SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.3 número1E2Considerações teórico/clínicas sobre a angústia e a integração psique-soma em Freud e Winnicott índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Winnicott e-prints

versão On-line ISSN 1679-432X

Winnicott e-prints vol.3 no.1e2 São Paulo  2008

 

ARTIGOS

 

A teoria do amadurecimento pessoal de D. W. Winnicott e a fisioterapia

 

The theory of personal maturity of D. W. Winnicott and physiotherapy

 

 

Maria Emília Mendonça1

 

 


RESUMO

Este artigo propõe uma interlocução entre a atividade do fisioterapeuta e alguns elementos da teoria de D. W. Winnicott, em especial, sua concepção da parceria psique–soma na saúde. São apresentados os primeiros estágios do amadurecimento pessoal, conforme sugerido por Winnicott em seu artigo Fisioterapia e relações humanas (1969g/1994), como uma perspectiva para se pensar os cuidados somáticos. Um breve panorama da prática e da formação do fisioterapeuta mostra seus impasses e questionamentos, entre eles os decorrentes das dificuldades de relacionamento do paciente com o próprio corpo, que podem acarretar estagnação ou abandono do tratamento, recidiva dos sintomas, atitude defensiva e/ou agressiva, surgimento de estados regredidos e depressivos, entre outros. Tais problemas exigem do fisioterapeuta determinados conhecimentos, geralmente não contemplados em sua formação acadêmica, que o instrumentalizem para compreender e tolerar estes aspectos, o que justificaria a busca de subsídios na psicanálise winnicottiana.

Palavras–chave: Teoria do amadurecimento, Fisioterapia, Personalização, Parceria psique–soma.


ABSTRACT

This article proposes a dialogue between the physiotherapy and the theory of D. W. Winnicott, in particular, his conception of partnership between psyche–soma in health. We present the first stages of personal development, as suggested by Winnicott in his article Physical Therapy and Human Relations (1969g/1994), as a perspective for thinking somatic care. A brief overview of the practice and the training of therapists shows their dilemmas and questions, including those arising from the patient’s difficulty in relating with his own body, which can lead to stagnation or cessation of treatment, recurrence of symptoms, defensiveness and/or aggressiveness, appearance of regressed and depressive states, among others. The physical therapist had not being educated to understand and tolerate these aspects, which justifies his search for subsidies in psychoanalysis Winnicott.

Key–words: Theory of maturation, Physical therapy, Customization, Partnership psyche–soma.


 

No que consiste a teoria winnicottiana do amadurecimento pessoal

A teoria do amadurecimento pessoal baseia–se na concepção de que todo indivíduo humano é dotado de uma tendência inata ao amadurecimento, ou dito de outro modo, à integração numa unidade psique–soma. Sendo o soma, um corpo vivo, não apenas o corpo biológico e psique não se confundindo com a mente. Inata não quer dizer que aconteça simplesmente com a passagem do tempo. é antes uma tendência e não uma determinação, e, para que se realize, este indivíduo humano, quando ainda é um bebê, depende de um ambiente facilitador (inicialmente, a mãe biológica) que forneça cuidados suficientemente bons.2 Winnicott diz que o amadurecimento começa em algum momento após a concepção e, quando há saúde, não cessa até a morte.

Interessa ao fisioterapeuta conhecer as fases iniciais do amadurecimento pessoal, pois tudo o que se aplica "aos estágios iniciais também se aplica, até certo ponto, a todos os estágios, mesmo ao estágio que chamamos maturidade adulta."(Winnicott, 1958a/2000, p.411). Portanto, certas tendências no desenvolvimento da personalidade estarão presentes desde o início mais precoce, acompanhando o indivíduo na adolescência e na vida adulta, mas nunca se definindo completamente.

Outra característica importante do processo de amadurecimento é a de não ser linear. No entanto, em alguns momentos, há certa linearidade no sentido de que algumas conquistas têm pré–requisitos e só serão alcançadas depois de outras. Isso nos leva a saber que a resolução satisfatória das tarefas de cada estágio depende de se ter alcançado sucesso nas tarefas dos estágios anteriores. Havendo fracasso na resolução da tarefa de certo estágio, novas tarefas continuam surgindo, porém, como o indivíduo não realizou a aquisição anterior, falta–lhe a maturidade necessária para enfrentá–las. Poderá até dar conta delas, valendo–se do intelecto, mas, por se apoiar em bases falsas, não serão tidas como aquisições pessoais de seu si–mesmo. Quando é este o caso, o andamento do amadurecimento pessoal é paralisado e um distúrbio emocional se estabelece e pode muito bem ser acompanhado de questões somáticas que levarão o indivíduo ao fisioterapeuta.

Logo, o paciente adulto que tenho à minha frente pode estar tentando recuperar, ou obter pela primeira vez, o amadurecimento de uma fase precoce de seu desenvolvimento que não se deu devido à falta de um ambiente suficientemente bom.

 

Os primeiros estágios do amadurecimento pessoal

No início de sua vida, o bebê se encontra em estado de não integração, não sabendo de si porque ainda não há um si–mesmo do qual possa ter consciência. Nesse momento, para se integrar e se tornar uma pessoa total, precisa da ajuda de um ambiente facilitador na realização de três tarefas: 1) a integração no tempo e no espaço; 2) a personalização, isto é, o alojamento da psique no corpo; e 3) o início das relações objetais, isto é, relacionar–se com os outros seres humanos e com as coisas que estão no mundo. (Winnicott, 1965b/1983, pp. 61–62)

No estágio de dependência absoluta, que inclui a vida intra–uterina, o nascimento e também os momentos imediatamente posteriores a este – inclusive a primeira mamada teórica3 – o bebê vive a dupla dependência, própria do mundo subjetivo, ou seja, sem saber, ele depende totalmente de sua mãe. Segundo Winnicott, os registros dessas experiências não são da ordem da representação, são experiências sutis que farão parte da história pessoal de cada um.

Nos estágios precoces, um bom ambiente se caracteriza pela presença corpórea da mãe, que, se bem integrada, será uma presença psicossomática; pelo modo adequado de a mãe segurar e manejar o bebê oferecendo–lhe sensação de segurança e conforto; e pela capacidade da mãe de se relacionar com ele como uma pessoa, e não apenas como um corpo que tem necessidades físicas, ou seja, capaz de se identificar com as necessidades pré–verbais da criança e lidar com elas, seja nos estados tranqüilos, seja nos excitados.

Tomemos como exemplo uma vivência instintual total: a mamada, com começo, meio e fim, faz com que o bebê tenha o sentimento da duração das coisas. A constituição de um corpo como morada, ou o chamado processo de personalização, acontece em grande parte durante as experiências excitadas, quando os sentimentos envolvidos nos entretempos das múltiplas funções (sistema cardiorrespiratório, sistema digestivo, sistema excretor, entre outros) podem ser elaborados criativamente e, dessa forma, integrados.

Outro exemplo, desta vez proporcionando ao bebê a vivência de um tempo cíclico, seria a alternância de experiências entre os estados tranqüilos – quando o bebê está com suas necessidades supridas repousando ou dormindo – e os estados excitados – nos quais busca algo, seja mamar ou ser banhado e trocado.

Justamente nos intervalos entre as fases excitadas acontece a elaboração de tudo o que aconteceu. Ao observador externo pode parecer que o bebê não está fazendo nada, porém ele está "trabalhando"intensamente, elaborando imaginativamente suas funções corporais. Algumas de suas ocupações, de um modo mais tosco, sem dúvida, poderiam ser as seguintes: "Como foi que desapareceu aquela sensação forte e desagradável que eu sentia? Para onde se dirige este algo quente que entrou pela minha boca? O que está acontecendo, aqui, no meu centro, que sinto preenchido e agradavelmente aquecido? E agora vem este soninho bom. Estou em paz."

