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Mental

versão impressa ISSN 1679-4427versão On-line ISSN 1984-980X

Mental v.4 n.7 Barbacena nov. 2006

 

ARTIGOS

 

A verdade sobre superidentificação

 

The truth about overidentification

 

 

Ian ParkerI*; Carmem Silvia Martins Leite (Tradução)

IManchester Metropolitan University - Inglaterra

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Neste artigo aborda-se o conceito psicanalítico de superidentificação em duas vertentes: uma que entende o imaginado como um lugar razoável, fixo e poderoso do pensamento e vê com constrangimento o caótico e o irracional. A outra vertente mobiliza forças simbólicas anárquicas para confundir e perturbar os organizados sistemas hierárquicos. Posteriormente, analisa-se a estratégia do Neue Slowenische Kunst (NSK) de usar a superidentificação como arma contra o stalinismo de Tito e o neoliberalismo contemporâneo. Finalmente, enfocam-se as peculiaridades da trajetória de Žižek, da psicanálise para a política.

Palavras-chave: Superidentificação, Psicanálise, Política, Identificação, Žižek.


ABSTRACT

The article approaches the psychoanalitical concept of overidentification in two ways: one way understands the imagined as a powerful fixed reasonable place of thought and views with entanglement the chaotic and the irrational. The other one mobilizes anarchic symbolic forces to discomfit and disturb hierarchical organized systems. Later, it's analysed the strategy of the Neue Slowenische Kunst - NSK of using the overidentification as a weapon against the Tito-Stalinism and the present neoliberalism. Finally, some peculiarities of Zizek's trajectory from psychoanalysis to politcs are approached.


Keywords: Overidentification, Psychoanalysis, Politics, Zizek.


 

 

O conceito de superidentificação é tirado da blindagem da psicanálise e transformado, por ativistas culturais do Neue Slowenische Kunst, em arma contra o Stalinismo de Tito e o neoliberalismo contemporâneo. A superidentificação funciona porque chama atenção para o modo com que a mensagem pública na arte, na ideologia e no dia-sonhado é completado por um elemento obsceno, o avesso oculto da mensagem, que contém a carga ilícita de prazer. Quando a superidentificação traz aquele aspecto ambivalente, que tem os dois lados da mensagem, à tona, pode ser mais estratégia subversiva do que simples prevenção. Porém, a trajetória particular de Žižek da psicanálise para a política implica táticas um pouco duvidosas de superidentificaçăo, que o deixa ainda mais próximo ao aparato ideológico que ele se propõe a desmantelar.

Vamos começar com dois modos de abordar o conceito e a prática de superidentificação, colocando esquematicamente a distinção entre os dois: um modo procede do que se imagina ser um lugar razoável fixo e poderoso de pensamento com o qual vê o embaraço, o caótico e o irracional como profundamente problemático. O outro modo mobiliza forças simbólicas anárquicas e absurdas para confundir e perturbar organizados sistemas sociais hierárquicos ao redor de pontos fixos de autoridade. Vale deixar claro como cada um desses modos opera em superidentificação e, então, tentamos trabalhar considerando uma de suas vertentes.

 

Superidentificação: o dominante clínico problemático

Podemos considerar que o dominante clínico problemático se manifesta de várias formas diferentes. O primeiro modo de abordar tentativas de superidentificação é conceitualizá-la, de tal modo que se evite isso. A superidentificação, quando é nomeada como tal, é tratada, freqüentemente, como problema institucional, e gira ao redor do processo de recrutamento de categorias diferentes de assunto. O aparato institucional interessado, normalmente, é aquele chamado de "educação especial", e a palavra "especial", aqui, é algo que deveria nos alertar para a produção e o regulamento de excesso, um excesso que é imediatamente necessário e rompente para um sistema simbólico.

Žižek tem comentado, freqüentemente, como a autoridade simbólica necessita de tal excesso e, entăo, precisa manter isso em cheque. Aqui, a imposição obscena superegóica para "deleite" tem sido uma elaboração útil dos comentários de Lacan sobre o papel do superego.1 Em "educação especial", nos Estados Unidos, a superidentificação dos estudantes afro-americanos é visto, justamente, como um problema2. Certas "fórmulas discrepantes" são usadas para determinar que quando, por exemplo, esses estudantes constituem 12% da população de estudantes e têm presença de 30% na educação especial, esse modo de previsão estatística (margem de chance) é, então, denominado "problema de superidentificação".

Deveria ser notado que, apesar de "superidentificação" ser assumida como sinônimo de super-representação, nesse contexto ela não o é. Desde que esses termos sejam significantes, eles operam em cadeias de equivalência e diferença, que são, simbolicamente estruturados do ponto de vista lacaniano. Não há tal coisa como um sinônimo, ponto a que voltaremos em breve.

Esse tipo de problema institucional denuncia falta de equilíbrio na administração do aparato educacional e, talvez, do amplo sistema do qual faz parte. O peso correto de categorias diferentes de identidade, controlado por escolhas governadas por regras cuidadosas e judiciosas sobre taxas de inclusão e exclusão deve, nessa visão, ser aquela considerada razoável. Isso porque, quando algo fortuito acontece, o funcionamento normativo é, muitas vezes, visto como atacado por preconceito irracional, que pode ter infiltrado e afetado a avaliação racional.

Žižek chamou atençăo para como, aparentemente, os sistemas econômicos equilibrados apenas funcionam em virtude do que foge ao julgamento de "agentes da razão" (especialistas). Como a causa de objeto de desejo é produzida e perdida e, assim, opera como obstáculo que é, simultaneamente, a condição de possibilidade e impossibilidade do sistema3. Quando o Departamento de Educação do Estado de Connecticut notou que "os estudantes negros e hispânicos são duas vezes mais prováveis de ser identificados com incapacidades intelectuais e emocionais que os seus contemporâneos brancos", estes foram vistos como "assuntos de superidentificação e desproporção"4. O significante "desproporção", aqui, é comparado com "superidentificação", de modo que evoca suposições subjacentes sobre como o sistema deveria e poderia funcionar proporcionalmente.

Nós, também, deveríamos observar como a superidentificação figura como dominante problemático em prática clínica, isto é, onde as raízes históricas do termo estão situadas em relação à identificação. Aqui, ela é configurada, tipicamente, como parte sedutora e prejudicial do que é denominado, na tradição psicanalítica dominante no mundo de língua inglesa, "contratransferência". Essa "contratransferência" indexa a "resistência", "os conflitos internos" e "as manchas encobertas" que afligem o psicanalista. Esses elementos podem ser tratados como interferências que enganam o analista e não deixam vestígios, ou como as suas "respostas emocionais apropriadas" que avisam sobre o que o paciente sente e tenta comunicar a eles5.

