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Mental

Print version ISSN 1679-4427On-line version ISSN 1984-980X

Mental vol.3 no.5 Barbacena Nov. 2005

 

ARTIGOS

 

Identidade social de paulistas e nordestinos - comparações intra e intergrupais1

 

Social identity of natives of São Paulo and northeasterns: intergroup comparisons

 

 


Eulina da Rocha Lordelo2, I, *; Mari Nilza Ferrari de BarrosII, **

I Universidade Federal da Bahia - UFBA
II Departamento de Psicologia Social e Institucional da Universidade Estadual de Londrina

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Com o objetivo de investigar as representações sociais de paulistas e nordestinos sobre o seu próprio grupo e sobre o outro, comparando-as entre si, 190 estudantes universitários, divididos em quatro grupos de diversos cursos, de duas universidades públicas (uma em São Paulo e outra na Bahia) foram solicitados a preencher um questionário contendo atributos positivos e negativos sobre paulistas ou nordestinos, numa escala de um a sete. Os participantes forneceram informações gerais e socioeconômicas, bem como, nos grupos de avaliação intergrupal, dados sobre o tipo de contato com o grupo avaliado. Os itens de avaliação foram selecionados a partir de estudo piloto, que solicitou a juízes nordestinos e paulistas que fornecessem uma lista de atributos positivos e negativos aplicáveis a paulistas ou a nordestinos. Os resultados, expressos em médias para cada um dos atributos e em um índice geral de positividade de imagem, mostraram que baianos e paulistas diferem essencialmente em suas auto-avaliações, bem como nas avaliações intergrupais. Foi encontrado um conjunto diferente de itens, tanto positivos como negativos, na composição da representação de cada grupo. A positividade da imagem geral, entretanto, difere pouco entre os quatro grupos, variando significativamente entre os paulistas que avaliaram nordestinos, conforme a escolaridade e a renda dos pais e entre os baianos que avaliaram nordestinos, conforme a renda dos pais. Também a imagem dos paulistas pelos baianos mostrou variação significativa conforme o tipo de contato com o outro grupo. Os resultados são discutidos nos termos da teoria da identidade social, focalizando as relações de grupos diferencialmente valorizados, seus estereótipos e preconceitos.

Palavras-chave: Identidade social, Psicologia social, Grupos, Representação social, Comparação intergrupal.


ABSTRACT

Aiming at studying social representations of people from São Paulo (paulistas) and people from North East of Brazil (nordestinos) about the ingroup and the outgroup and comparing them, 190 university students, divided into four sex mixed from two public universities (University of São Paulo and Federal University of Bahia) were asked to answer a questionnaire containing positive and negative attributes about "paulistas" and "nordestinos" of a scale from 1 to 7. Moreover subjects gave general and social-economic information, plus kind of contact with the assessed group. The assessed attributes came from an earlier pilot study, which asked a sample of "paulistas" and "nordestinos" to list negative and positive attributes associated with "paulistas" and "nordestinos". The results, expressed through average standards and general positive score, showed that "baianos" and "paulistas" differ essentially in their self-evaluations as in the intergroup evaluations. It was found that a different set of attributes, both positive and negative, in the composition of the representation of each group. However, the general positive score differs little between the four groups, varying significantly among "paulistas" that evaluated "nordestinos", due to the instruction and income of the parents. Among the "baianos" assessing "paulistas", the score varied only due to parent's income. The score of "paulistas" by "nordestinos" showed variation because of the kind of contact with the outgroup. The results are discussed according to the social identity theory, focusing the relations of groups differentially valued, their stereotypes and prejudices.

Keywords: Social identity, Social psychology, Groups, Social representation, Intergroup comparison.


