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Mental

versão impressa ISSN 1679-4427versão On-line ISSN 1984-980X

Mental v.2 n.2 Barbacena jun. 2004

 

ARTIGOS

 

A crise da identidade na cultura pós-moderna

 

Identity crisis in postmodernity

 

 

Helder Rodrigues Pereira*

Universidade Presidente Antônio Carlos - Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A crise na pós-modernidade (ou seria a crise da pós-modernidade?) é o assunto principal deste artigo. Vários sinais são apresentados como característicos do período. Aqui, importa principalmente a noção de descentramento do sujeito. A partir da noção de sujeito descentrado, busca-se uma abordagem da problemática pós-moderna e do processo de globalização. Ao lado do conceito de descentramento subjetivo, aborda-se a crise das identidades singulares, de raça e de nação. Para fazer este percurso, procurou-se abordar o pensamento de alguns autores que escrevem sobre as cidades, o hibridismo cultural e a questão da subjetividade.

Palavras-chave: Descentramento, Crise, Pós-modernidade, Cultura.


ABSTRACT

The crisis in postmodernity (or would be the crisis of postmodernity?) is this article principal subject. Several signs are presented as this time characteristic. The principal question is the subject uncentered. Through this notion, we are searching for approach of postmodernity problematics and globalization process. Besides the uncentered subject, we search for particular indentities crises - of race and nation. To do it, we are embased in auctor that wrote about the cities, the cultural hibridism and the subjectivity as a question.

Keywords: Uncentered, Crisis, Postmodernity, Culture.


 

 

Introdução

O indivíduo, enquanto identidade, entra em crise. Estamos na pós-modernidade, face a demandas que a modernidade não tinha. A crise da identidade pode ser compreendida a partir de uma de suas características: o descentramento do sujeito. O homem do ideal humanista começa a ruir quando suas fronteiras já não dão conseguem mais sustentar sua integridade. À crise individual das identidades singulares soma-se a crise coletiva das identidades nacionais. O processo de globalização denota a fluidez das fronteiras nacionais, igualmente difusas. Deslocamento e descentramento constituem o universo pós-moderno.

No presente artigo, busca-se uma compreensão de identidade, cultura e pós-modernidade a partir das considerações de Stuart Hall, que trata da identidade cultural na pós-modernidade. Seguindo a proposta reflexiva do autor, apresenta-se, a princípio, uma comparação com o pensamento de Jacques Le Goff sobre as cidades, numa tentativa de aproximar a identidade com a nacionalidade e o empuxo humano pela vida social, que alcança sua realização na vida urbana como ideal do próprio humanismo, cujos conceitos, todavia, entrarão em decadência no período pós-moderno. Além de Le Goff, busca-se uma comparação também com o trabalho de Israel Burschatin sobre as representações textuais acerca dos mouros e de sua cultura. Esse autor apresenta uma crítica sobre a representação do estrangeiro - esse odioso personagem do mundo globalizado. O afastamento do outro estranho é uma das formas do descentramento.

 

Crises e formações culturais

A chamada crise de identidade pode ser compreendida num processo mais amplo de deslocamento e mesmo de fragmentação do indivíduo moderno. Os quadros de referência que davam ao indivíduo uma certa sensação de pertinência em um universo centrado, de alguma forma, entram em crise, e passam a se constituir em algo descentrado e fragmentado. Característico do período do final do século XX (Hall, 2003, p.9), tal descentramento se opõe às culturas do passado que, a seu modo, forneciam aos indivíduos fortes localizações sociais. Estando em crise, a identidade se torna uma questão e, por isso, passa a ser tratada como algo passível de assimilação e compreensão pelo próprio indivíduo pós-moderno que quer ver, no seu descentramento, uma característica de sua própria localização social. Não seria essa tentativa uma nova forma de ancoragem no universo real que continuamente lhe escapa?

