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Mental

versão impressa ISSN 1679-4427versão On-line ISSN 1984-980X

Mental v.4 n.6 Barbacena jun. 2006

 

SEÇÃO CLÍNICA: PSICANÁLISE E INSTITUIÇÕES

 

A palavra na instituição

 

The word in the institution

 

 

Carlo ViganòI*; Roseli Cordeiro Pereira (Tradução); Oscar Cirino (Revisão)

I Associação Mundial de Psicanálise

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Neste artigo analisa-se o lugar da palavra na instituição. A partir dos ensinamentos de Lacan, busca-se uma redefinição do sintoma na perspectiva da psicose, bem como dos temas pulsão e demanda. Propõe-se a concepção de instituição enquanto discurso, invertendo a relação entre esta e o sujeito.

Palavras-chave: Palavra, Instituição, Discurso, Pulsão, Psicose.


ABSTRACT

In this article the place of the word in the institution is analyzed. From the teachings of Lacan it searchs a redefinition of the symptom, in the perspective of the psychosis, as well as the subjects of trieb and demand. It proposes the institution's concepts with the meaning of the discourse and inverts the relation between this concept and the citizen.

Keywords: Word, Institution, Discourse, Trieb, Psychosis.


 

 

No encontro preparatório das Jornadas da AMP de Barcelona, realizada em Milão, em 11 de junho, tentei responder a uma questão a mim dirigida sobre uma passagem de minha obra que enunciava duas condições para "pôr no centro do trabalho institucional o ato da palavra, mais precisamente, o ato que cria a palavra".

Sinteticamente, as duas condições vinham expressas, no texto, da seguinte forma:

1 - "[...] uma redefinição do sintoma no estilo da psicose e não no da neurose";

2 - "[...] um repensar do tema da pulsão e da demanda. A pulsão é uma construção que se pode efetuar como um furo dentro da lingüística cognitiva [...]".

O ato da palavra não é originário e não basta que nos disponhamos à escuta para que ali exista um sujeito que nos fale. Na obra Seminário XVII, Lacan diz claramente que aquilo que a psicanálise produziu de revolucionário não se refere ao sujeito, mas ao gozo (p. 205, trad italiana). Isso segue em direção à crítica, freqüente na IPA, da teoria freudiana da pulsão em nome dos afetos? Infelizmente não é assim. De fato, na página 176 (trad italiana) do mesmo livro, a afirmação é de um outro tom: "de afeto não temos, não é que não exista um [...] o produto apreendido pelo ser falante em um discurso, enquanto este discurso o determina como objeto".

Minha proposta é repensar a construção do lugar da palavra, a partir de um diagnóstico de discurso transclínico que diz respeito à posição subjetiva diante da castração e centrada sobre a letra do gozo. Não a desenvolvo aqui, mas para um diagnóstico desse tipo podemos encontrar o instrumento nella messa a piatto do nó borromeo e, portanto, no modo com o qual o gozo vem preso nos registros da estrutura1. Sobre o nó se pode escrever também sobre a fixação identificatória, que pode levar a fazer holófrase ao discurso de modo funcional como sintoma ou de modo estrutural como psicose.

Isso tem conseqüências na clínica, onde a fenomenologia da escuta pode tender a mascarar as condições discursivas e, portanto, da transferência, atrás das figuras de interpretação significante. O que está no centro de um vínculo social capaz de promover a palavra é um vazio organizado, e as condições dessa organização me parecem, hoje, dispostas de formas distintas em comparação com os anos 60.

Naquela época, foi suficiente reaprender um paradigma fundamental de Freud, o recalque, para encontrar consonância com o tema social da contestação. Assim, o sujeito do inconsciente como instituinte, além do Eu, permitiu pensar a subversão subjetiva como tema capaz de incidir sobre as instituições.

Hoje, também em conseqüência do enfraquecimento desse tempo subversivo, o mal-estar social mudou de face e não se manifesta mais como imposição de calar sobre a vida pulsional. Ao contrário, o imperativo superegóico - nota Miller no seu Curso - exprime-se no "falemos de tudo!" Se existe um problema é preciso que se fale nele, com o objetivo de retirar do problema todo carregamento de enigma e, por isso, de valor representativo para o sujeito em sua particularidade.

A descoberta que o ensinamento de Lacan levou à teoria da clínica e do sintoma traz uma resposta a essa modificação do mal-estar social. A diferença garantida pela oposição neurose/psicose no recalque, como formativa do compromisso sintomático, deixa lugar a uma concessão mais contínua do sintoma como resposta subjetiva à impossibilidade lógica da relação sexual.

A clínica analítica, diante dos novos sintomas, não pode limitar-se ao binário neurose/psicose, o que arriscaria a reintrodução de um critério fenomenológico: a presença ou a ausência da estrutura "clássica" do sintoma analítico. Deve, por isso, reencontrar o critério estrutural em nível de toda resposta subjetiva, religando-se ao último Freud que reavaliava a defesa na base do sintoma.

Dessa forma, vêem-se redescobertas as novas formas que o sintoma pode assumir, não reconduzíveis ao valor sintomático da função paterna (o seu menos devir). Sinthomas que suplicam a função estabilizante do NdP, que são "versões" do pai. É um modo de pensar a clínica que se opõe à corrente que tende, por todos os outros motivos, a distanciar farisaicamente a referência na psicose, com o resultado de mantê-la no seu estatuto de déficit, de handicap desobjetivante.

