavador da alma, ateve-se a formações inconscientes também fragmentadas e enigmáticas, cuja recuperação é obstacularizada pelas resistências do paciente. Por fim, caberia perguntar: será que ao invés de colocar Freud no lugar de corifeu da metafísica que Heidegger pretende desconstruir, não poderíamos indicar afinidades entre os dois, mesmo que um transite no campo ôntico e o outro se atenha ao ontológico?

Um olhar apressado nos levaria a responder que sim. Pois, não é difícil detectar na obra de ambos, termos comuns: esquecimento, fragmentos, história, passado, tradução etc. Todavia, convém frear anseios de parcerias e examinar cautelosamente estas supostas semelhanças demorando-nos mais sobre a conotação que esses termos têm no pensamento do filósofo.

Sabemos que o projeto filosófico de Heidegger radica-se na pretensão de repetir a questão do ser. No caminho deste empreendimento depara-se com um duplo esquecimento imperante na história da filosofia: a tradição esquece de pensar o ser em seu sentido e, ao mesmo tempo, esquece deste esquecimento. Sendo assim, trata-se de executar uma apropriação positiva do legado desta tradição visando a destruição de suas categorias e representações cristalizadas, que obstruem o acesso ao que se intenta. Faz-se necessário, então, que o pensamento retroceda à dimensão do esquecimento, passo de volta" (Schritt zurück) rumo ao princípio inaugural do pensamento filosófico-ocidental, rumo aos fragmentos dos pré-socráticos.9 Numa passagem de Introdução à metafísica Heidegger esclarece o que ele entende por esta repetição, afirmando:

Investigar: o que há com o ser? – não significa nada menos do que re-petir o princípio de nossa existência espiritual-Histórica, a fim de transformá-lo num outro princípio.(...) Um princípio porém, não se repete voltando-se para ele como algo de outros tempos e hoje já conhecido, que meramente se deva imitar. Um princípio se re-pete, deixando-se, que ele principie de novo, de modo originário, com tudo o que um verdadeiro princípio traz consigo de estranho, obscuro e incerto. (Heidegger, 1978, p. 65).

Como entender o gesto heideggeriano em relação ao princípio inaugural do pensamento, se ele afirma que o pensamento do passado não é algo de outros tempos? Como poderíamos negar que tal pensamento não só se trata de algo de outros tempos, mas de algo de muitos séculos atrás?

Trata-se de compreender esta característica do gesto heideggeriano para com os primeiros gregos diferenciando o que este filósofo entende como postura historiográfica e postura Histórica em relação ao passado. Segundo Heidegger, a partir da perspectiva historiográfica, o passado se faz acessível como objeto de uma ciência, como um fato que aconteceu, passou, podendo ser conhecido através de dados e fontes que transmitem o que foi então registrado.10 Conduzir-se ao princípio grego guiado por esta perspectiva, implica ater-se aos registros do pensamento desta época lançando mão do recurso a uma ciência, a etimologia, no sentido de contar com o auxílio da análise lingüística dos radicais que compõem as palavras dos enunciados legados pelos gregos.11 Na medida em que os fragmentos estão disponíveis, retomar o princípio do pensamento grego significa ater-se aos mesmos como "algo" do passado que foi preservado e registrado, prezando para não deixar de lado o cuidado filológico na realização das traduções. A repetição da questão do ser deve ser entendida – desde a ótica historiográfica – como a busca dos registros legados, a fim de examinar o que pensaram os gregos na alvorada do pensamento ocidental, evitando uma atitude parcial e pouco objetiva. Essa assepsia objetivante, essa pretensa neutralidade, faz com que Heidegger (1999) aponte na historiografia a presença de uma relação calculadora e técnica com o passado. Como seria, então, uma relação Histórica com o passado?

Desde a perspectiva Histórica adotada por Heidegger, a referência ao passado se processa de outra maneira, isto é, o passado não é abordado como algo lacrado num tempo longínquo anterior ao nosso – como um tempo que simplesmente não é mais – e sim, como um tempo que vigora por ter sido presente, devendo ser experimentado na atualidade não como algo acabado que se apresenta apenas como lembrança, mas, como a vigência de possibilidades que se mantém tencionando com o presente. Vigorando no presente, o passado se abre como horizonte a ser experienciado no futuro. Deste modo, Heidegger avança ao encontro do "princípio" não à procura da literalidade dos fragmentos, mas da experiência impensada que ali se mantém abrigada. Sua repetição não é uma mera reconstrução vazia do que já foi e ficou soterrado, ao contrário, trata-se de uma retomada do passado na medida em que vigora no presente, de modo a ser ultrapassado em direção ao futuro. Entendido desta maneira, o princípio não se alcança através de uma simples recomposição dos fragmentos, como se faria, por exemplo, com os cacos de um antigo vaso grego.

Contrariando toda pretensão de transparência objetiva, Heidegger reconhece o fato de só possuirmos fragmentos dos pré-socráticos como uma benção e não como um limite. Salientando que, no "caso feliz de uma conservação integral das palavras originárias, poderíamos ainda mais facilmente enrijecer o entendimento (...)". (Heidegger,1999,p.53). Deste modo, esquiva-se de qualquer lamentação acerca do caráter fragmentário do legado dos primeiros pensadores e afirma:

A posse bibliotecária dos escritos dos pensadores não garante que sejamos capazes, ou dotados, para seguir no pensamento do que aí foi pensado. Mais essencial do que conservar e possuir integralmente o escrito do pensador é relacionar-se, mesmo que à distância, com o a-se-pensar no pensamento desse pensador. (...) A discussão dos fragmentos que se quer pensante deve obstinar-se apenas a fazer a experiência desse a-se-pensar. (Heidegger,1999, pp.52-53).

