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Winnicott e-prints

versão On-line ISSN 1679-432X

Winnicott e-prints vol.3 no.1e2 São Paulo  2008

 

ARTIGOS

 

O Modelo Winnicott de atendimento ao adolescente em conflito com a lei1

 

The Winnicott Model of care to adolescents in conflict with the law

 

 

Elsa Oliveira DiasI; Zeljko LoparicII

I IISociedade Brasileira de Psicanálise Winnicottiana
IIPontifícia Universidade Católica de São Paulo
IIUniversidade de Campinas

 

 

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente artigo apresenta um modelo para atendimento de adolescentes em conflito com a lei baseado na teoria do processo de amadurecimento emocional e pessoal, proposta por Donald Winnicott, bem como na sua concepção dos distúrbios desse processo (psicopatologia winnicottiana) e dos procedimentos apropriados para o tratamento desses distúrbios, em particular o "manejo”. Esse Modelo foi elaborado tendo em vista a possibilidade de sua aplicação em instituições de atendimento aos adolescentes semelhantes à Fundação CASA-SP do Estado de São Paulo, Brasil.

Palavras-chave: Modelo Winnicott, Processo de amadurecimento, Psicopatologia Winnicottiana, Adolescentes, Manejo.


ABSTRACT

The paper presents a model for taking care of adolescents in conflict with the law based on Winnicott’s theory of emotional and personal maturation, as well as on his views on disruptions of this process (Winnicott’s psychopathology) and on procedures adequate for the treatment of these disruptions, in particular the "management”. This model was elaborated in view of application in institutions similar to the Fundação CASA-SP of the State of São Paulo, Brazil.

Key Words: Winnicottian Model, Process of maturation, Winnicott’s psychopathology, Adolescents, Management


 

 

1. Introdução

Nas últimas décadas, a legislação brasileira relativa aos cuidados públicos e privados com crianças e adolescentes mudou radicalmente como se depreende das diretrizes básicas dispostas no artigo 227 da Constituição da República Federativa de Brasil de 1988, no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, 1990) e no Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE, 2004). Esses e outros documentos jurídicos foram vistos por especialistas como exemplos de uma mudança paradigmática na área jurídica, do tipo descrito por Thomas S. Kuhn (1975), contendo, entre outras novidades, a redefinição do sujeito de cuidados, do conflito com a lei na juventude e do atendimento correspondente.

Tendo em vista esse desenvolvimento, instituições públicas brasileiras responsáveis por esse tipo de tratamento têm se confrontado com o problema da implantação dos dispositivos legais inovadores relativos ao tratamento dos adolescentes em conflito com a lei que cumprem medidas judiciais. Assim, por exemplo, a Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (FEBEM) de São Paulo mudou seu nome em 2006 para Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente — Fundação CASA. Essa mudança de linguagem é de importância capital, pois revela uma nova concepção dos indivíduos sob o cuidado público (termo jurídico "menor”, designando incapacidade legal, é substituído pelo termo "adolescente”, relativo a uma fase decisiva do processo de amadurecimento e do crescimento humano), a reformulação da natureza do cuidado (trata-se agora aqui de "atendimento”, um termo proveniente das práticas terapêuticas, e não de medidas meramente assistenciais) e dos seus objetivos e procedimentos (a ideia jurídico-política de provisão de "bem-estar"é abandonada e substituída pela ação "socioeducativa”), como também de suas instalações (o espaço de cuidado é chamado agora de "casa”, o que redefine o ambiente social no qual se visa oferecer um atendimento o mais qualificado possível).

Contudo, apesar dos avanços atestados por esse exemplo, a maioria dessas instituições ainda carece de uma concepção científica confiável que tenha condições de oferecer um embasamento teórico e de servir de guia prático para a realização das tarefas estipuladas pela legislação brasileira. Ainda falta uma teoria que possibilite a formulação de regras de aplicação da linguagem jurídica nas e suas práticas. Em outras palavras, ainda faltam recursos para a regulamentação e implementação dos dispositivos legais de forma que estes possam ser implantados nas instituições e traduzidos numa linguagem que permita sua execução efetiva.

A fim de preencher essa lacuna, a Sociedade Brasileira de Psicanálise Winnicottiana elaborou um modelo de atendimento aos adolescentes em conflito com a lei baseado na teoria e na prática do pediatra, psicanalista e agente social inglês Donald Woods Winnicott (1896-1971), considerado por muitos o autor mais fértil e original da psicanálise após Freud.