No início, o bebê não reconhece as várias partes de seu corpo como seu. Até a fome é sentida como algo externo a ele. Ao longo do tempo, os instintos são assumidos como seus por meio da repetição das experiências satisfatórias que engloba a satisfação dos instintos e o contato corporal (visual, olfativo e tátil) com a mãe que o amamenta. é a partir dessa repetição de cuidados satisfatórios que o bebê vai constituir um eu que possa reconhecer os instintos como próprios.

É importante ressaltar que na teoria do amadurecimento os componentes somáticos e psíquicos estão presentes desde as situações iniciais, em que o corpo vivo do bebê, suas manifestações espontâneas e a psique incipiente quase que se confundem. Para chegar à posição de uma unidade formada entre o soma – o corpo vivo personalizado – e a psique, faz–se necessário o trabalho de elaboração desse corpo.

Esta é uma das preciosas contribuições de Winnicott para o campo dos cuidados somáticos: chamar a atenção para o fato de que a primeira tarefa da psique consiste na elaboração imaginativa das funções corpóreas. Todas as experiências essencialmente corporais (a alimentação, o banho, as trocas, o colo e o cheiro da mãe, etc.) por que passa o bebê são elaboradas imaginativamente e abrem caminho para englobar gradualmente elaborações mais complexas que envolvem, além das vivências internas, também as relações interpessoais.

Emergindo do que se poderia chamar de elaboração imaginativa de funções corporais de todos os tipos e do acúmulo de memórias, a psique [...] liga o passado já vivenciado, o presente e a expectativa de futuro uns aos outros, dá sentido ao sentimento do eu, e justifica nossa percepção de que dentro daquele corpo existe um indivíduo (Winnicott, 1988/1990, p.46).

Vemos então que psique e soma, com a ajuda de um suporte adequado do ambiente, participam conjuntamente de um processo de inter–relacionamento numa fase precoce do desenvolvimento individual, permitindo que o bebê alcance um estado de unidade. Na medida em que este processo avança, diminui também a necessidade de cuidados totalmente adaptados ao bebê. é esperada uma desadaptação da mãe para que ocorra o desenvolvimento gradativo de novas funções da psique, ocupada agora com funções mentais, que ajudam o bebê a suportar as falhas maternas. "Essa atividade mental do bebê transforma um ambiente suficientemente bom num ambiente perfeito, ou seja, transforma a falha relativa da adaptação num êxito adaptativo"(Winnicott, 1954a/2000, p.335) A partir daí o bebê vai adquirindo condições de separação da mãe, saindo da relação "dois–em–um"para entrar numa realidade mais ampla, a do mundo compartilhado.

É função da mente catalogar eventos, acumular memórias e classificá–las. Pela mente, a criança é capaz de usar o tempo como forma de medida e também medir o espaço. A mente também relaciona causa e efeito. (...) é a mente a responsável pela gradual aquisição, pela criança, da capacidade de esperar a comida ficar pronta, enquanto ouve os barulhos que indicam a proximidade da hora de alimentação. Este é um exemplo grosseiro do uso da mente. (Winnicott, 1958j/1980, p.9)

No entanto, o crescimento excessivo da função mental, ou seja, quando esta precisa assumir o cuidado da parceria psique–soma, substituindo um ambiente não suficientemente bom, é considerado por Winnicott como um problema no desenvolvimento. Ele diz que se tudo corre bem, a mente não ocupa o lugar do ambiente, apenas permite a compreensão e a utilização das falhas relativas provenientes deste. (Winnicott, 1954a/2000)

Traduzindo para o contexto da fisioterapia de adultos, mesmo aí, poderíamos dizer que a compreensão intelectual do paciente do que lhe acontece nas sessões não é suficiente. Antes, é a elaboração imaginativa que dá conta da integração psique–soma, sendo o ambiente agora assegurado pela presença do fisioterapeuta, que sustenta este processo.

Dito de outro modo, durante toda a vida continua acontecendo a elaboração imaginativa das funções corporais, em especial quando ficamos doentes ou nos machucamos e precisamos nos recuperar de distúrbios somáticos. Cabe ao fisioterapeuta reconhecer que o paciente, ao deparar–se com impedimentos físicos, necessita de apoio para integrar mais uma vez em seu esquema corporal as partes doentes que são sentidas, por ele, como separadas de seu si–mesmo. Este aspecto é de uma sofisticação pouco óbvia. Para ilustrar, lembremos o caso de um médico que ao adoecer precisa ser cuidado como "paciente”. Ele deve poder deixar de lado seus conhecimentos técnicos sobre o assunto e depender dos cuidados de um ou mais colegas. Somente assim, poderá desfrutar dos benefícios do tratamento que recebe. A mente, os recursos intelectuais enfim, não são suficientes para englobar a inteireza psique–soma. Por mais que o termo winnicottiano "elaboração imaginativa das funções corporais"seja quase um superlativo de compreensão dúbia, convido o leitor gradativamente ir se familiarizando com esta linguagem.

 

A compreensão dos primeiros estágios do amadurecimento pessoal e a fisioterapia

De um modo similar às alternâncias dos momentos tranqüilos e excitados das fases iniciais do bebê, também nas sessões de fisioterapia há os momentos de trabalho corporal intenso e ativo por parte do paciente, intercalado com pausas para percepção dos resultados destas atividades. Nestas pausas, não existe contato físico entre o paciente e o fisioterapeuta, mas este permanece próximo, e, por meio de palavras e silêncios, favorece a elaboração que o paciente faz de tudo que lhe aconteceu, principalmente a retenção do aprendizado de novos padrões motores. Caso o paciente "fique sozinho"neste momento, pode muito bem não reter nada do que foi executado. Em síntese, a sustentação dada pelo fisioterapeuta nas pausas é fundamental para o descanso do paciente, ao mesmo tempo em que este permanece atento às suas sensações corporais. Estar atento e relaxado num ambiente confiável é condição de possibilidade para o verdadeiro aprendizado motor e conseqüente caminho para a cura.

A importância de o fisioterapeuta conhecer a maneira como a integração se dá reside no fato de que o trabalho profissional que realiza é executado a partir da mesma instância que foi chamada de cuidado amoroso no manejo inicial. E, cabe lembrar, sempre existe o perigo de se repetir no presente o manejo falho ocorrido no passado. Isso é tão verdadeiro que Winnicott questiona: "Mas, e se o fisioterapeuta esquecer que existe uma pessoa a quem ministrar atenção e que o cuidado do corpo é apenas metade da tarefa?"(1989a/1994 p. 431) A maneira, o como o profissional lida com a pessoa é tão ou mais importante que todas as técnicas aprendidas durante sua formação.

Atitudes simples como ser pontual, manter o consultório acolhedor, aquecido e livre de corrente de ar, podem comunicar ao paciente que são conhecidas as suas necessidades básicas. Isso confere um estatuto totalmente diferente à relação mecanicista que poderia existir no ambiente de uma instituição de saúde ou no consultório de fisioterapia convencional. (Winnicott, 1989a/1994 p. 431) Nesses casos, não é difícil imaginar que a relação estabelecida entre paciente e profissional é baseada na confiança, com todas as decorrências daí advindas, inclusive o fenômeno da transferência4. Este é mais um fato para o qual Winnicott chamou a atenção, o de na clínica fisioterápica existirem problemas da mesma natureza daqueles enfrentados pelos psicanalistas em seu setting.

