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Mental

Print version ISSN 1679-4427On-line version ISSN 1984-980X

Mental vol.4 no.7 Barbacena Nov. 2006

 

ARTIGOS

 

As repercussões psicológicas da gravidez no pai

 

The phsychological "father's pregnancy" repercussion

 

 

Láyla Pereira Lobato Campos*

Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora - Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O Complexo de Édipo, o conjunto organizado de desejos que a criança nutre pelos pais, desempenha papel fundamental na estruturação da personalidade. Por isso, pode ser que os sentimentos suscitados nesse estágio, que por volta dos cinco anos se tornam latentes, ou seja, "adormecidos" no inconsciente, sejam revividos em qualquer momento cujo contexto se assemelhe ao referido período. Assim, a gravidez pode ser considerada uma situação, pois o corpo e a postura que a mulher adota nessa fase despertam no homem que assume a paternidade, sentimentos de exclusão e de inveja. Como forma de exprimi-los, o pai apresenta sensações semelhantes aos da companheira, o que, psicologicamente, denomina-se Síndrome de Couvade. Este artigo confirma essa predição, ao afirmar que a gravidez desperta no pai sentimentos latentes do Complexo de Édipo e o corpo é usado regressivamente para manifestar antigos conflitos.

Palavras-chave: Complexo de Édipo, Gravidez, Inconsciente, Personalidade, Síndrome de Couvade.


ABSTRACT

Complex of Edipo is an organized set of desires that the child nourishes for the parents. It plays a basic role in the personality's development. The feelings that come out during this period, that remains latent, or either "asleep" in the unconscious, when the person is five years old, becomes alive again at any moment whose situation is similar to this cited period. Thus, the pregnancy can be considered a situation, therefore the body and the behavior that the woman adopts in this phase raises in the man who assumes the paternity, the feelings of exclusion and envie. As a form to show them, the father feels similar sensations of his woman. Psychologycally, this phenomenum is called Complex of Couvade. This article confirms this prediction, when afirms that the pregnancy in the father raises the Complex of Édipo feelings and his body is used regressively to reveal old conflicts.

Keywords: Complex of Edipo, Pregnancy, Unconscious, Personality, Complex of Couvade.


 

 

As repercussões psicológicas da gravidez no pai

A personalidade do ser humano começa a ser estruturada nos primeiros anos de sua existência. O processo que desencadeia o crescimento da vida psíquica se dá, inicialmente, com a extrema dependência do bebê por sua mãe, o que estabelece uma relação dual, simbiótica, em que cada um tem o outro para si como falo e objeto de satisfação. Porém, à medida que o tempo passa e ocorre o amadurecimento físico e psicológico, o mundo de relações da criança se amplia até o momento de incluir o pai em seu campo de influência.

Começa-se, nesse ponto, outra etapa - o Complexo de Édipo - marcada pela entrada do pai na relação que se transforma na tríade pai - mãe - bebê. A nova relação suscita sentimentos de exclusão e inveja no menino, porque este toma sua amada para si, negligenciando, muitas vezes, o pai em uma relação que se identifica como "de homem e mulher". Dentro desse contexto, destacam-se dois momentos: o Complexo de Castração e a Cena Primária.

É na fase do Complexo de Castração que o menino descobre a diferença anatômica entre os sexos e, conseqüentemente, faz duas associações: a mãe é desprovida de pênis (que aqui não é entendido como órgão biológico, mas como símbolo de poder) e, por esse motivo, procura o pai que possui o falo e pode satisfazê-la: Ele percebe que seu pênis de menino é pequeno e, embora o use para reconquistar a mãe, sente medo de perdê-lo mediante a ameaça de castração efetuada por aquele que barra seu caminho até sua amada. É o momento no qual se destaca a inveja, dado que o "rapazinho" nutre tal sentimento por aquele que possui o que ele não tem: a mãe e o poder do pênis.

Já em relação à Cena Primária, o sentimento que se destaca é o de exclusão, visto que a criança sente-se negligenciada da relação do casal a partir do momento em que ela observa ou fantasia a cena da relação sexual dos pais.

Toda essa vivência e os sentimentos dela suscitados tornam-se inconscientes quando a criança entra no período de latência, que coincide com a entrada na fase escolar.