O conceito de MODELO WINNICOTT de atendimento aos adolescentes em conflito com a lei começou a ser elaborado em 2008, no quadro das atividades do Núcleo de Prevenção e de Atendimento da Tendência Antissocial da Sociedade Brasileira de Psicanálise Winnicottiana (SBPW) a partir de uma proposta inicial do termo e do seu possível significado feita Z. Loparic. O objetivo geral da aplicação do MODELO WINNICOTT é o mesmo definido pelo SINASE: proporcionar aos adolescentes que cometeram infrações a oportunidade de desenvolver "uma autêntica experiência de reconstrução do seu projeto de vida"(Sinase, p. 17). A contribuição específica do MODELO é a conceitualização da experiência de reconstrução da vida à luz da teoria winnicottiana da natureza humana e do processo de amadurecimento. Assim, por exemplo, o projeto de vida é interpretado como estabelecimento de uma "linha de ser”, a qual, mesmo envolvendo componentes meramente mentais e conscientes não é, em última análise, nem mental nem consciente. A reconstrução visa, em primeiro lugar, a retomada do processo de amadurecimento e a autenticidade da experiência considerada à luz da teoria da espontaneidade e da criatividade.

 

2. Breve esboço do MODELO WINNICOTT

A ação "socioeducativa"conduzida segundo o MODELO WINNICOTT baseia-se, portanto,

1) na teoria winnicottiana do amadurecimento emocional e pessoal, que inclui uma conceituação inovadora de distúrbios das relações indivíduo-ambiente, entre eles a tendência antissocial e

2) na teoria winnicottiana para o atendimento desses distúrbios, inclusive para os vários tipos de conflito dos indivíduos com a sociedade. Ela pode se valer, ainda, de

3) exemplos da atividade assistencial de Donald W. Winnicott.

 

2.1 A atuação assistencial de Winnicott

Comecemos por uma breve abordagem desse último ponto. Desde o início da década de 40, Winnicott participou ativamente de diferentes grupos do serviço social inglês, naquela época um dos mais avançados do mundo. Na qualidade de psiquiatra consultor, ele dirigiu o programa de evacuação e reintegração de crianças durante a Segunda Guerra Mundial. Ao mesmo tempo, ele se dedicou aos problemas de manejo (management) institucional de "crianças difíceis”. Juntamente com John Bowlby e Claire Britton — assistente social, que viria a ser, posteriormente, sua esposa —, Winnicott participou de trabalhos da Comissão Curtis, formada pelo Governo britânico, em 1945, com o objetivo de fazer o levantamento da situação das crianças e dos adolescentes que viviam sob a tutela de instituições inglesas tanto estatais como particulares (religiosas). Os resultados obtidos por essa comissão foram entregues, na forma de um relatório, ao Governo britânico e deram origem ao Children Act 1948, conjunto de leis que representou um grande avanço na regulamentação da responsabilidade do Estado no cuidado e no apoio às crianças e famílias com dificuldades.

 

2.2. Teoria do amadurecimento pessoal

Foi a partir das suas experiências de assistência social e clínica (pediátrica, psiquiátrica e psicanalítica) conjugadas, que Winnicott produziu uma vasta obra de 21 volumes, na qual formulou conceitos inteiramente novos que revolucionaram as bases da psicanálise e ampliaram muito os seus limites, permitindo o tratamento de casos e situações antes inabordáveis. Essas mudanças configuram um novo paradigma na psicanálise (ver os textos de Loparic citados na bibliografia). Um componente central desse paradigma é a teoria do amadurecimento pessoal, que abre um horizonte para a compreensão dos estágios e dos problemas desse processo, em particular, dos da adolescência, bem como para a facilitação do crescimento saudável de indivíduos e sociedades. Dessa forma, o Gestalt switch paradigmático operado por Winnicott na psicanálise tradicional vai ao encontro da modificação das regras jurídicas assinaladas anteriormente e permite a elaboração de uma teoria da sociedade que garanta a aplicabilidade, isto é, a exequibilidade dessas regras.

De acordo com a teoria winnicottiana do amadurecimento pessoal, todo ser humano é dotado de uma tendência inata à integração, a qual só se realiza em um ambiente facilitador. Essa integração acontece em diversas etapas, sendo as principais: a dependência absoluta, e depois relativa, do bebê com relação à mãe, a constituição da identidade pessoal (do "EU SOU”), passagem para a independência relativa mediante a aquisição da capacidade de ser responsável e de contribuir (brincar, trabalhar, criar artisticamente), o desenvolvimento da sexualidade inicial e depois madura, o alcance do status de adulto em condições de convivência social criativa e de trabalho produtivo. Nesse contexto, Winnicott elaborou também uma teoria da adolescência, do conflito dos adolescentes com a lei e do tratamento desse tipo de distúrbio, complementada por uma teoria da maturidade.