Certamente, ao se auto-conceber como descentrado, o indivíduo pós-moderno encontra uma firmeza, ainda que paradoxal, acerca de sua própria crise identitária. Segundo Hall (2003, p.12), "a identidade, então, costura [...] o sujeito à estrutura". As novas (várias) identidades são, por vezes, contraditórias. A nova concepção do sujeito se caracteriza pelo provisório, variável e problemático, alguém como não tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente. É uma fantasia, afirma Hall (2003, p.13), considerar a identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente. Tal fantasia de um centro fixo é substituída pela concepção segundo a qual a estrutura do sujeito (que lhe dava segurança) não é compensada por um novo centro estruturante - deixa-o vazio ou, ainda, desprovido de um único centro, formado que é agora por vários centros de poder. Essa "desordem" causada pela falta do centro organizador, no entanto, não leva a uma total desintegração, pois os novos vários centros podem ser, no seu conjunto, articuláveis. O deslocamento do sujeito, marca do período pós-moderno, tem certo caráter positivo, pois que desestrutura as identidades estáveis do passado ao mesmo tempo que questiona tais estabilidades e proporciona o jogo de novas identidades.

"Uma vez que a identidade muda de acordo com a forma como o sujeito é interpelado ou representado, a identificação não é automática, mas pode ser ganhada ou perdida. Ela se tornou politizada. Esse processo é, às vezes, descrito como constituindo uma mudança de uma política de identidade (de classe) para uma política de diferença." (Hall, 2003, p.21)

 

Cidade e formação de subjetividades

O sujeito pós-moderno parece romper com a ordem segundo a qual ele era, no passado, centrado e mesmo determinado por estruturas estruturantes que, no atual período, apresentam-se totalmente deslocadas. Para além de considerações assim simplistas, tomemos o que, no passado, estruturava o sujeito: a divindade das instituições ou a noção de soberania do sujeito. O homem medieval e o humanista revelam ambos tais considerações. Para contextualizar o medievo, observemos a citação de Le Goff, que compreende a cidade como topos civilizador e centralizador do sujeito:

"A cidade da Idade Média é um espaço fechado. A muralha a define. Penetra-se nela por portas e nela se caminha por ruas infernais que, felizmente, desembocam em praças paradisíacas. Ela é guarnecida de torres, torres das igrejas, das casas dos ricos e das muralhas que a cercam. Lugar de cobiça, a cidade aspira à segurança. Seus habitantes fecham suas casas à chave, cuidadosamente, e o roubo é severamente reprimido. A cidade, bela e rica, é também fonte de idealização: a de uma convivência harmoniosa entre as classes. A misericórdia e a caridade se impõem como deveres que se exercem nos asilos, essas casas de pobres. O citadino deve ser melhor cristão que o camponês. Mas os doentes, como os leprosos que não podem mais trabalhar, causam medo, e essas estruturas de abrigo não demoram a se tornar estruturas de aprisionamento, de exclusão. As ordens mendicantes denunciam as desigualdades provenientes dessa organização social urbana e desenvolvem um novo ideal: o bem comum. Mas elas não podem impedir a multiplicação dos marginais no fim da Idade Média." (Le Goff, 1988, p.71)

Observa-se que "muralhas", "torres" e "casas" denotam certa identidade organizadora do homem medieval. Ainda que houvesse a praça pública, ela não aparece aqui como um centro de articulação e de conformação dos indivíduos - a despeito do ideal grego da ágora. As marcas fortes são: "fechar", "vigiar", "isolar-morar". Medo de quem vem de fora ou receio do que está dentro, centrado? O certo é que tal estrutura conforma o centramento do medieval em torno de sua sociedade concreta, teocrática. Nesse universo marcado pelo império do Uno, quaisquer ameaças são severamente banidas: o leproso bem mais que o camponês. Nesse contexto, as estruturas de albergaria logo se transformariam em estruturas prisionais, impedindo que o diferente voltasse ao convívio dos outros sujeitos. A cidade medieval, portanto, oferece mais e melhores condições para a vivência do ideal cristão. Também a punição ao roubo demonstra certa hierarquia dos crimes, talvez por justamente mostrar que a convivência harmônica entre as classes não passava de vaga idealização urbana. O vagabundo era particularmente temido, talvez por já trazer, em si mesmo, o germe destruidor de tal organização centrada. As cidades medievais, via de regra, não toleram os estrangeiros: eles se tornam desestabilizadores da ordem e, não raro, se transformam em mercenários a serviço de governos tirânicos. O poder também está centralizado. No entanto, a partir das considerações de Foucault sobre a "microfísica do poder", este jamais pôde ser visto senão como algo descentrado, diferente do gosto medieval pelo centramento. Nas cidades, passava-se da família ampliada para a família nuclear, pois os governos são concebidos a partir dos clãs familiares.