Na sucessão desse período, a pré-adolescência, a puberdade e o início da vida adulta dão continuidade ao processo evolutivo físico e psicológico do ser humano, que passa por várias transformações. Cada um desses processos pode implicar escolhas diferentes que geram novas sensações e, assim, despertar os sentimentos vividos na infância e que permaneceram "adormecidos" no inconsciente.

Uma dessas escolhas é a união conjugal, em que o sujeito revive seu passado, ou seja, tanto o homem quanto a mulher procuram seu parceiro baseando-se, inconscientemente, em seus pais na época do Complexo de Édipo.

A partir dessa união pode surgir o desejo por um filho. No momento em que tal desejo é concretizado, o homem, que assume o papel de pai, reage à sua nova condição e à postura da esposa, reativando do estado de latência os sentimentos de inveja e de exclusão da relação vivida com seus pais na época do Complexo de Édipo.

É importante ressaltar que o impacto, as vivências e as repercussões da gravidez são, naturalmente, bastante diferentes na mulher e no homem. Embora a contribuição de um e de outro seja idêntica, é a mulher que vai sentir o filho crescer dentro de si, dar à luz e amamentá-lo. Portanto, apesar de os diferentes graus de envolvimento, a gravidez tem repercussões muito importantes no relacionamento homem - mulher, a ponto de se poder falar em termos de "casal grávido" (MALDONADO, 1997).

O relacionamento homem - mulher é o primeiro ponto de atenção para a análise dos sentimentos de exclusão e de inveja suscitados no homem quando assume o papel de pai. Quando o casal se une em uma relação dual, tornam-se objetos de desejo um do outro e, logo, abastecem-se em um encontro afetivo e erótico. Quando decidem por um filho, assumem a gravidez em sentidos conscientes, ou seja, a barriga crescerá, a gestante terá desejos de alimentos incomuns, o bebê nascerá, terá determinadas características etc. Não sabem, no entanto, da transformação psíquica que atinge a cada um deles de maneiras diferentes e peculiares.

Quando Nunes (2000, p. 157), a partir da passagem de Freud, ressalta a postura assumida pela mulher, no momento em que o corpo começa a adquirir o aspecto da gravidez, considera dois sentimentos do pai: o de exclusão e o de inveja.

O sentimento de exclusão aparece a priori, quando o narcisismo da mulher modifica gradualmente a imagem que tem de si própria e a faz voltar-se totalmente para seu estado de completude e para seu bebê. Assim, o homem sente que sua esposa volta toda a atenção, que julga ter sido usurpada dele, para esse novo membro que parece pertencer somente a ela. O homem percebe a si mesmo como alguém negligenciado da nova relação estabelecida.

Ao se deparar com tais prerrogativas da esposa grávida, o parceiro masculino acha-se também perdido e luta para estabelecer sua própria contribuição pois, através dos tempos, na maioria das sociedades, a mulher tem sido definida, fundamentalmente, por seu papel procriativo e maternal, enquanto o homem passou a ter que criar identidades masculinas, em contra-identificação com a maternidade feminina (MALDONADO, 1997). Além disso, é perceptível que, mesmo ao dormir, o corpo de sua esposa garante o crescimento da criança, enquanto, mais uma vez, o pai tem que trabalhar para manter contatos e encontrar seu lugar na esfera produtiva de onde parece ter sido excluído por não poder participar diretamente do contato com o filho que está sendo gestado (RAPHAEL- LEFF, 1997).

Ainda voltado para o mesmo parâmetro, Raphael - Leff (1997, p. 61) reafirma que, ao contrário da grávida, que carrega uma visível protuberância, o pai expectador pode se sentir, e, muitas vezes, é, deixado de fora e ignorado também pelos amigos e profissionais da saúde.

Portanto, o sentimento de exclusão não se localiza somente na situação do "homem-pai" voltado para o corpo e estado grávidos da companheira, mas também na própria sociedade, que parece se importar somente com aquela que revela seu corpo com a nova estética.

Outra situação de destaque é a sexualidade da gestante. A gravidez altera a experiência interna da sexualidade da mulher, pois suas reações espontâneas são modeladas por sensações corporais e experiências hormonais incomuns, bem como sua experiência psíquica da gravidez. O corpo da gestante não é mais somente dela. A gestante é mais do que a soma dela mesma. Não mais um ser único, unitário: ela contém uma parte, em crescimento, de seu companheiro, enquanto ele permanece fisicamente indivisível e separado, como o foi desde o nascimento. Fisiologicamente e psicologicamente, ele é imutável, enquanto nela, influências da gravidez afetam todas as esferas de sua experiência corporal e psíquica (RAPHAEL- LEFF, 1997).