 

 

Introdução

Os problemas de convivência étnica ou de grupos culturais distintos no mundo contemporâneo vêm adquirindo cada vez maior destaque como questões essenciais de nosso tempo. A presença da violência nesses movimentos é apenas a face urgente de um fenômeno persistente e generalizado da história humana, que se expressa em preconceito, discriminação, conflitos localizados e guerras. No presente, pessoas de diversas regiões do mundo sofrem com a xenofobia, o nacionalismo exacerbado, as guerras étnicas e, numa atuação cotidiana não menos maléfica, com a marginalização de grupos sociais minoritários.

No Brasil, ao lado de minorias étnicas, religiosas e de preferência sexual, destaca-se o grupo dos nordestinos como alvo de preconceito, principalmente nas regiões sul e sudeste do país. Os encontros de subculturas diferentes e as inserções no mercado de trabalho em condições desiguais, proporcionados pelos grandes movimentos migratórios, produziram sua história de preconceito que vem, nas últimas décadas, transformando-se em mal-estar e, algumas vezes, em conflito aberto. Movimentos separatistas que surgem esporadicamente podem ser vistos como indícios de uma incipiente organização da reação aos preconceitos, ainda que, na prática, possam contribuir para fortalecê-los ainda mais. Compreender e lidar com esses fenômenos são demandas da ordem do dia para o cientista, o político e o cidadão comum, o que justifica o investimento na pesquisa social do fenômeno. No entanto, o alcance do problema não se restringe à esfera dos grupos. O desenvolvimento da identidade pessoal está fortemente conectada com a identidade social do grupo a que se pertence, com repercussões importantes em autoconceito e auto-estima e, por conseqüência, no desenvolvimento do indivíduo ao longo do seu ciclo vital, influenciando processos psicossociais que afetam sua saúde mental e seu bem-estar psicológico.

O processo de identificação social tem sido discutido pela teoria da identidade social (TAJFEL, 1981, 1984, 2001), que aponta a necessidade de estudar as relações intra e intergrupais no desenvolvimento da identidade do grupo e na construção da identidade individual.

A identificação implica igualdade e diferença; a primeira pela configuração do indivíduo como membro de um grupo e a segunda pela comparação com membros de outros grupos. A identificação do indivíduo como membro de um grupo implica compartilhar atributos, valores, normas e idéias, o que permite situá-lo num determinado espaço histórico-social (HOGG & ABRAMS, 1988).

Ao lado da influência da família como base de formação da identidade, diferentes grupos sociais dos quais o indivíduo participa vão permanentemente orientar e reorganizar as relações, na medida em que informam para o sujeito e para os demais membros de uma comunidade a posição que cada grupo ocupa em relação ao conjunto, ou seja, seu status, reconhecimento e valor. Nesse processo de igualdade e diferenciação é que se desenvolvem estereótipos sociais e preconceitos.

Segundo Klineberg (apud Tajfel, 1981, p. 147),

preconceito refere-se fundamentalmente a um pré-juízo ou pré-conceito elaborado antes de ser recolhida ou examinada informação relevante e, portanto, baseado em evidência inadequada ou mesmo imaginária [...] Preconceito implica também uma atitude a favor ou contra a atribuição de um valor positivo ou negativo, de um comportamento afetivo ou sentimento. Normalmente há, além disso, uma prontidão para traduzir em ação os juízos ou sentimentos vivenciados, de uma forma que reflitam nossa aceitação ou rejeição dos outros; é este o aspecto conactivo ou comportamental do preconceito.

Por outro lado, Tajfel (1981, p. 149) sustenta que o preconceito tem a função de introduzir simplicidade e ordem onde existe complexidade e uma variação quase aleatória, num processo de categorização. A classificação das pessoas em grupos seria o resultado da experiência pessoal e social acumulada, através da qual os atributos percebidos nos outros são interiorizados e associados a um grupo. Ainda segundo o autor, "enquanto tivermos pouco conhecimento do indivíduo, tenderemos a atribuir-lhe as características que provêm de nosso conhecimento de sua classe de pertença." A medida que novas informações são geradas, é preciso organizá-las em um conjunto previamente constituído. As transformações que se passam conosco resultam, em grande parte, de mudanças ocorridas nas relações sociais, em que a busca de causalidade está, segundo Tajfel (1981), inserida em processos de categorização, assimilação e busca de coerência, processos existentes nos estereótipos.