Como acontece em toda terapia, o terapeuta recebe um pouco do relacionamento temporário e especial de dependência, amor, desconfiança e até mesmo ódio que o psicanalista chama de ‘transferência’. O psicanalista na realidade utiliza esta ‘transferência’ para a parte principal de seu trabalho, mas o mesmo pode ser encontrado, e precisa ser aceito como um desenvolvimento natural, quando é o corpo que está sendo manipulado e aliviado. (1989a/1994 p. 431)

O fisioterapeuta não precisa tomar o lugar do psicoterapeuta para dar conta destas intercorrências. Pode sair–se bem mantendo a naturalidade e a espontaneidade. Sobre isto, Winnicott tem algo a dizer. Assim como no artigo sobre fisioterapia, em dois outros textos, nos quais descreve o jogo do rabisco e as consultas terapêuticas (1971vc/1984), o autor enfatiza que o especialista não precisa tanto ser arguto ou eficiente, quanto ser "capaz de proporcionar um relacionamento humano natural e de livre movimentação dentro do setting profissional”. No caso das consultas terapêuticas, "o paciente gradualmente se surpreende com a produção de ideias e sentimentos que não estiveram anteriormente integrados na personalidade total”. (1971vc/1984 p.14)

Como isso pode ocorrer também na fisioterapia? Em primeiro lugar com o profissional reconhecendo a importância de um gesto espontâneo de seu cliente. Winnicott chamava de impulso esse gesto, que no jogo de rabisco podia ser um jeito específico de tracejado no desenho, o que mostrava a pessoalidade e o envolvimento na atividade. No tratamento fisioterápico há tempo e espaço para o profissional propor verbalmente uma seqüência de movimentos propositadamente não demonstrados. Isto dá oportunidade para o paciente "criar"seu próprio gesto, da maneira possível para ele naquele momento. Não existe o certo e o errado, mas um jeito muito particular que é acolhido sem críticas ou correções.

Outro paralelo pode ser encontrado ainda. Assim como no roteiro básico das consultas terapêuticas, numa sessão de fisioterapia reconhecemos três momentos: 1) abrir–se para o terapeuta; 2) viver a experiência; e 3) livrar–se do terapeuta. Dizemos que quando a sessão é boa, o paciente nos esquece.

 

Cenário atual da prática do fisioterapeuta

O fato de o fisioterapeuta lidar com problemas similares aos do psicanalista foi sinalizado por D. W. Winnicott que ainda reconheceu a eficácia da fisioterapia nos casos de distúrbios psicossomáticos e posturais, desde que se considere não ser apenas o corpo que está em questão, mas uma pessoa.

Seu pensamento nunca foi tão atual. Vemos aumentar a popularização da fisioterapia e a procura maciça por atividades físicas de todos os tipos, ao lado de um descontentamento com o modelo de formação teórico–clínica dos fisioterapeutas, que grosso modo acompanha a visão mecanicista da medicina, ou seja, o corpo humano visto como um relógio que, tendo uma peça danificada, basta consertá–la ou trocá–la e o relógio volta a funcionar (Siqueira, 1998).5

Assim como nos atendimentos médicos, em nosso país, a maior parte da população se vale da fisioterapia oferecida pelo SUS (Sistema Único de Saúde). Outra grande fatia conta com os planos de saúde privados e um número não menos considerável freqüenta consultórios particulares. Nos dois primeiros casos, a fisioterapia consiste quase sempre somente no uso de aparelhos — para simples analgesia — e o profissional não chega a estabelecer uma relação interpessoal, pré–requisito para o engajamento do paciente no tratamento. Alguns motivos poderiam ser elencados para se compreender esta situação e o mais evidente deles é que tanto o SUS como os planos de saúde pagam muito pouco aos profissionais, que precisam assim, atender um volume grande de pacientes, com tempo reduzido e em locais muito longe do ideal. Outra explicação pode ser encontrada no tipo de formação recebida como veremos adiante. Propor soluções a estas deficiências foge ao escopo deste trabalho, já que seriam necessárias mudanças estruturais de âmbito nacional no atendimento à saúde, em geral.

Além do SUS e dos convênios, existe a fisioterapia oferecida em consultórios particulares, nos quais uma sessão individual custa o equivalente a uma consulta médica, a uma sessão de análise ou de psicoterapia. Os profissionais são especializados em diferentes técnicas e métodos, muitos deles estrangeiros, cuja formação envolve alto investimento financeiro, de tempo e de estudo. Podemos dizer que o fisioterapeuta desfruta hoje do mesmo status dos seus colegas da área médica e psi.

Neste cenário, convivem de um lado, aparelhos caríssimos e sofisticados tanto para diagnósticos por imagem, como para analgesia e fortalecimento muscular, e de outro, um tipo de atendimento ao paciente que deixa muito a desejar. Isto se deve ao fato de que os cursos de especialização não proporcionam ao fisioterapeuta uma teoria de como se dá a parceria psique–soma. Na falta destas informações o profissional fica sem ferramentas que o habilitariam a lidar com as questões no nível humano e não apenas mecânico, que naturalmente surgem no decorrer de um tratamento de médio e longo prazo.

Para o fisioterapeuta que se proponha a trabalhar mais profundamente e em longo prazo, surgem problemas basicamente de duas ordens: a) os presentes na relação do paciente com o próprio corpo e b) os que têm a ver com o relacionamento terapeuta–paciente. Cito a seguir os mais corriqueiros.

a) O indivíduo não chega totalmente disponível para o tratamento fisioterápico. é comum uma desconexão entre os sintomas e aquilo que precisa ser feito para a melhora dos mesmos. Tal fato interfere na motivação do paciente trabalhar em parceria com o profissional que lhe atende, constituindo–se no primeiro empecilho a ser ultrapassado. Em outras palavras: os mais efetivos procedimentos para tratar dores e melhorar a postura, não são exercícios repetitivos e mecânicos, ao contrário, exigem uma coordenação entre a respiração e as posturas e/ou seqüencias de movimentos. Para tanto, o fisioterapeuta solicita uma participação ativa do paciente, no sentido de presença e consciência corporal. Constata–se muitas vezes, um estranhamento entre o indivíduo e seu corpo, como se não houvesse nenhuma relação entre o sintoma da dor e seu modo de organizar–se sob a ação da gravidade e se mover. Isto sem falar dos sentimentos e padrões de pensamentos que interferem e co–existem com os padrões motores, quase sempre muito antigos, responsáveis muitas vezes pelas dores e desequilíbrios músculo–esqueléticos.

A medicina estritamente biológica reitera esta dissociação, avalizando a idéia do adoecer humano como algo externo e a cura também vinda de fora, por meio de um medicamento aparentemente mágico. Quando o indivíduo compreende que adoeceu no corpo em função do modo como vive e que para se curar precisa mudar alguns comportamentos, mesmo que seja a simples maneira como se senta para trabalhar no computador, já temos meio caminho andado, ou melhor, o tratamento pode de fato começar.

Estamos aqui diante de um impasse. De um lado, o paciente com a atitude passiva de quem vai tomar um remédio para fazer desaparecer suas dores, ou seja, esperando que o fisioterapeuta faça por ele, e, do outro, o fisioterapeuta que conta com seu engajamento e motivação para trabalharem juntos na direção de uma melhor coordenação psicomotora, verdadeira sustentação da cura.

Na fase inicial do tratamento — por vezes bem demorada — em que o profissional trabalha para disponibilizar a participação ativa do paciente, vai aparecendo o modo como este se relaciona com o próprio corpo, o que reflete muitas vezes a maneira como foi cuidado na primeira infância. é uma porta aberta para os estados regressivos (melhor explicitados no decorrer do texto) que não são impeditivos em si, ao contrário, em grande parte dos casos uma fase necessária do tratamento, porém se constituem um componente complicador do relacionamento terapeuta–paciente. Chegamos assim ao segundo quadro de problemas, que serão aqui apenas citados e não desenvolvidos, por exigirem a explicitação de inúmeros conceitos psicanalíticos e sua necessária tradução para o campo da fisioterapia, o que foge ao escopo do presente texto.6

b) Referem–se a aspectos intrínsecos a qualquer outro relacionamento interpessoal, mas que dentro de um enquadre especializado foi chamado de resistência, fantasias inconscientes, atuação, transferência e contratransferência.7

Estas são as "visitas"que aparecem sem serem convidadas e complicam bastante a vida do fisioterapeuta que preferiria cuidar apenas da artrose do joelho do seu paciente, por exemplo, a enfrentar as questões que surgem junto com a demanda de um tratamento pontual e localizado. Frente a estes problemas o fisioterapeuta continua desamparado a despeito de suas múltiplas especializações.