A discussão com o pensamento do princípio não se reduz a um mero reavivamento historiográfico do passado. Não visa a uma "escavação" ferrenha à procura do que existiu, mas foi perdido. Tanto que, para Heidegger, se por ironia do destino, fôssemos agraciados com a descoberta dos escritos integrais de Heráclito o máximo que aconteceria seria a dispensa dos filólogos da exaustiva tarefa de reconstrução do texto, nada mais. Pois, ainda assim se manteria a tarefa de apropriação do que ali se mantém aberto ao pensamento, se mantém impensado. Nesta perspectiva, o passado não é algo que se esgotou, mas algo vigente que guarda e aguarda um sentido. Porque o concebe dessa maneira, o filósofo se autoriza a afirmar – na passagem supracitada de Introdução à Metafísica – que o passado não é "algo de outros tempos". O convite então, é para nos prepararmos para o encontro não do que foi registrado outrora e agora deve ser resgatado, mas da "palavra ainda por vir". O que significa voltar-se para o que, justamente por se manter impensado, continua proposto em nosso futuro.

Podemos entender agora a assertiva heideggeriana que enfatiza: "um princípio se re-pete, deixando-se, que ele principie de novo...". Tal convocação se deve à procura da dimensão impensada que se mantém guardada na alvorada do pensamento ocidental. A execução deste passo de volta rumo à fecundidade do princípio não se processa tendo em mãos a pretensa verificação historiográfica, mas suportando a indigência de um pensar Histórico que não dispõe e nem pretende adquirir provas cabais. Essa volta a origem não almeja alcançar uma interpretação que pague tributo ao imperativo técnico de estabelecer uma transparente relação de causalidade entre o que se retirou do "soterramento" e o que se deduziu a partir daí. A abordagem Histórica, nos moldes heideggerianos, torna legítima a busca até pelo que não se registrou, mais que isso, pelo não-registrável. Quer dizer: a História (Geschichte) não é mero registro de acontecimentos, é a condição de possibilidade de todo acontecer (geschehen).

Torna-se imperativo não só delimitar a diferença entre a postura historiográfica e a Histórica em relação ao princípio, mas, sobretudo, o que se entende por princípio. Atentemos que o princípio não se reduz a um registro temporal que, numa seqüência de acontecimentos, deu início ao pensamento grego, isto é, não tem a conotação de um começo (Beginn) que, como primeiro momento de uma extensão temporal, ficou estagnado no passado. Ao invés, Heidegger concebe o princípio como uma origem (Anfang) que não se encontra fossilizada atrás de nós, mas nos envolve, atraindo previamente a si tudo o que se manifesta, constituindo-se como o a-ser-pensado.12 Neste sentido, volta-se para a alvorada do pensamento ocidental para considerar o que nunca foi pensado. Aqui não se busca fósseis, aqui se busca a origem que possibilita todo fossilizar. O saber acerca da origem, "nunca poderá ser extraído historiograficamente do texto dos primeiros pensadores da antiguidade grega, como de um protocolo."( Heidegger,1999,p.186)

Todo registro protocolar, toda representação que se acede a partir de uma pesquisa historiográfica, apesar de serem datadas num determinado começo (Beginn), num exato registro temporal, pressupõem, segundo Heidegger, a origem (Anfang). Esta, como dissemos anteriormente, não se encontra estagnada num tempo que se perfez, antes, nos envolve e "atrai para si e erige para si tudo o que vigora" (Heidegger,1999,p.186).

Voltando-se para a Anfang do pensamento ocidental, a investigação heideggeriana volta-se para o ser, para o modo como foi nomeado e meditado pelos pré-socráticos. Aqui se busca o mistério de nosso destino, impensável nos moldes da tradição metafísica, cuja pretensão de certeza e determinação, enclausurou a filosofia no território do Beginn.

A passagem de Introdução à metafísica que tomamos como fio condutor de nossas investigações, anuncia que pensar o ser "significa nada menos do que re-petir o princípio de nossa existência espiritual-Histórica". Quer dizer: ao esclarecer a conotação que a repetição da questão acerca do ser tem no bojo de seu pensar, Heidegger atrela esta tarefa necessariamente à nossa existência. Em que se baseia o estabelecimento deste elo de ligação?

Antes de encaminharmos estas questões, lembremos que temos o objetivo maior de entender a crítica do filósofo à noção psicanalítica de "história de vida". Busquemos previamente o entendimento acerca do nexo entre homem e ser presente na filosofia heideggeriana para, em seguida, voltarmos nossa atenção para essa problemática anterior.