A adolescência é o período da vida no qual o indivíduo tem a chance de sedimentar as conquistas já feitas e de integrar à personalidade aquilo que não foi integrado nos estágios anteriores do amadurecimento. Assim, a família e a sociedade continuam sendo sumamente importantes como ambiente facilitador. Cabe ao ambiente (famílias ou instituições sociais substitutivas) aceitar e acolher a imaturidade do adolescente, a sua oscilação dependência-independência, o seu sentimento de irrealidade, a sua necessidade de ser alguém em algum lugar, de confrontação, de procurar as próprias soluções e de não aceitar falsas soluções. Além disso, o adolescente precisa de um ambiente que esteja disponível para a comunicação verdadeira, que facilite a integração da sua instintualidade e exerça a lei sem retaliar e sem simplesmente punir.

Na maturidade, altera-se a relação com o ambiente. Este passa a ser algo para o qual o indivíduo contribui ativamente, pelo qual se sente responsável e pelo qual é capaz de sacrificar até a própria vida, por exemplo numa guerra, em defesa de valores fundamentais do seu grupo social. Nas comunidades em que há uma proporção suficientemente elevada de pessoas maduras, existe um estado de coisas que proporciona a base para o que se chama democracia, sistema de governo no qual os líderes são eleitos e depois dispensados pelo mecanismo eleitoral, os eleitores assumindo responsabilidade pessoal para com esse tipo de agressão. Se a proporção de indivíduos maduros se encontra abaixo de um certo número, a democracia não se torna um fato político e os assuntos da comunidade tendem a ser resolvidos de modo pré-adolescente, por líderes não eleitos e irremovíveis, objetos de identificação encobridora das tendências agressivas não integradas.

2.3. Teoria winnicottiana dos distúrbios do amadurecimento

Se o ambiente falhar, ou seja, se não oferecer ao indivíduo a oportunidade para a realização de tarefas da integração ou intervir de modo intrusivo nesse processo, ocorrem paradas do processo de amadurecimento. Ao invés de crescer, o indivíduo reage defensivamente e essas reações podem se cristalizar em vários tipos de distúrbios psíquicos como, em especial, os que aqui nos interessam, a psicose (principalmente as paranóias) e a tendência antissocial.

Quando as falhas acontecerem na fase da relação de dependência absoluta, anteriormente à criação do mundo exterior, elas têm o caráter de privação (privation), Esse tipo de falha é particularmente grave, pois gera angústias profundas do tipo de "agonias impensáveis"e, por causa disso, suscita reações defensivas na forma de psicose, que não permite a constituição de uma identidade pessoal nem o estabelecimento de relações verdadeiras com o mundo externo. Se as falhas se dão após a constituição de um eu e do início de relacionamento com a realidade externa, elas têm o sentido de "deprivação"(deprivation), ou seja, da perda do ambiente favorável com o qual se contava, acompanhada de percepção de que a responsabilidade pela perda é do próprio ambiente. Deprivações também geram angústias profundas e desesperança, mas não resultam em psicoses e sim em várias outras reações defensivas, entre elas a tendência antissocial, em que o indivíduo busca, inconscientemente, ser ressarcido da perda sofrida.

2.4. A tendência antissocial e a violência juvenis

Diferentemente da psicanálise clássica, para a qual a etiologia da delinquência era atribuída à constituição psíquica e consistia, basicamente, em um conflito intrapsíquico, Winnicott trabalhou com a hipótese de que, nesses casos, o fator ambiental era decisivo. Por um lado, ele não excluía a possibilidade de o ato contrário à lei ser induzido socialmente, cabendo, o seu estudo, prevenção e tratamento, ao quadro da sociologia tradicional. Por outro lado, ele reconheceu que, em um grande número de casos, o que estava na origem de um distúrbio antissocial era também a deprivação. A criança que perde o ambiente com o qual contava e, num primeiro momento, fica desesperançada, pode até mesmo regredir a fases anteriores do amadurecimento. Contudo, visto que está madura o suficiente para saber, embora raramente de maneira consciente, que foi o ambiente que falhou, ela tem o sentimento de ter sido roubada e injustiçada nos seus direitos. Sendo assim, a criança ou o adolescente, ao praticar um ato antissocial está procurando, de um modo violento ou brando, levar o mundo a reconhecer sua dívida para com ela. Caso seja encontrado um ambiente que, mediante uma adaptação ativa, dê oportunidade ao indivíduo para o restabelecimento de suas relações com o mundo, ele poderá, de início até aumentar os ataques para testar o ambiente. Com tempo, entretanto, poderá haver diminuição ou mesmo desaparecimento da tendência antissocial, a não ser quando ele já começou a obter vantagens secundárias do distúrbio.

