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Mental

versão impressa ISSN 1679-4427versão On-line ISSN 1984-980X

Mental v.3 n.5 Barbacena nov. 2005

 

ARTIGOS

 

A crise subjetiva na universidade: perspectivas e desafios contemporâneos

 

The subjective crisis at the university: future probabilities and contemporary challenges

 

 

Andréa Máris Campos Guerra I, II, III, IV*; Jacqueline de Oliveira Moreira II, III,V**; Roberta Carvalho Romagnoli II, III, V***

I UFRJ
II PUC/MG

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Ao partir de uma discussão, contextualizada pela contemporaneidade, sobre a função social da universidade e da articulação da clínica em diferentes espaços sociais, com esse artigo pretende-se relatar e promover algumas reflexões acerca do projeto de extensão "Urgência subjetiva e orientação psicopedagógica", realizado na PUC Minas, Unidade Betim. A experiência se fundamenta na proposta de uma clínica à altura do nosso tempo, comprometida com o favorecimento de processos de subjetivação.

Palavras-chave: Subjetividade, Crise subjetiva, Clínica contemporânea, Função social da universidade.


ABSTRACT

From a discussion that is contextualized in contemporary conditions, referring to the university social function, and the articulation of the clinic in different social spaces, this article aims to report and promote some reflections on the experience with the project "Urgência Subjetiva e Orientação Psicopedagógica" (Subjective Urge and Psychopedagogical Advice), which took place in the PUC Minas, at the Betim branch. This experience was based on the proposal of a clinic that corresponds to the contemporary expectations, and is also committed to encourage the subjectivation processes.

Keywords: Subjectivity, Subjective crisis, Contemporary clinic, University social function.


 

 

Universidade: características gerais e crises

Karl Jaspers, citado por Santos (2001), revela, em 1923, que a universidade é o lugar onde, por concessão do Estado e da sociedade, determinada época pode cultivar uma lúcida consciência de si própria. Podemos atribuir essa posição de Jaspers a sua perspectiva fenomenológica, que acredita na possibilidade do desvelamento do fenômeno através da capacidade reflexiva. A proposta fenomenológica propõe o desvelamento do fenômeno pela consciência intencional. A fenomenologia apresenta-se como importante método de compreensão da realidade.

Entretanto, a leitura da psicanálise freudiana aponta para os atravessamentos narcísicos e inconscientes que podem confundir a intencionalidade da consciência e, assim, distorcer alguns aspectos da realidade que se pretende compreender. Acreditamos que não podemos garantir e esperar tanta lucidez reflexiva de sujeitos que estão implicados nos processos que propõem desvelar. Mas, ainda que com limites, faz-se urgente pensar nossa própria época e nossas implicações cotidianas. Nesse sentido, percebemos que maiores exigências à universidade vêm sendo feitas por parte da sociedade.

Jaspers, na reconstrução de SANTOS (2001), aponta três grandes objetivos da universidade, a saber: a investigação, a produção de cultura e a transmissão de conhecimento. Entretanto, a universidade recebeu outras funções no final do século XX. O sociólogo observa que, em 1987, a universidade recebia dez funções:

Educação geral pós-secundária; investigação; fornecimento de mão-de-obra qualificada; educação e treinamento altamente especializados; fortalecimento da competitividade da economia; mecanismo de seleção para empregos de alto nível através da credencialização; mobilidade social para os filhos e filhas das famílias operárias; prestação de serviços à região e à comunidade local; paradigmas de aplicação de políticas nacionais (ex.: igualdade de oportunidades para mulheres e minorias raciais); preparação para os papéis de liderança social (SANTOS, 2001, p. 189).

É interessante perceber que foi atribuída à universidade a tarefa de cumprir o ideário iluminista e liberal de igualdade. Mas é importante ressaltar que o pressuposto da igualdade é a diferença; só se pode desejar ser igual a alguém porque se é diferente. As sociedades clássicas eram regidas por um ideário holista e hierárquico; a questão do individualismo e da igualdade sugiu na modernidade, mas como idéia e, por isso, não necessariamente apresentava estratégias de efetivação.

Autores como Spencer (1820-1903) buscaram justificar teoricamente a impossibilidade da igualdade. Spencer, citado por Schultz e Schultz, (1992) vinculou a perspectiva do evolucionismo darwinista com as idéias liberais de Locke, afirmando que o caráter humano e as instituições sociais operam de acordo com o princípio da sobrevivência dos mais capazes. Assim, coloca-se no sujeito a responsabilidade pela não ascensão social. Entendeu-se que, para a mobilidade social, é preciso primeiramente um movimento do sujeito; depois será preciso oferecer-lhe subsídios.

Nesse ponto entra em cena a universidade, que sofre pressão social no sentido da expansão e, mais, de acolher em moratória psicossocial os filhos da classe média alta. O mercado atual não consegue absorver o grande contigente de jovens. Assim, a Universidade exerce a função de baby sitter desses jovens, enquanto as famílias pobres acreditam no sonho da ascensão social via diploma universitário. Somam-se a esse quadro outros complicadores, como a mudança e o aumento de sintomas psico-afetivo-sociais.