O aspecto desejável de "contratransferência", nessa tradição, é visto como o que foi chamado de "eco de empatia". Isso requer uma concepção da relação analítica para com a qual os lacanianos terão dificuldades, porque é algo muito perto da linha do Imaginário - uma ilusão de comunicação direta entre o paciente e o analista. Essa referência para a empatia também serve para chamar atenção para o fato de que o termo "contratransferência" é compreendido como "ao contrário de" em relação ao fenômeno da transferência, concebida como sentimentos e pensamentos que não podem ser levados, facilmente, de um indivíduo para outro. Lacan, em contraste, viu transferência como operação através e em relação a significantes, um campo de material simbólico no qual o paciente e o analista são, assimetricamente, uma parte6.

O trabalho realizado, o qual tenho chamado de dominante clínico problemático, no Centro para Vítimas de Tortura em Sarajevo, exemplifica que a superidentificação tem sido vista tanto como introdução em jogo como parte de uma "contratransferência" inadequada. Aqui, ela é vista como o oposto e o complemento de "resistência" (que pode incluir paternalismo, rejeição, conspiração de silêncio e recurso desnecessário para a medicalização). Essa superidentificação pode ser guiada por "vergonha e incapacidade", uma "aliança etnocêntrica não declarada" ou pela "armadilha da solidariedade"7. Haverá, com certeza, conseqüências indesejáveis para o paciente, mas essa forma de "superidentificação" é problema para o analista, passado no conteúdo psíquico que deveria ser assistido, conscientemente, e que deveria ser analisado minuciosamente8.

Tipos particulares de paciente, profundamente traumatizados, podem evocar tais reações. Outros exemplos na literatura incluem os estudantes em treinamento de residência psiquiátrica, que referiram-se aos chamados "pacientes especiais" como aqueles que podem ser inclinados à idealização de seus terapeutas e podem provocar a superidentificação9. Deveria ser notado, aqui, que em uma tradição psicanalítica que coloca um pouco de valor na identificação - incluindo ver o fim da análise como identificação necessária entre o ego do paciente e o de seu analista - há um ímpeto de conceitualizar o que pode ser excessivo ou desproporcional a esse resultado ideal10. A noção de superidentificação serve para atrair o que pode ser muito perigoso, muito ameaçador a uma prática que se vê como razoável e que objetiva trazer seus pacientes de acordo com a imagem de como um assunto individual deveria ser.

A "verdade" de tal abordagem é o ideal de adaptação e de integração - aquele avidamente abraçado pela maioria das terapias da nova geração, que declaram que sentimento e integração residem entre a ignorância e a superidentificação. A tarefa de identificar e de assimilar o que é irracional a um âmago racional estável do ego é bastante explícito. O foco em "sentimentos" e "sentimentos sob seus sentimentos", nesse explícito trabalho humanístico e integrativo, é o oposto da psicanálise lacaniana, como é a noção de que há uma "aprovação inata" sobre essas coisas, de forma que isso faça sentido para haver perguntas como "Sentimento, velho colega, o que você quer?"11 Aqui, o ego é representado como capaz de acesso ao que reside fora, o melhor para se fortalecer, de forma que o fim desta "análise" é aquela na qual (em uma tradução famosa da formulação de Freud), "Onde o id estava, lá o ego estará"12. Há, certamente, uma conexão com a educação, novamente, aqui, para a lógica dessa intervenção terapêutica, que é educar outros, de forma que eles sejam sujeitos autônomos, tão razoáveis quanto nós, e, então, incapazes de nos emaranhar na superidentificação com eles.

 

Superidentificação: UMA prática subversiva resistente

O "funcionamento da cultura", com certeza, é visto de forma bem diferente por Lacan; o ego não é considerado o centro triunfal do sujeito, o que nos permite retornar ao segundo modo de conceitualizar superidentificação. Esse modo é mais vulnerável à superidentificação e é uma prática subversiva resistente. É dirigida contra as faces racionais e irracionais da autoridade, as chamadas sensatas para a ordem, e o suplemento obsceno da lei. A superidentificação, agora, opera como estratégia para a formação de condições de possibilidade para a regra do mestre visível, de tal modo que faça tal regra impossível.

O conceito de superidentificação, nessa forma radical, origina do movimento punk, em Ljubljana, no início dos anos 80, em uma cena punk carregada politicamente, que enfrentou uma combinação peculiar de repressão e tolerância nos últimos anos do regime de Tito. A combinação de vigilância, que pretendia identificar e isolar os dissidentes ativos e de indulgência, e tentou sufocar e recuperar o resto da população, era apenas uma versão particular intensa de formas de controle ideológico no resto de Europa. Os ativistas da arte souberam disso, porque a estratégia de superidentificação subiu um degrau quando a Eslovênia se desvencilhou da Iugoslávia, em 1991, e foi proclamada país capitalista autônomo e livre.

A oposição ao Stalinismo de Tito, na Eslovênia, começou com o punk, e o primeiro passo para uma estratégia de resistência organizada ao redor da superidentificação foi a formação do Neue Slowenische Kunst (NSK) em 1984. Componentes diferentes do NSK - o grupo do projeto Novo Coletivismo, os sócios artistas de Irwin e o grupo Laibach - tiveram como alvo a infra-estrutura simbólica do regime, ridicularizando e arruinando esse último, mas de tal modo que era difícil para as autoridades denunciarem, explicitamente, ou suprimirem esse movimento13. Žižek se origina dessa prática de arte conceitual política. É crucial levar isso em conta se quisermos entender o que ele tem tentado fazer com a teoria lacaniana para ler Hegel. Termina em uma fase povoada com categorias marxistas, teoria que foi criada em relação com e contra um regime desintegrante que ele próprio exigia lealdade ao marxismo14.

A superidentificação, aqui, leva o sistema à sua palavra e considera as demandas contraditórias das autoridades mais seriamente que o sistema considera de si mesmo, tão seriamente que não pode suportar aquela participação instruída, mas não pode recusar isto. Essa não é apenas uma paródia do totalitarismo, mas funciona como se fosse uma identificação obsessiva com ele, culminando exatamente no que um sistema de poder exige de seus partidários em suas mensagens públicas. Mas, esse sistema também precisa se distanciar, como parte de sua tentativa de melhorar para proteger-se da crítica e, para conter a crítica, deve-se permitir. Por exemplo, o grupo do projeto Novo Coletivismo submeteu um cartaz durante o "Dia da Juventude da Iugoslávia", em 1987, o ano quando se deu a volta da Eslovênia, ao surgir com a principal publicidade para um evento que, também, marcou o aniversário de Tito. O painel de juízes elogiou o projeto obedientemente - uma figura muscular inclinada para frente, segurando uma tocha fora no primeiro plano, como se estivesse encarnando o espírito da juventude socialista iugoslava. Soube-se que o projeto original era de 1936, propaganda socialista nacional alemã. O escândalo resultante desse fato suscitou perguntas sobre as formações simbólicas que operam através de aparatos estatais ideológicos. Aquele "Dia da Juventude" acabou sendo o último15.