Vimos anteriormente que, para o filósofo de Ser e tempo, homem é um ente privilegiado, pois se move sempre numa certa compreensão (Verstehen) de ser. Uma vez que nossa existência é marcada por esta referência essencial ao ser, levantar a questão a seu respeito significa manter uma correspondência intrínseca com a nossa própria história. Quer dizer: a questão cardeal da filosofia de Heidegger se movimenta não só no curso da história da filosofia, como também, no curso do existir humano que, por sua vez, é histórico.13

Levar em conta essa característica do Dasein significa lançar a investigação sobre o ser num outro terreno. Por isso, em Ser e tempo a pergunta pelo ser não reverbera o tradicional "o que é o ser" (ti tò ón)?. Ao invés disso, pergunta pelo modo como o ser se dá a compreender, pergunta pela perspectiva a partir de onde se sustenta a compreensibilidade de algo. O que significa, para Heidegger, perguntar pelo sentido.14A tradicional questão do ser se converte na questão do seu sentido. Essa questão não poderia ser desenvolvida no campo semântico da tradição, afinal, na medida em que essa restringiu o pensar sobre o ser ao domínio representável dos entes, aboliu a possibilidade de um pensar não-objetivante, que versasse sobre o âmbito antepredicativo constitutivo do existir humano. O pensamento tradicional não acede à compreensão pré-teórica do Dasein. Daí afirmar-se que no acervo categorial legado pela tradição o sentido do ser permanece não apenas inquestionado, mas, sobretudo, inquestionável.

Até este momento de nosso texto supomos esclarecidas as questões suscitadas a partir da passagem de Introdução à metafísica que caracteriza o significado da "investigação do ser", no âmbito da ontologia heideggeriana. Em linhas gerais, tentamos esclarecer uma concepção de princípio que diferencia Anfang de Beginn e História de historiografia. Essa diferença não é inócua, imprime conseqüências sobre o modo de proceder em relação ao passado.

Toda nossa demora no esclarecimento desses conceitos deve-se à pretensão de nos desvencilharmos da tentativa de aproximação entre a psicanálise freudiana e a filosofia heideggeriana, a partir da simples presença de termos comuns. Pleiteamos assegurar que apesar da utilização de palavras semelhantes, a significação ontológica emprestada por Heidegger aos termos difere-se radicalmente da acepção científica de Freud. Tendo em mãos essa breve caracterização heideggeriana acerca de termos que também compõem o corpo teórico da psicanálise, cabe-nos entender a força da assertiva: "a ‘história de vida' psicanalítica não é uma história".

Lembremos primeiramente que a história de vida de um paciente freudiano é a história de seus investimentos libidinais, de suas catexias objetais. A execução da tarefa de recuperação do material inconsciente pressupõe a presença inquestionável de, no mínimo, duas pessoas inteiras – analista e analisando – sendo o primeiro com destreza para interpretar e o segundo com capacidade de "associar livremente", de curar-se pela fala. Além de presumir que toda história primitiva do paciente seja passível de recuperação, visto que os elos que faltam para reconstrução da cadeia histórica podem ser acessados no inconsciente.

Ora, tal reconstrução se aproxima muito mais de uma historiografia, uma vez que resgata registros de "algo" que aconteceu, mas foi censurado e encaminhado para o inconsciente. A tarefa da ciência psicanalítica e da historiografia é a de preencher lacunas seguindo a lei do determinismo causal, tratando o que se busca como objeto acessível mediante tradução e interpretação. A acessibilidade do material, nos lembra Loparic (1999a,p.358), é sempre pressuposta visto que o inconsciente "pode ser, em princípio, representado, objetivado e, por isso, verbalizado". Nada escapa à dimensão dos pronunciamentos, até mesmo o silêncio é submetido à impostura da acessibilidade, reduzido à condição de "resistência" que obstaculariza a condução da regra fundamental. O silêncio não é "algo", apenas esconde "algo". Aqui não há espaço para o que não se emoldura em representações, para o impensável, para o que não é datável. O "caminho de volta" freudiano ruma em direção ao primitivo que aconteceu e sofreu ação da repressão, nunca para o que é incapturável via verbalização. Em termos heideggerianos poderíamos afirmar que Freud volta-se para o começo, mas sequer supõe a possibilidade da origem. E quando visa o começo inspira-se na física, nas ciências naturais, reduzindo o homem a um aparelho, "a um feixe de dados". (Loparic,1999a). Contudo, não são os dados representacionais que fundam o Dasein, ao contrário, o pressupõe. Dito de outra forma: tais dados são operações derivadas cuja condição de possibilidade é o acontecer do homem, imerso em suas possibilidades existenciais.15Assim: "a partir de um querer, desejar, tender e ansiar como atos psíquicos não se pode montar um ser-no-mundo, pois este já é sempre prévio". (Heidegger,2001,p.193).

Ao lançar sua crítica à psicanálise freudiana Heidegger, num mesmo fôlego, reivindica uma ciência dos fenômenos psíquicos que conceda legitimidade para o não-representável, para o impensável. Que entenda esse caráter prévio do existir, anterior aos atos psíquicos. Que suporte o inacessível em sua inacessibilidade.

Supomos que a psicanálise Winnicottiana concede terreno legítimo para tais convocações heideggerianas. Neste sentido, propomos aqui esboçar semelhanças entre o pensamento dos dois, guardando as diferentes proporções que se impõem quando tratamos de um discurso ôntico e de uma ontologia. Tracejaremos, brevemente, um possível encontro entre essas reivindicações filosóficas desenvolvidas nos seminários de Zollikon e a psicanálise de Winnicott.