A Universidade enfrenta, por exemplo, os problemas da toxicomania e da depressão entre os seus estudantes. Em uma sociedade narcísica e performática, o sujeito vale pelo que aparenta ter. Os signos do sucesso na sociedade capitalista narcisista centram-se na aquisição de poder, prestígio e bens materiais. Segundo Lasch, a democratização da educação ocorreu por dois motivos: "[...] dar ao Estado moderno cidadãos esclarecidos e treinar eficiente força de trabalho" (LASCH, 1983, p. 166).

Entretanto, esse ideal, nascido na Revolução Francesa, não pode ser realizado plenamente. É interessante notar que, mesmo na França, a revolução não sensibilizou a população rural para a busca do conhecimento universitário (LASCH, 1983). Podemos levantar como hipótese compreensiva desse fato a estruturação psíquica do povo francês. Acreditamos que a longa tradição cultural desse povo lhe garante dignidade social, independentemente da filiação universitária. O mesmo não acontece nos países do Terceiro Mundo. Todavia, a demanda pela democratização da educação atinge todos os países. Lasch afirma que:

Ao solicitar o apoio público, os reformistas do século dezenove apelaram para a crença de que a escola, sob liderança profissional adequada, facilitaria a mobilidade social e a gradativa erradicação da pobreza [...] (LASCH, 1983, p. 169).

Mas a questão da pobreza assola o Terceiro Mundo e, conseqüentemente, a exigência de democratização da educação é mais forte nos países que dele fazem parte. É preciso ser cauteloso no processo de democratização. Lasch denuncia que esse processo, no seio da sociedade americana, acabou por produzir uma atrofia das competências universitárias. Em um diagnóstico da situação americana, o autor revela:

A educação de massa, que começou como uma promissora tentativa de democratizar a cultura superior das classes privilegiadas, terminou por estupidificar os próprios privilegiados. A sociedade moderna chegou a taxas sem precedentes de alfabetização formal, mas, ao mesmo tempo, produziu novas formas de analfabetismo. (LASCH, 1983, p. 164).

Guardadas as devidas diferenças, parece-nos possível transpor a reflexão sobre o efeito na educação americana para o nosso país. As novas formas de analfabetismo aparecem, sobretudo, na dificuldade de leitura e compreensão de textos e, também, na dificuldade dos alunos com as disciplinas de cálculo, que exigem grande potencial de abstração. Assim, a tarefa atribuída à universidade de possibilitar a mobilidade social encontra obstáculos estruturais e. contingências. Um dos obstáculos estruturais refere-se ao fato de que uma das principais tarefas da universidade é a produção de conhecimento e a mobilidade social depende de projetos políticos e econômicos.

É importante salientar que não discordamos de que a universidade possa ser espaço de mobilidade social, mas é preciso subsidiar seus alunos nos diferentes processos que possibilitam novas configurações subjetivas. Parece-nos urgente possibilitar aos alunos o encontro com ações que inscrevam diferentes modos de subjetivação, ou seja, que reinventem diariamente maneiras diferentes de serem sujeitos. O sujeito pode encontrar na universidade novas maneiras de se subjetivar, de se posicionar frente à sociedade e, sobretudo, frente a sua própria história, seja ela de pobreza ou não.

Dentre a série de obstáculos que a universidade enfrenta, queremos ressaltar aqueles que se referem às questões subjetivas: nossos alunos são filhos de uma cultura televisiva, imediatista, narcísica e performática, ou seja, para eles o que importa é a imagem. Os alunos apresentam o sintoma social do não compromisso; para aqueles que buscam a ascensão social temos, ainda, a cobrança familiar do sucesso e; por fim, uma peculiaridade do Terceiro Mundo: os jovens de classe baixa apresentam a auto-estima comprometida. Esse quadro explode na universidade com a imagem do fracasso, que pesa, sobretudo, sobre o jovem de classe baixa. Sua família e o próprio jovem apostam na fantasia imaginária da salvação via diploma universitário. Essa fantasia, inclusive, alimenta o surgimento de escolas particulares, sem nenhuma tradição, que vendem educação como mercadoria.

A população americana e a européia não parecem sofrer essa pressão de cursar uma universidade como forma de ascensão social. O jovem europeu pode encontrar uma forma subjetiva de se inscrever, a partir da sua longa história e de sua tradição cultural que fornecem uma fonte narcísica de reconhecimento. O jovem americano, por sua vez, pode encontrar um gozo narcísico de se considerar cidadão da maior potência econômica do mundo contemporâneo e, assim, justifica sua inscrição subjetiva num registro diferente do universitário. Nossos jovens vivenciam a extrema desigualdade social e um quadro de pobreza. Assim, a universidade aparece no cenário subjetivo, familiar e social como o espaço mágico que possibilitará a reversão deste quadro. Entendemos, diante disso, que mais uma exigência é feita à universidade: acolher e escutar os sofrimentos, angústias e expectativas do nosso jovem universitário (SANTOS, 2001).

 

O sofrimento psíquico e a clínica do social na contemporaneidade

A crise do paradigma moderno e seus ideais iluministas aparecem desdobrados em dois momentos, gerando efeitos sobre os objetivos da universidade, como visto, mas também sobre as formas de subjetivação. A primeira crise, em torno de 1900, ocorre quando a idéia de progresso é estremecida pela guerra; o humanismo perde sua força com o descentramento do homem, desintegrado no existencialismo; a ciência é questionada em seu absolutismo com a Teoria da Relatividade. Como conseqüência, veremos surgir a derrota dos grandes ideais, o aparecimento das massas e das paixões coletivas, com a criação dos sistemas totalitários e a reabilitação das forças do inconsciente. Entretanto, a modernidade é questionada somente em alguns de seus aspectos e o ideal de unificação permanece como sua característica básica.