Em suma, a gravidez faz com que a mulher canalize grande parte de sua atenção e de sua energia para seu mundo interior, de modo que as novas sensações físicas e emocionais que emergem desse contexto passam a reger seu comportamento e pensamento. Do modo em que se encontra, "incorporada" e "maravilhosamente cheia", sua sintonia deixa de ser com o marido e passa a ser com o feto e, assim, pode ocorrer a diminuição do desejo sexual, que tem raízes na separação que se faz entre maternidade e sexo (MALDONADO, 1997).

A passagem abaixo exemplifica muito bem essa questão:

Jacob mal é notado agora. Gabriela, quatorze semanas de gravidez, refestela-se confortavelmente no divã, segurando a barriga. Sinto pena dele. É extraordinário ser capaz de ter um filho, o fenômeno mais privilegiado. Com isso, minha libido, simplesmente, foi-se. Estou completamente desinteressada por sexo. Realmente, não quero nada, nada de fora. Sinto-me fisicamente satisfeita, como se o bebê tivesse calado uma profunda necessidade física. Ele, o Jacob, é muito paciente, mas precisa ser satisfeito e sente-se excluído. (RAPHAEL- LEFF, 1997, p. 78).

Nessa nova condição, a mulher não sente vontade sexual e, mais uma vez, Raphael- Leff (1997) cita a forma com que o homem se percebe rejeitado e excluído: "Agora ela está grávida, descartou-me sexualmente. Às vezes, eu me sinto como o macho da aranha, que é devorado após a fertilização" (RAPHAEL- LEFF, 1997, p. 44).

O homem, então, quando assume o papel de pai e se vê diante do corpo e do estado grávidos de sua companheira, percebe todas as alterações físicas e psicológicas da gestante e também sofre com as mudanças, pois conluios emocionais ocorrem em todos os relacionamentos íntimos; neles, os parceiros, cada qual a partir de sua história individual, são inconscientemente induzidos a representar cenas de seu mundo interior, que se assemelham às sensações e aos sentimentos experenciados durante a gravidez.

O homem que assume a paternidade viverá, portanto, tais sensações, de acordo com seu mundo interior. A partir de toda essa experiência do período gestacional, o sentimento de exclusão é vivido dessa forma pelo pai. Tal sentimento é retomado da época do Complexo de Édipo, dado que o ser humano tende a expressar seus interesses presentes, que se assemelhem com reminiscências e símbolos do passado remoto, despertando tudo aquilo que foi recalcado, mas que permanecia latente no inconsciente (SOIFER, 1992).

Para alguns homens, a revisão de seu passado, durante o período de gravidez de suas companheiras, pode provocar uma reavaliação de questões interiores, o que resulta em recombinações da própria personalidade. Evidentemente, esse novo estado da companheira reativa no homem a problemática inconsciente relacionada com a figura feminina e, nos casos em que o conflito da época do Complexo de Édipo não tenha sido adequadamente resolvido, pode, ainda, reatualizar antigas situações infantis.

Ao rever, sumariamente, essa etapa do desenvolvimento psíquico do indivíduo, tem-se que o bebê vive em relação de dependência dual com sua mãe, na qual ambos são objeto de desejo do outro e colocam-se como poderosos, completos, fálicos. Após o desenvolvimento físico e psíquico, o bebê passa a perceber o pai como alguém que pertence ao seu ciclo vivencial e, ao mesmo tempo, como componente da tríade pai - mãe - bebê. Com isso, a mãe volta-se para o pai, que vem barrar o caminho de incestuosidade do filho em direção à sua amada e, assim, o filho se sente, muitas vezes, negligenciado a partir de várias situações que presencia, principalmente, das experiências adquiridas com a Cena Primária (KUSNETZOFF, 1982).