De início, vale demarcar, que atividade clínica de Winnicott voltou-se, principalmente, para o atendimento de bebês e suas mães – devido a sua formação em pediatria – e de psicóticos. Essa experiência leva-o a repensar o arcabouço teórico do sistema freudiano uma vez que, diante da vulnerabilidade dos bebês e da dificuldade de verbalização característica de psicóticos, percebe que "uma grande quantidade de material clínico não se encaixa nos moldes dessa teoria". (Winnicott,1954,p.380). Boa gama de conceitos freudianos, tais como desejo, repressão, complexo de Édipo, frustração, pulsão, para Winnicott, se revelam como operações sofisticadas que pressupõem o cumprimento de uma trajetória de integração do eu, ou seja, pressupõem pessoas inteiras capazes de manter relações objetais com o mundo.16 Não que Winnicott descarte em absoluto tais conceitos, mas alerta-nos que não são fundantes da vida humana (em termos heideggerianos, que não são a origem). Quer dizer: nos estágios mais primitivos do "existir" não encontramos um aparelho psíquico já confeccionado e com capacidade para satisfações objetais, cujo drama maior é obter prazer e evitar o desprazer. Antes, nos deparamos com um exemplar humano cujo código genético não é suficiente para garantir-lhe o sentimento de real, o sentimento de estar vivo. (Winnicott,1987d[1967]/2006, p.80). Por isso, Winnicott (1960c/1983,p.43) afirma que "os lactentes humanos não podem começar a ser exceto sob certas condições". Tais condições devem ser cumpridas por uma devoção materna marcada, inicialmente, pela constância de cuidados corporais, ritmos, cheiros, toques, enfim, por um processo de adaptação intensa da mãe às necessidades do bebê.

Tomando como imagem paradigmática de análise o bebê no colo da mãe, Winnicott nos fala que, se tudo correr bem, desenvolve-se um tipo de comunicação silenciosa entre os dois, intrinsecamente ligada à capacidade da mãe colocar-se no lugar do lactente. Adjetivar essa comunicação como silenciosa não implica simplesmente registrar o óbvio – que o bebê não acedeu à linguagem verbal. Silencioso aqui é muito mais que o contrário de falatório, enfatiza um mútuo contato pré-verbal que estabelece constância, confiabilidade. E, assentado nesta base de confiabilidade, o lactente caminha rumo à capacidade "de ter uma existência pessoal". Porém, adverte Winnicott (1960c/1983,p.53), "se o cuidado materno não é suficientemente bom, então, o lactente não vem a existir, uma vez que não há continuidade do ser".

Fica claro que a existência de um "eu" integrado e organizado, capaz de sentir-se vivo e de distinguir-se dos outros e do mundo, é adquirida e não garantida desde o nascimento. Como afirma Dias (2006,p.36), o nascimento biológico "não coincide com o que se poderia chamar de nascimento ontológico." Pois, uma vez que o ser humano incipiente seja "deixado a sós com seus próprios recursos", a conquista do sentimento de ser ou a sua continuidade, podem estar ameaçadas. Podendo sequer acontecer! (Winnicott,1970a/2006,p.76).

Considerando o grau de falhas e rupturas na provisão do ambiente17, o bebê – essa organização em marcha – pode sofrer angústias impensáveis, como padrão de defesa contra a aniquilação, contra a quebra da continuidade de ser. O lactente é obrigado a reagir, ao invés de seguir sendo.18 Se as falhas ambientais "não são logo corrigidas, o bebê será afetado para sempre, seu desenvolvimento será deturpado, e a comunicação entrará em colapso"(Winnicott,1987d[1967]/2006,p.88). Em caso de extremo colapso serão evidenciados sofrimentos de qualidade psicótica que, "pertencem, clinicamente, à esquizofrenia ou ao aparecimento de um elemento esquizóide oculto numa personalidade não-psicótica nos demais aspectos" (Winnicott, 1965n[1962]/1983 ,p.57). Neste sentido, pontua Winnicott, é errado pensar na psicose como um colapso, trata-se antes, de uma organização defensiva contra as angústias primitivas. Na verdade, é provável que o colapso "já tenha acontecido, próximo do início da vida do indivíduo". (Winnicott, 1974/1994,p.74). Diz-se "próximo do início da vida", pois não se pode tomá-la como algo já dado. Expliquemos melhor: nos momentos mais primitivos de dependência absoluta, se há falhas e intrusões em demasia, o bebê é obrigado a reagir, a defender-se. Contudo, por não se tratar de uma unidade psíquica integrada, essa experiência dolorosa não pode ser registrada e compreendida enquanto tal; é como se a vida ainda não tivesse se iniciado. O colapso, ou seja, a quebra na continuidade de ser incide num momento muito precoce, anterior à conquista de um "eu" capaz de representar, fazer registros mnemônicos ou reprimir. Todos esses processos são tardios.

Nos demoraremos sobre esse tema mais adiante. Por enquanto, cabe-nos pontuar que nos estágios mais primitivos o sofrimento possível é gerado por agonias impensáveis, não por uma insatisfação da pulsão oral. O perigo aqui é a cisão no existir e não a repressão de representantes psíquicos insuportáveis. Quer dizer: aqui não se está sob o julgo da censura e das pulsões – isto implicaria uma unidade psíquica –, o padecimento é da ordem da quebra do processo de integração, a partir da qual uma vida pode ser vivida. Sem essa integração, os problemas "(...) não fazem parte da vida e sim da luta pra alcançar a vida". (Winnicott,1988/1990,p.101).

