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Mental

versão impressa ISSN 1679-4427versão On-line ISSN 1984-980X

Mental v.3 n.5 Barbacena nov. 2005

 

RESENHAS

 

 

Carolina Gouvêia da Silva; Cristina Aparecida de Souza Corrêa

UNIPAC - Ubá

 

 

GIROLA, Roberto. A psicanálise cura?: uma introdução à teoria psicanalítica. São Paulo: Idéias e Letras, 2004. 192 p. ISBN: 85-98239-01-1

Roberto Girola é psicanalista, pós-graduado em Teoria Psicanalítica pela Universidade de S. Marcos, licenciado em Filosofia pela UNISAL e bacharel em Teologia pela Pontifícia Universidade do Latrão (Roma). Atua também como editor e consultor.

A psicanálise cura?: uma introdução à teoria psicanalítica, vem preencher uma lacuna no setor de livros sobre o campo psicanalítico, especialmente, o brasileiro.

É notável que apesar das grandes conquistas realizadas pela considerada “geração de analistas de renovação e vitalização da linguagem e dos parâmetros teóricos” há carência de material didático que disponibilize o legado freudiano e as conquistas posteriores e aprimoradas da teoria psicanalítica.

Nos últimos anos, a psicanálise evoluiu graças aos estudos de importantes analistas como Renato Mezan, Jurandir Freire Costa, Fábio Herrmann, Maria Rita Kehl, Joel Birman, Chaim Samuel Katz, Mirian Chnaiderman, entre muitos outros.

Girola não tem a pretensão de esgotar todo o assunto relativo à cura. Ele faz uma ampla abordagem dos conceitos de Freud, Klein, Winnicott e Bion sobre o entendimento da cura, sua forma de tratamento, possibilitando a abertura de caminhos da psicanálise e conhecendo suas propostas.

Inicialmente, o autor, faz uso do definitio terminorum, mapeamento dos termos, para expor a complexidade dos conceitos de cura e doença, tanto no âmbito comum, quanto no psiquiátrico e desmistificar as fantasias que envolvem o processo terapêutico.

Seu passo seguinte foi a definição de doença psíquica, no campo da teoria psicanalítica. Em seguida, o autor retoma a trajetória evolutiva do conceito de cura para Freud, analisando os textos que tratam de questões relevantes sobre o assunto, com especial atenção às Conferências XXVII e XXVIII (Freud, 1916-1917) e ao ensaio Análise Terminável e Interminável, datado de 1937 e escrito por um Freud mais maduro, enriquecido por suas experiências clínicas e pelas reformulações de seus pensamentos. O ensaio aborda três questões fundamentais: a duração da análise e os critérios para o seu fim; a identificação dos pontos críticos que afetam o processo terapêutico e a questão do poder profilático da psicanálise, que possibilita o entendimento da forma como uma eventual cura é alcançada.

A partir desse entendimento curativo proposto por Freud, o autor aponta elementos importantes da teoria kleiniana da qual emerge o conceito de um ser total, possuidor de aspectos bons e maus e desenvolvido num processo psíquico saudável, por meio da importância da relação do sujeito com o objeto. Esse importante aspecto influenciou o desenvolvimento da teoria psicanalítica atual e foi incorporado às posturas clínicas de Winnicott e Bion. Foram eles responsáveis pela evolução do conceito de cura até os dias atuais, por valorizarem a realidade intermediária que acontece num espaço indefinido carregado de valor psíquico, por meio do qual o sujeito, em relação com o outro, desenvolve seu potencial criativo e supera as experiências psicológicas frustrantes. Esse espaço recebeu nomes diferentes, mas com conotações semelhantes (falso self, pulsão de morte, objeto beta). Posteriormente, foram apontadas contribuições no tratamento psicanalítico, incluindo consideráveis participações brasileiras.

O pensamento de Natalie Zaltzman afirma que o homem é irremediavelmente tocado pela loucura, e que esta é uma característica tão essencial quanto à razão da natureza humana. Isso coloca o homem diante de uma “desmedida” de sua impotência e de seu poder.

Ferrari substitui os conceitos de doença e cura pelos termos harmonia e desequilíbrio, que não necessariamente significam o mesmo que saúde e patologia, uma vez que a relação entre Uno (corpo) e o Binário (mente) é dinâmica, em constante alteração. Ferrari também enfatiza o uso inadequado da palavra cura. “A chamada cura psicanalítica não pode ser, de maneira nenhuma, considerada como cura no sentido médico”, já que a mente não é um órgão do corpo, não fica doente como um órgão qualquer, nem pode ser curada da mesma forma.