O estereótipo social "consiste na atribuição de determinados traços em comum a indivíduos membros de um mesmo grupo, assim como atribuir-lhes determinadas diferenças em comum em relação aos membros de outro grupo" (TAJFEL, 1981, p. 130). A construção de identidade social marcada por semelhanças entre membros de um mesmo grupo e diferenças deste em relação a outros grupos permite tomar emprestado o conceito de estereótipo de Stallybrass (apud Tajfel, 1981, p. 180):

estereótipo é uma imagem mental hipersimplificada de uma determinada categoria (normalmente) de indivíduo, instituição ou acontecimento, compartilhada, em aspectos essenciais, por grande número de pessoas.

Os anos 80 no Brasil, com seu característico agravamento da crise econômica e o aumento generalizado do desemprego trouxeram, também, a idéia do "politicamente correto", uma atitude de reconstrução das relações sociais com ênfase no papel do comportamento individual, inclusive da linguagem. De um lado, grupos sociais assumem abertamente o preconceito e adotam posições de hostilidade frontal contra certos grupos. De outro, busca-se exercer vigilância crítica contra atitudes e linguagem preconceituosas em relação a minorias, especialmente em ambientes de maior instrução e realização intelectual. Também o sentido e a consciência de minoria espalharam-se relativamente entre muitos grupos submetidos a preconceitos, o que poderia determinar mudanças de percepção nos grupos dominantes, conforme sugerido pelas hipóteses de mudança social (MOSCOVICI, 1976, 1980; MUGNY 1982; PEREZ & MUGNY, 1998).

A mudança social é considerada por Tajfel (1978) o instrumento mais eficaz para transformação da representação do grupo como um todo, com alterações no conjunto da sociedade, uma vez que a ênfase recai não sobre a ação de indivíduos isolados, mas em forma de intervenções no âmbito do grupo.

No esforço de aumentar nosso conhecimento sobre esses problemas, com este estudo pretendeu-se avaliar a identidade social de paulistas e nordestinos - avaliação ingroup (paulistas por paulistas e nordestinos por baianos3 e outgroup (paulistas por baianos e nordestinos por paulistas).

 

Método

População e amostra

Para a pesquisa, foram empregados 190 estudantes da Universidade de São Paulo e da Universidade Federal da Bahia, divididos em dois grupos. Cada um dos dois grupos principais (paulistas e baianos) foram subdivididos em dois subconjuntos, conforme o alvo a ser avaliado (paulistas ou nordestinos).

A amostra foi selecionada acidentalmente, em cursos de diversas áreas, pelo critério de acessibilidade. A designação do sujeito para avaliar alvos paulistas ou nordestinos foi aleatória.

Instrumentos

Foi empregado um questionário com respostas fechadas, constando de dados de identificação socioeconômicos e uma escala de avaliação do grupo com 24 itens, 12 de valor positivo e 12 de valor negativo. A escala variou de um a sete pontos: o ponto um indicava nenhuma concordância com a questão apresentada e o ponto sete, máxima concordância. O questionário foi desdobrado em quatro formas, correspondentes aos quatro grupos investigados, apresentando diferenças apenas no alvo de avaliação mencionado.