"O "bom governo" tende a imitar o modelo do príncipe justo, num espaço mais restrito no qual se podem diversificar as experiências políticas [...]. A cidade respeita a Igreja e com freqüência se coloca a seu serviço. [...] As revoltas urbanas insurgem-se contra a tendência despótica do príncipe, coletor de impostos, e contra a dominação de algumas famílias que rompem o primitivo contrato comunal de igualdade." (Le Goff, 1988, p.95)

O centramento político, desde o período medieval, tendia a provocar nos governados uma certa aversão por essa dominação que podia ser tida como absurda, o absurdo do centramento político extremado.

Nascido após o homem medieval, o indivíduo moderno coloca-se a si próprio no centro. A visão teocêntrica passa a ser rejeitada à medida que Deus é deslocado do centro do universo. Assim é o sujeito cartesiano: racional, pensante e consciente, no centro do conhecimento, capaz de discernir o pensamento (res cogitans) e a materialidade (res extensa). A bipolaridade do cartesianismo não podia indicar um descentramento. Pelo contrário, ela firmou mais ainda o lugar do homem moderno: um homem cuja identidade está centrada na consciência de si mesmo. Esse é o indivíduo soberano. Nesse sentido, o indivíduo se destaca da cidade. Ela existe com relação a ele. Habitar a cidade é permanecer, diferentemente do campo, em um lugar de segurança e prazer. A cidade, de alguma forma, firma as identidades. As pessoas se identificam também com os lugares onde vivem e onde criaram raízes. Paradoxalmente, "encontramos aqui a figura do indivíduo isolado, exilado ou alienado, colocado contra o pano de fundo da multidão ou da metrópole anônima e impessoal." (Hall, 2003, p.32)

 

Entre identidades e descentramento

Não obstante as identidades com o lugar e com a consciência, a pós-modernidade é caracterizada por um processo de descentramento do sujeito. Hall (2003) aponta cinco descentramentos importantes do sujeito.

O primeiro descentramento refere-se às tradições do pensamento marxista, segundo as quais os homens só fazem história a partir de condições que lhes são previamente dadas. Portanto, indivíduos isolados não são capazes de qualquer construção histórica.

O segundo funda-se na descoberta do inconsciente por Freud. O cogito cartesiano é fortemente solapado a partir do pensamento freudiano que, com base na leitura lacaniana, constrói o sujeito que "pensa onde não existe e existe onde não pensa". A alusão de Jacques Lacan é claramente ao sujeito do inconsciente - aquele que não domina suas ações ou seus pensamentos pela consciência. Aqui, o sujeito se apresenta cindido, dividido por um sentimento de falta, de desejo, de gozo (por ele chamado de objeto a). O novo sujeito se caracteriza por esta interdição (a interdição paterna dos complexos familiares), e é justamente tal interdição que lhe proporcionará buscar sua identidade a partir do objeto perdido, símbolo do falus como estrutura do poder e do reagrupamento da cisão primordial. O falus é, por isso mesmo, inalcançável e incompreensível, porque inconsciente. A partir de considerações sobre o Real, o Imaginário e o Simbólico, Lacan pondera que o sujeito está justamente na junção desses três campos - junção borromeana cujo desmoronamento seria intolerável pelo sujeito, provocando-lhe os mais diversos sintomas da pós-modernidade, como drogadição e endividamento. O Outro (ou Grande Outro) da cultura representa, em tais condições, a situação formadora e desafiadora que, continuamente, interpela o sujeito acerca de suas vontades e ações: che vuoi? - uma das máximas lacanianas que leva o sujeito a estar continuamente voltando-se para uma cadeia de significantes que lhe permitem certa identificação com seus pensamentos e ações.

O terceiro descentramento está associado a Ferdinand de Saussure, para o qual "a língua é um sistema social e não um sistema individual" (Hall, 2003, p.40). Então, o indivíduo falante nunca pode fixar um significado de forma final, ou seja, ele próprio não domina os efeitos de sentido de sua fala e, por extensão, nem mesmo de sua identidade. A noção de margem aparece como que delineando a fala, como a marcar a existência de um antes e um depois da língua. Não há como centrar a fala, pois o significado permanece inerentemente instável a qualquer conformação de sentido do próprio sujeito.

Outro descentramento - o quarto - refere-se ao trabalho do filósofo e historiador Michel Foucault. Ao fazer um estudo sobre o que chama de poder disciplinar, Foucault considera que as novas instituições disciplinam as populações modernas. Todas as dimensões humanas estão sob o rígido controle das instituições.