2.5. Teoria winnicottiana do atendimento aos distúrbios do amadurecimento: aspectos gerais

O amadurecimento pessoal, distorcido por conflitos com a lei ou interrompido por outros tipos de trauma ocasionados por falhas ambientais, pode ser retomado se houver uma modificação no ambiente, que permita o retorno da confiança e da esperança na possibilidade de uma vida que seja digna de ser vivida. Sob circunstâncias adequadas, a criança com experiência de deprivação é recuperável, sem que se lance mão do processo clínico do tipo psicanalítico-interpretativo, psiquiátrico ou medicamentoso. Ao descartar as hipóteses constitucionais e intrapsíquicas, Winnicott recomenda aos profissionais a criação de ambientes humanos que sejam favoráveis à retomada do desenvolvimento do indivíduo de modo que ele possa viver criativamente, de modo integrado e dar uma contribuição positiva à sociedade da qual faz parte.

2.6. Atendimento à tendência antissocial: considerações gerais

A criança antissocial necessita, portanto, de um ambiente que seja capaz de dar uma resposta, fundamentada na realidade, à esperança que se expressa através dos sintomas. Isso, entretanto, tem que ser feito por um período longo o suficiente para tornar-se eficaz como atendimento socioeducativo, uma vez que criança também tem que adquirir confiança no novo ambiente, em sua estabilidade e capacidade para assegurar cuidados, antes que as defesas possam ser abandonadas — defesas contra a angústia intolerável que adveio, na ocasião original, da falha ambiental.

Deve-se ressaltar, ainda, que, por explicitar a importância decisiva do ambiente e iluminar as raízes do problema da tendência antissocial, a psicologia winnicottiana possibilita, inclusive, medidas para uma política de prevenção.

2.7. Alguns aspectos específicos da aplicação do MODELO WINNICOTT para atendimento socioeducativo ao adolescente

O MODELO WINNICOTT de tratamento da tendência antissocial exposto nos itens anteriores pode ser usado como um conjunto de regras para o atendimento socioeducativo a cargo de instituições tais como a Fundação CASA, sendo elas perfeitamente compatíveis com as diretrizes jurídicas e com a orientação político-educacional contidas em diferentes documentos legais.

Tanto para Winnicott como para o legislador brasileiro atual, o atendimento se dirige aos indivíduos na fase de adolescência. Para as duas fontes, a adolescência é um momento crucial do desenvolvimento humano, da constituição do indivíduo em seu meio social e da construção da sua identidade. As relações sociais, culturais, históricas e econômicas da sociedade, estabelecidas dentro de um determinado contexto, são decisivas na constituição da adolescência. Portanto, para o pleno desenvolvimento das pessoas que se encontram nessa fase da vida, é essencial que sejam fornecidas condições sociais (ambientais) adequadas à consecução de todos os direitos a elas atribuídos.

No caso dos adolescentes em conflito com a lei, a realização desses direitos está prejudicada. Para que tal situação seja revertida, precisam ser satisfeitas as mesmas condições básicas que nos casos de normalidade. A contenção social é necessária, porém ela precisa ser exercida no intuito de amparar o adolescente na retomada do seu crescimento pessoal e na re-elaboração pessoal das relações ambientais. Além do cumprimento das regras da unidade e das rotinas, será dada ênfase sobre a criatividade do adolescente, a ser estimulada não mediante a imposição de regras adicionais e conselhos, mas mediante ofertas de oportunidades de contribuir espontaneamente para algo, o que quer que seja, desde que permitido.

Vista nesse contexto, constituído pela combinação da teoria winnicottiana do amadurecimento e da legislação em vigor, a Unidade Piloto deve ser um espaço socioeducativo que proporcione o ambiente facilitador do qual o adolescente em cumprimento de medida judicial precisa para se recuperar da tendência antissocial, passar a acreditar em si mesmo e nos outros e a construir, de modo criativo e pessoal, e não apenas adaptativo, à maneira de um falso si-mesmo, uma linha de vida. Para tanto, os agentes socioeducadores devem ser capazes de assegurar ao adolescente a oportunidade de se recuperar dos efeitos da falha que sofreu no seu ambiente original e, com isso, desarmar a dinâmica que o leva a praticar atos antissociais.