É natural que as pessoas procurem fugir de tudo aquilo que causa desprazer e, muitas vezes, essa fuga pode gerar uma angústia patológica. Através dos sintomas é possível perceber que algo não vai bem no campo psicológico, o que abre caminhos para o tratamento de suas causas.

Com referência ao poder curativo da psicanálise, Freud afirma:

Um tratamento analítico exige, tanto do médico como do paciente, a realização de um trabalho sério, que é empregado para levantar resistências internas. Mediante a superação dessas resistências, a vida mental do paciente é permanentemente modificada, elevada a um nível mais alto de desenvolvimento, ficando protegida contra novas possibilidades de cair doente. Esse trabalho de superar as resistências constitui a função essencial do trabalho analítico; o paciente tem de realizá-lo e o médico lhe possibilita fazê-lo com a ajuda da sugestão, operando em um sentido educativo (p. 77).

A ansiedade dos pacientes por resultados imediatos dificulta o tratamento analítico, quando não provoca sua total desistência - reflexo da cultura pós-moderna que encurtou distâncias e acelerou o tempo no processo da globalização e das novas tecnologias.

As conseqüências psíquicas são importantes, pois o homem moderno é invadido pela sensação de que tudo é volátil, efêmero e, pior ainda, descartável. Empenhar-se em um processo terapêutico que exige constância e cuja duração não é previamente definida, hoje não é fácil. A tendência é procurar soluções que apresentem resultados em curto prazo e, preferivelmente, sem grande esforço pessoal (p. 82).

Enquanto houver atividade humana, haverá modificações; enquanto houver modificações, surgirão conflitos; enquanto os conflitos permanecerem, os sintomas estarão presentes, mantendo a necessidade de análise. A psicanálise destaca-se na terapia psicológica justamente por seu poder profilático.

A principal preocupação de Freud ao término de uma análise não era eliminar as possibilidades do paciente de se envolver com novos conflitos internos, nem limitá-lo a uma “normalidade” esquemática, mas fortalecer suas potências psicológicas para as funções do ego.

Para Ferrari, a condição para que o processo analítico tenha êxito é o analista não ter a impressão de que vai “curar” o paciente, substituindo o agente interior deste pelo seu (FERRARI, 2000, p. 447). Para ele, a análise é um processo de harmonização que abrange as dimensões vertical e horizontal, uma supondo da outra. A dimensão vertical propõe uma análise que harmonize o Uno (corpo) e o Binário (mente), estabelecendo um diálogo com o pulsar da vida interna e todas as suas complexidades, administrando a angústia que brota dos conflitos entre o consciente e o inconsciente. O resultado, que o analista não considera como cura, é justamente alcançar esse nível dinâmico, suficiente para administrar as contínuas transformações que o sujeito vai sofrendo ao longo da vida. O final da análise é justamente uma harmonização da dinâmica do conflito.

Com notável maestria, Roberto Girola finaliza a obra com críticas baseadas na importância da relação do analista com o paciente. Dessa relação surgirá um espaço em que serão trabalhados os conflitos do paciente, que reviverá diversas situações que geram angústia. Nesse espaço, os processos psíquicos do paciente serão fortalecidos, proporcionando um desenvolvimento significante da terapia em si. Ao desviar o foco do paciente, o autor afirma que a análise só irá avançar se o analista contiver o seu desejo e sua memória (o que teoricamente souber sobre a psicanálise e sobre o paciente). Para Girola, o conceito de cura é sustentado por três pilares: integração, harmonização e amadurecimento.

O livro aborda informações em que estudantes e interessados, não-profissionais em geral, encontrarão, de forma sintetizada e clara, a ordem de seus processos psíquicos internos. Professores, psiquiatras, pesquisadores e administradores de recursos humanos reconhecerão uma visão histórica ampla da psicanálise, que soma o pensamento dos diversos psicanalistas envolvidos nos paradoxais domínios da cura, desde Freud passando por Melanie Klein, Lacan, Winnicott e outros, de forma livre e multilateral.

 

 

Alunas do 2º período de Psicologia &– UNIPAC/Ubá.

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