SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.4 issue6 author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Mental

Print version ISSN 1679-4427On-line version ISSN 1984-980X

Mental vol.4 no.6 Barbacena June 2006

 

RESENHAS

 

Ronaldo Calçado Júnior*

UNIPAC-Ubá

 

 

KOGUT, Eliane Chermann. Perversão em Cena. São Paulo: Escuta, 2005; 144 p. ISBN 85-7137-230-6

Perversão em cena

Psicóloga, psicanalista, doutoranda do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica da PUC-SP, coordenadora da Clínica escola da Faculdade de Psicologia do Centro Universitário de Santo André, autora de Perversão em cena (São Paulo: Escuta).

Para mergulhar nessa obra de Eliane Kogut, torna-se imprescindível se preparar para o conteúdo articulador que a mesma apresenta. Como fundamento principal, a obra se dirige a dois filmes: Lua de Fel e Perdas e Danos. É aconselhável que o leitor os assista, em primeira instância, e se disponha a ter uma visão mais ampliada sobre sua própria pessoa em relação ao mundo em que se insere. É preciso estar com a mente aberta e sensibilizada para elucidar a obra com maior clareza. Faz-se necessário estimular o leitor e apurar sua percepção para que tenha acesso aos novos conhecimentos sobre a perversão, rotulada como uma estrutura psíquica que não atende a uma demanda social, por ser considerada ruim ou devassa.

A partir do momento em que se começa a ler a obra, um novo mundo é apresentado ao leitor. Essa nova visão é alimentada por questões socioculturais de nossa contemporaneidade que culminam em relatos, até então, incompreendidos pelo leitor, tais como as indicações simbólicas referentes à linguagem dos personagens dos filmes e todo aparato teórico explicativo. Sujeitos com a estrutura perversa são comumente encontrados em nossa sociedade e julgados, de forma equivocada, pelos tipos de comportamento que podem marcá-lo. Geralmente esses julgamentos trazem conotação religiosa, mítica e moral.

A autora tenta desestruturar esse paradigma, promovendo as articulações entre os filmes, a ciência e o social com a própria perversão.

A obra, inicialmente, relata fatos com base científica, alicerçados nas obras de Freud e propicia ao leitor explicações detalhadas sobre o conteúdo perverso de um indivíduo como os indícios de sua etiologia, consolidados em sua estrutura, além de todo processo edipiano emergente. Dados que podem suprir a curiosidade técnica daqueles que se aventuram no mundo intensamente vasto e surpreendentemente "imperfeito" da perversão.

A obra tem caráter informativo para aqueles que não se inserem no contexto acadêmico ou não têm conhecimento sobre os discursos fundamentais científicos, pois suas informações são de natureza teórico-científica e não atendem adequadamente a indivíduos sem familiaridade com o contexto da ciência psicológica. Assim, Perversão em cena se dirige, mais especificamente, àqueles indivíduos que têm contato com o campo da academia científica.

Em dimensões diferentes, a obra vem nos mostrar vários pontos corroborados cientificamente a respeito da perversão, de acordo com autores como Freud, Lacan, Joyce McDougall e Otto Kernberg e faz com que o leitor tenha uma idéia mais contemplativa das diversas direções científicas apresentadas. Isso induz a uma crítica mais profunda sobre todo discurso da estrutura perversa e sobre o próprio leitor, que poderia formar um conceito absoluto e mecanizado sobre ela, não sendo, dessa forma, prudente ou coerente com o verdadeiro conceito dessa forma de personalidade. A obra de Kogut se destaca por esse diferencial, por promover nova forma de analisar e compreender os traços dessa estrutura de personalidade marcada pelo preconceito

A idéia do estereótipo, que corresponde a uma cristalização de juízo, apresenta-se em um contexto de inexperiência científica quando as pessoas se dispõem a fazer somente julgamentos morais e de valores que se manifestam como irrelevantes perante essa estrutura. Idéias estas, generalizadas, que conceituam o perverso em um aparato tão somente de maldade e de transgressividade de princípios. Kogut vem, por meio de sua obra, então, expor que ser condizente com uma estrutura perversa não se dá exclusivamente por uma base negativa, ligada a disposições sexuais indecentes, mas que a mesma carece de uma compreensão mais vasta e complexa do que esta estrutura aparenta ser. Com isso, a autora combina, com muita propriedade, a linha psicanalítica com as cenas contidas nos filmes, retratando-as com sutileza e perspectivação.

Um grande atrativo encontrado no resultado desse trabalho de Kogut é o fato de a autora ter articulado as cenas e os discursos dos personagens com embasamento científico, fazendo com que o leitor reestruture sua forma de pensar e passe a ter uma idéia mais apropriada sobre a estrutura perversa e sobre a forma como ela se insere nos contextos da psicodinâmica humana.

A leitura torna-se cada vez mais agradável à medida que uma série de enunciados significativos se apresentam nas cenas dos filmes, tornando-se mais vigorosos em suas seqüências, fazendo com que o leitor seja guiado por uma curiosidade crescente e contagiante. Mensagens relevantes sobre a articulação entre as cenas e as elucidações surpreendentes a Freud e a outros autores são insistentemente repetidas. Tais explicações facilitam a compreensão do leitor a respeito dos traços estruturais do perverso. A autora também faz com que, por meio dessa mudança de ótica em relação ao perverso, o leitor se envolva com a obra e estabeleça com ela uma relação de reciprocidade.

A obra apresenta uma linguagem clara, porém dentro do campo técnico, fazendo com que aqueles que se posicionam como leigos em psicanálise apresentem alguma dificuldade em compreender alguns termos, o que não inviabiliza a leitura nem a torna algo impossível de se apreciar e de captar seu principal sentido: o de entender a estrutura perversa com uma visão voltada para o social e para dentro de si mesmo.

 

 

* Aluno do 7º período de Psicologia da UNIPAC-Ubá

Creative Commons License