 

Vinheta de um tratamento fisioterápico com a presença de questões complicadoras

A título de ilustração citarei uma vinheta clínica de um caso de atuação. O paciente que chamarei de Antonio me procura com prescrição médica de fazer fisioterapia para cervical (pescoço) e cintura escapular (ombros). Suas queixas são de tensão excessiva no pescoço, crises de enxaqueca e dificuldade para respirar. Antonio tem 34 anos, é diretor de jornalismo de uma rede de TV e sedentário. Inicio o tratamento com sessões semanais que incluem: liberação miofascial (massagem no tecido conjuntivo) para relaxar a musculatura e a facilita a respiração, coordenação motora dos membros superiores e um trabalho global integrativo, com o qual finalizo a sessão.

Antonio é pouco falante e nossos diálogos giram em torno de como foi a sua semana com relação ao que estamos trabalhando nas sessões. Os sintomas diminuem, depois voltam e finalmente após alguns meses uma melhora se estabelece. Entramos na fase de manutenção, ainda com sessões semanais quando Antonio aparece na fisioterapia com hematomas no rosto e braços. Ele me conta que se envolveu numa briga durante um churrasco no domingo. Na semana seguinte, outra briga. Desta vez numa boate, durante um evento profissional. A. diz preocupado que isto "pegou muito mal”. Sente–se transtornado com seu comportamento subitamente agressivo, relembrando que jamais se envolveu em brigas, desde seus tempos de moleque. Mostra–se surpreso e sem entender o que está acontecendo com ele. Agora sou eu que fico preocupada. Pondero se esta descarga de sua agressividade pode estar relacionada com a recente liberação das tensões localizadas nos seus ombros e braços. Cuidadosamente faço–o refletir sobre uma possível ligação de uma coisa com a outra. Na semana seguinte, A. não relata nenhuma briga, mas volta com as antigas crispações musculares em torno do pescoço e dos ombros e a dificuldade de respirar.

Aqui aparecem os limites da intervenção do fisioterapeuta. Até onde pode ir nossa interferência ou interpretação do comportamento do paciente? Uma eterna e sempre presente questão. Penso que o fisioterapeuta deve tentar mostrar a relação existente entre a psique e o soma, explicando ao paciente, de um modo simples e acessível, que as coisas não estão separadas e uma interfere na outra. Não poderá avançar um passo além, já que não faz parte de seu contrato terapêutico com o paciente interpretar ou propor uma elaboração simbólica da agressividade.

 Como agi no caso de Antonio? Sugeri uma psicoterapia que ele relutantemente disse que iria procurar. Sugeri também que ele jogasse tênis ou batesse com uma luva de boxe, num desses sacos de pancada próprios para isto. Antonio optou por jogar squash duas vezes por semana. Continuou comigo um tempo ainda com sessões semanais e as duas coisas juntas funcionaram muito bem. Finalmente ele suspendeu as sessões de fisioterapia e manteve o squash duas vezes por semana. Disse–me que "descarrega tudo"naquela bolinha e não se envolveu mais em nenhuma situação de agressão física. Pareceu–me que havia aprendido fazer circular as tensões relacionadas à raiva, agressividade e ao estresse por excesso de trabalho e responsabilidades. Até onde sei não começou nenhuma terapia. Neste meio tempo, deu–me bastante trabalho nas sessões, pois tendo compreendido que as coisas não estão separadas, passou–me a relatar ao lado das queixas habituais, alguns conflitos, primeiro relacionados ao trabalho depois em sua vida afetiva. De modo receptivo eu sempre lhe fazia ver que ali não era o lugar adequado para se elaborar estas questões. Mas que nós poderíamos continuar trabalhando e na medida em que ele melhorasse a condição muscular e aumentasse a consciência corporal, iria integrando também pouco a pouco aspectos seus que considerava pouco nobres. Lembrava–lhe sempre a possibilidade de uma psicoterapia, mas A. dizia que não era o caso.

Visto por outro ângulo, pergunto: o fato de resolver a questão emocional (no caso de Antonio, ligada à agressividade) é condição para recolocar o ombro no lugar? Penso que não é suficiente. Caso não seja feito algo no corpo e com o corpo, o registro do verbal apenas nem sempre consegue mudar determinado modo de se posicionar no mundo frente às dificuldades de administrar as tensões instintuais. é preciso levar em conta os padrões motores que acompanham o comportamento psíquico. A experiência nos mostra que o sucesso obtido em novo aprendizado motor, visto que é acompanhado também por mudanças psicossomáticas, muitas vezes, leva o indivíduo a transferir esta atitude corporal mais harmônica a outras áreas da vida. No entanto isto não é uma garantia; o ideal seria fazer concomitante fisioterapia e psicoterapia. é raro, mas quando acontece é bonito acompanhar o processo.

 

Como se dá a formação do fisioterapeuta

A formação básica dos fisioterapeutas, quer atendam pelo SUS, quer pelos planos de saúde ou em sofisticados consultórios particulares, é a mesma e segue modelo cartesiano, idêntico ao das faculdades de medicina.8

Nas faculdades de fisioterapia diz–se que o indivíduo deve ser visto "globalmente, como um ser biopsicosocial”, e fica–se nesta frase como recomendação geral. Não é oferecido nenhum conhecimento sobre questões psicossomáticas ou de relacionamento terapeuta–paciente.

A despeito desta formação deficitária, o fisioterapeuta sensível observa que a pessoa que sente dores, se machucou, ou necessita melhorar a postura, está emocionalmente fragilizada e com uma integração psique–soma alterada. O lugar do corpo que está afetado é sentido como uma falha, um buraco, uma ausência, sendo o trabalho do fisioterapeuta facilitar que o paciente reconquiste sua coordenação psicomotora, o que diz respeito à pessoa total. Seja qual for a natureza dos distúrbios posturais e músculo–esqueléticos, seja quebrado ou mutilado, o indivíduo não se reduz às suas fraturas ou mutilações. Mesmo com grandes impedimentos ou paralisias, é importante que o paciente se reconheça em sua totalidade e em sua singularidade.

De fato, cada pessoa adoece de maneira particular, embora os profissionais da saúde a classifiquem em determinada categoria nosológica. Mesmo uma simples lombalgia — a popular dor–nas–costas — nunca será a mesma para sicrano ou beltrano. Do mesmo modo, cada atendimento fisioterápico deve ser pensado como único na construção interpessoal terapeuta–paciente. Para o paciente que busca curar–se, não existe "o melhor"tratamento a ser prescrito, sendo uma boa opção para ele, aquela que convém aos seus próprios juízos e valores. Pode ser que ele acredite mais num medicamento antiinflamatório, ou então prefira uma fisioterapia clássica somente com o uso de aparelhos e não queira investir em novo aprendizado motor. Porém em qualquer dos casos, este tratamento precisa incluir uma interação com o profissional.

Encontrar a melhor opção é o ponto central do exercício clínico, que obriga o profissional da saúde a dominar habilidades e conhecimentos que reconhecidamente não lhe foram oferecidos pelo modelo de ensino vigente (Entralgo, 1986). Não basta conhecer as últimas informações da medicina baseada em evidências para proporcionar o melhor cuidado ao paciente. Não basta ser hábil nas últimas técnicas de tratamento de dor. Não basta saber discernir quando uma abordagem dinâmica e de aplicação de força seria mais efetiva que um tratamento em posturas estáticas. Quando o vínculo não se estabelece entre paciente e terapeuta o engajamento no tratamento resulta frágil e o caminho em direção à cura instável (Entralgo, 1986). Não tendo sido esclarecido na faculdade e mesmo nos cursos de especialização sobre este "detalhe"e faltando–lhe o conhecimento teórico e a experiência pessoal de ter sido cuidado para poder cuidar, freqüentemente o profissional refugia–se numa postura de autoridade frente ao paciente. Não encontrando o acolhimento que esperava, muitos pacientes migram para tratamentos ditos alternativos, como massagens de diferentes tipos, as quais, por sua vez, nem sempre são adequadas no sentido médico, embora o massagista seja mais acolhedor e receptivo às questões pessoais do que o fisioterapeuta tradicional.