Neste sentido, eles devem garantir que o adolescente possa estabelecer relações de referência afetiva marcadas pela confiabilidade, que ele poderá tomar como referências para sua vida, que possa regredir, de modo limitado e temporário, à dependência e à provisão ambiental inerentes a uma idade anterior à sua, assentar-se em espaços de pertinência grupal e comunitária sadia, ter oportunidade de contribuir pessoal e criativamente à vida comunitária e receber educação que amplie seus horizontes sócio-culturais, junto com a educação profissional.

 

3. Implantação institucional do MODELO WINNICOTT

Existem múltiplos obstáculos para a implantação do MODELO WINNICOTT nas atuais instituições brasileiras encarregadas dos cuidados de adolescentes em conflito com a lei. Algumas decorrem da permanência, tanto entre dirigentes como entre atendentes, de concepções anacrônicas sobre os conflitos sociais na fase da juventude e o seu atendimento, somadas ao desconhecimento das concepções alternativas atuais. Outros, talvez mais difíceis ainda de vencer, são as práticas institucionais antiquadas, muitas delas baseadas no modelo punitivo de atendimento.

Sendo assim, é indispensável pensar em diferentes formas de capacitação — cursos, seminários, supervisões etc. — de cuidadores envolvidos fornecida por especialistas no MODELO WINNICOTT. à parte os estudiosos isolados da obra de Winnicott, um grande número, talvez a maioria de profissionais em condições de oferecer tal capacitação está reunida a Sociedade Winnicott — Sociedade Brasileira de Psicanálise Winnicottiana ou colabora com essa Sociedade de uma forma ou outra. Fundada em 2005, a Sociedade Winnicott realiza atividades de ensino, pesquisa e publicação na área da psicanálise winnicottiana, através de suas filiais constituídas como Centros WinnicottEditora DWW Editorial. A Sociedade mantém, ainda, intercâmbio com várias instituições acadêmicas e psicanalíticas nacionais e estrangeiras, e desenvolve programas com instituições de serviço terapêutico e social.

Essas atividades vêm sendo realizadas de acordo com a linha de interpretação da obra de Winnicott desenvolvida pelo Grupo de Pesquisa em Filosofia e Práticas Psicoterápicas (GrupoFPP), fundado em 1995 por Z. Loparic e certificado junto à Unicamp e ao CNPq. Pesquisas realizadas de acordo com essa interpretação, revelaram não apenas que Winnicott operou, conforme foi dito anteriormente, uma mudança paradigmática do tipo kuhniano na psicanálise, mas mostraram também, com detalhes e precisão necessários, que essa disciplina, modificada por Winnicott, ficou em condições de tratar de problemas não solúveis pela psicanálise tradicional, entre eles, a prevenção da delinquência e o atendimento de pessoas em conflito com a lei, em particular, de adolescentes.

De acordo com essa abordagem da obra de Winnicott, um curso de capacitação minimamente satisfatório deveria conter os seguintes módulos gerais:

• teoria do amadurecimento

• teoria de distúrbios do amadurecimento

• tendência antissocial

• princípio do tratamento: manejo baseado em diagnóstico.

Deverão ser realizados também cursos intensivos sobre tópicos específicos do MODELO WINNICOTT e das regras de atendimento baseadas nele. Eles poderão ser, conforme demanda da equipe, gerais ou setoriais, estes últimos tratando de problemas específicos, tais como diagnóstico, rotinas, aprendizado, parte disciplinar, atendimento às famílias etc..

Agentes devidamente selecionados poderiam, além disso, frequentar as disciplinas teóricas do Curso de Formação em Psicanálise Winnicottiana ministrado regulamente pelos diferentes Centros da Sociedade Winnicott CWSP.

 

Referências

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Endereço para correspondência
E-mail: elsadias@uol.com.br
E-mail: loparicz@uol.com.br

 

 

1 O presente texto é uma versão abreviada e ligeiramente modificada do documento intitulado "Proposta para implantação, na Fundação Casa, de um programa de atendimento socioeducativo ao adolescente com base no Modelo Winnicott”, elaborado por Elsa Oliveira Dias e Zeljko Loparic em 2008 e apresentado à Fundação Casa do Estado de São Paulo durante uma reunião realizada na sua sede no dia 29 de abril de 2009. Para a formulação final desse documento foram utilizados, além de textos seminais previamente publicados dos dois autores, os resultados das pesquisas em nível de mestrado e doutorado de Roseana Moraes Garcia desenvolvidas na PUC-SP sob a orientação do Z. Loparic e que, no presente momento, encontram-se concluídas (ver bibliografia). Para as considerações relativas à parte jurídica e institucional do modelo, o texto se valeu de dados fornecidos por Claudia Rocco, na época aluna de mestrado da PUC-SP orientada por Z. Loparic, bem como de aconselhamento técnico de Eliana e Fábio Ribas.