Quando a Eslovênia tornou-se um estado independente, em 1991, a resposta do NSK foi a de formar seu próprio aparato estatal e, assim, o NSK State in Time fundou seus próprios consulados e embaixadas, que emitem passaportes razoavelmente convincentes, e permitiu algumas pessoas a fugir da Bósnia em 1995. Naquela data, elas foram distribuídas em Sarajevo durante o Laibach 'Occupied OTAN Tour'. Žižek elaborou uma lógica teórica para o NSK de um aparato estatal; o estado desintegrado na Iugoslávia e o NSK proveram uma forma simbólica que ergueu-se sobre os conflitos étnicos - uma autoridade estatal nova que estava enraizada mais no tempo do que no território geográfico16.

Um ponto de referência conceitual fundamental para o grupo de Irwin, que são os artistas estatais da NSK, um ponto de referência que é ecoado através de outros componentes do NSK e pelo trabalho de seus simpatizantes, do Suprematism, um movimento de arte radical que foi estabelecido em 1915 e floresceu como resultado da Revolução Russa. Recuperado e remobilizado da história inicial soviética, o quadrado preto e a cruz preta de Kazemir Malevich funcionaram como formas que tornaram-se inertes, que opera como se eles fossem "objetos puros" e que podem estar conformados com e contra a arte realista soviética e a arte socialista nacional, em superidentificação com essas tradições artísticas para destruí-las de dentro. A combinação de imagens kitsch, tal como o cervo com chifre de Landseer e o refuncionamento da "fotomontagem anti-fascista" converte esse trabalho de ser somente paródia em algo que evoca e desintegra a suposta unidade orgânica da tradição cultural17.

Como parte da iconografia do NSK State in Time, o Suprematism fornece, imediatamente, um sistema simbólico triunfal e vazio. O quadrado preto de Malevich ainda está presente na prática artística contemporânea da ex-Iugoslávia. Nas intervenções feministas, em 2001, na Veneza Biennale, por exemplo, Tanja Ostojic raspou seu cabelo púbico em um quadrado preto, em uma superidentificação com o estabelecimento da arte que jogou em e contra a "objetificação" da forma feminina: "[…] entre as pernas de Ostojic, o núcleo real/impossível da máquina capitalista de força artística recebeu o único e radical possível aparecimento crítico, que é um aparecimento em carne e sangue"18.

Os sócios mais notórios do aparato estatal do NSK são seus políticos, o grupo Laibach19. Formado na cidade industrial mineira de carvão, Trbovlje, em 1980, o ano em que Tito morreu, "Laibach" é o nome alemão para Ljubljana. Assim, o uso do nome já era, desde o princípio, uma provocação. A música transformou, durante os anos, gerações sucessivas de comunistas, anticomunistas, antifascistas, e a juventude neonazista se reuniu para apoiar esse grupo. A cruz preta de Malevich e os uniformes militares fazem uma pergunta ao público sobre o que causa a sua superidentificação com a parafernália do estado. Žižek discute em seu artigo "Por que Laibach e NSK não são fascistas?" a questão que eles manipulam transferência: "o seu público (especialmente, os intelectuais) é obcecado com o 'desejo do Outro' - o que é a posição atual do Laibach, eles são, verdadeiramente, totalitários ou não". Esse público espera uma resposta quando, de fato, o que são forçados a produzir é uma pergunta sobre o desejo e onde eles se encontram e, assim, com a dissolução da transferência, afirma Žižek, "o Laibach, aqui, na verdade, realiza a reversăo que define o fim da cura psicanalítica."20

O Laibach se embebe em imagem totalitária do estado e com o aparato teológico que dá suporte a ele, e podem ser encontrados muitos elementos teóricos que estruturam a própria escrita de Žižek. O cântico, deliberadamente, tautológico "Deus é Deus" (no álbum Jesus Cristo Superstar) traz uma semelhança extraordinária à prece do espírito mundial de Hegel, quando se lê, à luz da descrição de Deus, achado no website da Embaixada Eletrônica do NSK State. Nele é proclamado que "Para Deus ser Deus, por exemplo, um Ser absoluto, infinito, onipotente, de auto-referência, Ele também pode ser a substância de sua própria essência e o espírito de sua própria entidade". Até mesmo algo tão próximo de um dos hegelianos favoritos de Žižek garante a versão peculiar do "materialismo" que, para Hegel, Der Geist ist ein Knochen (O Espírito é um Osso) será achado no "Documento de Admissão" do Departamento de Filosofia Pura e Aplicada do NSK. "A construção do Neue Slowenische Kunst (NSK) é, portanto, o seu esquema, penetrar nos poros do sistema nervoso, de forma que essa penetração é trabalho, a natureza da qual provoca reações no sujeito". Que modo poderia ser melhor de resumir a volta de Žižek ao Cristianismo que o Laibach - NSK State nos promete em sua superidentificação com este, como "o amor correspondido", do qual nós vivemos e cujo dogma é a ferramenta'21.

Como vimos, Žižek tem sido, freqüentemente, encorajador do NSK, e o desenvolvimento de seu trabalho está arraigado na mesma constelação de problemas e estratégias que esses ativistas da arte estavam elaborando. A briga sobre se o NSK é um "tipo de teatralização de algumas teses de Zizek" ou se o Laibach foi o primeiro a usar o método de superidentificação, o que Žižek, entăo, teorizou acerca do que eles fizeram nada tem a ver22. A propriedade de idéias já desloca a pergunta da cadeia de significantes para o domínio das intenções individuais. E tal deslocamento nos conduziria para longe de uma consideração teórica da qual Lacan tem a dizer sobre identificação e de uma pergunta mais séria sobre o que Žižek é capaz. Como veremos, a relaçăo de Žižek com o problema de identificaçăo e superidentificação não é tão Lacaniano e não tão radical quanto ele entende.

 

Identificação para Lacan

Lacan focalizou o conceito de identificação no Seminário 923 e, desde seu começo, deixa claro, que a sua elaboração desse conceito vai ser muito diferente de uma simples assimilação da identificação para processos mentais internos, na qual uma pessoa é presa à imagem do Outro. Enquanto essa forma de identificação pode ser teorizada com referência à fase de espelho e o imaginário, o Seminário 9 marca uma mudança de foco para identificação simbólica. Na primeira sessão, Lacan estabelece uma série de oposições - entre o reconhecimento e a conceitualização, entre "o pequeno outro e o Outro" - para enfatizar que a sua preocupação principal será com a identificação como presente no domínio do 'significante e seus efeitos'24.