Seria esta a única saída possível? Poderia o fisioterapeuta, ao lado de alta competência técnica, também acolher as dificuldades do indivíduo em relação ao seu corpo, o que extrapola queixas eminentemente físicas?

Incipiente, mas de modo crescente, surge um caminho para enfrentar os impasses da clínica fisioterápica: a busca de subsídios na área de humanas, como a psicologia, a filosofia e a psicanálise. Refiro–me a uma formação complementar e não ao exercício do que poderia ser chamado de "psicanálise selvagem”, ou mesmo terapias corporais interpretativas. Trata–se de fisioterapeutas interessados em se manterem no seu papel e capacitados para um bom relacionamento com os pacientes. Entre estes buscadores, muitos se aproximam de D. W. Winnicott intuindo que o psicanalista inglês tem muito a contribuir.9 Este é o caso da fisioterapeuta Samira Cássia Zar que em sua dissertação de mestrado 10 dá um testemunho, por meio da descrição de alguns de seus atendimentos, do suporte teórico que a obra de Winnicott lhe proporcionou sem que precisasse sair do seu lugar de fisioterapeuta.

Isto não significa simplificação e resolução rápida das questões, nem o conforto imediato do profissional, ao contrário. "Em alguns casos, pude acompanhar o trânsito de meus pacientes em busca de seus caminhos. Creio que isto foi possível por um encontro empático não intrusivo e ético e isso proporcionou o espaço de confiança e transformação com experiências integradoras. Mas vivi também o impasse do desencontro"(Zar, 2008, p. 89). Tal fato leva a reconhecer que o fisioterapeuta que se embrenha nessa empreitada necessita de suporte terapêutico, por meio de análise pessoal e/ou supervisão, ao lado dos conhecimentos teóricos sugeridos neste artigo. A teoria instrumentaliza um modo de olhar que ajuda muito, mas não basta.

 

D.W.Winnicott falando diretamente aos fisioterapeutas

Winnicott estabelece uma relação estreita entre os cuidados ministrados pelo fisioterapeuta e os que a mãe dá a seu bebê. Ele diz bebê, por estar se referindo a "questões que pertencem aos verdadeiros primórdios da vida; tal como cada bebê é um filho único no começo, também é verdadeiro que na fisioterapia é necessário, durante o tratamento, dar ao paciente toda atenção”. (1989a/1994, p.429). O autor menciona isso para ilustrar a conexão que existe entre a fisioterapia de homens e mulheres de qualquer idade e o cuidado inicial que uma mãe é capaz de conceder a seu bebê, chegando a sugerir que "a formação do fisioterapeuta deveria incluir oportunidades para uma observação atenta de um cuidado de bebês natural e não–instruído."(1989a/1994, p.429)

Winnicott fala, nesse caso, diretamente aos fisioterapeutas, conforme se lê no artigo Fisioterapia e relações humanas (1969g/1994), publicado no livro Explorações Psicanalíticas (1989a/1994). No mesmo texto, ele reconhece ainda a importância da fisioterapia nos casos de distúrbios psicossomáticos e cita alguns problemas posturais que podem ser tratados com êxito pelo fisioterapeuta, desde que o profissional tenha consciência de que não é apenas o corpo que está em questão, mas uma pessoa. Ele diz:

Um exemplo de um tipo extremado de deficiência que o fisioterapeuta se descobre corrigindo provém da sustentação física e do manejo falhos do tipo mais simples possível. Exemplificando, quando uma mãe, através da identificação com o seu bebê (isto é, por saber o que o bebê está sentindo), é capaz de sustentá–lo de maneira natural, o bebê não tem de saber que é constituído de uma coleção de partes separadas. O bebê é uma barriga unida a um dorso, tem membros soltos e, particularmente, uma cabeça solta: todas estas partes são reunidas pela mãe que segura a criança e, em suas mãos, elas se tornam uma só. Um exemplo grosseiro de manejo errado ocorre quando a mãe falha em lidar satisfatoriamente com a cabeça. Isto produz o maior sofrimento mental. Se este tipo de manejo falho acontece de modo regular no padrão de manejo de uma criança, essa criança fica então permanentemente afetada e pode acabar nas mãos do fisioterapeuta por causa de uma rigidez patológica na região do pescoço. (1989a/1994 p.429)

Esta longa citação tem a vantagem de nos mostrar o valor atribuído à sustentação como cuidado materno necessário ao desenvolvimento do ser humano no início de sua existência. Para o autor, o modo como a mãe segura o bebê em seus braços é um cuidado básico cuja falta leva à vivência de ansiedades terríveis, tais como ser feito em pedaços, cair para sempre, morrer. Essa possível falha levaria em alguns casos a repercussões que comprometeriam seriamente a saúde somática e a saúde psíquica da pessoa, já que uma depende e interfere na outra. Ele podia constatar isso tanto em sua atividade de pediatra como na de psicanalista de crianças e adultos. >

Outro cuidado materno de que o bebê necessita é o que tem sido chamado de manipulação, lidar ou handling. O processo decorrente do ‘lidar’, também chamado de personalização, está relacionado com a boa coordenação, com o tônus muscular satisfatório e com o uso da pele como continente de uma personalidade psicossomática. Uma manipulação deficiente contribui para que a criança não desfrute da experiência do funcionamento corporal.

Esse dado é considerado importante também por autores da fisioterapia, em especial as psicomotricistas francesas S. Piret e M. M. Béziers, que elaboraram um livro dedicado ao assunto: O Bebê e a Coordenação Motora: gestos apropriados para lidar com a criança, no qual mostram de maneira muito clara e objetiva, através de fotos e ilustrações, a importância de se lidar com o bebê, dando–lhe sempre um sentimento de unidade (cabeça–corpo), o que se consegue mantendo–o, a maior parte do tempo possível, na posição de enrolamento, também chamada de posição de bem–estar.

Nesse livro, eminentemente prático, constituindo uma espécie de manual de cuidados com o bebê, com linguagem simples e dirigido a leigos, as autoras partem do princípio de que em todas as atividades essenciais (mamada, troca, higiene, banho, etc.) o bebê se encontra em constante dependência do adulto numa comunicação estreita (passando prioritariamente pela pele), que deve ser vivida com calma e sem precipitação. Se, além disso, ficar seguro e for transportado de maneira adequada, ficará inscrita em sua memória neuromuscular a noção das diferentes direções no espaço, ao mesmo tempo em que nela se inscrevem também a atmosfera do relacionamento com a mãe e o clima afetivo do ambiente em geral.

E qual seria, portanto, a relação entre essa teoria e a fisioterapia de adultos? A resposta está nas memórias corporais da fase inicial da vida, que são involuntariamente despertadas durante um tratamento fisioterápico de média ou longa duração. A maneira como foi cuidado na tenra infância pode refletir–se na sua maior ou menor disposição para confiar no profissional que lhe atende. O paciente consegue se concentrar de modo relaxado? Há confiabilidade suficiente para que siga seu próprio ritmo de evolução e aprendizado sem precisar submeter–se? Seu gesto espontâneo será reconhecido pelo fisioterapeuta? Poderá contar com a disponibilidade do profissional durante o tempo necessário para voltar a sentir–se apto ou receberá uma alta precoce, assim que forem rareando os sintomas físicos?

