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Mental

versão impressa ISSN 1679-4427versão On-line ISSN 1984-980X

Mental v.2 n.3 Barbacena nov. 2004

 

RESENHAS

 

Patrícia Costa Pinto de Morais I,*
Sara Aparecida RibeiroII

 

 

REY, F.G. O social na psicologia e a psicologia social: a emergência do sujeito. Petrópolis: Vozes, 2004.
ISBN 85.326.3018-9

 

 

O livro O social na psicologia e a psicologia social: a emergência do sujeito discute as contribuições dadas pela psicologia científica, desde seus primórdios, à história da psicologia social. O autor propõe a junção de algumas abordagens e o refinamento de determinados conceitos. Promove-se um debate com diferentes linhas de pensamento, no qual se percebe a necessidade de um novo olhar para tendências semelhantes.

Fortemente envolvido com questões sociais, Fernando González Rey - professor titular da pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, PhD em Psicologia pelo Instituto de Psicologia Acadêmica de Moscou - é o autor premiado, nacional e internacionalmente, deste e de vários livros nessa área. Deixando claro seu compromisso com o desenvolvimento de uma nova abordagem histórico-dialética, seus conhecimentos oferecem, para estudantes e profissionais, uma visão crítica sobre o social e o sujeito. O livro divide-se em três capítulos, que focam as influências no social de cada uma das principais abordagens (comportamentalista, psicanalítica, humanista e sócio-histórica) no percurso da psicologia social. O terceiro capítulo promove o resgate do sujeito.

No primeiro capítulo, são examinadas as influências do social na abordagem comportamentalista, com destaque para a posição de Wundt, o qual - diferentemente de seus seguidores - se ocupou também da especificidade do social, da cultura e do comportamento do sujeito. A psicologia comportamentalista enfatiza os estímulos sociais apenas como produtores de conhecimento, não levando em conta a subjetividade individual: o contexto, nessa abordagem, é somente uma variável interveniente. Surge, então, a psicologia social norte-americana, voltada para o individualismo, incapaz de descrever idéias sobre o sujeito e o espaço social em que suas atitudes são produzidas.

Segundo Rey, Freud, de forma diferente do comportamentalismo, apresenta as complexidades da vida psíquica, marcadas, porém, por um caráter universal e invariável. Sua teoria não consegue diferenciar a natureza e sua independência da flexibilidade humana, restringindo-se apenas à sexualidade. No entanto, na última parte de sua obra, Freud acrescenta importantes estudos na área social, os quais, na opinião de Rey, mais psicologizam do que compreendem o social. Mesmo com a representação pulsional do homem, a psicanálise deu lugar a variadas interpretações sobre a subjetividade de caráter histórico-cultural, evoluindo para a submersão na cultura por intermédio de Jung.

Já Rogers, ao observar o desenvolvimento do homem em circunstâncias sociais e históricas, aponta para a dominação do sujeito por forças sociais que transcendem a onipotência da consciência, ao lado da qual se coloca em dimensões de subjetivação do social. O autor considera estar o humanismo imerso no pensamento de que o sujeito organiza conscientemente sua própria psique, sem sofrer as influências observadas por ele.

A seguir, discute-se a teoria sócio-histórica sob a influência de Vygostsky, tendo em vista a ruptura com a psicologia soviética e outras tendências do pensamento psicológico. Representando a psique como um sistema complexo cujas formas de organização não excluem o caráter processual e dinâmico do sistema social como um todo, tem-se que o psiquismo e o social formam um sistema dialético, histórico e cultural. O ponto culminante da colaboração vygostskyana é o conceito de "categoria de sentido", no qual este é tomado como formação dinâmica de todos os significados formados pelo contexto da fala, que muda de acordo com as situações nas quais a fala se insere. O sentido é formado histórica e culturalmente no psiquismo do sujeito, e se integra no contexto atual às suas experiências.

Em Leontiev, porém, que parte da psicologia soviética, não há ruptura, e sim colaboração. Sua teoria da atividade é guiada e desenvolvida pela relação imediata dos indivíduos com o objeto, o qual então se transforma num permanente referencial externo da atividade. No entanto, o conceito de atividade, por se voltar exclusivamente para os estudos dos processos cognitivos, não possuía base empírica, o que levou a teoria da atividade de Leontiev a uma "de-subjetivação" dessa atividade. Serviu ainda para outorgar o papel totalmente secundário do sujeito no processo da atividade, o que, paradoxalmente, fez com que a atividade passasse a ser um sistema em si, que acabou por substituir a condição social da psique, vista como interiorização de operações externas.

Nasce, no cenário europeu, por intermédio de Axel, Dreier e Holzkam, o conceito de ação. Suas perspectivas consideraram a história como parte de uma constelação de ações associadas num contexto no qual o sujeito ativo participa de um conjunto simultâneo de práticas sociais, ou seja, "a prática social é translocal." O conceito de ação, contudo, não leva em conta a história do sujeito. A tensão entre os sentidos subjetivos que o sujeito produz e o contexto de suas ações atuais, associados às formas históricas de sua organização subjetiva, são partes da configuração de toda ação humana.