O lugar desse seminário no desenvolvimento do trabalho de Lacan é importante. Esse é o caso, se vemos o trabalho de Lacan como necessariamente contraditório, como algo que localiza uma sucessão lógica de conceitos ou como algo que desdobra uma posição consistente. Seu local está entre o Seminário 8, a transferência25, no qual há um foco no agalma pelo qual Alcibíades é atraído como um objeto escondido em Sócrates, e o Seminário 10, a angústia26, no qual o objeto a é especificado como a causa do objeto indescritível de desejo, que produz ansiedade quando se aproxima. Assim, há uma elaboração de agalma como objeto a, no último seminário; e a posição do analista, no lugar do objeto a, é um modo em que a transferência será explorada nos próximos seminários de Lacan27.

Porém, o Seminário 9 elabora um conceito que se tornará importante para o trabalho sobre a relação analítica, embora não esteja relacionado, imediatamente, nesse momento, à transferência. Refere-se como garantia de consciência individual, a qual nós devemos "aprender em todo momento para prescindir de", esse conceito é o "sujeito que se supunha conhecer"28.

Esse pequeno grupo de seminários encontra-se entre o Seminário 7, em éticas (Lacan faz referência a ele no começo do Seminário 9) e o Seminário 11, sobre os quatro conceitos fundamentais (transferência, inconsciente, repetição, pulsão). Nós estamos, então, entre dois relatos bastante diferentes da relação que está além do significado. Enquanto o seminário de ética - o qual Lacan viu como um dos mais importantes - discute o passo de Antígona além da lei, em uma região entre duas mortes, para focalizar na Coisa29, o Seminário sobre os quatro conceitos fundamentais, ao invés desse objeto, na realidade, ser o objeto a, o objeto ao redor da pulsão que move sem alcançar plenamente o objeto30.

Na varredura temporal mais ampla dos Seminários há, como observa Lacan, uma alternância entre o foco no significante do Seminário 1 e através dos seminários com números ímpares e um foco no sujeito, nos seminários com números pares. O Seminário 9, realmente, focaliza no significante e isso é particularmente importante, já que funciona como corretivo para o modo que a identificação é, geralmente, compreendida. Esse Seminário, no entanto, faz algo novo para interromper a seqüência com uma elaboração da relação do sujeito com o significante e há uma invocação repetida da definição do significante em oposição a um signo como "não o que representa algo para alguém, é o que representa, precisamente, o sujeito para o outro significante"31.

As formulações que Lacan apresenta no Seminário 9 têm várias conseqüências importantes para as intervenções tanto clínicas como, também, políticas. E, indiferentemente de quem fosse realmente responsável pelo desenvolvimento da superidentificação como prática subversiva resistente, é uma concepção lacaniana de identificação que suporta tal prática. Sem o retorno particular de Lacan para Freud, haveria sempre risco de que a superidentificação saísse da esfera do simbólico no imaginário, da esfera da prática corretamente política, para a economia afetiva centrada, individualmente, do amor e do ódio (e apelando para o humanista-integrativo, o ego-psicológico, as relações objeto ou concepções Kleinianas do ego).

É significante que a discussão teórica mais detalhada de Freud sobre identificação se encontra em seu texto sobre o homem em sociedade, em um livro que é dado o errôneo título inglês de "Psicologia de Grupo e Análise do Ego"32. Aqui, ele esboça três modos de identificação: há uma primeira vinculada com um objeto de amor, há alianças histéricas com outras na mesma situação e há um terceiro tipo que pode ser importante na formação de um sintoma neurótico que Freud descreve como parcial e extremamente limitado e que "só pede emprestado uma característica única da pessoa, que é seu objeto"33. Essa "característica única" - o "einziger Zug", Freud especifica no texto alemão original - é aceito por Lacan e é mencionado como primeiro ponto de identificação simbólica, como um signo, no Seminário sobre transferência34 e como "significante" no Seminário sobre identificação35.

Essa mudança crucial na leitura de Lacan sobre Freud gira ao redor do significante como um ponto de identificação em lugar de unificação36; é nessa pura diferença que a unidade, em sua função significante, estrutura-se37. Isso significa que a identificação simbólica está com um significante que se repetirá pela vida do sujeito e, certamente, assim o fará no processo da transferência. Isso não pressupõe a internalização de uma imagem ou, certamente, de qualquer ponto de unificação para definir a consciência do sujeito a eles mesmos. Lacan gasta muito tempo atacando a suposição - historicamente - específica subjacente dessa visão de consciência, algo que se manifesta em um "sujeito que se supunha conhecer". Há em toda auto-identidade a suposição que UM = UM; "UM é UM, constituiu, como eu poderia dizer, a condição de uma era inteira de pensamento do qual a exploração cartesiana com que eu comecei [o Seminário] é o termo"38. Žižek endossa essa crítica do cogito Cartesiano e enfatiza seu local histórico e a prática da psicanálise, quando chama a atenção para o argumento correspondente de Lacan que esse cogito é, de fato, "o sujeito do inconsciente"39.

A repetição de significantes, longe de operar como garantia de auto-identidade atrapalha e deveria ser tratada, então, a identificação simbólica como prática com a qual sempre há a possibilidade de superidentificação. Essa visão lacaniana de identificação não tenta se fechar ao diferente como o dominante clínico problemático, que vê a superidentificação como algo a ser evitado. Ao invés, "o significante tem uma fecundidade porque nunca é nenhum caso idêntico a si mesmo", e a repetição de significantes - como "Guerra é Guerra", produz diferença em lugar de, simplesmente, ser tautologia40. Se consideramos, por um momento, o cântico de Laibach "Deus é Deus", podemos ver como isso funciona para perturbar, em lugar de fixar o significado, que está junto ao significante "Deus". Essa identificação de Deus já é uma superidentificação que reduz sua unidade em significantes absurdos, algo que poderíamos ver como "reduzir os significantes em seus absurdos"41. A prática psicanalítica, então, sempre é uma prática cultural.

 

Identificação com Žižek

A superidentificação é parte crucial da estratégia retórica de Žižek, e a sua escrita ainda tem algum poder de perturbar e opor formas ideológicas tomadas como certas. No momento, sua escrita está situada em um texto ou em um fenômeno cultural que analisa essa questăo. Atualmente, no momento dessa análise, é como se ele se alienasse disso.

O efeito simbólico é aquele que o escritor e o leitor se alienam com o texto ou com o fenômeno em questão, levando-o extremamente a sério para desconstruí-lo a partir de dentro, para desvendar como as convenções artísticas, em termos de sua construção formal, os motivos ideológicos, como sua estrutura semiótica explícita e implícita, e os elementos de fantasia que nos prendem a isto como algo que funciona junto. O seu melhor trabalho produzido, durante o período de luta cultural e política, na Eslovênia, no término dos anos oitenta, proporcionou nova maneira de ler Lacan e achar novas estratégias para lidar com a ideologia42. Porém, a repetição de temas desses textos iniciais tem, pouco a pouco, suscitado mais algumas noções duvidosas. Enfatizaremos, aqui, aqueles que apresentam as orientações mais notáveis da psicanálise Lacaniana, particularmente, em relação à problemática de identificação.