A passagem para a segunda crise, por volta de 1960, foi fomentada pela exaltação da subjetividade, pela difusão industrial dos meios culturais, pelo surgimento da cultura de massa e pela intervenção avassaladora da mídia. E acabou por redundar numa ruptura radical ou numa indiferença absoluta em relação aos ideais modernos. Vale lembrar que, no lugar do antigo referencial narrativo unificador, surge o indivíduo como a própria referência. Não há mais estancamento das forças irracionais pela razão, não há mais crença em utopia social de transformação da sociedade através de ideal comum; coloca-se o individual sobre o coletivo e o privado sobre o público (ROUANET, 1986).

Com isso, apesar de manter algumas qualidades comuns com a modernidade, a contemporaneidade se caracterizaria por adotar uma postura crítica em relação àquela, à sua razão iluminista e à sua racionalidade instrumental. Os elementos de seu paradigma seriam os seguintes: em relação às grandes narrativas emancipadoras, diante desses relatos que conferem uniformidade, coerência e explicação à contradição histórica e cultural, que oferecem laços de consistência, a pós-modernidade desconsiderá-las-ia enquanto visões objetivas da realidade:

[...] são puras narrações. Atrás delas há um uniformismo impositivo e totalitário de objetividade universal ou de universalidade objetiva, pretensa fonte de salvação para indivíduos e grupos [...] O pós-moderno desqualifica esta visão de coisas e esvazia o moderno de seus alcances de sonho universal (AZEVEDO, 1993, p. 30).

Além disso, todos os ideais da modernidade, como a crença na liberdade, na criação, na razão e a garantia de universalidade aparecem mortos. Faltaria sentido à vida. Desejar-se-ia escapar dela, ao mesmo tempo em que não se acreditaria em sua transformação: é a era do conformismo. O traço mais característico da contemporaneidade seria a ampla suspeita sobre os ideais da modernidade. No lugar do mito do progresso, da salvação e da construção, da verdade, da razão e sua objetividade ilusória, da universalidade e das grandes narrativas, o contemporâneo colocaria a indeterminação e a descontinuidade, o pluralismo e o efêmero, sem intenção alguma de unificação. Desconfiar-se-ia de toda explicação unívoca, de todo sentido que não é múltiplo. Tal característica, desencadeada na modernidade, seria acentuada na fragmentação contemporânea. A tecnologia e a mídia, produtos da modernidade, conduziriam à necessidade de sua própria superação na contemporaneidade (HARVEY, 2002).

Com isso, colhemos os efeitos de uma organização subjetiva, marcada pela ausência de referenciais sócio-simbólicos, que se desdobra em experiências cuja marca primordial é a exacerbação do autocentramento, da exaltação da individualidade na cultura do narcisismo e da exterioridade na sociedade do espetáculo (BIRMAN, 2000), em contraposição às noções de interioridade e reflexão sobre si mesmo, características da modernidade. Parece-nos que a fragmentação da subjetividade apresenta-se aí como matéria-prima que modula as novas formas de subjetivação.

Calcadas na segregação da diferença e na radicalização da individualidade narcísica como forma de estabelecimento de laços sociais, as novas "tribos", com códigos e normas peculiares, interrogam o liame social, antes estruturado em torno de ideais comuns. Antes, sabíamos o que era a lei: era a realidade do justo. Sabíamos o que era o direito: a busca do bem comum, do bem da convivência, uma convivência ordenada e munida de certeza e segurança. Estamos distantes desse tempo e temos dificuldades para legislar os efeitos das mudanças do nosso mundo.

Como, nesse contexto, pensar a intervenção clínica no campo social? Sobre os efeitos recolhidos dessa nova ordem social, o que pode fazer a clínica diante do sofrimento subjetivo contemporâneo?

Ora, ao pensarmos a Psicologia numa perspectiva orientada pela psicanálise aplicada na clínica do social e apoiada na discussão acima empreendida, a pergunta que nos move diz respeito a como tocar os sujeitos nas intervenções no nível de sua inscrição sintomática sem, ao mesmo tempo, perder de vista sua inscrição sócio-política junto ao corpo social.

Antes, porém, de iniciar essa discussão, é necessário precisar o que entende-se por clínica do social. Garcia diz que a mesma "deve aliar a atividade, o interesse e a atenção da clínica à subjetividade de cada um, articulando esses procedimentos com um programa de ação política como prática no dia-a-dia do cidadão" (GARCIA, 1997, p.7), vinculando ao campo clínico as dimensões do sujeito, do cidadão e da comunidade a partir da idéia de laço social. Compreende-se daí que é preciso retirar o sujeito da posição de "vítima" do sistema, do mundo e de suas perversões e implicá-lo na produção de seu sofrimento e na manutenção das relações de poder. A ética da clínica do social produz seus efeitos sobre o sujeito, em sua particularidade, mas também sobre o social, em sua forma de organização.