No segundo capítulo, Rey estabelece um paralelo entre a visão social nas abordagens psicológicas e o caminho seguido pela psicologia social no transcorrer de sua história. Das influências aduzidas por ele, destaca-se a dicotomia entre o social e o individual, presente até hoje em sua configuração.

Outras contribuições são analisadas no percurso seguido pelo autor: a obra de Mead, a teoria das representações sociais, o construcionismo social e todas as implicações desses pontos na formação do sujeito.

É exposto o caráter simbólico do trabalho de Mead. Porém, quando Rey aponta que o processo simbólico na teoria meadiana é socialmente produzido nos espaços de relações, independente da subjetividade individual, aprofunda-se a dicotomia entre social e individual. Outro ponto criticado pelo autor é a linearidade e o imediatismo dos processos simbólicos, tomados em separado dos processos emocionais que os caracterizam. Rey questiona também a posição do fator histórico e do ego, que para Mead fazem parte apenas das relações distantes do sujeito, o que desconsidera elementos da psique, pertencentes à natureza humana (instintos e atitudes) e, dessa forma, produtora da ruptura entre ela e os processos simbólicos.

Quanto à teoria das representações sociais, Rey enfatiza os trabalhos contraditórios de Moscovic e Jodelet. Moscovic destaca a função das representações associadas aos conteúdos simbólicos explícitos constituintes dos processos de construção social, sendo esta a base da comunicação dos sujeitos que compartilham determinados espaços sociais. Jodelet, no entanto, visualiza as representações como produções de sentido que integram elementos psicológicos muito diversos do espaço simbólico. A conclusão de Rey: as representações se produzem nas delimitações simbólicas que definem os espaços no qual se comunicam, se relacionam e se organizam as práticas sociais.

No construcionismo, a representação da realidade, das pessoas e dos fenômenos psíquicos são produzidos pelo discurso. Mas, independentes de outros elementos, tanto as pessoas quanto os espaços onde se realizam as produções do discurso estão inseridas somente no espaço da conversação. Fora desse espaço, tudo é produzido em conjunto, perdendo o sujeito a capacidade criativa e generativa. Os sujeitos são considerados momentos discursivos. Essa abordagem, em que o social se apresenta como dimensão exterior ao sujeito, é um continuísmo do pensamento de Mead.

No último capítulo, o autor sintetiza os assuntos abordados nos capítulos anteriores para explicar como o sujeito emerge em forma de unidade dialética no contexto histórico-cultural. Na complexidade da vivência, os processos simbólicos são produzidos nos cenários de sentido em que atuam, definidores do rumo de suas ações, as quais, desde o momento de sua decisão e durante todo o processo de sua consecução, se transformam numa nova rota de produção de sentido. O sentido subjetivo dessas ações se expressa, entre outros, na congruência e na continuidade que o sujeito percebe nelas, entre elas e em sua condição pessoal. Esse sentido subjetivo das ações humanas define a identidade. Nesse processo, geram-se rupturas mas, se as mesmas não conseguem romper a identidade, o sujeito as experimentará como parte daquilo que conseguirá obter, como outro momento de sua vida, sem no entanto perder a congruência com momentos anteriores. Haverá familiaridade, não estranheza.

Rey coloca ser preciso deixar de ver o homem e a sociedade como resultados de condições objetivas e de formas racionais de organização. A sociedade, assim como a subjetividade, é um sistema. Sistemas abertos, que podem ser influenciados pelo curso da ação de seus protagonistas, produtores permanentes de processos que se reorganizam e produzem novas qualidades em momentos os mais inesperados. Essa complexidade deve ser compreendida pela psicologia social, pois influencia a maneira de considerar o social: o indivíduo não é mais relegado a segundo plano, nem colocado em posição secundária em relação à "ordem social". A psicologia social deve adotar o sujeito em seu cotidiano, conhecê-lo nas condições sociais em que atua, compreendê-lo no modo como sua produção de sentido se associa aos espaços sociais.

Ao longo de nossa análise, pareceu-nos que o autor, ao criticá-las, não leva em consideração o momento histórico da elaboração das principais teorias responsáveis pelo desenvolvimento da psicologia social. Segundo Rey, a história não se guia pelo correto; é guiada pela produção de novos cursos que representam, em vários momentos, alternativas viáveis e vantajosas. Sendo que essas alternativas não estão prontas para serem adotadas, é preciso que sejam criadas pelos protagonistas. O livro traz essa vantagem: o sujeito representa sempre uma opção de mudança, pois se destaca pela legitimação de seu pensamento, de suas reflexões e das decisões por ele tomadas, não estando separado dos processos sociais por sua subjetividade.

 

 


* Alunas do 4o ano do curso de Psicologia da UNIPAC-Barbacena.

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