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Winnicott e-prints

versão On-line ISSN 1679-432X

Winnicott e-prints vol.7 no.1 São Paulo  2012

 

Artigos

 

Um exemplo do papel do analista como pai: o caso Patrick

 

An example of the analyst's role as a father: the Patrick case

 

 

Claudia Dias Rosa

Psicanalista, Diretora e Professora da Escola Winnicottiana de Psicanálise do CWSP, Coordenadora do SAP (Serviço de Atendimento em Psicanálise) do CWSP e do CWCamp, e dos Seminários de Pesquisa do CWSP
e-mail: diasclaudiarosa@gmail.com

 

 


Resumo

Por meio de um exemplo clínico de Winnicott, o caso de um menino de 11 anos, Patrick, relatado pelo autor no livro Explorações psicanalíticas (1989a/1994), explicitarei aspectos do papel do analista como pai. Nesse caso, Winnicott, utilizando-se de consultas terapêuticas com a criança e entrevistas com a mãe, colhe importantes informações e serve-se, basicamente, do manejo para conduzir todo o desenvolvimento do tratamento, ajudando a mãe do garoto a sustentar a necessária regressão do filho e administrando a vida de Patrick, com a escola e as demais atividades, durante todo o período em que o menino esteve doente até a retomada de movimentos progressivos em direção ao amadurecimento e à independência.

Palavras–chave: Winnicott, Donald Woods, 1896-1971, Consultas terapêuticas, Pai, Regressão, Manejo, Deprivação.


Abstract

Using an example of a clinical case by Winnicott – that of a fourteen year-old boy named Patrick – reported in his Psychoanalytic Explorations (1989a/1994), I will make explicit aspects of the role of the analyst as a father. In this case, through therapeutic sessions with the boy and interviews with the mother, Winnicott gathered important information and used mostly handling techniques to get on with the development of the treatment and help the boy's mother to cope with the necessary regression of her son, as well as managing school businesses and other activities of Patrick's life during the whole period in which he was ill, until he as able to recover progressive movements towards maturing and independence.

Keywords: Winnicott, Donald Woods, 1896-1971, Therapeutic sessions, Father, Regression, Management, Deprivation.


 

 

A teoria winnicottiana apresenta um novo horizonte teórico para a compreensão e resolução de problemas clínicos decorrentes de distúrbios que ocorrem ao longo do processo de amadurecimento. Uma vez que se trata de uma teoria relacional, de maneira que o amadurecimento do indivíduo só acontece a partir da relação com o ambiente, principalmente nos estágios iniciais, os distúrbios que se apresentam também são compreendidos considerando o tipo de falhas ambientais que os originaram e o grau de amadurecimento que o indivíduo contava na época em que as falhas se deram. É com base nesta "chave – momento do amadurecimento/tipo de falha ambiental – que Winnicott compreende a psicopatologia. Essas falhas podem ser ocasionadas por diferentes fatores relativos aos cuidados maternos, paternos e da família e, mais tarde na vida, podem advir de um âmbito social mais amplo: a escola, as instituições, as relações de trabalho, os regimes políticos etc.

No que diz respeito ao pai, que é o que nos interessa particularmente neste artigo, ele pode falhar em qualquer um dos momentos desse processo e essas falhas podem causar distúrbios específicos no indivíduo. Pode-se dizer que o tema do pai, rico em termos teóricos, tem igualmente implicações clínicas que merecem ser analisadas. Como psicanalistas, deparamo-nos com histórias de vida cuja problemática apresentada, muitas vezes a central, toca em aspectos que dizem respeito à relação com o pai e suas falhas ao longo do amadurecimento do indivíduo. A qualidade de sua presença, ou sua ausência, os distúrbios que o afetam e que transbordam para a relação com os filhos, a imaturidade de sua personalidade, sua incapacidade de dar apoio à esposa ou sua necessidade de ocupar o lugar desta, a impossibilidade de confrontar, de se envolver íntima e pessoalmente com as questões que afligem a criança ou o adolescente, a sua omissão diante de determinados assuntos e sua violência ou demasiada complacência são exemplos de como o pai pode falhar em seu papel e afetar a vida dos filhos.

Para este trabalho, escolhi uma vertente específica para abordar o tema do pai e a importância de sua contribuição para o amadurecimento infantil: explicitarei aspectos do papel do analista como pai por meio de um exemplo clínico de Winnicott, o caso de um menino de 11 anos, Patrick, relatado pelo autor no livro Explorações psicanalíticas (1989a/1994).