Para o autor, o sujeito não é um cidadão que representa posturas ou emergências de sentido diferenciadas. Enquanto o cidadão é qualquer um, universalizado em seus direitos e deveres, o sujeito é singularidade que se afirma por ocasião de um acontecimento a que ele passa a dever fidelidade. O cidadão se faz sujeito no momento exato em que há a (re)apresentação de um acontecimento. Nesse ponto, a soberania do sujeito surge e não se contenta em residir no contrato social ou no aspecto jurídico-formal que universaliza o cidadão. Por sua vez, o sujeito se faz cidadão quando o espaço cívico desdobra e expande suas particularidades subjetivas. Há, pois, uma tensão entre sujeito e cidadão, promovendo um novo laço social de caráter político, marcado pela soberania do sujeito.

Fazer uma passagem do singular, do único, do disjunto, que é cada um, para o coletivo, para o "é para todos", não implica uma passagem para o universal. E nessa passagem se localiza nossa tarefa, como operadores da clínica, de inventar uma prática que alie a dimensão política à clínica, conscientes de que é no nível local que essa passagem poderá ser concebida. A sustentação ética desse trabalho calca-se no respeito à singularidade do sujeito em atendimento, irredutível a qualquer universalização ou padronização (GUERRA, 2002). No relato de nossa experiência com o Projeto Urgência Subjetiva, no próximo item, esperamos esclarecer como operamos essa proposta.

Se essa clínica pretende, pois, articular a dimensão pública à singularidade de cada um por ela tocado, é preciso pensar de que forma o sujeito pode ser por ela convocado. Por outro lado, sabemos que esse sujeito é herdeiro da desilusão e da dispersão contemporâneas, bem como é atravessado pela lógica econômica. Essa lógica, marcada pela globalização e pelo capitalismo exacerbado em suas formas de alienação e de exclusão, sustenta-se na mais-valia exatamente por comportar, em seu interior, uma necessária parcela de mão-de-obra excedente - necessária, pois reguladora do valor da mão-de-obra. Nesse sentido, coloca-se para a universidade mais um problema: como sustentar o ideal de inclusão e ascensão num modelo econômico estruturalmente excludente?

Além disso, no Brasil, país que tem a décima economia mundial em relação ao PIB e à produção de riquezas, defrontamo-nos com o triste quadro de esse mesmo PIB per capita dos 20% mais ricos (US$ 18.563) ser 32 vezes maior do que o dos 20% mais pobres (US$578). Os 20% mais pobres ficam com apenas 2,5% da renda, enquanto que os 20% mais ricos detêm 63,4% dela. Sabemos também que 15,8% da população brasileira não têm acesso a condições mínimas de moradia, higiene e alimentação (GUERRA, 2002).

Se entendermos, com o devido rigor, a aplicação da psicanálise (ou da Psicologia) em extensão na clínica do social, sobretudo no contexto universitário, não podemos nos esquecer desses dados ao pensarmos em nossas intervenções. É urgente criar projetos com ações afirmativas que visem à redução desse quadro de miséria econômica. Mesmo que se aliem ações compensatórias com ações emancipatórias, é necessário pensar na dimensão macro-social a partir do campo das políticas públicas. É necessário intervir no campo do debate democrático, construir, administrar e avaliar projetos, como o que aqui foi apresentado, que possam ser utilizados para reverter esse quadro de deterioração social e subjetiva.

Mas será suficiente empreendermos nossos esforços a fim de tentar minimizar esse quadro de miséria econômica e política? Será que, com políticas públicas de combate à fome e ao analfabetismo ou de inclusão da população negra nas universidades, por exemplo, tocamos o sujeito em sua singularidade? De que adianta dar acesso à universidade a um negro se ao estar lá, ele se inscreve subjetivamente com a mesma menos-valia com que se vê, comparado com traficantes e criminosos do aglomerado onde mora? Se, ao entrar na sala de aula, pode se ver diminuído diante da turma, posicionado como incapaz de produzir intelectualmente? Ou, ao contrário, se, identificado com o discurso da reivindicação negra que articula o movimento social dessa população, não se desvincula dele, ocupando, durante todo o curso, a mesma posição demandante de compensação pela dívida social que seu passado como negro lhe outorga? Enfim, como aliar ao campo macro-político as ações que visem a possíveis retificações e implicações do sujeito em relação às suas formas de composição sintomática e de relação com o desejo?

Em vista disso, entende-se que é necessário não perder de vista a dimensão clínica em intervenções que também contemplem questões sociais. Consideramos essencial que, paralelamente ao trabalho para todos, articulado pelas políticas públicas, as estratégias de escuta do sujeito, em sua singularidade, sejam incluídas em qualquer programa de intervenção orientado pelos princípios da clínica do social.

Nesse sentido, fazer falar o que pulsa nos discentes de ensino superior - que insistentemente se referem a esse mal-estar contemporâneo e ao descompasso social por meio das queixas que trazem em nossos atendimentos - faz toda a diferença numa intervenção voltada para eles. Permitir que sua história seja ressignificada no ponto em que o distancia de sua experiência universitária e construir um saber possível acerca desse mal-estar tornam-se aspectos essenciais nesse projeto. Se o gozo do sintoma diz respeito ao ponto em que o saber se depara com seu limite, em que um real se revela ao sujeito e insiste em não calar, a circulação de uma palavra possível, de um novo contorno simbólico a esse real, pode produzir um assentimento em relação ao mesmo, deslocando o sujeito de posição no discurso.