A seleção dos itens foi realizada a partir da aplicação de dois questionários "piloto" para 12 juízes, seis nordestinos e seis paulistas, solicitando-se que indicassem pelo menos cinco características positivas e cinco negativas aplicáveis a paulistas, em um questionário, e a nordestinos, em outro questionário. Foram obtidos 82 atributos para os paulistas, 37 positivos e 40 negativos. Cinco atributos foram indicados por alguns juízes como negativos e por outros, como positivos. Números semelhantes foram obtidos para os nordestinos: 71 atributos foram citados: 36 positivos, 33 negativos e dois foram considerados negativos para alguns juízes e negativos para outros. A partir da análise desses questionários, foram selecionados os itens para o questionário, incluindo-se apenas os mais freqüentes e excluindo-se os menos citados, ambíguos ou citados tanto como positivos como negativos.

Procedimento de coleta de dados

Os participantes da pesquisa foram abordados em salas de aula (em São Paulo) ou em salas de espera de matrícula (em Salvador). Foi solicitado que os estudantes preenchessem individualmente o questionário de uma pesquisa, cujos objetivos estavam explicados na folha de rosto. Não foram dadas informações adicionais orais sobre a pesquisa; as perguntas de esclarecimento foram remetidas para o próprio questionário. Após o preenchimento, com duração de aproximadamente 15 minutos, os questionários foram recolhidos imediatamente.

Procedimento de análise dos dados

As respostas dos sujeitos de cada grupo (baianos que avaliaram nordestinos, baianos que avaliaram paulistas, paulistas que avaliaram paulistas e paulistas que avaliaram nordestinos) foram transformadas em médias para cada um dos itens da escala. Essas médias foram comparadas duas a duas e a essas comparações foi aplicado o teste para amostras independentes. Foi construído um índice geral de positividade da imagem, obtido pela soma de pontos apresentados pelos entrevistados em cada um dos itens da escala. Para tal, foi invertida a polaridade dos itens negativos de forma linear: os valores 7 foram convertidos em 1, os valores 6 em 2 e assim, sucessivamente, até o valor 1, computado como 7. Esse índice geral de positividade foi, a seguir, cruzado com as variáveis grupo - sexo, instrução dos pais e, para os dois grupos de avaliação intergrupal (baianos que avaliaram paulistas e paulistas que avaliaram nordestinos), o tipo de contato com o outgroup. Os resultados foram submetidos à análise de variância (ANOVA).

 

Resultados

Imagens do ingroup e do outgroup

Ao selecionar os itens que obtiveram médias mais altas, independentemente de serem positivos ou negativos, verifica-se que a avaliação dos nordestinos pelos baianos (ingroup) é, de modo geral, positiva. Como se vê no Quadro 1, os seis atributos que obtiveram médias mais altas foram, por ordem decrescente: alegre, machista, preconceituoso, sensível, inteligente e cordial.

Na avaliação dos paulistas pelos paulistas (ingroup), os seis atributos que obtiveram médias mais altas foram, por ordem decrescente: dinâmico e individualista (mesma pontuação), progressista, egoísta, machista e disciplinado.

Na avaliação dos paulistas pelos baianos (outgroup), os seis atributos que receberam pontuações mais altas foram, por ordem decrescente: preconceituoso e individualista (mesma pontuação); dinâmico, disciplinado, progressista e inteligente.

Na avaliação dos nordestinos pelos paulistas (outgroup) os seis itens com médias mais altas, por ordem decrescente, foram: machista, alegre, feio, cooperativo, honesto e sensível.

Quadro 1 - Ordenamento de seis atributos com pontuações mais altas

 

Nordestinos
Por
baianos

Paulistas
Por
paulistas

Paulistas
Por
baianos

Nordestinos
Por
paulistas

Alegre

Dinâmico

Preconceituoso

Machista

Machista

Individualista

Individualista

Alegre

Preconceituoso

Progressista

Dinâmico

Feio

Sensível

Egoísta

Disciplinado

Cooperativo

Inteligente

Machista

Progressista

Honesto

Cordial

Disciplinado

Inteligente

Sensível

 

Como se vê por esse ordenamento, todas as avaliações, tanto do próprio grupo quanto do outro, contêm mais itens positivos do que negativos, com exceção da auto-avaliação dos paulistas, em que o número de itens positivos é igual ao de itens negativos.