O quinto descentramento é causado pelo impacto do feminismo. De seus pontos de descentramento, talvez o mais importante seja que tais movimentos favoreceram o enfraquecimento e o fim da classe política e das organizações políticas de massa a ela associadas, levando vários movimentos sociais à fragmentação. Desse modo, cada movimento apelava para a identidade social de seus componentes. O feminismo abriu para o espaço da contestação política aqueles elementos que eram considerados particulares da vida privada, como a dominação dos sexos, o trabalho doméstico, o cuidado com as crianças, dentre outros.

 

Identidade cultural e nação

Um dos mecanismos de identificação do sujeito é o sentimento de nacionalidade - saber-se pertencente a uma nação. Ainda que ter uma nação não seja um atributo inerente à humanidade, ele passa a sê-lo na chamada modernidade tardia.

O sentimento de identidade e lealdade é gerado pela idéia de que a nação é uma comunidade simbólica e, portanto, compartilhada por um número suficientemente grande de indivíduos capazes de dar ao homem uma significação de pertencimento. Essa significação é um espelho. O processo de globalização aparece como um dos fatores responsáveis pelo processo de deslocamento dessa idéia de identidade nacional, uma vez que, diante de tal realidade, o nacional parece diluir-se. Todavia, o nacional não são apenas as fronteiras: "uma cultura nacional é um discurso" (Hall, 2003, p.50). A nação, portanto, faz sentido porque tem seu sentido narrado por memórias capazes de conectar presente, passado e futuro. A construção da nacionalidade brasileira passa também por um processo narrativo. Desde os princípios da ordem e do progresso, até a concepção da mítica convivência de todas as raças ou do em desenvolvimento, permite construir uma identidade em torno do que seja o Brasil. De um país do qual se envergonhar a uma nação da qual se orgulhar é um processo lento, no qual muitos significantes foram explorados, em detrimento de outros, de forma a construir um orgulho nacional.

Dentre os aspectos apresentados por Hall que demonstram a construção da nação, merece destaque aquele dito por Hobsbawn e Ranger, chamado de invenção da tradição. As tradições inventadas são mais eloqüentes, pois se encaixam em períodos expressivos da vida da nação. A tradição inventada permite uma identificação com algo que não seria tão tradicional, mas que se faz passar por tal e consegue organizar uma idéia e um discurso em torno de si. Essa tradição inventada (ou retorno simbólico ao passado) mobiliza as pessoas para que purifiquem suas fileiras e expulsem os outros que ameaçam a identidade nacional. Cabe ressaltar, no entanto, que toda conquista de identidade nacional não pôde se construir senão numa forma violenta de subjugar o outro, o diferente, que poderia significar ameaça a uma identidade real ou imaginada. Imaginada porque tal identidade é também uma construção discursiva. As nações modernas são, na verdade, híbridos culturais, pois as nações não são puras, ainda que rejeitem os que se lhes apresentam diferentes.

 

Globalização e identidades culturais

Hall apresenta três possíveis conseqüências para as identidades culturais advindas com o processo de globalização: a primeira estaria marcada pela desintegração das identidades nacionais, resultado de um crescimento da homogeneização cultural; a segunda seria o reforço das identidades locais, como resistência à globalização, e a terceira seria a formação de novas identidades, chamadas híbridas, que tomam o lugar das identidades nacionais.

A primeira e a segunda conseqüências poderiam se constituir em falso dilema: ou as identidades nacionais são homogeneizadas ou resistem ao processo globalizante. As pessoas pertencentes às culturas híbridas estão irrevogavelmente traduzidas, no sentido de que são obrigadas a habitar duas identidades diferentes. "As culturas híbridas constituem um dos diversos tipos de identidade distintivamente novos produzidos na era da modernidade tardia" (Hall, 2003, p.89). As culturas híbridas parecem indicar, no Ocidente, que o processo de globalização faz parte de um lento e gradual descentramento do próprio Ocidente. Ao hibridismo e à diversidade se opõem o fechamento e a tradição como tentativas de se reconstruírem identidades petrificadas. Como exemplo, Hall cita o nacionalismo que ressurge na Europa Ocidental e o crescimento do fundamentalismo. O que persiste é a ambição para criar novos estados-nação fortes, o que levaria a concretizar a noção de hibridismo, pela qual o imigrante como que é forçado a desempenhar funções menores nos países para onde foram e neles assumirem um lugar de "não estar de acordo. Não estar de acordo nunca com nada, com ninguém. [...] Cansar-se disso, emparedar-se no seu desacordo desbotado, neutro, pois você não tem o direito de dizê-lo. Não mais saber exatamente o que se pensa [...] (Kristeva, 1994, p.24).