O pai de Patrick era um profissional liberal que havia alcançado considerável sucesso. Ele e a esposa tinham dois filhos: o mais velho estava na universidade e Patrick era aluno interno de uma escola preparatória bem conhecida. A família vivia entre muitos amigos e possuía uma casa em Londres e um cottage de férias.

Patrick foi atendido por Winnicott nos moldes da psiquiatria infantil,1 em dez entrevistas com a criança e quatro com a mãe. O menino perdeu o pai por afogamento no dia do seu décimo primeiro aniversário. No momento do acidente, Patrick estava com o pai velejando, próximo ao cottage de férias, e se não tivesse sido resgatado, por acaso e sorte, também ele teria morrido afogado.

Por algum tempo Patrick não esboçou qualquer reação a essa perda e isso preocupou a mãe. Os primeiros sinais de adoecimento só foram percebidos pela mãe mais tarde e, na primeira consulta com Winnicott, oito meses após a tragédia, Patrick já apresentava grande ansiedade do tipo paranoide, uma série de medos associados a alucinações visuais e auditivas, e alguns transtornos psicossomáticos.

Durante o tratamento, ficou evidente que as dificuldades de Patrick tiveram origem muito tempo antes do falecimento do pai e eram relativas a dois episódios de afastamento prolongado da mãe. No primeiro deles, Patrick contava com apenas cinco dias de vida e precisou ser hospitalizado durante seis semanas por causa de vômitos, cuja causa não foi detectada; nesse momento, seu peso caíra de quatro quilos e meio para três.

O segundo episódio data da época em que ele tinha um ano e meio de idade e refere-se à hospitalização da própria mãe por um período de seis semanas, durante o qual o menino foi deixado aos cuidados de uma família na qual, "todos eram muito dinâmicos e as crianças eram treinadas de modo vigoroso, o que dificultou a Patrick o contato com seus sentimentos relativos à ausência da mãe (1965f/1994, p. 280) e estimulou o surgimento de uma espécie de defesa maníaca.2

O pai visitou-o todos os dias ao longo desse tempo, mas não pôde assumir efetivamente os cuidados com o filho e tampouco parece ter se dado conta de que Patrick, estranhamente, tendo em vista a prolongada falta materna, "tornara-se superexcitável, parecendo feliz, sempre rindo e pulando de cima para baixo (Winnicott, 1965f/1994, pp. 274-275). A defesa maníaca apresentada nesse momento já era um indício da doença do menino, mas não pôde ser compreendida. Diante da morte do pai, o mesmo recurso foi utilizado pela criança.

Embora os dois momentos de distanciamento da mãe tenham sido bastante bem cuidados por ela – no segundo, temos a informação de que, ao reencontrar a mãe, Patrick imediatamente adormeceu em seus braços e assim a mãe o manteve seguro por 24 horas –, eles acabaram afetando consideravelmente a continuidade do amadurecimento do menino que não era, nas duas situações, maduro o suficiente para tolerar, por tempo demasiado, tais separações. O analista avalia que "evidentemente nessa época houvera perigo real de um rompimento do fio da continuidade de seu ser. A mãe voltara exatamente a tempo e soube que tinha de deixá-lo dormir em seu colo até que acordasse (Winnicott, 1965f/1994, p. 274).

O resultado dessas ausências foi que se desenvolveu "um laço entre o menino e a mãe que tinha por trás de si não apenas amor, mas também a incerteza dele quanto à confiabilidade dela (Winnicott, 1965f/1994, p. 280). Esse foi o aspecto de deprivação que tornou a criança extremamente apegada à mãe: Patrick ficou altamente ligado a ela por causa de sua desaparição em sua vida e a insegurança ambiental decorrente desse fato – que se tornou presente no garoto desde então – possivelmente não foi reconhecida até o momento do tratamento.

Em determinado momento, no decorrer da quarta entrevista, Patrick fala para Winnicott: "O senhor vê, eu nunca mais fui capaz de ficar inteiramente seguro quanto à mamãe desde então, e isto fez com que eu me apegasse a ela, o que significava mantê-la afastada de papai; eu mesmo não tinha muito uso para papai (Winnicott, 1965f/1994, p.274; os itálicos são meus).