Avaliações intragrupais

Considerando todos os itens da escala, os baianos avaliaram os nordestinos, no conjunto, de modo bastante positivo. Como se vê na Tabela 1, houve apenas quatro atributos negativos com pontuação acima de 4,0 (machista, alienado, preguiçoso e preconceituoso). Para os atributos positivos, entretanto, houve nove médias acima de 4,0; apenas as características ético, progressista e disciplinado receberam pontuações abaixo desse valor.

A auto-avaliação dos paulistas é mais equilibrada. Dos 12 atributos negativos, cinco receberam pontuações acima de 4,0, da mesma forma que nos atributos negativos. Basicamente, os paulistas atribuem-se avaliações mais positivas nos itens dinâmico, progressista, eficiente, disciplinado e alegre. Por outro lado, atribuem-se julgamento mais negativo nos itens individualista, egoísta, machista, violento e arrogante.

Tabela 1 - Comparações intra e intergrupais

Comparações intragrupais

Comparações intergrupais

Comparação intra X inter - Nordestinos

Comparação intra X inter - Paulistas

Atributos

NOR por BAI

PAUL por
PAUL

NOR por PAUL

PAUL por
BAI

NOR por BAI

NOR por PAUL

PAUL por
PAUL

PAUL por
BAI

Alegre

5,8

4,2 **

3,6

5,9 **

5,8

5,9

4,2

3,6 **

Sensível

5,1

3,5 **

2,7

4,4 **

5,1

4,4

3,5

2,7

Inteligente

5,0

4,6

4,9

3,7 **

5,0

3,7 **

4,6

4,9

Cordial

4,8

3,6 **

3,2

4,2 **

4,8

4,2

3,6

3,2

Cooperativo

4,5

3,8 *

3,4

4,8 **

4,5

4,8

3,8

3,4

Honesto

4,3

3,5 **

3,5

4,6 **

4,3

4,6

3,5

3,5

Justo

4,2

3,6 *

3,3

4,0 *

4,2

4,0

3,6

3,3

Eficiente

4,1

4,8 **

4,8

3,1 **

4,1

3,1 **

4,8

4,8

Dinâmico

4,1

5,4 **

5,2

3,5 **

4,1

3,5

5,4

5,2

Ético

3,7

3,7

4,1

3,4 *

3,7

3,4

3,7

4,1

Progressista

3,4

5,1 **

5,0

2,5 **

3,4

2,5 **

5,1

5,0

Disciplinado

3,3

4,4 **

5,1

2,8 **

3,3

2,8

4,4

5,1 *

Machista

5,7

4,9 **

4,5

6,0 **

5,7

6,0

4,9

4,5

Alienado

4,4

3,8

4,1

4,3

4,4

4,3

3,8

4,1

Preguiçoso

4,1

2,4 **

3,0

4,2 **

4,1

4,2

2,4

3,0

Preconceituoso

5,5

4,0 **

5,4

3,9 **

5,5

3,9

4,0

5,4

Violento

3,7

4,5 **

3,9

4,3 **

3,7

4,3

4,5

3,9 *

Feio

3,4

3,4

3,2

4,9 **

3,4

4,9 **

3,4

3,2

Arrogante

3,4

4,5 **

4,5

2,5 **

3,4

2,5 **

4,5

4,5

Grosso

3,3

3,8

4,0

3,6

3,3

3,6

3,8

4,0

Sujo

3,2

2,8

2,8

3,2

3,2

3,2

2,8

2,8

Egoísta

3,1

5,0 **

4,2

2,6 **

3,1

2,6

5,0

4,2

Individualista

3,0

5,4 **

5,4

2,6 **

3,0

2,6

5,4

5,4

Antipático

2,5

3,5 **

4,2

2,6 **

2,5

2,6

3,5

4,2

Legendas:
NOR - nordestinos
BAI - baianos
PAUL - paulistas
(*) p < 0,05
(**) p < 0,01


Os baianos foram mais extremos em suas auto-avaliações do que os paulistas, tanto nos itens positivos como nos negativos. Entre os baianos, o item machista alcançou a média de 5,7 e o item alegre 5,8. Entre os paulistas, entretanto, a pontuação mais alta foi 5,4, tanto em itens positivos (dinâmico) como em negativos (individualista).