As falhas que incidem neste "território" primitivo não deflagram uma frustração de desejos, ao invés, impõem uma privação ambiental num momento de absoluta dependência, que freia ou até mesmo impede a possibilidade de se ter uma história pessoal. Diante do exposto, devemos reconhecer que a precariedade humana é tão pungente, que ter uma história de vida ao invés de ser uma garantia, é uma conquista. Partimos de uma não-integração e, se tudo correr bem, amadurecemos rumo à integração. Contudo, essa conquista fundamental não tem um caráter inabalável, deve ser mantida.

Claro que essa questão da integração demanda muito mais apreço na tematização, entretanto, devido ao escopo de nosso trabalho, somos obrigados a abordá-lo de forma sucinta, correndo o risco de superficialização. Interessa-nos, ao menos, enfatizar que o sentimento de ser uma unidade, não estará disponível para o bebê a não ser que uma dedicação materna promova essa integração. O alcance da vida implica um trajeto, que sem um ambiente facilitador nunca será percorrido. Eis uma grande diferença em relação a Freud.

Para o mestre vienense – que teve como modelo clínico a neurose – a integração é sempre pressuposta. O aparelho psíquico é dado e não constituído. A ‘história' de vida se reconstrói a partir do resgate das representações psíquicas inconscientes, do enredo edipiano, das características dos investimentos objetais, enfim. Trata-se de recuperar o que aconteceu, mas foi censurado. Já o psicanalista inglês não centrou sua clínica nos dramas neuróticos que pressupõem um "eu". (Winnicott,1953[1952]/2000,p.307). Tal qual Heidegger deu um passo de volta rumo ao mais primitivo, neste caso, rumo à luta humana para a conquista da integração e da capacidade de ser e continuar a ser. Aqui nada é pressuposto. Melhor dizendo: o mínimo é pressuposto. Pois, o único passaporte que o bebê traz para "barreira alfandegária" da vida é o seu potencial genético herdado e a tendência ao amadurecimento, tudo o mais deve ser conquistado! Neste sentido, a psicanálise winnicottiana aponta para problemas inapreensíveis no modelo freudiano, a saber, a possibilidade de cisão do amadurecimento devido a falhas ambientais, devido ao fato de não-acontecer cuidados e devoções que deveriam ter acontecido. Isso que não aconteceu, não foi experienciado, não pode ser formatado em representações, reprimido no inconsciente, para futuramente ser resgatado na clínica via interpretação de "associações livres". A ‘história' das "indecências proibidas" dá-se no interior da vida de um "eu" integrado. Mas, e quando a quebra incide na base que é condição necessária para se compor uma história com enredos que narram a atuação de forças pulsionais no inconsciente reprimido? Aí, nos esclarece Loparic (1999a, p.359), o sofrimento não é da ordem das reminiscências, mas de angústias que são impensáveis e incomunicáveis. Deste modo, o autor enfatiza que na teoria de Winnicott há a formulação de "algo" como um inconsciente "não-acontecido", fruto do não acontecimento de cuidados ambientais que, por serem integradores, deveriam ter acontecido. Em função disso, teríamos uma cisão na continuidade de ser, característica da psicose. O "local" da cisão não seria a consciência, nem a mente e sim o próprio existir. Ao indicar que essas teses winicottianas impõem a necessidade de uma outra forma de fazer clínica, Loparic acrescenta:

Caso queira cuidar dos sofrimentos desse tipo de paciente, o analista não poderá pressupor a capacidade de comunicação verbal objetivadora, isto é, a máquina representacional com a qual opera Freud. (...) Os pacientes winnicottianos típicos não se comunicam para informar os dados da charada em que se meteram, mas para poder continuar a existir e poder ter, um dia, uma biografia. (Loparic, 1999a, pp.362-363)

A palavra bio-grafia nomeia, em traços largos, um registro da vida. Associa-se ao desencadeamento de fatos vivenciados e catalogados numa linearidade temporal. Poder ter uma biografia, significa poder ter uma narrativa histórica. Embasados num discurso naturalista, diríamos que todo ente humano tem uma história e uma biografia datável, com dados encadeados logicamente – "crono-logicamente". Alguns dados ofereceriam mais dificuldade de acesso, contudo, seriam ainda assim acessíveis. Mantendo-nos nessa perspectiva, seria possível afirmar que fatos que não aconteceram e sequer foram experienciados, não teriam condições de atuar sobre a vida humana, a ponto de lesá-la ao extremo. Como se poderia provar que é justamente o que não foi registrado como acontecimento que gera patologias? Como resgatar esse material clínico não acontecido, impensável? Não seria um contra-senso se diante de um ser humano com registro de nascimento e documentos identificatórios, lhe subtraíssemos a biografia?