Na gravidez parece ocorrer situação semelhante, responsável por fazer o pai reviver toda essa etapa. Em uma fase anterior, havia somente o casal - homem e mulher - que vivia em uma relação simbiótica e de auto-satisfação. Posteriormente, decidem por um terceiro que começa a se fazer fortemente presente quando a barriga da gestante começa a crescer. Em conseqüência, há a transformação psíquica da mãe. O bebê passa a ser o interditor da relação pai / mãe (esposo e esposa), pois propicia que sua geradora se sinta tão completa que dispensa a presença daquele que a satisfazia sexualmente. Desta forma, o companheiro da mulher grávida percebe que está do lado de fora dessa relação. Ele se encontra duplamente excluído: pela esposa fálica "poderosa", que se dedica totalmente ao bebê, e pela sociedade que dispensa toda a atenção para essa mulher (SOIFER, 1992).

Constata-se que aquilo que fora preservado na memória inconsciente, por causa do recalque, necessário para a entrada do sujeito no período da latência, pode ser revivido em qualquer situação ao longo da vida. No caso em questão, a situação é revivida quando o marido se defronta com a gravidez da esposa. Isso, no entanto, só é possível porque este evento adquiriu importância relevante e semelhante à experiências vividas na época do Complexo de Édipo.

Não é somente o sentimento de exclusão que faz com que esse homem, que assume a paternidade, reviva esse conflito edípico, mas também a inveja da condição feminina de assumir o papel procriativo e maternal que lhe é atribuído através da história da humanidade (MALDONADO, 1997).

Raphael-Leff (1997) revela não ser incomum a inveja do homem pela capacidade da mulher criar seu filho. Para fazer a afirmação, toma, como referência, as descrições de Freud que dizem respeito ao primitivo desejo do jovem de ter um filho ao se identificar com sua mãe, bem como ao desejo de ter nascido de seu pai, para ser sexualmente satisfeito por ele e para presenteá-lo com uma criança. Isso culmina numa fantasia de penetrar no útero da mãe, a fim de substituí-la, durante o coito, com o pai. Durante a gravidez de sua companheira, mais uma vez, perturbadoras fantasias infantis, da época do Complexo de Édipo, e a profunda inveja tanto de suas capacidades como da criança no ventre da gestante podem reaparecer no homem.

A análise da inveja do "homem-pai" não se restringe somente a esse ângulo. Maldonado (1997) pontua que a função maternal e, principalmente, procriativa da mulher lhe dá garantia de sobrevida à angústia de morte, ou seja, ela pode protagonizar com a gravidez o nascimento que se opõe à morte, enquanto o homem se sente inferior devido à sua infertilidade, considerada por ele como vulnerabilidade, impotência e risco de morte.

A mesma autora ainda lembra que, no período que antecede o Complexo de Édipo, o menino passa pelo processo de descoberta da diferença anatômica entre os sexos que, até então, durante a relação dual com a mãe, tinha a prevalência do masculino, ou melhor, a criança atribuía a todos os seres humanos a presença do pênis. Com o amadurecimento psíquico, passa a notar que há algo diferente, ou seja, ele possui algo que a menina não tem e, mais tarde, também reconhece a ausência do pênis na mãe. Juntamente a essa descoberta, há a entrada de um terceiro na relação mãe / bebê, o pai, cuja presença forma uma tríade que vai promover uma série de transformações. Uma delas é a percepção de que o pai lhe barra o caminho de satisfação sexual com a mãe, e esta, por sua vez, procura o pai que possui o pênis, que não se trata somente do órgão biológico, mas o falo, aquilo que é dotado de poder.

A criança, inconscientemente, tem para si que perdeu sua amada para alguém "onipotente" e "poderoso" e, assim, inveja-o por possuir o falo que não tem e pelo privilégio exclusivo de seu pai de fazer amor e bebês, pois seu pênis de menino é pequeno, impotente o que é bastante angustiante, vulnerável. Vulnerável porque, mesmo sabendo que a mãe prefere o pai, o "rapazinho" ainda tenta reconquistá-la, correndo o risco da ameaça de castração por parte de seu rival (MALDONADO, 1997).

Tais experiências psíquicas, ocorridas na etapa da construção da personalidade do sujeito, permitindo o surgimento das sensações de exclusão e de inveja, são vivenciados, originalmente, como pertencentes ao mundo externo. Mas para que ocorra o desenvolvimento psicológico do ser humano, acabam tornando-se parte integrante de seu mundo interno. Quando algum estímulo, que neste caso é o corpo e o estado de gravidez da mulher, faz-se semelhante ao dos vividos na época do Complexo de Édipo, percebe-se, segundo McDougall (1996), que tais experiências, por estarem "enxertadas" no indivíduo, podem ser revividas, como acontece com aquele que assume a paternidade.