Assim, articular o para todos com o cada um não implica reduzir uma dimensão à outra, e perder de vista suas referências específicas, mas aliar as duas dimensões em estratégias com estruturas e alcances diferentes. De um lado, a dimensão do para todos que alcança um grande universo num modelo estandartizado; de outro, o trabalho com o cada um que, se não opera com todos, pode, pelo menos, funcionar como convite àqueles que a ele respondam diante de um trabalho mais fecundo. Aqui, o tratamento da posição sintomática pode convocar o sujeito a uma parceria diferente com seu sintoma, desdobrando-se em efeitos sobre sua posição no campo social.

 

Programa Urgência Subjetiva e Orientação Psicopedagógica

Betim mantém uma unidade da PUC Minas que possui 5.126 alunos matriculados nos cursos de Administração, Ciências Biológicas, Direito, Enfermagem, Fisioterapia, Letras, Matemática, Medicina Veterinária, Sistema da Informação/Computação e Psicologia. A universidade possui, ainda, 350 professores e mais de 100 funcionários. Os cursos funcionam nos turnos da manhã, tarde e noite.

Localizada na região metropolitana de Belo Horizonte, a cidade de Betim caracteriza-se por ser pólo industrial que atrai imigrantes do interior e de outros estados em busca de trabalho e ascensão social. Nesse panorama, a universidade também opera como um dispositivo para se alcançar tais resultados.

Atentos não só à problemática da universidade na realidade brasileira e à especificidade de Betim, mas também à necessidade de expansão do trabalho clínico para além dos consultórios privados, nasce o Programa Urgência Subjetiva e Orientação Psicopedagógica, em resposta a situações experienciadas na PUC Minas, unidade Betim. Essas situações envolveram alunos em episódios de surtos psicóticos e crises de angústia graves, colocando em evidência, no posto médico da unidade, o sofrimento psíquico agudo e deixando os profissionais envolvidos sem saber como agir. Esses episódios exigiram, ainda, atuações imediatas do curso de Psicologia, solicitadas pela pró-reitoria do campus de Betim.

Esses casos exigiam uma especificidade de atendimento, ainda não construída pela Universidade, e denunciaram a ausência de dispositivos para seu enfrentamento e encaminhamento. Além da participação imediata, o curso de Psicologia também elaborou uma proposta de trabalho para essas urgências, que denominaremos, de agora em diante, de "urgências subjetivas". Essa proposta foi aceita e ganhou existência institucional no programa de intervenção descrito neste texto.

Ao conviver em uma Universidade que, acredita, irá lhe dar acesso a um novo universo social e aquisitivo, o universitário, afetado pelas inúmeras desestabilizações do mundo contemporâneo, pressionado pelo custo financeiro e subjetivo de seus estudos, irrompe em colapsos. Em nosso cotidiano de trabalho, pudemos constatar que essas urgências subjetivas emergem associadas a circunstâncias educacionais, deflagradas por agravantes da realidade universitária, seja na sala de aula, na relação do aluno com o professor e/ou com os colegas, seja em sua própria relação com o estudo e com a articulação deste com uma atividade profissional que muitas vezes lhe permite custear a Universidade. Tais circunstâncias, não raro, conduzem os alunos a situações de crise. Assim, o programa une a urgência subjetiva com a orientação psicopedagógica, com o objetivo de dar respaldo a essas situações.

O programa possui como metas: realizar orientação psicopedagógica aos alunos do campus Betim; oferecer atendimento focal e breve para casos de "urgência subjetiva" aos alunos e funcionários da unidade Betim; realizar e/ou avaliar triagem para discernir casos que exijam um atendimento focal temporário dos casos que podem aguardar atendimento psicológico no Núcleo de Referência em Psicologia - NUPSI; oferecer apoio para pronto-atendimento aos casos de urgência psiquiátrica apresentados por alunos e funcionários da PUC Minas - Unidade Betim, associado ao CERSAM, ao NUPSI e ao Posto Médico do campus e encaminhando-os para outros profissionais e outros serviços, quando necessário.

Para alcançar tais objetivos, o programa possui os seguintes eixos, com atividades distintas e, ao mesmo tempo, inter-relacionadas: prevenção, acolhimento/encaminhamento e orientação psicopedagógica. O eixo prevenção visa promover saúde em atividades como construção de oficinas e palestras abertas a todos os cursos, trabalhando temáticas demandadas pelas urgências e pelo Posto Médico. Possui ainda grupos de reorientação vocacional, uma vez que foi constatado um grande número de alunos frustrados e insatisfeitos com o curso universitário escolhido.

O eixo acolhimento/encaminhamento acolhe alunos e funcionários através de escuta psicológica. Esse atendimento clínico ao aluno e ao funcionário visa encaminhá-los, após três sessões, se necessário, a outros profissionais. Quando o sujeito se encontra impossibilitado de realizar a entrevista, por encontrar-se em sofrimento psíquico grave, é imediatamente encaminhado para o CERSAM ou para um psiquiatra particular, de acordo com o caso. Esse eixo apóia ainda a equipe do Posto Médico na construção das estratégias de encaminhamento da questão, oferecendo, também, apoio psicológico à família. O eixo de orientação psicopedagógica é realizado em junção com o estágio curricular obrigatório de Psicopedagogia, e presta serviço, nessa modalidade, aos alunos interessados.