Estamos novamente em meio ao campo dos conceitos e suas sutilezas. Para diluir confusões, resta-nos procurar estabelecer a perspectiva que norteia a análise. Se rendemos tributo à historiografia, partiremos sempre do começo (Beginn), da marca temporal registrada e registrável e toda a avaliação das questões propostas acima, pretenderá verificação e encadeamento lógico. Assim, diante de uma vida humana devidamente identificada só poderiam ser computados como elementos de sua história conteúdos passíveis de serem representados em forma de dados. Não importa se tais dados concernem à realidade empírica ou à fantasia, se estão inconscientes ou disponíveis na consciência, a tradução em informações verbalizáveis deverá ser assegurada. Ora, a partir do que mencionamos anteriormente, podemos afirmar que esta é a perspectiva adotada pela psicanálise tradicional.

Apontada esta perspectiva, convém perguntar: para "onde" seríamos conduzidos se nos dispuséssemos pensar a história de vida, em termos de origem e História (Geschchite), tal como Heidegger os concebe? Em outras palavras: seria viável, no âmbito ôntico da psicanálise, abordarmos a vida humana para além do começo e da historiografia? Deixemos que o próprio Winnicott nos indique o caminho:

É possível observar que estou levando vocês para um lugar onde a verbalização perde todo e qualquer significado. Que ligação pode haver entre tudo isso e a psicanálise, que se fundamentou num processo de interpretações verbais de pensamentos e idéias verbalizados? Em síntese, eu diria que a psicanálise teve que partir de uma base de verbalização, e que tal método é perfeitamente adequado para o tratamento de um paciente que não seja esquizóide ou psicótico, ou seja, um indivíduo cujas experiências iniciais não tenhamos qualquer dúvida. (Winnicott, 1987d[1967]/2006, p. 81)

O caminho que Winnicott nos convida a percorrer nos leva para além das experiências que não temos dúvida, nos leva até o não-experienciável. Suportar esse passo de volta em direção ao mais primitivo, implica suportar o misterioso território da mutualidade mãe-bebê, do qual nada sabemos em forma de representações e simbolismos; significa conceder legitimidade a angústias que, por serem tão precoces, não são reações à ameaça de castração – são impensáveis. A conseqüência disso é a destituição da interpretação verbal do seu estatuto de técnica primordial, é o entendimento do silêncio como algo tão primitivamente humano que não pode ser reduzido à condição de resistência. Em suma, o passo de volta winnicottiano força-nos a não abordar o ente humano metafisicamente como uma substância ou um aparelho desde sempre confeccionado.

Diante da precariedade do exemplar humano, Winnicott ao invés de procurar forças e leis que determinam os atos psíquicos, alerta que sequer podemos localizar no lactente a presença do sentimento de ser. Ora, não é possível versar sobre esse "território" primitivo munido de uma semântica que segue os padrões das ciências naturais. Não é possível objetificar o que "ainda não é". Em meio a problemas clínicos que desafiam os imperativos do rigor científico, o autor afirma: "não posso sacrificar um paciente sobre o altar da ciência" (Winnicott,1964c/2006,p.34).

O não servilismo aos ditames das ciências da natureza leva-nos ao encontro de "algo" impensável, não-acontecido, não verbalizável. Mas, como entrar em contato com "isso" que sequer aconteceu, com "isso" que se oculta às apreensões positivas? Com "isso" que, apesar de inapreensível, marca o destino de alguém, fazendo-se presença na pura ausência do não-acontecimento?

Certamente esse contato não poderá se basear no uso exclusivo de interpretações. Vimos que essa clínica dos pronunciamentos pressupõe um começo instaurado, um "eu" integrado e falante. Mas, estamos tratando do não-acontecido que não se acomoda em representações. Do mais originário que é inapreensível em termos de datações. Dos momentos inicias de extrema dependência do lactente em relação à provisão ambiental. Como ter acesso a um terreno tão misterioso, obscuro?

Ao tratar de pacientes psicóticos extremamente regredidos a esse momento de dependência absoluta, Winnicott relata que é comum o paciente molhar o divã, se sujar ou babar. Além de entender esses fenômenos como inerentes – não como uma complicação – adverte: "não é de interpretações que se necessita aqui, e na verdade, qualquer fala ou movimento pode arruinar todo o processo e causar profunda dor ao paciente" (Winnicott,1955d[1954]/2000,p.386). Afinal, não estamos diante de uma pessoa que teve êxito em seu processo de integração, cujos dilemas são de ordem sexual. Falamos de necessidades básicas, não de desejos. O analista não tem que lidar com enigmas, mas com sentimentos de inutilidade e irrealidade constitutivos de quem não alcançou a inteireza. Em função disso, Winnicott (1955d[1954]/2000,p.388) afirma em tom profético: "(...) seria muito agradável que pudéssemos aceitar apenas pacientes cujas mães foram capazes de proporcionar-lhes condições suficientemente boas no início e nos primeiros meses. Mas esta época da psicanálise está rumando para um fim."

Sendo assim, reiteremos a questão: como entrar em comunicação, em contato, com o que é primitivo no humano?