Nesse caso, o impulso para separar os pais pouco ou nada tinha a ver com uma questão de fundo edípico, algo como uma rivalidade com o pai e desejo pela mãe: na verdade, Patrick precisava, antes de tudo, ter a mãe – e, por causa da falta que ela fez em sua vida –, tê-la só para si, isto é, não a dividir com mais ninguém durante algum tempo, nem com o pai. Isso era inclusive um pré-requisito para que ele pudesse um dia vir a ter condições de reconhecer a importância do pai e fazer os diversos usos dele.

Embora a falha tenha sido inicialmente da mãe, o próprio pai também falhou em seu papel já que não conseguiu intervir na situação e alcançar o filho, de tal forma que Patrick nunca sentiu ter, ele mesmo, como disse, "muito uso para papai. É, portanto, pertinente a pergunta sobre a atitude do pai, sobre seu modo de estar presente em meio a toda essa situação. Na origem da doença, por exemplo, durante o período em que a mãe precisou ausentar-se, o que poderia o pai ter feito no papel de mãe-substituta para amenizar a situação que certamente exigia manejos especiais? O que, a partir daí, poderia ter-se criado na relação entre eles que permitisse a Patrick, inclusive mais tarde, fazer uso do pai, conhecê-lo e ser conhecido com mais intimidade para poder confiar e entregar-se a ele? Patrick não perdeu só a mãe: ao ser levado para esse outro lar, na idade de um ano e meio, ele perdeu todo o ambiente familiar a que estava acostumado. Fosse essa família que o abrigou capaz de dar suporte, sem negar a tristeza de uma criança, talvez essa perda pudesse ter sido enormemente relativizada, mas não foi o caso. O fato é que o pai fazia parte do ambiente familiar e, tivesse ele mantido uma relação próxima e significativa com o filho durante a ausência da mãe e dos seus cuidados, algo desse ambiente poderia ter sido mantido e a falta materna não teria sido tão sentida e nem tão prejudicial – suas visitas ao filho nesse período, ao que parece, não garantiram essa presença.

Segundo Patrick, seu pai trabalhava demais e ele não o via muito. Sua percepção era a de que o pai não era muito feliz; ele e sua mãe viviam brigando, na visão do filho, por causa do temperamento difícil do pai – um "defeito, em suas palavras – e, por causa deste, sua mãe queixava-se muito. Embora fossem condizentes um com o outro, o casal vivia constantemente sob tensão e ele acreditava que, houvesse o pai sobrevivido ao acidente, a mãe teria cometido suicídio. Nas palavras do garoto: "a tensão entre os dois era tão grande que não era possível que pudessem continuar sem que um deles morresse (Winnicott, 1965f/1994, p. 210). Além disso, Patrick carregava consigo a ideia de que era ele o elo que unia os pais e que os reunia novamente após uma discussão.3

Essa conflituosa situação fez com que surgisse na criança um sentimento de alívio pela morte do pai e, ao mesmo tempo, como decorrência desse alívio, um sentimento de culpa. Embora acidental, a tragédia "foi sentida por Patrick como planejada por seus processos inconscientes (Winnicott, 1965f/1994, p. 280). O estado clínico paranoide, no qual se encontrava o menino no início do tratamento – com alucinações de um "homem vingativo a retornar (Winnicott, 1965f/1994, p. 271) –, advinha, em parte, da culpa que sentia quanto à morte do pai4 e, em parte, uma vez que tais alucinações já estavam presentes antes do acidente, da invasão ambiental (e inconfiabilidade) que a perda materna provocou no passado.

Ao que tudo indica, a perda do pai foi, no caso em questão, uma nova edição da perda maior e mais essencial sofrida anteriormente pelo menino com relação à mãe, daí a conclusão de que as consequências do afogamento do pai apenas vieram somar-se a uma enfermidade já existente. A reação retardada à morte do pai, que se manifestou meses após a data do acidente, sob a forma de uma doença aguda, deveu-se, parcialmente, ao fato de o menino já estar enfermo por ocasião da tragédia. Nas duas ocasiões, a reação à perda foi retardada e, como já mencionado, encoberta por uma defesa maníaca.