Avaliações intergrupais

A imagem dos paulistas pelos baianos contém elementos positivos (seis atributos receberam pontuações acima de 4,0) e um número igual de elementos negativos. Basicamente, os baianos consideram os paulistas machistas, alienados, preconceituosos, arrogantes, egoístas, individualistas e antipáticos, mas também os consideram inteligentes, eficientes, éticos, progressistas e disciplinados.

Por sua vez, os paulistas consideram que os nordestinos têm como qualidades positivas: alegre, sensível, cordial, cooperativo e honesto, e como qualidades negativas: machista, alienado, preguiçoso, preconceituoso, violento e feio. Observa-se, assim, que os atributos positivos atribuídos ao outgroup são totalmente diferentes, enquanto que em relação aos atributos negativos, os dois grupos compartilham a mesma avaliação nos itens machista e preconceituoso.

Embora as imagens do outgroup sejam essencialmente diferentes, não se pode dizer que, no conjunto, uma é mais positiva que a outra. Com exceção dos itens alienado, violento, grosso e sujo, todos os demais suscitaram avaliações diferentes entre os grupos, estatisticamente significativas. Os itens que mostraram maiores diferenças foram individualista (5,4 para o alvo paulistas e 3,2 para o alvo nordestinos), disciplinado (5,2 para paulistas e 2,8 para nordestinos) e progressista (5,0 para paulistas e 2,5 para nordestinos).

Comparações das avaliações intragrupais com as intergrupais

As avaliações dos dois grupos (baianos e paulistas) relativas aos nordestinos mostram uma imagem surpreendentemente semelhante. Aparentemente, o mesmo estereótipo é partilhado, como pode ser visto ainda na Tabela 1 (terceira coluna). Dos 24 atributos, apenas cinco receberam pontuações significativamente diferentes pelos dois grupos (feio, arrogante, inteligente, eficiente e progressista), e em apenas dois desses atributos (feio e inteligente) um dos grupos mostrou pontuação alta: os paulistas consideram os nordestino feios (média de 4,9), enquanto os baianos consideram os nordestinos inteligentes (média de 5,0). Quanto aos atributos arrogante, eficiente e progressista, embora tenha havido diferenças estatisticamente significativas entre as médias dos grupos, as pontuações recebidas são bem mais baixas (entre 2,5 a 4,1). Isso indica que tais características não são consideradas importantes na definição da imagem do grupo.

A imagem dos paulistas é ainda mais semelhante que a dos baianos entre os dois grupos. Dos 24 atributos, apenas três receberam avaliações significativamente diferentes de baianos e paulistas, e apenas o atributo disciplinado recebeu médias altas (5,1 entre os paulistas e 4,4 entre os baianos).

Variáveis relacionadas

A positividade geral da imagem é bastante semelhante entre os quatro grupos e não sofre nenhuma variação por gênero. Em relação à escolaridade dos pais, entretanto, apenas entre os paulistas que avaliaram nordestinos há variação na positividade geral da imagem, como pode ser visto na Tabela 2. Essa associação, entretanto, não é linear, uma vez que os sujeitos cujos pais têm instrução de segundo grau apresentaram um escore mais alto do que os demais grupos.

Em relação à renda dos pais, entretanto, foram encontradas variações estatisticamente significativas nos grupos de baianos e paulistas, ambos na avaliação de nordestinos. Tanto baianos quanto paulistas que avaliaram nordestinos são tanto mais severos em suas avaliações quanto maior o nível de renda dos pais, de modo que a positividade da imagem é mais alta entre os sujeitos cujos pais têm renda mais baixa.