Acreditamos que a máxima heideggeriana em relação ao princípio vale como iluminação da resposta. Lembremos o que diz Heidegger, na passagem que tanto nos serviu neste texto: "Um princípio se re-pete, deixando-se, que ele principie de novo, de modo originário, com tudo o que um verdadeiro princípio traz consigo de estranho, obscuro e incerto". Quer dizer: diante da impossibilidade de ser formatar o não-acontecido nos moldes dos registros capturáveis, resta ao analista winnicottiano manter-se ao lado do paciente de modo que o seu princípio não-experimentado principie de novo. Como salienta Dias, o paciente "precisa reviver o colapso, visto que este não chegou a ser experimentado no momento original, pelo fato de que o paciente era um bebê e ainda não estava lá, como um ‘eu', para experimentá-lo". (Dias, 2002,p. 356)

Ora, nada mais "obscuro e incerto" do que reviver o que não aconteceu. Chega a ser paradoxal. Entretanto, ao invés de tentar logicizar o paradoxal, a teoria winnicottiana – assim como a ontologia de Heidegger –, "abriga-o" sem impor-lhe uma transparência estrangeira. Para Winnicott (1989vu[1968]/1994, p.186), há momentos que "tem-se de permitir que a obscuridade tenha um valor superior ao do falso esclarecimento". No âmbito da clínica de psicóticos, abrigar o obscuro significa suportar a presença do não-acontecido em termos de angústias impensáveis. Significa expor-se a uma análise onde "a lógica não é aplicável" (Winnicott,1989vk[1968]/1994,p.99).

Trata-se, como diz Heidegger, de deixar o princípio principiar com tudo de incerto e obscuro que ele engendra. Em termos clínicos: deixar que o paciente regrida "(...) à agonia impensável, que nele habita, sem ter sido experimentada" (Dias,2002,p.356). Para tanto, o analista "tem que ser suficientemente bom para poder proporcionar que aconteça o não acontecido, isto é, que aconteça uma vida humana que valha a pena". (Loparic,1999a,p.366)

Supomos que essa caracterização da teoria e da clínica winnicottiana versa sobre um momento anterior à história de vida tal como pensada na psicanálise tradicional. Talvez pudéssemos dizer que Winnicott fala-nos de um caminho para a vida, de uma pré-história ou de uma História no sentido heideggeriano – como condição de possibilidade para a historiografia. Deste modo, guardando as devidas proporções, acreditamos encontrar afinidades entre o que é primitivo em Winnicott e a definição ontológica de origem (Anfang) como o impensado que, ao invés de estar fossilizado no começo, nos impõe o pensar. Essa origem não se recompõe com técnicas, não se enclausura no discurso factual, historiográfico. Do mesmo modo, o não-acontecido winnicottiano não pode ser visto como fonte de informações factuais, datáveis. Por encaminhar nosso olhar para um "território" precário, anterior ao domínio representacional e ao julgo das forças pulsionais, mais que isso, por desenvolver uma teoria que suporta paradoxos típicos do existir e não o apreende segundo o encadeamento lógico do determinismo causal, sugerimos que o pensamento winnicottiano apresenta afinidades em relação às reivindicações de Heidegger nos seminários de Zollikon. Esperamos poder detalhá-las numa outra oportunidade.

 

Referências

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Winnicott, D. W. (1994). O medo do colapso (Breakdown). In D. Winnicott (1994/1989a), Explorações psicanalíticas (J. O. A. Abreu, trad.). Porto Alegre: Artes Médicas. (Trabalho original publicado em 1974; respeitando-se a classificação de Huljmand, temos 1974)

Winnicott, D. W. (2000). A mente e sua relação com o psicossoma. In D. Winnicott (2000/1958a), Da pediatria à psicanálise. Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1954; respeitando-se a classificação de Huljmand, temos 1954a[1949])

Winnicott, D. W. (2000) Aspectos clínicos e metapsicológicos da regressão no contexto analítico. In D. Winnicott (2000/1958a), Da pediatria à psicanálise. Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1955; respeitando-se a classificação de Huljmand, temos 1955d[1954])

Winnicott, D. W. (2000) A preocupação materna primária. In D. Winnicott (2000/1958a), Da pediatria à psicanálise. Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1958; respeitando-se a classificação de Huljmand, temos 1958n[1956])

Winnicott, D. W. (2000). Da pediatria à psicanálise. Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1958; respeitando-se a classificação de Huljmand, temos 1958a)

Winnicott, D. W. (2000). Psicoses e cuidados maternos. In D. Winnicott (2000/1958a), Da pediatria à psicanálise. Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1953; respeitando-se a classificação de Huljmand, temos 1953a[1952])

Winnicott, D. W. (2006). A comunicação entre o bebê e a mãe e entre a mãe e o bebê: convergências e divergências. In D. Winnicott (2006/1987a), Os bebês e suas mães (J. Camargo, trad.). São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1987; respeitando-se a classificação de Huljmand, temos 1987d[1967])

Winnicott, D. W. (2006). Os bebês e suas mães (J. Camargo, trad.). São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1987; respeitando-se a classificação de Huljmand, temos 1987a)

Winnicott, D. W(2006). O recém-nascido e sua mãe. In D. Winnicott (2006/1987a), Os bebês e suas mães (J. Camargo, trad.). São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1964; respeitando-se a classificação de Huljmand, temos 1964c)

Winnicott, D. W. (2006). A dependência nos cuidados infantis. In D. Winnicott (2006/1987a), Os bebês e suas mães (J. Camargo, trad.). São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1970; respeitando-se a classificação de Huljmand, temos 1970a)

Zarader, M. (1990). Heidegger e les paroles de l´origine. Paris : Vrin.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
E-mail: carolinevasconcelos@hotmail.com

Recebido em Junho de 2007
Aceito em Julho de 2007

 

 