Outro aspecto relevante é que Patrick imaginara que, assim como ele, a mãe se sentiria igualmente aliviada pela ausência do pai, já que a vida entre ela e o marido era tumultuada. A criança imatura não tem condições de avaliar a natural emersão de crises e desencontros que decorrem de uma vida conjunta. A solução simples encontrada na ideia de que a morte do pai aliviaria a mãe está de acordo com essa imaturidade, mas deixa de fora a realidade da vida de um casal, assim como o fato de que, em uma relação madura, convivem tanto a raiva quanto o amor, e foi por isso que o garoto ficou surpreso com o inesperado pesar que ele presenciou em sua mãe quando o pai faleceu, o que o deixou simplesmente confuso (cf. Winnicott, 1965f/1994, p. 276). Se o casal tem condições, quando possível, de permanecer vivo em variados sentidos, podendo reconstituir a cada momento o núcleo familiar, a realidade do conflito inerente às relações interpessoais dimensiona e protege a criança de suas fantasias, ajudando-a a processar a discriminação entre realidade e fantasia, e a reunir destrutividade e amor, e isso se torna uma conquista preciosa para a vida afora. Winnicott diz que

o lar que tem por base as relações entre os pais, tem uma função a desempenhar pelo fato de existir e sobreviver; o ódio expresso da criança, e o ódio que aparece nos desastres oníricos, podem ser tolerados pela criança em virtude do fato de o lar continuar funcionando, apesar do pior e por causa do melhor. (1954b/1982, p. 205)

A morte real do pai entra aqui como um fator importante. Se, por um lado, foi com essa segunda perda que o estado doente do garoto pôde aparecer – e então ser cuidado –, por outro, além de todas as demais perdas inerentes ao fato, a realidade da morte do pai fez com que a fantasia da criança fosse tomada por fato. Algo como: a morte do pai foi provocada por Patrick, posto que ele queria afastá-lo da mãe. Quando isso acontece, a possibilidade de reparar o aspecto destrutivo presente na fantasia fica muito mais difícil e a culpa assume grandes proporções. A morte do pai cria uma realidade que em si já é difícil de tolerar e, acrescida das fantasias agressivas que o menino experimentava por ele naquele momento, tornou-se o estopim de uma série de sintomas.

Acrescenta-se a isso a informação de que, após a morte do marido, a mãe sentiu falta da ajuda que este costumava dar no cuidado com os filhos. Essa ajuda parece ter sido válida para ela e nos faz pensar que o pai esteve ao seu lado, o que certamente contribuiu para diminuir sua sobrecarga e dar-lhe apoio – sendo esta uma tarefa fundamental do pai na dinâmica familiar. Com o falecimento do marido, a mãe perde o reforço dado pela presença do companheiro e ela, por sua vez, torna-se, de repente, enfraquecida: a criança é afetada.

 

O tratamento de Patrick: o analista como pai

Logo na primeira entrevista com Patrick, por meio do jogo dos rabiscos5 e das conversas que teve com ele, Winnicott obteve informações valiosas que o orientaram no manejo do caso. A indicação sobre a natureza de sua necessidade foi dada pela própria criança. Winnicott pergunta: "O que seria um sonho bom? Imediatamente veio a resposta: "Felicidade, ser cuidado. Sei que é isso o que quero (Winnicott, 1965f/1994, p. 267). Talvez tenha sido este o principal indício – necessidade de depender de alguém – que fez Winnicott acreditar que o menino, embora fosse incapaz de pedir ajuda, conservava uma crença na existência de pessoas confiáveis e que essa fé poderia ser usada para fins terapêuticos: na derrubada de suas defesas e no reviver regressivo de suas experiências.

Creio que esse dado – acrescido do fato passado em que a mãe de Patrick teve suficiente sensibilidade para manter o filho dormindo em seu colo pelo tempo necessário logo após o episódio de sua prolongada ausência – foi o que levou o analista a apostar que a mãe poderia ser a principal pessoa para atravessar e enfrentar com o filho o que ele antevia ser um importante período de grande dependência.

Neste, como em muitos outros casos, a sustentação dada pelo analista possibilitou que ocorresse uma regressão à dependência, necessária para que o paciente pudesse, então, retomar seu amadurecimento. O que é interessante notar especificamente no caso em questão é que Winnicott propicia esse movimento 5 Winnicott, nesse caso, como em muitos outros, utiliza nas "Consultas terapêuticas o que ele chama de regressivo como um "analista pai, por assim dizer – dando suporte à mãe e administrando a vida de Patrick, enfim, manejando a situação toda – de modo que a regressão aconteceu não para o colo do analista, como é costumeiro num tratamento psicanalítico de orientação winnicottiana, mas para o colo da mãe. Winnicott conseguiu, nessa posição, devolver um lugar de potência à mãe, e reestabelecer a confiabilidade no ambiente que havia sido perdida, tanto pelo menino quanto pela própria mãe, como será visto adiante.

