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Mental

Print version ISSN 1679-4427On-line version ISSN 1984-980X

Mental vol.1 no.1 Barbacena Dec. 2003

 

RESENHAS

 

 

Aurélia Pereira Menezes*

Universidade Presidente Antônio Carlos - Brasil

 

 

BIRMAN, Joel. Freud e a Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. 77p.

O autor da obra é Joel Birman, conhecedor de ambas as faces da conjuntura desta interlocução. Psicanalista, cursou mestrado em filosofia (PUC/RJ, 1976), doutorado em filosofia (USP, 1984) e pós-doutorado em psicanálise (Paris VII, 1996). Publicou diversos livros, os quais abrangem e dominam os assuntos sobre as duas disciplinas, dentre eles: Freud e a interpretação psicanalítica (Relume Dumará, 1989); Por uma estilística da existência (Ed. 34, 1996).

O autor aborda os fantasmas divergentes entre os discursos filosóficos e os discursos freudianos. Desde a fundação da psicanálise, na passagem do século XIX para o século XX, Freud circunscreveu algumas problemáticas teóricas que foram cruciais para a filosofia. O contexto do livro mostra que Freud não era um filósofo. Pelo contrário, ele em geral manifestava certa ojeriza ao discurso filosófico. Desde então, houve uma interpelação recíproca entre as duas disciplinas. A filosofia do sujeito estaria sempre inscrita no campo da consciência e se enunciava no registro do eu, enquanto a psicanálise formulava o descentramento do sujeito. Foi tal problemática que delineou a interlocução entre psicanálise e filosofia.

Freud mantinha reservas em relação ao discurso filosófico, suspeitava de sua veracidade, pois comparava-o com a histeria: já que era "quase" uma obra de arte e a neurose obsessiva "quase" uma religião, a filosofia seria então "quase" um delírio paranóico. Foi depois disso que Freud procurou diferenciar neurose e psicose. Também acabou por concluir que a esquizofrenia funcionaria como a filosofia. Mais tarde Freud, em seu percurso de trabalho, pôde reparar e contrapor o que disse no início sobre a filosofia; as críticas e objeções deram lugar a posteriores comentários mais respeitosos e interpretativos. Em uma de suas correspondências com seus amigos, podemos evidenciar Freud afirmando que estava finalmente realizando seu desejo de ser um filósofo com a invenção da psicanálise.

Interessante para nós, leitores, vermos uma posição de Freud em respeito à filosofia, já que esta se aproxima da constituição psicanalítica e ao mesmo tempo se afasta da prática médica. O autor mostra nesse discurso que a interpretação de Freud oscilava e se contradizia. Da mesma forma que Freud interpretava as leituras do discurso filosófico, a própria filosofia questionava o discurso freudiano. Vale dizer que o discurso freudiano enunciou uma série de pressupostos e teses sobre a subjetividade, construindo então leituras sobre o psiquismo. Tudo isso se evidenciou na recepção do pensamento freudiano, constituindo uma história da subjetividade. Foi pela consideração disso, portanto, que a comunidade filosófica se manifestou em relação à psicanálise. Com o intuito de abordar as relações por vezes conflituosas, entre psicanálise e filosofia, que esse livro foi escrito. Para destacar os efeitos da filosofia sobre a psicanálise, a obra sublinha a importância que assumiu o discurso freudiano para a filosofia, isto é, quais foram seus efeitos no campo desta.

O contexto nos mostra também a forma que podemos distinguir a repugnância de Freud pela filosofia. Ele temia que o discurso filosófico fosse um empecilho na comprovação da veracidade de sua ciência, daí a razão da mordacidade quase presente na crítica à filosofia. Freud, então, começa a trilhar o percurso da psicanálise para torná-la aceita pela ciência. Precisava provar e comprovar que a psicanálise tivesse uma adequação e positividade no campo das demais ciências. Joel Birman conta todo o processo de como isso aconteceu. Portanto, com todos esses desdobramentos, considerando as problemáticas teóricas que constituiu, o discurso freudiano delineou um campo de interlocuções com a filosofia, colocando para esta questões novas que vieram a se desenvolver pela incidência que sofreu da psicanálise. Embora Freud não fosse um filósofo, seu pensamento ligava-se diretamente ao discurso filosófico pela problemática que colocou para a filosofia. Afinal, as oscilações entre atração fatal e ojeriza temperam sempre o estilo de Freud em suas leituras teóricas.

O livro Freud e a Filosofia conta-nos sobre as passagens e dificuldades que Freud encontrou em seu trabalho, mas que, graças à sua forte personalidade e seu objetivo de construção de um saber, conseguiu obter o que desejava.

 

 

*Aluna do 2º período do curso de Psicologia da UNIPAC/Ubá

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