Tabela 2
Positividade da imagem geral dos grupos por escolaridade e renda dos pais

Nordestinos por
nordestinos

Paulistas por paulistas

Nordestinos por
paulistas

Paulistas
por nordestinos

Média (N)

Média (N)

Média (N)

Média (N)

Escolaridade
Primeiro grau

4,1 (14)

4,1 (08)

3,9 (05) **

3,8 (04)

Segundo grau

4,1 (17)

4,1 (13)

4,1 (23)

4,2 (17)

Terceiro grau

3,9 (15)

4,1 (22)

3,4 (16)

4,2 (20)

Renda
Até 10 SM

4,3 (14) *

4,1 (04)

4,2 (08) *

4,3 (10)

10 a 20 SM

4,0 (19)

4,2 (17)

3,7 (16)

4,1 (17)

20 SM ou mais

3,9 (13)

4,0 (22)

3,7 (19)

4,0 (12)

 

* = p < 0,05
** = p < 0,01

Com relação à hipótese de elevação da imagem do outgroup associada ao aumento do contato entre os grupos, não foram observadas diferenças nas médias associadas a contato constante ou à existência de parentes distantes no outgroup. Entretanto, os fatores parente próximo ou amigo no outgroup mostraram-se relacionados à positividade da imagem, como pode ser visto na Tabela 3. A imagem dos paulistas é pior entre os baianos que possuem parentes paulistas próximos, enquanto que para os que possuem amigos paulistas a situação se inverte. Nenhuma diferença foi encontrada na imagem dos nordestinos pelos paulistas, associada a contato com nordestinos.

Tabela 3
Positividade da imagem geral de paulistas e nordestinos por tipo de contato

Imagem dos paulistas

Imagem dos nordestinos

Média (N)

Média (N)

Parentes próximos no outgroup
Sim

3,8 (17) *

4,0 (07)

Não

4,3 (23)

3,8 (37)

Amigo no outgroup
Sim

4,4 (21) **

3,8 (15)

Não

3,8 (19)

3,9 (29)

 

* = p < 0,05
** = p < 0,01

 

Discussão

Os resultados obtidos com a pesquisa sugerem algumas importantes diferenças entre os dois grupos avaliados. O fato de a auto-imagem se apresentar mais neutra entre os paulistas, em contraste com a auto-avaliação positiva dos baianos, sugere a busca, por esses últimos, de um "reforço" na sua identidade, o que pode estar relacionado aos processos de mudança social entre os grupos submetidos a preconceito (MOSCOVICI, 1980).

O compartilhamento de imagens do ingroup com o outgroup indica a existência de estereótipos consistentes e poderosos que, fundamentados ou não em características reais, devem servir de base para o estabelecimento de relações com o outgroup, constituindo-se em potentes mediadores das percepções, cognições e atitudes dos dois grupos (TAJFEL, 1981). Independentemente de os atributos utilizados para definir a identidade de cada grupo serem verdadeiros, pode-se especular sobre os problemas gerados na convivência com pessoas de um grupo definido por características como machista, alienado, preconceituoso, violento e feio (nordestinos por paulistas) ou machista, alienado, preconceituoso, arrogante, egoísta, individualista e antipático (paulistas por baianos).

O resultado mais surpreendente é a existência de imagem mais negativa dos paulistas pelos baianos, em comparação com a imagem que os paulistas têm dos nordestinos. Tal resultado contraria, à primeira vista, a idéia de que os nordestinos são vítimas de preconceito. Pelo menos entre estudantes universitários de São Paulo, o preconceito não se encontra explícito em atributos negativos, embora possa estar presente em outras modalidades não investigadas na pesquisa. Da mesma forma, o preconceito dos baianos em relação aos paulistas pode ser uma reação de hostilidade apenas verbal, como uma reação ao preconceito de que são objeto. Pode também ser parte das estratégias de se elevar o status de seu próprio grupo, através do realce de seus atributos positivos e da acentuação dos atributos negativos do outro, como previsto nas teorias da identidade social e mudança social (MOSCOVICI, 1980).