Em conjunto com a mãe, Winnicott assumiu a organização pela vida do menino, orientou-a sobre os cuidados a serem tomados em situações específicas, negociou com o diretor da escola a suspensão de sua vida escolar por tempo indefinido, prescreveu que a criança fosse para a casa de campo com a mãe, protegendo-a de qualquer tipo de intervenção externa, e ficou disponível, seja por meio de telefonemas, seja para entrevistas pessoais, tanto para o garoto quanto para a mãe. Esses e outros manejos feitos em função de adaptar o ambiente às necessidades da criança, já desde a entrevista inicial – cujo tempo de duração foi estendido até que uma comunicação verdadeira pudesse acontecer –, propiciaram o desenvolvimento de uma rápida relação de confiança entre o analista e o paciente, que fez reavivar no último a crença na possibilidade de ter com quem contar; a partir dessa crença, ele pôde se deixar cuidar.

Entre a primeira e a segunda entrevista, Winnicott recebeu um chamado de emergência de Patrick e da mãe, solicitando um encontro o mais rápido possível. Obteve a informação de que o menino havia fugido da escola; o motivo alegado foi que, ali, ele não conseguia estudar latim e sentia estar decepcionando a escola. O motivo real dessa urgência foi esclarecido no encontro seguinte.

Na segunda entrevista, por meio do relato de um novo fato acontecido na escola, Winnicott entrou em contato com a fragilidade do menino e sua hipersensibilidade a qualquer castigo ou censura. O incidente ocorrido não era tão grave, tratava-se de uma discussão entre um professor e um aluno, mas se tornou uma ameaça para o garoto, e imediatamente vinculou-se a vozes alucinatórias. O menino fez-se doente e foi levado para a enfermaria da escola. Na entrevista com Winnicott, depois de transcorrido um certo tempo, Patrick abandonou as racionalizações e declarou que não foi o fracasso em latim que o fizera, dias antes, procurar urgentemente por Winnicott, mas sim a necessidade de reaver a relação que ele obtivera com o analista na primeira entrevista – embora o reconhecimento dessa necessidade só tenha ficado claro naquele momento após reencontrá-lo. Winnicott combinou com a escola que no final de semana seguinte Patrick permaneceria em casa.

Pode-se dizer que o manejo decisivo, que propiciou o início da regressão do menino, aconteceu na terceira entrevista, quando Winnicott oficializou a enfermidade do garoto. Patrick havia se recusado a voltar para escola e se trancara no banheiro de sua casa. Foi persuadido a sair e levado, em estado de emergência, para ver Winnicott. Diante da situação, Winnicott disse ao garoto: "Você não vai retornar à escola, mas irá para o cottage de vocês na ilha. Você está doente. Enquanto estiver, pode ficar com sua mãe e eu direi a ela o que fazer. Tratarei com a escola a respeito de você (Winnicott, 1965f/1994, p. 273). Desde então, Patrick e a mãe passaram a maior parte do tempo no chalé de férias. Começou a partir daí um longo período de regressão e Patrick "transformou-se num menino de quatro anos, indo a toda a parte com a mãe e segurando-lhe a mão (Winnicott, 1965f/1994, p. 274). O retorno à dependência foi o marco que deu início a um gradual processo de recuperação da criança.

A quinta entrevista foi marcada a pedido de Patrick e, na noite que a antecedeu, o menino teve um importante sonho, o qual, segundo Winnicott, foi "sonhado para essa entrevista6 (Winnicott, 1965f/1994, p. 275). No sonho, há uma igreja com altar e algumas caixas próximas nas quais, suspeita-se, contêm cadáveres. Da caixa mais próxima do altar sai um fantasma, que tinha um rosto sério e parecia ter morrido afogado, como seu pai. Curiosamente era uma menina. Depois de um pouco de análise do sonho, fica claro que o fantasma era o fantasma do pai, mas do "aspecto feminino deste (Winnicott, 1965f/1994, p. 275). Patrick diz então ao analista que as brigas entre o pai e a mãe eram entre o que Winnicott chamou de "self masculino da mãe e o self feminino do pai, e tudo leva a crer que, como uma revelação e alívio, ele percebe então que "na realidade, não perdera inteiramente um pai, porque um pai se achava ainda presente na mãe (Winnicott, 1965f/1994, p. 275). O sonho prossegue com alguns elementos, mas o principal foi o episódio em que sua escola poderia desmoronar por causa de uma erosão causada pela água, mas ele e a mãe conseguiram escapar no carro esporte do irmão.