O programa conta com duas tutoras psicólogas, que, supervisionadas semanalmente pela coordenadora, realizam as atividades propostas. A atividade de orientação psicopedagógica é efetuada por alunas do nono período e pela professora Rosa Maria Corrêa, que supervisiona o estágio. São realizadas ainda reuniões de acompanhamento, mensalmente, com as pessoas envolvidas diretamente no programa - funcionários do Posto Médico, a assistente social do campus e a coordenadora -, para avaliação do trabalho realizado, bem como para a elaboração de estratégias para solucionar os problemas que surgem no dia-a-dia do estágio. Essa comissão é composta pelos funcionários do Posto Médico, pela assistente social e pela coordenação do projeto da PUC Minas.

O programa possui dinâmicas de funcionamento diferenciadas de acordo com o eixo. No eixo prevenção, todo início de semestre são feitos levantamentos para as palestras a serem oferecidas no campus, bem como a divulgação das inscrições para a montagem dos grupos de reorientação. No eixo acolhimento/encaminhamento, o funcionário do Posto Médico requisita apoio psicológico às tutoras para casos de urgência psiquiátrica e/ou subjetiva. As tutoras atendem a alunos ou funcionários em sua sala, ao lado do Posto Médico, dentro de seu horário de disponibilidade, ou agendam entrevista o mais breve possível. Caso as tutoras não estejam em seu horário, o funcionário do Posto Médico pode contactá-las em casa, ou no celular, uma vez que a crise pode ocorrer a qualquer momento. No eixo orientação psicopedagógica, monta-se, no início do semestre, os grupos a serem atendidos, e o trabalho se realiza durante o período letivo.

Utilizamos na sustentação teórica desse programa a perspectiva da Terapia Breve. Em contraposição à psicanálise tradicional, que pretende tornar consciente o inconsciente por meio de um trabalho analítico denso e sistemático, a Terapia Breve, segundo Fiorini (1978), possui objetivos limitados e trabalha com as necessidades, em certa medida, imediatas do sujeito. Esses objetivos são calcados na superação dos sintomas e conflitos atuais, oriundos do embate do cliente com a realidade, visando a que esse possa enfrentar determinados problemas e recuperar sua capacidade de se posicionar perante a vida.

Baseando-se na obra freudiana como marco teórico, mas diferenciando-se nos procedimentos técnicos - papel ativo do terapeuta -, no foco e no tempo limitado, essa modalidade terapêutica apresenta-se como uma alternativa face às demandas subjetivas existentes nas instituições das quais o psicólogo faz parte. Aliás, seu surgimento fundamentou-se na busca de dispositivos para as necessidades impostas pela realidade sócio-político-econômica, tais como: o aumento do número de atendimentos, as dificuldades econômicas dos clientes, a falta de tempo, a dificuldade de verbalização das classes menos favorecidas, a presença de situações de crise e catástrofes (guerras, tragédias etc.), a expectativa de resultados por parte dos clientes e a necessidade de prevenção.

Ao realizar a distinção entre as diversas formas de aplicação dessa modalidade, Braier (1997) salienta a psicoterapia de emergência, que atua sobre situações especiais de crise. Em tais situações prevalece a necessidade de se estancar a crise, obtendo-se um alívio sintomático, de modo que na maioria dos casos deve-se postergar a busca de insight no paciente, até um segundo momento terapêutico, já que de imediato suas condições egóicas não costumam permiti-lo. (BRAIER, 1997, p. 5)

Essa vertente de atendimento insiste em uma relação terapêutica em que o terapeuta apresenta-se mais flexível e ativo, centralizando-se em um foco. É importante ressaltar que, no programa que descrevemos o foco é o amparo da crise imediata e intensa em que o sujeito se encontra, e a busca do alívio da mesma, qualquer que seja seu conteúdo. Com certeza, subjacentes ao conflito atual, gerador da crise subjetiva, existem outros conflitos, mais arcaicos e estruturais. Constatamos nos casos atendidos, que os conflitos atuais versam sobre necessidades pessoais, questões familiares, pressões sociais e problemas financeiros, que reforçam a angústia e o sofrimento psíquico e travam o processo de elaboração e ressignificação.

Para lidar com nosso foco, o atendimento possui duração restrita - três sessões, no máximo -, realizadas pelas tutoras, para não descaracterizar o espaço de urgência subjetiva e estar disponível a novas demandas, sempre com finalidade terapêutica. O serviço possui, ainda, convênio com a urgência psiquiátrica do município, de forma a podermos contar com o pronto-atendimento da rede municipal de assistência à saúde mental, sobretudo porque, na maioria dos casos, os alunos não possuem condições financeiras para arcar com os custos do tratamento.

Em pouco mais de um ano, o programa atendeu a alunos de todos os cursos, de acordo com os seguintes dados:

 

Público atendido pela Orientação Psicopedagógia Urgência Subjetiva

Cursos

Número de atendimentos 2003

Administração

05

Ciências Biológicas

02

Direito

04

Enfermagem

02

Fisioterapia

02

Letras

15

Matemática

02

Medicina Veterinária

03

Psicologia

12

Sistema de Informação

05

Funcionários

03

TOTAL

55

 

 

Público atendido pela Orientação Psicopedagógia Urgência Subjetiva

Cursos

Número de atendimentos 2004

Administração

03

Ciências Biológicas

03

Direito

11

Enfermagem

02

Fisioterapia

01

Letras

03

Matemática

01

Medicina Veterinária

05

Psicologia

12

Sistema de Informação

03

Funcionários

03

TOTAL

47

 

 