A perda da raiz e a conseqüente perda da identidade parecem indicar um forte limite para o processo de globalização das culturas, segundo o qual o diferente é muito mais alguém a ser dissolvido do que a ter sua cultura compreendida e partilhada. O cosmopolitismo do outro, do inferior, não é mais do que sua própria inferiorização: marca de que sua cultura o faz habitar num lugar inexpugnável - o lugar do estrangeiro. Segundo Kristeva (1994, p.100):

"Se voltarmos no tempo e nas estruturas sociais, o estrangeiro é o outro da família, do clã, da tribo. Inicialmente, ele se confunde com o inimigo. Exterior à minha religião também, ele pode ser o infiel, herético. Não tendo prestado fidelidade ao meu senhor, ele é nativo de uma outra terra, estranho ao reino e ao império."

A mesma estranheza com relação ao estrangeiro pode ser verificada também no exemplo de Burshatin (1999, p.117):

"The image of Moor in spanish literature reveals a paradox [...] between two extremes: on the "villifying" side, Moors are hateful dogs, miserly, treacherous, lazy and overreaching. On the "idealizing" side, the men are noble, loyal, heroic, courtly [...]."1

Em princípio, os mouros já estão, no discurso, opostos aos homens, excluídos, pois, da própria humanidade. Os adjetivos demonstram a inferioridade de uns e a superioridade de outros. Essa é a figura do estrangeiro, cuja identidade se perde nas culturas híbridas e revela que a globalização deve ser melhor entendida se se quer compreender a cultura do Ocidente.

 

Conclusão

A cultura do instável dá importância às situações efêmeras, pois as duradouras tinham, desde sempre, a marca odiosa do que podia ser identificado com o tradicional. O avesso do efêmero é o tradicional, mas o tradicional possui um poder petrificante de ações e pensamentos. Sair das petrificações institucionais de antigas formações sociais haveria que significar, quase que necessariamente, uma ruptura com suas características. E quanto ao sujeito? Poderia permanecer firme e estável? Continuaria o sujeito centrado das antigas instituições sociais?

Evidentemente, a crise da pós-modernidade é a crise do sujeito. Todavia, esse breve excurso explicativo tende a ser por demais simplista: uma tentativa de comparar a sociedade como conseqüência pura e direta da ruptura com os padrões tradicionais. Mais do que isso: o descentramento do sujeito deve ser entendido não como algo que se buscou e se quis, mas como crise. A mais importante talvez seja a crise das identidades. No chamado mundo pós-moderno, não há mais um ponto referencial em torno do qual o sujeito gravita e se constitui firme, mas vários pontos referenciais que não trazem segurança, pelo menos não do ponto de vista anterior, cuja significação era justamente a de uma firmeza estática. Bem mais que o culto ao efêmero, a pós-modernidade deve ser entendida como tempo crítico do homem e de seus referenciais de centro.

 

Referências

BURSHATIN, I. The Moor in the text: metaphor, emblem, and silence. In GATES JR., H.L. (ed.). "Race", writing and difference. Chicago/London: The University of Chicago Press, 1999.        [ Links ]

HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Trad. Tomaz Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro. 7.ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.

KRISTEVA, J. Estrangeiros para nós mesmos. Trad. Maria Carlota Carvalho Gomes. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.        [ Links ]

LE GOFF, J. Por amor às cidades: conversações com Jean Lebrun. Trad. Reginaldo Carmello Corrêa de Morais. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1988.        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Av. Gov. Valadares, 192 &– São Sebastião 36202-328 - Barbacena, MG - (32) 3362-6818
E-mail: helderpereira@barbacena.com.br

Recebido em 19/04/2004

 

 

*Graduado em Filosofia, tem especialização nas áreas de História de Minas e Saúde Mental. Mestrando em Letras na Universidade Federal de
São João del Rei. Docente da UNIPAC/Barbacena.

1"A imagem do mouro na literatura espanhola revela um paradoxo [...] entre dois extremos: no lado 'infame', os mouros são cães detestáveis, miseráveis, traiçoeiros, indolentes e embusteiros. No lado idealizado, os homens são nobres, leais, heróicos e corteses [...]."

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