Note como as referências para Lacan são, freqüentemente, associadas a uma série de indivíduos carismáticos que iniciam ou formalizam sistemas de pensamento. Já há um lapso revelador da característica distintiva particular do significante "Lacan" para as relações pessoais entre o líder e o seguidor, uma regressão da identificação simbólica para o pior dos efeitos imaginários que Freud descreveu em Psicologia de Grupo e a Análise do Ego. Assim, por exemplo, Žižek discute que "Lenin năo apenas traduziu" adequadamente a teoria Marxista em prática política - melhor, ele "formalizou" Marx, definindo a Festa como a forma política de sua intervenção histórica - da mesma maneira que Saint Paul "formalizou" Cristo, e Lacan "formalizou" Freud43. Uma vez que a seqüência é estabelecida, somos conduzidos a pensar sobre a posição do autor que a formaliza.

Esse assunto não será resolvido tão facilmente; para isso, há outra figura inserida na série psicanalítica: Jacques-Alain Miller. Žižek diz que "exerceu uma influęncia retroativa no próprio Lacan, forçando-o a formular a posição dele de um modo muito mais conciso", e ele o fez pela "apresentação do domínio do terror institucional", em resposta a ex-Millerianos, que acusam Miller de Stalinista. Žižek, entăo, nega a importância disso e é "tentado a responder" - e ele, então, faz - "por que não? Isso não é nenhum terror autodestrutivo", mas algo "de uma ordem totalmente diferente na comunidade psicanalítica - aqui, a figura de Stalin é uma "boa figura"44.

Aqui, uma batalha política é substituída nas brigas entre tradições psicanalíticas e a sua identificação com a causa é como um membro de um grupo, seguidor leal de um líder com que ele, evidentemente, se identifica. Isso é porque, por exemplo, ele repete, quase literalmente, chamadas para lutar com a Associação Psicanalítica Internacional (IPA), por Jacques-Alain Miller "nós somos Lacanianos, pelo contrário, o exército psicanalítico, um grupo combativo trabalhando para uma reconquista agressiva definida pelo antagonismo entre nós e eles, evitando, rejeitando, até mesmo, a filial verde-oliva tolerante do IPA"45. Há diferenças, certamente, sérias entre a tradição da IPA e a psicanálise Lacaniana, como pode ser visto na oposição que nós ensaiamos entre a superidentificação no dominante clínico problemático nessa tradição e a superidentificação subversiva resistente. Mas, para fazer a pergunta, em termos de batalhas de conquista e reconquista, é preciso entrar, diretamente, no domínio de identificação imaginária.

Histórias sobre os camponeses rivais eslovenos são projetadas para incultar em casa a mensagem que haveria "uma explosão descontrolada de ressentimento", caso houvesse uma sociedade igualitária. Sintomaticamente, esse tipo de apelo para relações que têm como base amor-ódio é reproduzido em "a partes" humorísticos durante ataques polêmicos sobre colegas, da seguinte forma: "Agora que nós viemos à parte ruim, ruim para ele, bom para mim, há, há"46.

A fixação em importantes indivíduos apóia-se na suposição de auto-identidade (que UM = UM). Assim, Žižek é, sem escapatória, levado a tentar aconselhar aqueles com quem parece se identificar. Uma característica notável da política de Žižek é sua oscilaçăo entre o entusiástico ato de adotar um sistema de idéias ou estrutura de autoridade e sua tentativa de escapar dessa adoção, por via de uma recusa absoluta, que ele tenta justificar com referência à noção de Lacan do "ato" psicanalítico47. Sua preocupação com a situação do Papa João Paulo II enfrentada com os problemas institucionais acumulados, historicamente, da Igreja Católica (molestações sexuais de crianças por padres, atividades do Opus Dei etc.) é sintomático. Os funcionários do Vaticano estão preocupados com uma posição neutra que será complacente com as sensibilidades liberais e mostram, como exemplo, a "reação espontânea do Papa" ao filme A Paixão de Cristo como mostra verdadeira da paixão tal como era. O Papa é apontado por Žižek e identificado como a figura que lutava contra os que o traiam e, embora tenha sido, no final, um "fracasso ético", lá ainda permanece a admiração por esse solitário indivíduo e o julgamento que "o que era melhor no papa anterior era sua posição ética intratável"48.

A admiração e o conselho para líderes fortes podem ser uma função da posição de nosso autor, agora, separada da prática política coletiva e de propostas políticas que pressupõem a avaliação individual consciente e a ação. Nesse sentido, as advertências de Lacan sobre as atrações da consciência unitária e da ficção em que há um "sujeito que se supunha conhecer" parecem bastante hábeis. A atração por categorias clínicas psicanalíticas dessa posição individualizada serve para sustentar, afinal, uma política conservadora, até mesmo se, ocasionalmente, é feita uma mudança da extrema esquerda.

As caracterizações de Žižek da prática psicanalítica parecem, também, freqüentemente projetadas para amedrontar os liberais, e eles năo fazem aos analistas nenhum favor. Para defender o Laibach, no terreno que eles manipulam transferência e forçam o público a desistir de procurar respostas para eles, por exemplo, riscos que comportam um processo particular da clínica em prática cultural, acabam reduzindo a política em psicanálise.

Os membros do Laibach estão bem contentes em jogar com a imagem psicanalítica e provocar seu público com a idéia de que poderiam trazer felicidade ou conhecimento a eles. O título no álbum WAT, de 2003, no qual as letras do título querem dizer "Nós Somos Tempo", torna isso claro. "Nós não temos nenhuma resposta a suas perguntas. Contudo, nós podemos questionar suas reivindicações. Nós não pretendemos economizar suas almas. Expectativa é nosso dispositivo". Porém, as intervenções do NSK se dão em circunstâncias políticas precisas, assim como as práticas coletivas49.

A discussão feminista contemporânea de Tanja Ostojic, como a do cabelo púbico no quadrado preto, por exemplo, refere-se, satisfatoriamente, à defesa de Žižek do Laibach, em 1993, mas também assume o papel de essencialismo estratégico e de distância crítica em práticas de superidentificaçăo. O Looking For a Husband with EU Passport em Ostojic também lida com a interseção entre gênero e opressão cultural que navegam, em lugar de simplesmente recusar, os contornos ideológicos do multiculturalismo liberal50.