Assim, o inconsciente, que é primitivo e arcaico, reflete os sentimentos suscitados na infância, que estavam latentes. No entanto, o homem que assume o papel de pai e está diante da companheira grávida não irá se comportar da mesma forma que quando era criança, pois a razão da mente consciente altera todas as regras de lógica, não se exprimindo, portanto, em palavras racionais ou pensamentos, e sim em imagens, fantasiais ou por meio da linguagem fisiológica (HOWARD et al, 1984).

Esse último processo está relacionado aos sentimentos de exclusão e inveja revividos pelo pai, pois tem o objetivo de aliviar a tensão imposta pelos conflitos e sensações que estavam latentes no inconsciente. À linguagem fisiológica dá-se, então, o nome de psicossomática que, teoricamente, caracteriza-se como perturbações psicogênicas, ou seja, aquelas em que o estado emocional desempenha um papel direto no desencadeamento de uma sensação corpórea. Trata-se não só de uma forma de simbolismo, como também de um esforço para solucionar o conflito edipiano (HOWARD et al, 1984).

Soifer (1992, p. 33) reafirma a questão, ao pontuar que "a gravidez desperta no pai sentimentos latentes do Complexo de Édipo, e o corpo é usado regressivamente para manifestar esses antigos conflitos através da patologia psicossomática denominada Síndrome de Couvade".

A terminologia Síndrome de Couvade, de acordo com Hilário (2002, p. 1)1, não significa, a rigor, uma patologia. Usa-se tal termo por se tratar de um conjunto de sintomas que se manifestam com mais freqüência nas mulheres, mas que também pode aparecer nos homens durante a gestação de suas companheiras. Por outro lado, segundo o mesmo autor, Couvade é um termo francês que designa o costume difundido entre os indígenas da América do Sul e das tribos da costa ocidental da África, segundo o qual o pai, após sua companheira dar a luz, não pode trabalhar nem comer certos alimentos no período conhecido como resguardo. Entre aquela população, era costume o marido receber todas as atenções depois do parto. Era ele que ocupava a rede que deveria servir à mulher nos dias seguintes ao nascimento da criança, enquanto a mãe, depois de se lavar com o filho, retomava a lida habitual. Era, pois, o homem quem recebia as visitas e os presentes que os familiares e amigos ofereciam para festejar o nascimento da criança.

Esse hábito também foi difundido na época de Freud, quando ele próprio expôs:

[...] a teoria da "couvade" que, como se sabe, é um costume generalizado entre alguns povos, tem como finalidade provavelmente desfazer as dúvidas quanto à paternidade, que nunca podem ser totalmente afastadas. O homem costumava permanecer em casa por vários dias após os partos de sua mulher, recebendo os visitantes de roupão, fato que leva à conclusão de que tanto o pai quanto a mãe participavam do nascimento da criança e precisavam repousar (1976, v. VIX, p. 226).

Atualmente, essas duas terminologias foram reunidas pela Psicologia, que a chama de Síndrome de Couvade e se refere à gravidez psicológica dos homens; na mulher é considerada uma doença, denominada pela Medicina como pseudociese (HILÁRIO, 2002, p. 1)2.

Não foram somente os dados acima que geraram o nome e a pesquisa da Síndrome, mas os estudos da história da evolução da humanidade, mais especificamente, das posições sociais ocupadas por homens e mulheres. Há poucas décadas, a idéia machista de que a mulher servia para procriação e o homem era o chefe da família, distante, sempre ocupado e responsável pelo seu sustento, vem sendo reestruturada. Com a entrada da mulher no mercado de trabalho, os papéis ficaram mais divididos e muitos homens seguem a teoria de que não basta ser pai, tem que engravidar (SOIFER, 1992).

Embora a ciência ainda não tenha evoluído o suficiente para possibilitar a geração de bebês em homens, alguns pais chegam a engordar, a enjoar e a sentir desejos durante a gestação, como as futuras mães (RAPHAEL-LEFF, 1997).