*Professora na UESB, Doutoranda em Filosofia da Psicanálise na UNICAMP
1No contexto de Ser e tempo a destruição da ontologia não tem o caráter de um aniquilamento deste legado, trata-se de uma desconstrução que remete os termos à origem, eliminando os sentidos derivados que encobrem seu sentido primordial. Daí afirmar-se que a busca é pela "certidão de nascimento". Cf. Heidegger, 1995 a.
2Cf. Boss, Medard. Prefácio à primeira edição. In: Heidegger, 2001.
3Heidegger preocupa-se em referir-se ao homem escapando das categorias herdadas da metafísica, quais sejam: animal racional, ego cogito, espírito, sujeito transcendental, enfim. Sendo assim, escolhe o termo Dasein – que literalmente significa "ser-aí" – para reunir numa só palavra, tanto a relação do ser com a essência do homem, como também essa referência fundamental do homem à abertura ("aí") do ser enquanto tal. cf.: Heidegger, 1991, p.58. Por existir uma certa diversidade na tradução desse termo, optaremos mantê-lo em alemão.
4Em Ser e tempo encontramos o conceito Geschichtlichkeit, traduzido na edição brasileira por "historicidade". Tradução que não deixa de ser correta. Contudo, para a palavra alemã geschichtlich recorremos à tradução de Loparic (1999), que opta pelo termo "acontecente". Tal opção se deve ao fato desta tradução preservar o sentido de geschehen (acontecer) presente na raiz da palavra geschichtlich. Num outro texto –"O ‘animal humano'" – Loparic (2000) usa palavra "acontecência" para o alemão Geschehen, lembrando-nos que apesar do fato desta palavra não ser dicionarizada, ela é usada na literatura brasileira, a exemplo de Vilma Guimarães Rosa no livro intitulado Acontecências.
5cf. Nunes,1992.
6Remetendo-se ao Fausto de Goethe, Freud, em Análise terminável e interminável faz uma associação entre a Metapsicologia e a Feiticeira que Fausto, de mal grado, recorre em busca do segredo da fonte da juventude. Então, ele lembra a passagem: "So muss denn doch die Hexe dran!" cf.: Freud, 1937a, p.241.
7A inserção da psicanálise no rol das práticas científicas do seu tempo, bem como a formação científico-natural do seu criador, sempre foram registradas, de diferentes formas, ao longo da obra freudiana. As pretensões de medição, quantificação, as analogias mecânicas, aparecem tanto no Freud de O projeto para psicologia científica (1895), quanto no das obras "mais psicanalíticas", por exemplo, em A Interpretação dos Sonhos (1900), nas Conferências Introdutórias (1915 e 1916) nos Artigos sobre a Metapsicologia (1914-1916). Sobre a herança da metafísica moderna no conceito freudiano de Trieb (pulsão) ver. Loparic, Z.1999b e Fulgencio, 2003.
8 cf.:Freud, 1915d/1995, p.154.
9J. Beaufret alerta que se dirigir à origem não implica simplesmente percorrer uma ponte entre a filosofia contemporânea e o pensamento pré-socrático, para tanto, exige-se um passo que retrocede rumo à fecundidade impensada do princípio. Cf.: Beaufret, 1971.
10Cf.:Heidegger, 2002.
11Em se tratando do legado dos pré-socráticos, sabe-se que destas "obras" só temos acesso a fragmentos que foram citados por pensadores posteriores, como Platão, Aristóteles, Sexto Empírico, entre outros. Em 1903 o filólogo Hermann Diels compilou-os, enumerando-os e os publicou sob o título "Os Fragmentos dos Pré-Socráticos". Cf. Heidegger,1999.
12Literalmente o termo Anfang pode ser traduzido por "princípio". No entanto, optamos seguir a sugestão de tradução de Marlène Zarader por "origem". Tal escolha deve-se ao fato de que, tanto no português quanto no francês, princípio e começo denotam uma marca temporal, como um primeiro momento na extensão de um processo. Já "origem" se aproxima mais da conotação heideggeriana que não se restringe ao início de uma extensão linear, mas refere-se a aquilo de onde qualquer coisa jorra, nasce. Isto posto, explicitaremos a diferença entre Beginn e Anfang estabelecida no pensamento heideggeriano com as palavras portuguesas começo e origem, respectivamente. cf.: Zarader,1990.
13Cf.: Lévinas, 1967.
14"Chamamos de sentido, aquilo que pode articular-se a abertura de compreensão. O conceito de sentido abrange o aparelhamento formal daquilo que pertence necessariamente ao que é articulado pela interpretação que compreende". Heidegger,1995a, p. 117.
15cf.:Stein, 2005.
16Vale registrar algumas passagens onde Winnicott caracteriza o desejo, o complexo de Édipo e a repressão como processos tardios. Cf.: Winnicott, 1960c/1983 e 1955d[1954]/2000.
17 Claro que nos estágios iniciais, falar em ambiente significa necessariamente remeter-se à mãe devotada. Cf.: Winnicott, 1953[1952]/2000, p 306. e 1954a[1949]/2000, p.334.
18"O conteúdo dessas angústias pode ser assim expresso: 1)ser feito em pedaços; 2) cair para sempre; 3) completo isolamento, devido a inexistência de qualquer forma de comunicação; 4) disjunção entre psique e soma." (Winnicott,1987d[1967]/2006, p.88).

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