Estas e outras questões, quase nunca verbalizadas, permeiam o tratamento fisioterápico, por mais que o paciente seja bem constituído e instalado no mundo objetivo. Além disso, a situação de tirar sua roupa social, deitar–se e entregar–se às mãos do profissional favorecem o surgimento de fantasias inconscientes. Ao observador externo poderia ocorrer que seriam fantasias de cunho erótico, porém com maior freqüência, trata–se de uma regressão à dependência dos primeiros estágios do desenvolvimento infantil. Estes dois tipos de fantasias também podem co–existir e se superpor.

Não apenas pelo grau de intimidade corporal, mas por toda relação de cuidado por parte do fisioterapeuta e de entrega por parte do paciente ou aluno, o vínculo estabelecido entre ambos deixa de ser apenas de cunho pedagógico. Trata–se antes de um encontro, no qual a mutualidade ou comunicação silenciosa é mais importante do que a verbalização. A qualidade da relação terapêutica remete ao modelo de comunicação precoce estabelecida entre a mãe e o bebê. Contudo, associar o cuidado corporal ao cuidado maternal é um assunto delicado, e numerosos fisioterapeutas se recusam a admitir o caráter potencialmente regressivo do seu setting. Toda e qualquer atitude considerada maternal causa medo e a maioria prende–se às técnicas, negando a influência da relação e enfatizando somente os conhecimentos científicos de sua prática. Neste sentido, o depoimento da já citada fisioterapeuta Samira Zar vem engrossar o coro dos que se apoiam adequadamente nos conceitos winnicottianos. Ela diz: "Procurei aproximar este profissional da mãe suficientemente boa de Winnicott, enfatizando a necessidade que este "cuidador"se apresente de forma verdadeira e real,
o que em hipótese alguma quer dizer perfeita, mas sim viva e a favor da saúde do paciente e da sua própria saúde também em devir."(Zar, 2008, p. 89)

Aqui se faz necessário esclarecer alguns pontos para evitar possíveis equívocos de compreensão: 1) o profissional de fisioterapia não é uma segunda mãe para o paciente, o que se poderia enganosamente imaginar; 2) o fisioterapeuta não trabalha no quadro da psicanálise, pois tem seu enquadre específico, com métodos e objetivos próprios; 3) as conexões estabelecidas com Winnicott não podem ser tomadas como uma aplicação direta de suas idéias ao contexto da fisioterapia; e 4) o retorno à simplicidade originária do ser humano presente na intimidade da relação mãe–bebê não deve ser tomado como uma descrição ingênua. Os estados originários — como foi visto na descrição dos estágios iniciais do amadurecimento pessoal — não são nada simples, são antes bem complexos. Trata–se do próprio senso de identidade da pessoa.

Posto isso, fico mais livre para relatar como algumas aproximações me parecem possíveis. Ao entender melhor a relação mãe–bebê como base para o processo de personalização e constituição da pessoa psicossomaticamente sadia, o fisioterapeuta chegará aos parâmetros para a compreensão da formação da doença no processo de desenvolvimento do ser humano. Ao mesmo tempo isso lhe dará mais subsídios para lidar com as dificuldades inerentes ao delicado relacionamento profissional/paciente.

 

Possíveis aproximações entre o pensamento de Winnicott e aspectos da fisioterapia

Para Winnicott, é importante que o fisioterapeuta conheça os primeiros estágios do amadurecimento pessoal, pois é para lá, na maioria das vezes, que a pessoa regride quando em tratamento fisioterápico, principalmente na fisioterapia aqui considerada11: um método de cuidados corporais praticado em sessões individuais ou em grupo que trata dores, disfunções posturais e respiratórias, além de desenvolver a consciência corporal e ampliar a gama de recursos pessoais para qualquer aspecto da vida em geral. Contemplando os aspectos terapêutico, preventivo e educativo, este método favorece um vínculo de longo prazo com o paciente, pois além do tratamento específico das dores numa fase aguda, segue–se um segundo estágio com aprendizado de novos padrões motores, incluindo ainda uma terceira fase de manutenção.

Este vínculo de longo prazo propicia o aparecimento de certos estados que podem ser chamados de regredidos e que ocorrem com certa freqüência tanto nas aulas em grupo como nas sessões individuais, exigindo do fisioterapeuta uma atenção especial. Estados regredidos correspondem a certo alheamento, um "desligar–se"momentaneamente da ação objetiva, proporcionado pelo silêncio ou embalado pela voz do profissional, enfim, são estados de quietude e devaneio, dos quais o indivíduo retorna, em geral, com uma sensação ampliada de presença. A atitude adequada do profissional para lidar com esses estados do paciente ou aluno depende muito da compreensão que ele tem do ser humano, como alguém que pode descansar num estado de aparente não–integração, isto não se constituindo um estado patológico de desintegração.

Tais estados são reconhecidos por alguns autores da fisioterapia, embora não tenham sido ainda abordados em profundidade. Boris Dolto (1988), por exemplo, em seu livro Le Corps entre les mains, além de descrever eficientes terapias manuais para o tratamento de dores e distúrbios osteomusculares, chama a atenção para o aspecto psicossomático das queixas de seus clientes. Aqui e ali, o autor vai sinalizando que o profissional deve estar atento à totalidade da "pessoa"da qual está cuidando e não apenas ao corpo do indivíduo. No tópico sobre A relação terapêutica, ele cita os estados regredidos, tais como podemos ler: "Os verdadeiros resultados terapêuticos não acontecem senão após um período de regressão; porém essa regressão deve ser constatada e não provocada por ela mesma”. (Dolto, 1988, p. 430) A ressalva procede. Um estímulo desta natureza, vindo de fora por assim dizer, é considerado uma intrusão principalmente se levarmos em conta o pensamento de Winnicott.

O que está sendo chamado de "estados regressivos"no contexto da fisioterapia, não é exatamente uma regressão aos primórdios da infância e ao contato tônico com o corpo da mãe. Estamos falando da simples presença psicossomática do profissional, que dosando fala e silêncio, sustenta a continuidade de ser do indivíduo, até que este recupere o tônus muscular e esteja apto para retomar suas atividades.

Um exemplo extremado de "repouso"do paciente propiciado por esta qualidade de presença do fisioterapeuta é o que ocorreu no tratamento de Zulmira.12

A paciente vem encaminhada pelo médico neurologista com diagnóstico de parkinsonismo. Apresenta tremores ocasionais nos membros superiores, enrijecimento muscular nas costas e pescoço e movimentos involuntários do tronco. Uns "trimiliques"como ela diz e que a incomodam muito "porque são percebidos pelos outros”. Além do quadro neurológico, ela tem artrose nos joelhos, hérnia de disco lombar e colite crônica, o que impede a prática de atividades físicas regulares. Há mais de dez anos toma antidepressivo e regulador de humor, sendo acompanhada quinzenalmente por um psiquiatra com "quem conversa muito”. Como se vê, trata–se de um caso clínico complexo, com diferentes patologias (neurológica, ortopédica, psicossomática e psiquiátrica), tratadas com fortes medicamentos que por sua vez causam desagradáveis efeitos colaterais, os quais interferem na qualidade de vida da paciente. Inclusive, a procura pela fisioterapia visa também a diminuir a ingestão dos remédios.

Estabelecemos um bom vínculo na primeira consulta, estando ambas cientes das dificuldades que encontraríamos. Combinamos duas sessões por semana, porém grande parte das vezes a paciente consegue vir à apenas uma, sempre por impedimentos de trabalho de última hora.

Zulmira é uma enérgica senhora de 69 anos, proprietária de uma bem sucedida empresa de porte médio, fundada e dirigida por ela. Tem um ritmo de trabalho intenso, almoça na própria empresa e seus períodos de férias são bem reduzidos, por não se permitir ficar afastada de suas responsabilidades, como ela diz. Apesar de se considerar sedentária, é muito ativa e se recusa a descansar inclusive nos fins de semana quando reúne filhos e netos, prepara o almoço, faz questão de lavar toda a louça sozinha e ainda serve o lanche da noite. Também gosta muito de varrer as folhas de uma grande árvore que tem em seu quintal. é o que me conta todas as segundas–feiras quando chega para a fisioterapia, com fortes dores e rigidez muscular. Não é preciso dizer que estas atividades domésticas exercidas à exaustão não beneficiam em nada seu quadro.