As associações fornecidas espontaneamente mostraram que Patrick havia conseguido, no sonho, chegar muito perto da real agonia vivida na situação de afogamento do pai e entrar em contato com o sentimento de culpa que todo o acontecimento lhe causou. A possibilidade de lembrar-se do sonho, providenciar uma entrevista e relatá-lo ao analista demonstravam que ele havia conquistado controle sobre o episódio e uma maior força de ego. Mostrava também, como afirma Winnicott, "sua capacidade de acreditar na mãe, e em mim como substituto paterno, e em nosso trabalho conjunto como figuras de pais a agirem em conjunto (1965f/1994, p. 276).

Um cuidado especial que Winnicott teve durante todo o tratamento foi o de dar apoio à mãe – que se sentia desamparada após a morte do marido – e também à sua intuição materna. Ele clarificou-lhe que sua missão materna era a de "esperar por movimentos progressivos espontâneos e de maneira alguma esperar algo de Patrick neste estágio (Winnicott, 1965f/1994, p. 277). Aqui o manejo foi feito também com a mãe: como parceiro e fazendo às vezes de pai nos cuidados com a criança, Winnicott forneceu a segurança e a sustentação necessárias para que ela tivesse condições de levar adiante o tratamento e suportar a regressão do filho.

Logo após essa consulta, ocorreu um incidente cuja consequência catastrófica foi o retorno do antigo estado ansioso e perseguido da criança: não acreditando na enfermidade de Patrick, a escola enviara-lhe provas escritas. Diante desse episódio, Winnicott indispôs-se com a escola e, para o menino, disse claramente que proibia totalmente todos os testes e exames, e que ele deveria jogar fora aqueles papéis. Suas palavras literais foram: "Ponha-os na privada e puxe a descarga (Winnicott, 1965f/1994, p. 277). A determinação com que Winnicott fez esse manejo e dirigiu toda a situação possibilitou que rapidamente Patrick recuperasse o relaxamento que havia perdido e retornasse ao estado regredido em que se encontrava anteriormente, voltando a ficar completamente alegre na casa de campo, ao lado de sua mãe.

Perto do final do tratamento, já na oitava entrevista, Winnicott compreendeu, por um novo sonho que Patrick tivera, agora com diversas figuras masculinas, que o menino estava "relatando o retorno de figuras paternas vivas em sua realidade psíquica interna. Havia muito mais no que Patrick falou que tinha a ver com homens, e também com o seu irmão mais velho (Winnicott, 1965f/1994, p. 278). O renascimento da presença masculina em sua vida foi propiciado pela confiança que se estabeleceu na relação com Winnicott e pelo sentimento de estar protegido por ele, como presença paterna.

Algo semelhante se passou com a mãe: tendo Winnicott como aliado nos cuidados com o filho e recebendo seu apoio e orientação, ela pôde reaver o reforço da figura masculina e paterna que havia sido perdida com o desparecimento do marido. Os cuidados maternos, quando amparados pelos componentes masculinos – de força, ordem e indestrutividade7 – tornam-se mais estáveis e firmes e, em vários sentidos, o filho colhe os frutos disso. A observação feita pelo analista de que Patrick havia se tornado capaz de criticar a mãe, sem perder o amor por ela, é uma amostra do retorno da força no ambiente. Nas palavras de Patrick: "Dois dias com ela, ótimo! Outros dois, horrível! (Winnicott, 1965f/1994, p. 274).