Enquanto Lacan é cuidadoso para localizar a "metáfora permanente" do ego, na qual a psicanálise opera historicamente51, Žižek trata a psicanálise como se ela devesse ser permanente, disponível, como um ponto do qual se oferecem diagnoses de outras culturas. Com relaçăo a esse respeito, ele é um fundamentalista psicanalítico, algo que deveria ser distinguido de prática psicanalítica como tal. Isso porque, talvez, ele incite "os esquerdistas radicais" (entre aqueles que contam com ele próprio para tais propósitos retóricos) a nunca esquecer que "é o fundamentalista populista, não o liberal que é, num termo longo, seus aliados. Com toda sua raiva, os populistas não são bravos o bastante - não radicais o suficiente para perceber a ligação entre o capitalismo e a decadência moral que eles condenam"52. Presumivelmente, o papel que a psicanálise fez, tradicionalmente, na luta contra a "decadência moral" deveria ser visto como radical ou, ainda, mais radical53.

Lacan foi só muito útil para Žižek como base para ler os idealistas alemăes, entre os quais Hegel é o mais proeminente, mas Schelling é o parâmetro. Apesar das referências tendenciosas para a "ação" no trabalho de Lacan, o que Žižek está realmente interessado é num ato de "auto-postulado livre, por meio do qual o homem corta a corrente da necessidade causal em pedaços; ele toca o Absoluto de si mesmo como a origem do abismo primordial de todas as coisas"54. Isso também deveria dissipar qualquer ilusão sobre o "Marxismo suposto de Žižek", como deve ser a afirmaçăo de que a decisão do Vietcong para cortar o braço esquerdo de crianças vacinadas quando eles retomaram uma aldeia era parte de uma estratégia revolucionária. "Esta rejeição profunda do Inimigo - precisamente - no seu aspecto 'humanitário' de ajuda, não importa quais os custos, tem que ser endossado em sua intenção básica"55.

A trajetória de Žižek está longe do Marxismo voltado para o individualismo esquerdista-falso, do tipo conhecido depois da Primeira Guerra Mundial por Renzo Novatore, em seu texto Toward the Creative Nothing (no qual nós acharemos mais que uma sombra do Schelling de Žižek). "Agora, mais do que nunca, nós precisamos de um movimento revolucionário antidemocrático, anticapitalista, antiestado, que aponta à liberação total de cada indivíduo de tudo aquilo que o impede de viver a sua vida em termos de seus sonhos mais bonitos - sonhos livres dos limites do mercado."56

Há conseqüências sérias para esses que gostariam de, ainda, ver Žižek como "Marxista" e igualmente para esses que ainda exigem-no como "Lacaniano". É, com certeza, apenas uma questăo de tempo para Žižek chegar ao ponto em que a fidelidade, aparentemente, dogmática para a psicanálise, é abandonada e a adoração amorosa é substituída por ódio ávido no domínio da identificação imaginária e da superidentificação. Suas primeiras objeções ao Seminário 7 - o seminário de ética - irão, sem dúvida, afastá-lo de Lacan, talvez num fervor completamente anti-lacaniano57.

Quando a Eslovênia se uniu à União Européia, em 2004, Žižek escreveu um breve artigo de jornal para explicar aos leitores sobre o que os quase dois milhões de pessoas poderiam ter que oferecer ą nova Europa58. A Europa, certamente, foi ponto de referência favorito para Žižek como o espaço de luta revolucionária. "O terceiro mundo năo pode gerar resistência forte o bastante para a ideologia do sonho americano. Na constelação mundial presente, só a Europa é que pode fazer isso"59. A ele já havia sido pedido, pelo governo esloveno, conselho durante a bem sucedida campanha para se unir à OTAN e, depois disso, pareceria que uma questão sobre a contribuição da Eslovênia deveria ser levada muito seriamente.

Agora, estamos longe do material ego-ironising produzido pela "Agência Eslovena Espacial", que circula nos eventos Noordung Theatre Cosmokinetic da NSK, em 2004, ou de outras "iniciativas transnacionais" da NSK que teclam em redes alternativas pela antiga Iugoslávia, que se opõem aos aparatos estatais, geograficamente, delimitados60. Ao invés disso, estamos no mundo de poder estatal europeu e da OTAN que bombardeou Belgrado e que Žižek endossou (mesmo que a frase da versăo do e-mail que declarou que "não há, ainda, bombas suficientes, e eles estão muito atrasados" tenha sido apagada antes da publicação por um leitor esquerdista)61.

No momento em o Estado NSK pudesse fornecer um antídoto a tempo às pretensões da Europa e a cada componente nacional, Žižek se negligenciou, até mesmo, a mencionar seus antigos camaradas. Uma conclusão seria que a identificação muito próxima com o poder de Estado, ou "uma superidentificação" que se encontra seduzida com o acesso ao poder tomou o lugar da superidentificação subversiva resistente.

Žižek tem viajado um longo caminho desde as leituras mais radicais de Lacan e está envolvido nas piores formas de identificação com a autoridade e a queixa histérica que o colocam mais de perto dessa questão. Essa é a mensagem infeliz, em verdadeira forma inversa, mandada de volta a ele sobre o lugar funcional de sua atitude radical, a verdade sobre a superidentificação em Žižek.

 

Comentários de Žižek sobre o artigo de Parker62

Slavoj Žižek comentou sobre este artigo no desenvolvimento de sua resposta a uma coletânea de artigos. Tal resposta será publicada como "Com amigos como estes, quem precisa de inimigos?", que será publicado por Bowman, P. and Stamp, R. (Eds.). The Truth of Zizek, New York: Continuum, 2007.

É interessante que os leitores saibam o que Žižek disse em sua defesa. Com relaçăo à reivindicação, em meu artigo, que foi pedido a ele, pelo governo esloveno, por conselho durante a campanha bem sucedida de plebiscito para se unir a OTAN, ele diz que essa reivindicação é "uma mentira completa, se é que alguma vez existiu". Ele, então, continua: "O que me preocupa na intervenção de Ian Parker é uma série de insinuações diretamente equivocadas, tal como a seguinte: 'Quando a Eslovênia se uniu à União Européia, em 2004, Žižek escreveu um breve artigo de jornal para explicar aos leitores o que esses dois milhões de pessoas, mais ou menos, têm a oferecer à nova Europa'. O trecho, certamente, insinua que eu estava elogiando a intervenção da Eslovênia a partir da postura nacionalista. No entanto, aqui está a primeiríssima frase do artigo ao qual Parker se refere: "Nos meses anteriores à entrada da Eslovênia para União Européia, quando uma jornalista estrangeira perguntou-me em qual nova dimensão a Eslovênia contribuiria para a Europa, minha resposta foi: nenhuma".