Tendo se submetido a outros tratamentos fisioterápicos mais passivos, Zulmira acolhe com prazer e boa vontade minhas propostas de movimentos ativos. Diz sentir–se de volta à mocidade quando foi jogadora de volibol da equipe de sua cidade natal. Para minha surpresa, no entanto, na quarta sessão, cai num sono profundo durante a execução de exercícios de força.13 Isto passa a ser freqüente: após alguns minutos de sessão, assim que se deita, não importa a proposta de trabalho, a paciente adormece profundamente.

O que fazer nesta situação? Acordar a pessoa? Trazê–la para um estado de vigília e continuar o trabalho corporal ativo? Eu procurava acordá–la, gentilmente, usando os termos adequados para a execução dos movimentos, mas ela voltava a adormecer com profundos ressonados e suspiros. O detalhe importante é que Zulmira não se dava conta de que dormia. Quando acordava, comentava "nossa, eu quase cochilei um pouquinho”.

Depois de algumas sessões, nas quais esta situação se repete, não sem dúvidas, começo a reconhecer a necessidade vital de descanso de Zulmira, já que ela não se permitia relaxar em nenhum outro momento de sua vida. Passo então a permitir–lhe este tempo e espaço de repouso, sem fazê–la saber que dormia profundamente em mais da metade da sessão. Nos minutos finais, eu tomava alguma providência para que ela acordasse novamente e terminava a sessão com movimentos ativos e de aplicação de força, muito apreciados por Zulmira Assim continuamos por semanas a fio.

Por não ser o comportamento padrão de um paciente em fisioterapia, a cada sessão eu me questionava se deixava ou não que Zulmira se embalasse no seu sono. Nestes momentos difíceis, de incertezas e questionamentos, foi inegável o apoio proporcionado pela teoria winnicottiana do amadurecimento pessoal. Winnicott é um dos poucos, senão único psicanalista que não considera como "resistência"o paciente adormecer no divã durante a sessão de análise. Acredita ser esta uma necessidade básica que precisa ser respeitada e não interpretada. Sem dúvida, a fisioterapia tem outro enquadre, e pegar no sono durante a sessão pode ter múltiplos significados. O fato é que no caso de Zulmira eu permitir seu descanso, mantendo–me atenta e calma, pronta para trazê–la de volta foi um cuidado fundamental inclusive para a melhora de seus sintomas físicos. Sim, pois, apesar de não estarmos fazendo grande coisa objetivamente, Zulmira dizia estar se sentindo melhor. Tal depoimento me tranqüilizava um pouco para continuar sustentando seu descanso, aguardando o término desta fase, que esperava ser passageira.

Minha intuição se confirma e gradualmente Zulmira começa a passar menos tempo dormindo na sessão, ficando mais desperta e colaborativa. A partir daí, pudemos avançar por meio de procedimentos ativos no tratamento de suas múltiplas patologias. Penso que se não tivesse permitido este repouso que ela só conseguia obter no meu consultório, os avanços não teriam sido possíveis. Do mesmo modo, foi fundamental Zulmira não ter sido incomodada com a informação de que pegava no sono durante a fisioterapia. Tal comunicação teria sido intrusiva e contraproducente, já que para Zulmira era como se estivéssemos trabalhando ativamente durante todo o tempo da sessão. De minha parte não vou negar que foi um trabalho duro e igualmente recompensador, pois se aprende muito com casos excepcionais.

Este foi um exemplo extremado e incomum de "desligar–se"durante um tempo tão longo durante a fisioterapia, porém, estados sonolentos ou de breves cochilos são freqüentes durante as pausas nas sessões em grupo, nas quais o aluno não tem contato corporal direto com o fisioterapeuta e os comandos para os movimentos são dados verbalmente. Vale ressaltar que tais estados não são produzidos ou induzidos propositalmente, simplesmente acontecem. Por outro lado, há também os momentos em que o paciente/aluno não se desliga, ao contrário fica muito aflito e assustado. Nestes casos, as palavras e silêncios do fisioterapeuta, os termos que emprega, são utilizados não apenas para a compreensão intelectual das dores e desconfortos físicos, mas acima de tudo para o indivíduo ela–borar imaginativamente as partes doentes de seu corpo e poder integrá–las novamente numa unidade psicossomática. Esta elaboração imaginativa
faz parte da mesma capacidade incipiente do bebê, como já visto nos estágios iniciais.

Vemos então uma circularidade, onde o conhecimento do que acontece na primeira infância contribui para a compreensão das distin–
tas fases da vida humana, indo da criança ao adulto e chegando até a velhice com suas inevitáveis restrições que precisam ser aceitas e administradas. Isso vale especialmente para o tipo de fisioterapia que contempla
os aspectos terapêutico, educativo e preventivo, no qual é comum o paciente permanecer vários anos trabalhando com o mesmo profissional, fato que favorece o vínculo no relacionamento terapêutico.

O lugar que o fisioterapeuta ocupa é o do cuidador somático, não se atrevendo a interpretar, mas acolhendo os aspectos humanos além dos essencialmente técnicos de sua prática. A fisioterapia tem um objetivo ampliado de suscitar, despertar atitudes criativas e novas maneiras de lidar com o corpo. Para tanto, a tutela do fisioterapeuta deve ser sentida como uma liberação encontrada junto com o paciente. Postura que para ser efetiva precisa, por sua vez, assentar–se nos fundamentos de como se dá a coesão psicossomática. Teremos assim, uma fisioterapia mais humana que leva em conta a pessoalidade do paciente sem assustar–se com este fato.

O presente artigo procurou demonstrar que o campo da fisioterapia tem muito a ganhar com a contribuição da Teoria do Amadurecimento Pessoal de Winnicott, conforme autorizado pelo próprio autor em seu artigo Fisioterapia e Relações Humanas.

 

Referências

Almeida, M. A. (1999). Educação médica e saúde: possibilidades de mudança. Londrina: UEL-ABEM.         [ Links ]

Dias, E. O. (2003). A teoria do amadurecimento de D. W. Winnicott. Rio de Janeiro: Imago.         [ Links ]

Dolto, B. (1988). Le corps entre les mains. Paris: Hermann.         [ Links ]

Entralgo, P. L. (1986). Ciência, técnica y medicina. Madrid: Alianza.         [ Links ]

Gillard, J. P. (1995). O médico do futuro: para uma nova lógica médica. Lisboa: Instituto Piaget.         [ Links ]

Loparic, Z. (2000). O "animal humano”. Natureza humana, 2(2), 351-97.