Público atendido pela Orientação Psicopedagógia Urgência Subjetiva

Cursos

Número de atendimentos 2005

Administração

02

Ciências Biológicas

07

Direito

05

Enfermagem

0

Fisioterapia

0

Letras

02

Matemática

01

Medicina Veterinária

02

Psicologia

13

Sistema de Informação

03

Funcionários

03

TOTAL

38

 

 

Dados totalizados

Público atendido pela Orientação Psicopedagógia Urgência Subjetiva

Cursos

Número de atendimentos

Administração

10

Ciências Biológicas

12

Direito

20

Enfermagem

04

Fisioterapia

03

Letras

20

Matemática

04

Medicina Veterinária

10

Psicologia

37

Sistema de Informação

11

Funcionários

09

TOTAL

140

Foram efetuadas ainda as seguintes atividades:

 

 

TIPOS DE ATIVIDADES DESENVOLVIDAS NO PROGRAMA

ATIVIDADE

PÚBLICO BENEFICIADO

REALIZADA EM

Grupo de reflexão acerca da escolha profissional

- Alunos do curso de Psicologia e do curso de Sistema de Informação

- Alunos do curso de Letras

1º Semestre de 2003

2º Semestre de 2003

Grupo de Orientação Psicopedagógica

- Alunos do curso de Direito

1º Semestre de 2004

Acolhimento

- Alunos e funcionários

35- 1º Semestre de 2003
32- 2º Semestre de 2003
18- 1º Semestre de 2004
- 2º semestre de 2004

Encaminhamento para psicoterapias

- Alunos dos cursos de Administração
Ciências Biológicas
Direito
Enfermagem
Fisioterapia
Letras
Matemática
Medicina Veterinária
Psicologia
Sistema de Informação

77 1º Semestre de 2003
2º Semestre de 2003
1º Semestre de 2004

Atendimento emergencial alunos em crise com possibilidade de auto-extermínio

- Alunos dos cursos de Sistema de Informação e Enfermagem

02- 2º Semestre de 2003

Demanda advinda do Posto Médico

- Alunos dos cursos de
Administração
Ciências Biológicas
Direito
Enfermagem
Fisioterapia
Letras
Matemática
Medicina Veterinária
Psicologia
Sistema de Informação

70
1º Semestre de 2003
2º Semestre de 2003
1º Semestre de 2004

Intervenção em sala de aula

- 1º Período de Medicina Veterinária

1º Semestre de 2003
A intervenção foi feita em equipe, com a enfermeira do Posto Médico, psicóloga e professora.

Atendimento a familiares de alunos

- Cursos de Enfermagem, Medicina Veterinária, Sistema de Informação

02
2º Semestre de 2003
01
1º Semestre de 2004

Demanda advinda das coordenações de cursos

- Coordenação de Sistema de Informação, Fisioterapia, Matemática, Medicina Veterinária

08
1º Semestre de 2003
2º Semestre de 2003
1º Semestre de 2004

Acompanhamento a outras instituições conveniadas

Cursos de Sistema de Informação e Enfermagem

02
2º Semestre de 2003

Orientação Psicopedagógica Individual

Cursos de Direito, Psicologia e Sistema de Informação

03
Sendo atendidas pela monitoria do projeto Orientação Psicopedagógica: Urgência Subjetiva


Sem dúvida, no que se refere aos dados quantitativos, o programa se solidifica e já faz parte do dia-a-dia da PUC Minas - Betim. Presta-se atendimento a todos os cursos, e as atividades abarcam o campus como um todo. O atendimento não se limita aos alunos, e observamos que o número de funcionários que buscam auxílio também aumentou. Em nosso entender, as demandas da realidade não só foram atendidas, como também se tornaram úteis para a criação de novos dispositivos de intervenção, como aconteceu com o grupo de reflexão acerca da escolha profissional e o grupo de reorientação psicopedagógica com um enfoque psicoterapêutico. Sabemos ainda da necessidade de estudos qualitativos que detectem as diferenças entre as demandas dos cursos, suas singularidades e os efeitos dessas atuações.

Podemos afirmar que não apenas os usuários do programa têm se beneficiado com ele, mas também a instituição. O programa produz efeitos no cotidiano do funcionamento de vários espaços institucionais: o Posto Médico já não fica tão lotado, as coordenações de curso são menos procuradas, os professores percebem melhora no desempenho dos alunos em sala de aula, e os alunos e os funcionários se sentem mais respeitados e acolhidos pela instituição. Com certeza, apesar de seu curto período de existência, o programa tem tido êxito e insistido em uma clínica social além do modelo dominante e preocupada com a promoção da saúde. Dentro dos impasses que a contemporaneidade nos traz, esse trabalho pretende criar alternativas, apostando na inventividade.

 

Conclusão

Acreditamos que o profissional de saúde necessita sempre estar atento aos contextos em que sua prática se insere. A realidade é multideterminada, e, apesar de sermos especialistas formados para atuar em somente um recorte dessa realidade, não podemos nos esquecer demais. Sobre cada cliente incidem determinantes que compõem um processo histórico, social, econômico, político, dentre outros. Visitando um pouco dessas realidades, podemos destacar que a realidade na qual o Projeto Urgência Subjetiva e Orientação Psicopedagógica se insere nos conduz à análise feita por Santos (2000), que afirma que a Universidade está em crise. Essa crise, que eclode em decorrência das mudanças das demandas da sociedade e do Estado para essa instituição, também eclode nos espaços moleculares, no micro, em crises subjetivas vivenciadas pelos alunos e pelos funcionários da Universidade.