Chegou o dia do aniversário de Patrick e, com ele, o do primeiro ano da morte do pai. A ideia inicial era a de realizarem uma grande festa com muitos convidados e com um tipo de atividade febril que apenas encobriria a ferida e possivelmente reeditaria a saída maníaca já utilizada para fuga da situação dolorosa. A mãe pediu a Winnicott que discutisse com ela a situação. Sob a orientação do analista, a mãe e Patrick conseguiram ficar juntos e sozinhos durante toda a tarde daquele dia, ouvindo o tique-taque do relógio e deixando o tempo passar. Foi com alívio que viram o dia por fim ir embora. Patrick exclamou: "Oh, graças a Deus que passou, não foi nem a metade do ruim que eu achei que iria ser (Winnicott, 1965f/1994, p. 278). Seguiu-se a isso a melhora clínica de Patrick. O paciente foi saindo do estado de regressão e um movimento progressivo começou a acontecer em direção à independência e à participação.

Segundo Winnicott, o resultado total do tratamento foi a recuperação de Patrick, "da maior parte da enfermidade de que padecera antes da tragédia (1965f/1994, p. 281), que era da natureza de uma deprivação materna (vivida por ocasião da separação da mãe quando a criança tinha um ano e meio de idade), à qual se somou a perda do pai, e que, embora não tenha desencadeado uma típica sintomatologia antissocial, ocasionou o que Winnicott refere como uma aflição intolerável, própria ao sofrimento relativo a uma deprivação. Nesse contexto, o autor esclarece que, por aflição intolerável, ele entende "um estado de confusão, de desintegração da personalidade, um cair para sempre, uma perda de contato com o corpo, uma desorientação completa, e outros estados dessa natureza (Winnicott, 1968e[1967]/1999, p. 90).

Em Patrick, por trás da deprivação sofrida com pouco mais de um ano, encontrava-se uma privação bastante primitiva (foi hospitalizado com cinco dias de idade e ficou afastado da mãe por 6 semanas). Desse modo, como em outros casos nos quais há uma frágil estruturação da personalidade, quando ocorre a deprivação, o que emerge não são os sintomas da tendência antissocial – enurese, mentira, roubo, destrutividade –, mas o trauma mais primitivo, a ameaça de desorganização psicótica que havia ficado encoberta.

Sem uma suficiente força de ego para isso, Patrick não conseguiu acomodar um certo grau de tendência antissocial: esteve sempre à beira, e por vezes sucumbiu, a um colapso psicótico. O episódio trágico do afogamento do pai incrementou a perda original materna, contribuindo e resultando, por fim, na doença total da qual Patrick padeceu.

Para terminar, observo que, em termos de tratamento, Patrick pôde novamente depender dos "pais: de Winnicott fazendo as vezes da figura paterna, cuidando da administração do ambiente e protegendo ele e sua mãe contra as intervenções externas e, da mãe, que sustentada por Winnicott, recuperou sua confiança e sua possibilidade de dar o holding que no passado faltou ao filho; o que está de acordo com a ideia de Winnicott de que, na maior parte das vezes, é a própria família – quando tem suficiente saúde e maturidade para isso – o melhor ambiente para propiciar tanto as condições de prevenção de distúrbios, quanto o tratamento destes. Nesse caso, como em tantos outros relatados por Winnicott, e também na minha própria experiência clínica, o que encontramos é a corroboração dessa ideia.

 

 

Referências

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Winnicott, D. W. (1999) Este feminismo. In D. Winnicott (1999/1986b), Tudo começa em casa (3ª ed., pp. 183-195). São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1986[1964]; respeitando-se a classificação Huljmand, temos 1986g[1964]         [ Links ])

Winnicott, D. W. (2000). A defesa maníaca. In D. Winnicott (2000/1958a), Da pediatria à psicanálise: obras escolhidas (pp. 199-219). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1958[1935]; respeitando-se a classificação Huljmand, temos 1958k[1935]         [ Links ])

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Winnicott, D. W. (2002). A psicoterapia de distúrbios de caráter. In D. Winnicott (2002/1984a). Privação e delinquência (3ª ed., pp. 275-290). São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1965[1963]; respeitando-se a classificação Huljmand, temos 1965ve[1963]         [ Links ])

 

 