Hilário (2002, p. 1)3 expõe uma passagem que ilustra bem esse fato:

A pequena M., nascida há 25 dias, só foi gerada no ventre da mãe porque o pai não conseguiu subverter a ordem natural da evolução humana. Durante a geração da primogênita, o veterinário A., 32 anos, reescreveu o velho slogan de propaganda de pomada: "Não basta ser pai, tem que engravidar". Do mesmo jeito que a mulher, a também veterinária V., 27, ele enjoou e sentiu desejos. Levou ao pé da letra o conselho dos especialistas e foi exemplo de carinho e atenção com a esposa.

Tais sintomas têm para McDougall (1984) uma explicação na psicossomática, que considera a mente e o corpo como partes integrantes do ser humano como um todo e, portanto, inseparáveis. Existe um processo único em marcha dentro do organismo, e é impossível que uma parte se altere sem que as demais não sofram mudanças. Qualquer resposta mental, seja ela reação emocional ou atividade intelectual, é parte de um processo físico. Analogamente, todo estado físico - seja de bem-estar ou de padecimento - possui componentes emocionais. As emoções são capazes de alterar o equilíbrio endócrino, o fluxo sangüíneo e a pressão, inibir os processos digestivos, alterar a respiração e a temperatura da pele.

Por isso, Maldonado (1997) afirma que o aumento significativo do apetite e do peso, as náuseas e os vômitos, as dores estomacais e dentais, a sonolência, as prisões de ventre e as palpitações são sintomas expressos por meio do corpo para manifestar conflitos vividos na época do Complexo de Édipo, suscitados no pai durante a gravidez.

Lembra Raphael-Leff (1997, p. 57) que a Síndrome de Couvade é mais comum do que se pensa. Pesquisas indicam que a metade da população de futuros pais desenvolve alguns sintomas relativos à gravidez durante o curso da gestação. Diversos estudos confirmaram a preponderância de obsessões hipocondríacas entre futuros pais; tais reações podem ser uma forma de transferir, inconscientemente, o foco das atenções para seus próprios corpos e se tornarem mais suscetíveis a doenças como gripe e viroses.

O mesmo autor lembra que, em geral, a Síndrome não costuma causar distúrbios psíquicos, sendo aconselhável procurar um especialista somente quando a situação foge de controle e passa a incomodar o casal e as pessoas próximas. Raphael-Leff cita, ainda, a vontade que os homens têm de gerar filhos e o fato de serem poucos os que reconhecem essa questão. Os sintomas também demonstram a necessidade que muitos homens têm de se tornarem pais. A ansiedade, aliada a uma forte ligação afetiva e emocional com a mulher, acaba por transferir para o marido uma série de sensações que costumam se manifestar somente na figura feminina. Mas é perfeitamente possível e normal que aconteça em homens.

A partir desse levantamento, é possível constatar que a experiência adquirida durante o processo de estruturação da personalidade do ser humano constitui-se em um complexo conjunto de sensações e afetos que permanecem "adormecidos" no inconsciente do indivíduo até que uma situação semelhante à do período da infância propicie a retomada de todos os sentimentos que ficaram marcados para o sujeito.

Em outras palavras, fica claro, ao longo deste artigo, a importância do desenvolvimento psicológico e a forma com que a rede de relacionamentos do ser humano, em suas diversas situações - dual, triádica e momento de gravidez - podem retomar, a todo instante, aquilo que ficou marcado como elemento constituinte da vida psíquica.

No estudo, levanta-se também o quanto é importante que o profissional da saúde, especialmente o psicólogo, se volte para o casal grávido possibilitando a troca das experiências, comportamentos e sentimentos de cada um dos parceiros nessa nova relação. Dessa forma, torna-se possível trabalhar com os conteúdos psicológicos, latentes ou não, do pai e da mãe e enriquecer, ainda mais, o estado de gravidez que pertence não só à mulher, como também ao homem que assume a paternidade.

 

Referências

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Artigo recebido em: 1/5/2006
Aprovado para publicação em: 6/9/2006

 

 

*Psicóloga pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora e MBA em Gestão de Pessoas e Negócios pela UFJF, consultora de Psicologia Organizacional, Recursos Humanos e Docência.
1http://www2.correioweb.com.br/cw/EDICAO 20020728/vid mat 280702 69.htm
2http://www2.correioweb.com.br/cw/EDICAO 20020728/vid mat 280702 69.htm
3http://www2.correioweb.com.br/cw/EDICAO 20020728/vid mat 280702 69.htm

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