Os dados encontrados sugerem que, além da informação generalizada e interiorizada pelos indivíduos que participam do processo de construção do estereótipo social, o tipo de contato entre os grupos contribui para a composição do estereótipo. Esses estereótipos influem de tal forma nos indivíduos que a diferenciação das identidades singular e social torna-se difícil, o que reafirma a importância e o valor do grupo no desenvolvimento das relações sociais e na formação de estereótipos e preconceitos.

Para finalizar, a necessidade de se contextualizar as relações intra e intergrupais se justifica quando se percebe que a predominância e/ou a relevância de determinados atributos são resultados de uma história sócio-cultural que se articula de forma diferente, em períodos históricos distintos. Quando se observa que, em nossa época, as sociedades capitalistas são mais valorizadas, já que dominam as demais, é compreensível que no interior da sociedade os grupos mais identificados com as práticas e com os valores capitalistas procurem atributos que correspondam a essa identificação.

 

Referências

HOOG, Michael A. & ABRAMS, Dominic. Social Identification. London: Routledge, 1988.        [ Links ]

MUGNY, Gabriel. The Power of Minorities. New York: Academic Press, 1982.

MOSCOVICI, Serge. Social Influence and Social Change. London e New York: Academic Press, 1976.

MOSCOVICI, Serge. Toward a theory of conversion behavior. In: BERKOWITZ, L. (Org.). Advances in Experimental Social Psychology. 13, 1980. p. 209-239.

PEREZ, Juan Antonio & MUGNY, Gabriel. Categorization and social influence. In: PAEZ, Dário & DESCHAMPS, Jean-Claude; WORCHEL, Stephen & MORALES, J. Francisco (Orgs.). Social identity: international perspectives. Thousand Oaks: Sage Publications, 1998. p. 142-153.

TAJFEL, Henri. Human Groups and Social Categories. Cambridge: Cambridge University Press, 1981.

TAJFEL, Henri. The Social Dimension. Cambridge: Cambridge University Press, 1984. v 2.

TAJFEL, Henri. Experiments in intergroup discrimination. In: HOGG, Michael A. & ABRAMS, Dominic (Orgs.). Intergroup relations: essential readings. Key readings in social psychology. New York: Academic Press, 2001. p. 178-187.

 

 

Endereço para correspondência
Eulina da Rocha Lordelo
Rua Ranulfo Oliveira, 1007 / 202 - Jardim Apipema
40155-030 Salvador-BA
E-mail: eulina@ufba.br

Mari Nilza Ferrari de Barros
Rua Governador Valadares 500
86061-100 - Londrina-PR
E-mail: mnfbarros@uol.com.br

Recebido em: 17/8/2005
Aprovado para publicação em: 23/8/2005

 

 

* Pós-doutora pela University of Stranger - UIS - Noruega, professora adjunta da Universidade Federal da Bahia - UFBA e vice-coordenadora do colegiado do curso de psicologia da UFBA.
** Professora titular do Departamento de Psicologia Social e Institucional da Universidade Estadual de Londrina - PR - Mestre em Psicologia Social pela PUC-SP.
1 Apoio CAPES.
2 Bolsista CNPq, Doutorado em Psicologia Experimental - Universidade de São Paulo.
3Na impossibilidade de obter-se uma amostra de nordestinos de vários estados da região, considerou-se, embora sem prova empírica, que os baianos incluem na sua identidade o conceito de nordestino.

 

As autoras agradecem a competente orientação da Profa. Maria Alice Vanzolini Leme na realização deste trabalho.

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