Vale lembrar que 98% dos casos atendidos desde fevereiro de 2003, data em que o programa foi implantado, estavam ligados, de alguma maneira, à dificuldade financeira de custear os estudos. Como foi visto, com a proliferação dos cursos universitários, a classe baixa cada vez mais tem acesso a essas instituições, percebidas como possibilidade de ascensão social. Parece-nos que muitas das crises aí desencadeadas se articulam ao descompasso entre as expectativas criadas com a entrada na universidade, as condições de ingresso no mercado de trabalho, a melhoria das condições socioeconômicas, além da própria dificuldade do aluno em se manter financeira e pedagogicamente na universidade, acumulando funções de estudante e trabalhador. Além disso, como vimos, o contexto econômico brasileiro, influenciado pela globalização e pelos ideais pós-modernos, acirra o mal-estar social, concorrendo para a deflagração de processos subjetivos de crise.

Somado aos objetivos cada vez mais amplos e esperados da universidade, vemos sua função estender-se para além de seus limites de alcance, posicionando-a como um ideal social, mais que um espaço de formação profissional e produção científica. Todo esse quadro redunda em efeitos que podem ganhar um contorno sintomático na experiência subjetiva dos alunos de curso superior, exigindo da Universidade a ampliação de seus objetivos, ao recolher mais este. O desafio é exatamente, a partir também da intervenção da Psicologia, posicionar-se de modo a criar novas formas de subjetivação.

Gostaríamos de finalizar, refletindo acerca de dois pontos: a função social da universidade no processo de democratização nos países em desenvolvimento e o alcance da clínica nos diferentes contextos sociais. A clínica social se sustenta na tensão dialética entre o sujeito e o cidadão e ampara-se nos limites reais da prática cotidiana, que exige um posicionamento teórico. Nesse contexto, a escolha da Terapia Breve de base analítica foi determinada pelo limite de tempo e pelo imperativo da urgência. Contudo, em momento algum pensamos que essa vertente abarca todas as questões emergentes.

Frente à pluralidade da realidade, os recortes são necessários, mas sempre reducionistas. Tanto é que nosso texto pretende pensar além da prática cotidiana, explicitando a problemática que a atravessa. A Psicologia trabalha com o fenômeno e o metafenomenal, ou seja, com aquilo que aparece no dia-a-dia dos atendimentos, e com o que está para além do que aparece, mas determina os acontecimentos, tais como: a crise da universidade, a sociedade pós-moderna, a cultura narcísica, a inserção social, as singularidades psíquicas. Estar atento a essa articulação é também nossa tarefa.

 

Referências

AZEVEDO S. J. Não-Moderno, Moderno e Pós-Moderno. Revista de Educação, ano 22, nº 89, p. 19-35, 1993.        [ Links ]

BIRMAN, Joel. Mal-estar na atualidade: a psicanálise e as novas formas de subjetivação. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.

BRAIER, Eduardo Alberto. Psicoterapia Breve de Orientação Psicanalítica. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

FIORINI, Hector Juan. Teoria e técnica de psicoterapias. 2. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1978.

GARCIA, Célio. Clínica do social. Belo Horizonte: UFMG, 1997.

GUERRA, Andréa Máris Campos. O social na clínica e a clínica do social: sutilezas de uma prática. In: GONÇALVES, Betânia Diniz D.; GUERRA, Andréa Máris Campos & MOREIRA, Jacqueline Oliveira (Orgs.). Clínica e inclusão social: novos arranjos subjetivos e novas formas de intervenção. Belo Horizonte, Edições do Campo Social, 2002, p. 29-48.

HARVEY, David. A condição pós-moderna. 11. ed. São Paulo: Loyola, 2002.

LASCH, Chisthofer. A cultura do narcisismo. Rio de Janeiro: Imago, 1983.

ROUANET, Sérgio Paulo. A verdade e a ilusão do pós-moderno. Revista do Brasil, nº 05, p. 28-53, 1986.

SANTOS, Boaventura de Souza. Da idéia de universidade à universidade de idéias. In: Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2001, p. 187-233.

SCHULTZ, Duane P. e SCHULTZ, Sydney E. História da Psicologia Moderna. 4. ed. São Paulo: Cultrix, 1992.

 

Endereço para correspondência
Andréa Máris Campos Guerra
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Artigo recebido em: 1/6/2005
Revisado para publicação em: 29/6/2005
Aprovado em: 29/6/2005

 

 

* Doutoranda em Teoria Psicanalítica pela UFRJ, Mestre em Psicologia Social pela - UFMG, psicóloga. Professora Assistente III e coordenadora do Núcleo de Referência em Psicologia do curso de Psicologia da PUC Minas/Unidade Betim e da FCH-Fumec.
** Doutora em Psicologia Clínica pela PUC/SP, Mestre em Filosofia pela UFMG, psicóloga. Professora Adjunta III e coordenadora adjunta do curso de Psicologia da PUC Minas/Unidade Betim.
*** Doutora em Psicologia Clínica pela PUC/SP, Mestre em Psicologia Social pela UFMG, psicóloga. Professora adjunta III e coordenadora do Programa Urgência Subjetiva e Orientação Psicopedagógica do curso de Psicologia da PUC Minas/Unidade Betim.

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