A nossa clínica continuista garante o diagnóstico, unicamente, da estrutura particular do sujeito e, por isso, ao invés de renunciar farisaicamente, exige o repensar do real da pulsão. Quem renuncia à discussão clínica, à construção do diagnóstico, como instrumento essencial para orientar o tratamento, transformou a idéia freudiana de pulsão na dos afetos, isto é, em um esquema cognitivo - talvez inconsciente e, todavia, inato - com o qual um sujeito organiza os próprios vínculos: a teoria do apego de Bowlby, por exemplo, presta-se a esse procedimento construtivista. O nosso continuismo não se baseia sobre a eliminação da impossibilidade, mas, ao contrário, baseia-se sobre o fato de que ela seja "partner" necessária do sujeito, Outro do gozo que se sobrepõe ao Outro do significante.

Para reafirmar o "não sem objeto" dos afetos, pode ser útil repensar a pulsão como vínculo social e, por isso, a instituição em termos de discurso. O discurso, assim como entende Lacan, não constitui a expressão de sentimentos ou de afetos, mas organiza uma representação do sujeito a partir do modo com o qual ele responde à impossibilidade da relação sexual. O discurso responde à lógica do fantasma, isto é, daquele afeto que o constitui como objeto causa de desejo.

Isso nos leva a inverter a relação entre sujeito e instituições: não é o sujeito que "deve" respeitar as instituições, mas é a instituição que será respeitada só se tiver vontade de dar ao sujeito uma representação, um lugar no vínculo social. O discurso do Mestre, em que o sujeito é representado de modo retrógrado na cadeia significante S1 S2, é o protótipo da instituição, mas com a condição de que o sujeito reconheça nele o poder, isto é, que exista o consenso acerca do lugar dominante (no alto, à esquerda no algoritmo). É assim para todo discurso e creio que seja isso que se queira exprimir - com qualquer translação - quando se diz "haver os ideais". Nessa condição, um discurso funciona como vínculo social e sustenta o sujeito enquanto instituído. Entretanto, a psicanálise busca obter uma passagem de discurso (amor de transferência). Hoje assistimos a proliferação das psicoterapias de sustentação do sujeito instituído. Talvez a exigência à qual responda é própria daquela de reparar, de curar o discurso, todo discurso que a contemporaneidade tem enfraquecido através da pluralização do NdP (multimediação).

Na escrita matemática do discurso de Mestre essa condição é expressa a partir de duas flechas que coligam, de modo cruzado, os dois postos embaixo da barra com os dois sobre ela: S/ S2 (significante para o qual S1 representa o sujeito) e a S1 (o significante principal que nomina a falta originária do sujeito que se repete como gozo, no fantasma ou no Sintoma). Nele se consegue que o Sintoma seja a condição do respeito às instituições.
Ora, em uma sociedade sempre centrada sobre a dominação do saber, que fornece os bens de consumo (gozo) ao sujeito, essa condição encontra-se enfraquecida e não "respeitada", na medida em que a codificação do saber capitalista antecipa sobre a fantasmática na nominação do objeto (S2-R-a).

Creio poder encontrar aqui a premissa que leva Lacan a dar uma indicação acerca da tarefa do analista no social: "talvez é do discurso do analista, que se completam os três quartos de giro, que pode surgir um outro estilo de significante-mestre" (XVII; p. 205 trad. italiana). Com essa tarefa, da qual Lacan não se cala diante do desafio da impossibilidade, somos confrontados a construir uma Escola do passe, onde o posto da exceção que a escola representa no social pode consentir a qualquer pessoa se colocar diante do real da clínica como o mais - um que transforme a firmeza do gozo, escolhendo a identificação que a sustenta (do tipo "sou um toxicodependente"). A demanda estereotipada pode encontrar a via de uma nova modulação, caso encontre um interlocutor que encarne uma nova versão do posto de poder.

Em outros termos, a política da psicanálise não tem necessidade de ligar a eficácia ao consenso majoritário dado ao seu discurso, porque oferece uma representação social ao lugar da exceção, e age caso a caso (portanto não é, nem ao menos, questão de minoria).

 

 

Endereço para correspondência
Carlo Viganò
E-mail: carlo.viganofastwebnet.it

Roseli Cordeiro Pereira
E-mail: barcia@barbacena.com.br

Oscar Cirino
E-mail: ocirino@uol.com.br

Artigo recebido em: 10/3/2006
Aprovado para publicação em: 30/3/2006

 

 

* Psiquiatra e psicanalista radicado em Milão. Membro da Associação Mundial de Psicanálise e da Casa Freudiana de Paris. Integrante da comissão de saúde mental da Associação Mundial de Psicanálise.
1 Lacan o enuncia claramente no V capítulo de Encore, onde diz que o acesso ao gozo é uma outra "satisfação", não necessariamente para pensar como uma transgressão. O gozo se introduz na fantasia do ser e "fantasiar-se não é transgredir". A essa conversão prospectiva corresponde, para o fim da análise, a passagem da "viagem" ao "saber fazer".

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