Outro trecho totalmente equivocado: "No momento em que o NSK State in Time poderia fornecer um antídoto às pretensões da Europa e a cada componente nacional, Žižek negligenciou-se, até mesmo, a falar de seus antigos camaradas. Uma conclusăo seria que essa identificação tão próxima do poder do estado, ou uma 'superidentificação', que é seduzida com o acesso ao poder, tomou o lugar da superidentificação subversiva e resistente. Bem, eu admito isso; não apenas 'negligenciei, até mesmo, a falar' deles - por motivos políticos, eu - agora - ativamente, me oponho a eles. Por quê? Dois anos ou mais atrás, membros do NSK começaram a queixar-se de que o papel deles na luta pela independência da Eslovênia não é, suficientemente, reconhecido (por exemplo, eles não são, decentemente, incluídos na narrativa nacionalista sobre as origens do estado da Eslovênia, que está, agora, sendo escrito). Para arrumar isso, eles organizaram um volume de coletânea celebrando a sua contribuição, para o qual convidaram, ainda, alguns nacionalistas da direita - alguém pronto para elogiá-los... Claro, recusei-me a ter algo com essa mudança da NSK em artistas do estado. Se existe uma "identificação tão próxima do poder do estado", é a deles, a razão pela qual cortei os laços com eles.

 

 

Endereço para correspondência
Ian Parker
E-mail: I.A.Parker@mmu.ac.uk

Carmem Silvia Martins Leite (Tradução)
E-mail: carmems@powermail.com.br

Artigo recebido em: 1/8/2006
Aprovado para publicação em: 11/10/2006

 

 