Loparic, Z. (2001). Esboço do paradigma winnicottiano. Cadernos de história e filosofia da ciência, 11( 2).         [ Links ]

Mendonça, M. E. (2000). Ginástica holística: história e desenvolvimento de um método de cuidados corporais. São Paulo: Summus.         [ Links ]

Mendonça, M. E. (2007). A psicomotricidade e a educação somática à luz da psicanálise winnicottiana. 2007. Tese de doutorado, Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica, Pontifícia Universidade Católica, São Paulo.         [ Links ]

Siqueira, J. E. (1998). ética e tecnociência: uma abordagem segundo o princípio da responsabilidade de Hans Jonas. Londrina: UEL.         [ Links ]

Winnicott, D. W. (1975). O papel do espelho da mãe e da família no desenvolvimento infantil. In D. Winnicott (1975/1971a), O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1967; respeitando-se a classificação de Huljmand, temos 1967c)        [ Links ]

Winnicott, D. W. (1980). O primeiro ano de vida: uma nova visão sobre o desenvolvimento emocional. In D. Winnicott (1980/1965a), A família e o desenvolvimento do indivíduo. Belo Horizonte: Interlivros. (Trabalho original publicado em 1958; respeitando-se a classificação de Huljmand, temos 1958j)        [ Links ]

Winnicott, D. W. (1983). O ambiente e os processos de maturação. Porto Alegre: Artes Médicas. (Trabalho original publicado em 1965; respeitando-se a classificação de Huljmand, temos 1965b)        [ Links ]

Winnicott, D. W. (1984). "Introdução"à parte 1. In D. Winnicott (1984/1971b), Consultas terapêuticas em psiquiatria infantil. Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1971; respeitando-se a classificação de Huljmand, temos 1971vc)        [ Links ]

Winnicott, D. W. (1989). Tudo começa em casa. São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1986; respeitando-se a classificação de Huljmand, temos 1986b)        [ Links ]

Winnicott, D. W. (1990). Natureza humana. Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1988; respeitando-se a classificação de Huljmand, temos 1988)        [ Links ]

Winnicott, D. W. (1994). As bases para o si-mesmo no corpo. In D. Winnicott (1994/1989a), Explorações psicanalíticas. Porto Alegre: Artes Médicas. (Trabalho original publicado em 1971; respeitando-se a classificação de Huljmand, temos 1971d)        [ Links ]

Winnicott, D. W. (1994). O distúrbio psicossomático. In D. Winnicott (1994/1989a), Explorações psicanalíticas. Porto Alegre: Artes Médicas. (Trabalho original publicado em 1966; respeitando-se a classificação de Huljmand, temos 1966d)        [ Links ]

Winnicott, D. W. (1994). Fisioterapia e relações humanas. In D. Winnicott (1994/1989a), Explorações psicanalíticas. Porto Alegre: Artes Médicas. (Trabalho original publicado em 1969; respeitando-se a classificação de Huljmand, temos 1969g)        [ Links ]

Winnicott, D. W. (2000). Desenvolvimento emocional primitivo. In D. Winnicott (2000/1958a), Da pediatria à psicanálise: textos selecionados. Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1945; respeitando-se a classificação de Huljmand, temos 1945d)        [ Links ]

Winnicott, D. W. (2000). Memórias do nascimento, trauma do nascimento e ansiedade. In D. Winnicott (2000/1958a), Da pediatria à psicanálise: textos selecionados. Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1958; respeitando-se a classificação de Huljmand, temos 1958f)        [ Links ]

Winnicott, D. W. (2000). A mente e sua relação com o psique-soma. In D. Winnicott (2000/1958a), Da pediatria à psicanálise: textos selecionados. Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1954; respeitando-se a classificação de Huljmand, temos 1954a)         [ Links ]

Zar, S. C. (2002). A arte perdida de cuidar. Bioética, 10 (2), 89-106. Recuperado de BIREME OPAS/OMS — Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde: http://bases.bireme.br

Zar, S. C. (2008). Do soma ao corpo vivo — revisitando a clínica fisioterápica e acolhendo o corpo humano. Dissertação de Mestrado, Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica, Pontifícia Universidade Católica, São Paulo.

 

 

1Educadora física e fisioterapeuta, formada na França em Ginástica Holística, Método Ehrenfried; doutora em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
2 "Ambiente facilitador"e "cuidados suficientemente bons"são termos cunhados por Winnicott e referem–se a toda a atenção da mãe para com o seu bebê. Lembrando que o conceito de "suficientemente bom"está desta forma exposto para se opor a algo perfeitamente bom, pois pressupõe a idéia de falha desta mãe, que o tempo todo, como diz Winnicott, está corrigindo suas falhas.
3 Termo criado por D. W. Winnicott para denominar o conjunto das primeiras mamadas do recém nascido e resume o teor deste início tão importante em que a criatividade primária do bebê se faz presente, "criando"o seio, nas palavras de Winnicott. .
4Transferência é um dos conceitos freudianos que foram re–descritos por Winnicott e tem uma conotação diversa daquela da psicanálise tradicional. Estabelecer e mostrar esta diferença não cabe no presente texto. Vale, no entanto, marcá–la.
5José Eduardo de Siqueira é doutor em Medicina; professor de Clínica Médica e Bioética da Universidade Estadual de Londrina; vice–presidente da Sociedade Brasileira de Bioética; coordenador da Câmara Técnica de Bioética do CRM–PR.
6 Este tema foi parcialmente desenvolvido em Mendonça (2000, cap. IV e 2007, cap. V).
7 Termos criados por Freud e posteriormente desenvolvidos por seus seguidores para descrever questões do setting psicanalítico. Contudo, são aspectos que surgem também em outros relacionamentos inter–humanos, em especial em toda e qualquer relação terapêutica, como é o caso da fisioterapia, o que justificaria o estudo destes fenômenos por parte dos fisioterapeutas para melhor compreende–los e tolerá–los.
8 Tal modelo está sendo questionado em algumas universidades brasileiras. Nas faculdades de medicina de Marília, SP e Londrina, PR, por exemplo, começam a ser adotadas as indicações propostas por Gillard (1995) para a consulta médica – o qual aponta seis etapas necessárias para caracterizá–la. A primeira seria o acolhimento, seguida de anamnese e exame físico. As três últimas etapas seriam: o diagnóstico, a prescrição e a separação. O maior obstáculo para o cumprimento das mencionadas etapas, além da formação cartesiana, transparece claramente na indignada questão apresentada por muitos médicos, cujas palavras poderiam partir também do fisioterapeuta: "Diante do baixo montante de nossos honorários, considera verdadeiramente que possamos arranjar tempo para todas essas coisas?"Segundo Siqueira: "Desafortunadamente, a assistência médica hoje praticada aponta para a cruel realidade que pode ser assim resumida: atender o paciente em cinco minutos, prescrever qualquer droga e desfazer–se o mais rápido possível desse incomodo e mal pago compromisso. Médico e paciente fisicamente tão próximos e afetivamente tão distantes sequer se olham ou se tocam. Em verdade, sequer se respeitam."(Siqueira, 2002, p.104) Pode–se entender o grau de carência de contato e vínculo do paciente ao chegar ao consultório fisioterápico.
9 Fazendo parte deste segmento há mais de quinze anos, encontrei na teoria do amadurecimento pessoal, concebida por Winnicott, uma substanciosa base teórica não apenas para uma prática bem sucedida, mas também para o início de um frutuoso diálogo, por meio de uma dissertação de Mestrado (1999), um livro (2000) e uma tese de Doutorado (2007), nos quais apresento o campo da fisioterapia e o pensamento winnicottiano, um ao outro.
10 ZAR, Samira Cássia. Do soma ao corpo vivo — revisitando a clínica fisioterápica e acolhendo o corpo humano. Dissertação (Mestrado em Psicologia Clínica) , Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP, São Paulo, 2008.
11 Porém, mesmo na fisioterapia tradicional que trabalha basicamente com problemas físicos, entre outros, as reabilitações pós–traumas e diferentes deficiências, parte–se sempre do contato corporal direto entre profissional e paciente. Tem–se aí, igualmente, uma situação propícia para o aparecimento de fenômenos típicos das relações inter–humanas, como os já citados: transferência e contratransferência, resistência, entre outros.
12 Apresentar recortes de casos clínicos tem o inconveniente de induzir a um absolutismo, como se em todos os atendimentos o profissional adotasse as mesmas intervenções. Por outro lado, é uma oportunidade de contribuir para a compreensão de como se dá na prática o uso de conceitos vindos de outra área de conhecimento. E é neste sentido que me aventuro a este breve relato, solicitando a boa vontade do leitor que irá me acompanhar por momentos de dúvida e apreensão mais do que de certeza, como muitas vezes acontece em casos excepcionais.
13 Pode parecer paradoxal, mas não é incomum o indivíduo relaxar profundamente durante um esforço físico. No caso de Zulmira, este comportamento tornou–se rotineiro durante muitas sessões.