1 Essa forma de tratamento, que Winnicott acabou por chamar de "consulta terapêutica (cf. Winnicott, 1971vc/1984), difere em alguns aspectos do tratamento psicanalítico longo, feito por meio de sessões semanais. No geral, os princípios empregados em ambas às formas são os mesmos, mas o primeiro tipo tem como objetivo o encontro de um diagnóstico em curto espaço de tempo e a possibilidade de atender um maior número de pessoas que não têm como acessar facilmente a psicanálise, em sua modalidade mais longa. No início do relato do caso Winnicott explica: "A diferença entre a psicanálise e a psiquiatria infantil é principalmente que, na primeira, tenta-se ter a oportunidade de fazer tanto quanto possível (e o psicanalista gosta de ter cinco ou mais sessões por semana), enquanto que na última pergunto-me: qual é o mínimo que se precisa fazer? O que se perde fazendo-se tão pouco quanto possível é balanceado por um lucro imenso, uma vez que na psiquiatria infantil tem-se acesso a um vasto número de casos (tais como o atual) para os quais a psicanálise não constitui uma proposta prática. Para minha surpresa, descobri que o caso psiquiátrico infantil tem muito a ensinar ao psicanalista, embora a dívida se ache principalmente no outro sentido (1965f/1994, p. 261). Para um maior detalhamento sobre as "consultas terapêuticas, cf. Winnicott, 1968l[1965]/1994, pp. 195-202).
2
A defesa maníaca encobre alguma forma de depressão, sendo o estado deprimido a verdadeira expressão da real situação emocional vivida; essa defesa cria um estado de espírito de intensa atividade e bom humor que é exatamente a negação do peso que está sendo experienciado na realidade pessoal (cf. Winnicott, 1958k[1935]/2000, p. 199).
3 É de se notar que o sentimento de possuir um ambiente familiar pode se dar, em muitos casos, mesmo quando o casal parental vive sob tensão. Essa afirmação mereceria a apreciação de muitos outros fatores, bem com uma avaliação sobre o tipo e a qualidade da tensão imposta aos filhos num caso desses, pois é fato que, muitas vezes, a dissolução do enquadre familiar inicial é bem-vinda para a saúde dos filhos, bem como dos membros do casal parental quando a sobrecarga é demasiada. Mas, a exemplo da experiência de Patrick, também é importante ter em conta que a manutenção do ambiente familiar, também nesses casos, pode dar a necessária sustentação à criança. Patrick – apesar das brigas entre os pais e do sentimento que isso lhe provocava – encontrava na família reunida algum apoio à sua saúde emocional, já um tanto debilitada. Com a morte do pai, Patrick perdeu o enquadre familiar e, ao que parece, este foi o estopim que deflagrou a doença da criança.

4
A culpa que Patrick sentiu perante a perda do pai não o conduziu, como seria natural na saúde, a um processo de luto e a um sentimento depressivo. Patrick não tinha suficiente maturidade para isso e a base fraca que o apoiava não o sustentou diante do episódio trágico. No lugar do luto, apareceram fobias, ansiedades paranoides e a criança tornou-se sujeita a transtornos psicossomáticos. Winnicott afirma que o luto, em si mesmo, indica saúde e que "é impossível a um bebê, que não atingiu ainda um certo estágio de maturidade, seguir um processo tão complexo. Mesmo para um indivíduo que chegou a esse estágio, são necessárias certas condições para a elaboração do luto. O ambiente deve permanecer sustentador durante um certo tempo, enquanto a elaboração ocorre, e o indivíduo também deve estar livre da espécie de atitude que torna a tristeza impossível (1984f[1958]/2002, p. 150). Além de sua imaturidade para realizar um processo de luto, pode-se levantar a hipótese de que a tristeza e o pesar que Patrick presenciou na mãe devido à morte do marido o impossibilitou de contar com um ambiente sustentador que propiciasse essa elaboração.
5
Winnicott, nesse caso, como em muitos outros, utiliza nas "Consultas terapêuticas o que ele chama de jogo de rabiscos. Para maiores detalhes, cf. Winnicott, 1968k/1994.
6 A respeito desses sonhos, Winnicott conta ter percebido que frequentemente as crianças sonhavam com ele (analista) na noite anterior à primeira entrevista (ou primeiras entrevistas). Nos sonhos, elas se preparavam imaginativamente para encontrar a pessoa que supostamente poderia ajudá-las. Winnicott procurava ajustar-se a essa pré-concepção da criança, ou seja, procurava ser o objeto subjetivo concebido por ela (cf. 1971vc/1984, p. 12 e 1968l[1965]/1994, p. 245)
7 Cf. Winnicott 1986d[1966]/1999, p. 127 e 1945i[1944]/1982, pp. 128-129