*Professor da Manchester Metropolitan University, Inglaterra. Editor do Annual Review of Critical Psychology. Autor de Cultura Psicanalítica. Discurso psicanalítico na sociedade ocidental.
1Por exemplo, Žižek, S. (1991) Looking Awry: An Introduction to Jacques Lacan through Popular Culture. Cambridge MA: MIT Press., p. 25.
2Education Commission of the States (2005) ECS Education Policy Issue Site: Special Education - Overidentification, http://www.ecs.org/html/issue.asp?issueid=112&subIssueID=199 (accessed 1 August 2005).
3Žižek, S. (1993) Tarrying with the Negative: Kant, Hegel, and the Critique of Ideology. Durham NC: Duke University Press (p. 142).
4 LRE News (2003) Conferência do Estado de Connecticut sobre Super-identificação e Desproporção em Educação Especial. http://ctserc.org/.lrenews/Articles/Fall2003/ConnecticutStateSummitO.html (accessed 1 August 2005).
5Veja, por exemplo, Sandler, J, Dare, C and Holder, A. (1979) The Patient and the Analyst, London: Maresfield Reprints (originally published 1973).
6Veja, por exemplo Lacan, J. (1969-1970) Seminar Book XVII, Psychoanalysis Upside-Down / The Reverse Side of Psychoanalysis, translated by Cormac Gallagher from unedited French manuscripts.
7Dizdarević, T. (2001) Certas Manchas Encobertas na Abordagem Psicoterapęutica de Vítimas de Guerra, Zdravstvo.com, http://www.healthbosnia.com/radovi/tarikd.htm (accessed 1 August 2005).
8Um exemplo de uma abordagem que também conceitualiza os problemas que a superidentificação implica para o paciente, ver Mendelsohn, E. (2002) The Analyst's Bad-Enough Participation, Psychoanalytic Dialogues, 12, (3), pp. 331-358.
9Kay, J. (1981) Quando os residentes psiquiátricos tratam os estudantes de medicina: Passagem através da Idealização e da super-identificação, General Hospital Psychiatry, 3, (2), pp. 89-94.
10Para um exemplo deste problema ver Hartmann, H. (1958) Ego Psychology and the Problem of Adaptation. New York: International Universities Press (originally published 1939).
11Mensing, S. (n.d.), Learning to Feel and Integrate Your Feelings, http://emoclear.com/processes/feelintegrate.html (accessed 1 August 2005).
12 Freud, S. (1933) New Introductory Lectures on Psychoanalysis (Lecture XXXI: The Dissection of the psychical personality), in Freud, S. (1964) The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud, Volume XXII (1932-1936). London: Hogarth Press (p. 80).
13Por uma análise e história detalhada ver Monroe, A. (2005) Interrogation Machine: Laibach and the NSK State.
Cambridge MA: MIT Press.
14Um relato que mostra a distância entre os lacanianos hegelianos de Zizek e o Marxismo revolucionário ver Parker, I. (2004) Slavoj Žižek: A Critical Introduction London: Pluto Press.
15Stepančič, L. (1994) The poster scandal: New Collectivism and the 1987 Youth Day. In I. Arns (ed.) (2003) IRWINRETROPRINCIP: 1983-2003. Frankfurt: Revolver.
16Stepančič, L. (1994) The poster scandal: New Collectivism and the 1987 Youth Day. In I. Arns (ed.) (2003) IRWINRETROPRINCIP: 1983-2003. Frankfurt: Revolver.
17Mudrak, M. (2001) Neue Slowenische Kunst e a Semiótica no Suprematismo. In I. Arns (ed.) (2003) IRWINRETROPRINCIP: 1983-2003. Frankfurt: Revolver.
18Gržnić, M. (2004) Situated Contemporary Art Practices: Art, Theory and Activism from (the East of) Europe. Ljubljana: Založba ZRC, (p. 30).
19Parker, I. (2005) Laibach and Enjoy: Slovenian Theory and Practice, Psychoanalysis, Culture & Society, 10, pp. 105-112.
20Žižek, S. (1993) Why are Laibach and NSK not Fascists? In I. Arns (ed.) (2003) IRWINRETROPRINCIP: 1983-2003. Frankfurt: Revolver (p. 49-50). Also available at http://www.nskstate.com/ (accessed 8 November 2005).
21http://www.ljudmila.org/embassy/ (accessed 8 November 2005).
22Richardson, J. (2000) NSK 2000? Irwin and Eda Cufer interviewed by Joanne Richardson, http://subsol.c3.hu/subsol_2/contributors/nsktext.html (accessed 3 January 2003).
23Lacan, J. (1961-1962) The Seminar of Jacques Lacan Book IX, Identification, translated by Cormac Gallagher from unedited French manuscripts.
24Lacan (1961-1961), op. cit., 15 November 1961 (p. 5).
25Lacan, J. (1960-1961) The Seminar of Jacques Lacan Book VIII, Transference, translated by Cormac Gallagher from unedited French manuscripts.
26Lacan, J. (1962-1963) The Seminar of Jacques Lacan Book X, Anxiety, translated by Cormac Gallagher from unedited French manuscripts.
27Por exemplo, Lacan (1969-1970) op. cit.
28Lacan (1961-1961), op. cit., 22 November 1961 (p. 4).
29Lacan, J. (1992) The Ethics of Psychoanalysis 1959-1960: The Seminar of Jacques Lacan Book VII (translated with notes by Dennis Porter). London: Routledge (originally published 1986).
30Lacan, J. (1979) Four Fundamental Concepts of Psycho-Analysis (translated by Alan Sheridan), Harmondsworth: Penguin (originally published 1973).
31Lacan (1961-1961), op. cit., 6 December 1961 (p. 12).
32Freud, S. (1921) Group Psychology and the Analysis of the Ego, in Freud, S. (1964) The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud, Volume XVIII (1920-1922). London: Hogarth Press.
33Ibid., p. 107.
34Lacan (1960-1961) op. cit. 7 June 1961 (p. 12)
35Lacan (1961-1962) op. cit. 29 November 1961 (p.1)
36Ibid. p. 11.
37Ibid. p. 10.
38Ibid.
39Žižek, S. (ed.) (1998) Cogito and the Unconscious. Durham NC: Duke University Press (p. 6).
40Lacan (1961-1962) op. cit. 6 December 1961 (p.4).
41Esta é uma tradução modificada por Dany Nobus e por Malcolm Quinn da tradução de Alan Sheridan de Lacan (1979) op. cit. (que é 'que reduz a não-significância dos significantes'). Ver Nobus, D. e Quinn, M. (2005) Não sabendo nada, permanecendo idiota: elementos para uma Epistemologia Psicanalítica. Londres: Routledge (P. 189).
42Por exemplo, Žižek, S. (1989) The Sublime Object of Ideology. London: Verso.
43Žižek, S. (ed.) (2002) Revolution at the Gates: A Selection of Writings from February to October 1917: V. I. Lenin (edited with an Introduction and Afterword by Slavoj Žižek). London: Verso (p. 191).
44Ibid., (p. 316).
45Slavoj Žižek (1999) Os direitos humanos e seus descontentamentos, http://www.bard.edu/hrp/zizektranscript.htm (acessado em 7/06/2002).
46O colega em questão, aqui, era Ernesto Laclau, e os comentários foram feitos durante a intervenção de Žižek 'Against the populist temptation' na conferęncia de Londres, em novembro de 2005, 'Is the Polits of Truth Still Thinkable'; a intervenção consistiu principalmente de partes lidas de material publicado nos protestos de rua franceses, em cujas histórias sobre o camponês esloveno aparece - 'a bruxa diz-lhe: "Eu farei a você o que quer que você peça, mas eu advirto-o, mim o farei a seu vizinho duas vezes!" O camponês, com um sorriso astuto, pede-lhe: "Tome um de meus olhos!". Žižek, S. (2005) Algumas reflexões polķticas incorretas sobre a violência na França & matérias relacionadas, http://www.lacan.com/zizfrance.htm (alcançado 23 novembro 2005).
47Parker, I. (2004) Žižek: Ambuvalęncia e Oscilaçă, Psychology in Society, 30, pp. 23-34.
48Žižek, S. (2005) Os fracassos do Papa, In These Times, 8 abril, http://www.inthesetimes.com/site/main/article/2059/ (alcançado 11 agosto 2005). Note que ele aparece elogiando a resposta positiva do Papa à The passion of the Christ e cai então no comentário tendencioso adiante que 'o tópico moderno de direitos humanos está calcado ultimamente na noção judaica do amor para com o próximo'. Em outra parte, o livro do trabalho é chamado a fornecer 'o primeiro caso exemplar da crítica de ideologia na história humana', e - em um comentário que é diretamente relevante à super-identificação - o Cristianismo é 'a primeira (e única) religião a radicalmente esquecer a diferença entre o texto oficial /público e seus suplementos initiatic obscenos'; em Žižek, S. (2005) O ato e suas vicissitudes, The Symptma, 6, HTTP: //www.lacan.com/symptom6_articles/zizek.html (alcançado 23 novembro 2005). O elogio ao Cristianismo e a depreciação do Judaísmo é um tema que circula em seu trabalho. Ver Parker, I. (2004) op. cit.
49Ver Monroe, A. (2005) op. cit.
50Milevska, S. (2005) Milevska, S. (2005) Objects and bodies: Objectification and over-identification in Tanja Ostojić's art projects, Feminist Review, 81, pp. 112-118.
51Lacan (1961-1961), op. cit., 15 November 1961 (p. 4).
52 Žižek, S. (2004) Além do arco-íris, London Review of Books, 26, (21), p. 20.
53Ver, por exemplo, O'Connor, N. and Ryan, J. (1993) Wild Desires and Mistaken Identities: Lesbianism and Psychoanalysis. London: Virago. For Žižek's own uneasy comments on lesbianism see Žižek, S. (2002) op. cit. (p. 323).
54Žižek, S. (1996) The Indivisible Remainder: An Essay on Schelling and Related Matters. London: Verso.
55Žižek, S. (2005) Žižek Live, in Butler, R. (2005) Slavoj Žižek: Live Theory, New York: Continuum (p. 147).
56Introdução de tradutor anônimo para Renzo Novatore's (n.d.) Toward the Creative Nothing. San Francisco: Venomous Butterfly Publications, Elephant Editions.
57Ver seus comentários no seminário de ética como aquele que não é meu Lacan simbólico porque endossa a renúncia ao destino, uma política de aceitação, ao contrário de um ato 'que agitará o simbólico, seguindo uma conversa anunciada como o sermão de Slavoj Žižek defende o patrimônio Judaico-Cristăo', Faculdade do reinado Chapel, Londres, 8 dezembro 2004.
58Žižek, S. (2004) O que se encontra abaixo, The Guardian, sábado 1 maio. Uma versão prolongada foi publicada no mesmo dia sob um título diferente: Žižek, o S. (2004) O que a Europa quer? In these Times, http://inthesetimes.com/site/main/article/166/ (acessado em 8 nov. 2005). Não obstante, ele declara ainda que o 'a lição de Laibach é mais pertinente do que nunca' em um prefácio a um livro novo sobre NSK, em Žižek, 2005, Prefácio: Eles moveram o subterrâneo, em Monroe, A. (2005) op. cit.
59Žižek, S. (2005) A constituiçăo está inoperante. Vida longa ŕ política apropriada, The Guardian, 4 de junho.
60Jeffs, N. (1995) Transnational dialogue in times of war: The peace movement in ex-Yugoslavia, Radical Philosophy, 73, pp. 2-4.
61Žižek, S. (1999) Against the double blackmail, New Left Review, 234, pp. 76-82. See the discussion of the different versions of this article on the NATO bombing in Homer, S. 'It's the Political Economy Stupid!' On Žižek's Marxism, Radical Philosophy, 108, pp. 7-16.
62Nota do Editor: O presente comentário foi encaminhado por Parker à Revista, em outubro do corrente ano, com solicitação de publicação.

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