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Mental

versão impressa ISSN 1679-4427versão On-line ISSN 1984-980X

Mental v.5 n.8 Barbacena jun. 2007

 

RESENHAS

 

 

Josana de Oliveira Abreu; Kênia Lisieux Aparecida de Paula*

Universidade Presidente Antônio Carlos - Brasil

 

 

DARCY, Raiça; PRIOSTE, Cláudia; MACHADO, Maria Luiza Gomes. 10 questões sobre a educação inclusiva da pessoa com deficiência mental. São Paulo: Avercamp, 2006. 112 p. ISBN 858931135X

O livro 10 questões sobre educação inclusiva da pessoa com deficiência mental, escrito por Cláudia Prioste, Darcy Raiça e Maria Luiza Gomes Machado, tem o intuito de trazer contribuições que possam ajudar a esclarecer questionamentos em relação à inclusão de pessoas com deficiência mental no Ensino Regular. A obra se divide em dez segmentos nos quais são focadas as questões mais pertinentes relacionadas ao tema.

Na primeira parte do livro, as autoras expõem as diferenças entre educação especial e educação inclusiva. Por muitos anos, a educação especial ocorreu em espaços separados. A educação inclusiva, então, surge como movimento opositivo às concepções paradigmáticas da educação especial, focada nos déficits e na separação. A educação inclusiva procura identificar as limitações do ambiente em prover educação de qualidade a todos, em vez de focar o déficit funcional da criança. Com a inclusão, espera-se que a escola também se mobilize para oferecer condições educacionais que beneficiem o desenvolvimento de todas as crianças.

As autoras demonstram que existem características predominantes no paradigma da educação especial e no paradigma inclusivo, que tornam claras as diferenças entre ambos. Exemplos dessas características são os tipos de foco, a ênfase, o diagnóstico e a preparação dos professores em cada um dos paradigmas.

O conceito de deficiência mental é definido, formalmente, pela APA (2002) - American Psychiatric Association (associação médica responsável pela organização do manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais, o DSM) como comprometimento intelectual significativo, acompanhado de limitações importantes no funcionamento adaptativo em, pelo menos, duas das seguintes áreas de habilidade: comunicação, autocuidados, vida doméstica, habilidades sociais/interpessoais, usos de recursos comunitários, auto-suficiência, habilidades acadêmicas, trabalho, lazer, saúde e segurança. Além disso, o início da deficiência deve se manifestar antes dos 18 anos. Nessa perspectiva, o diagnóstico busca identificar as necessidades de apoio que deverão ser oferecidas pelo meio social.

O diagnóstico envolve também a pesquisa de possíveis etiologias e, quanto antes for realizada, melhores serão as possibilidades de intervenção. As causas e os fatores de risco que podem levar à deficiência mental são inúmeras. Entre elas, podemos destacar os pré-natais, que incidem desde a concepção até o início do trabalho de parto; os perinatais, que abrangem o período do início do trabalho de parto até o trigésimo dia de vida do bebê e os pós-natais, que vão do trigésimo dia de vida ao final da adolescência.

É importante fazer o diagnóstico diferencial, pois algumas situações como o fracasso escolar produzido pelas desigualdades sociais, pode confundir, muitas vezes, os profissionais menos preparados. O diagnóstico da dislexia também precisa ser bem definido para que o transtorno não seja confundido com outros. Há também muita confusão entre as definições de doença mental e deficiência mental. Na primeira há comprometimento da percepção da realidade, o que não ocorre no caso da deficiência.

As autoras ainda destacam que não é possível definir quem é o portador de deficiência mental, pois se trata de uma pessoa como as demais; são afetuosas e anseiam por atenção. A definição cairia em erro se fosse feita somente sob o ponto de vista organicista. Como salienta as autoras, qualquer definição seria "insuficiente", pois as palavras faltam quando se trata de definir o ser humano em sua totalidade. Mesmo que o ritmo de aprendizagem seja diferente, o portador de deficiência mental é um ser em desenvolvimento e, portanto, capaz de crescer, desde que encontre pessoas que acreditem nessa premissa e vejam a deficiência como uma parte desse indivíduo e não como sua totalidade. Para as autoras, a deficiência é uma situação, não uma doença.

O movimento da educação inclusiva surgiu com o intuito de promover eqüidade de oportunidades educacionais para todos. Porém, a inclusão de crianças com deficiência mental na rede regular de ensino tem sido um dos maiores alvos de resistência dos professores, pois a deficiência mental é a que mais se confronta com os objetivos tradicionais da escola.

Por isso, segundo as autoras, não basta que se levante a bandeira da inclusão se aqueles que têm possibilidades de efetivá-la não estiverem sensibilizados e dispostos a encontrar soluções perante os impasses que se descortinam no cotidiano.

A obra retrata dois posicionamentos éticos no âmbito da educação inclusiva: a ética da convicção e a ética da responsabilidade. Segundo as autoras, quando a inclusão está pautada na ética da responsabilidade, pode trazer várias vantagens, como contribuir para o aprimoramento da prática pedagógica, favorecer a tolerância do grupo diante das diversidades, ajudar no aprendizado das regras sociais por parte das crianças com deficiência mental, entre outras.

De acordo com as autoras, preparar-se para atuar na modalidade inclusiva é um grande desafio para a escola e para o professor, que precisam se reestruturar de acordo com os novos paradigmas.

As autoras expõem que as queixas quanto ao despreparo de profissionais para o trabalho com crianças que precisam de educação especial são freqüentes. No entanto, afirmam que não se pode falar de preparo do professor sem pensar na estrutura organizacional escolar, tão necessária à efetivação de políticas públicas inclusivas.

Obviamente, o preparo do professor não está deslocado da estrutura organizacional. Porém, quando o professor se prepara, mesmo que essa estrutura não seja satisfatória, as chances de sucesso são bem maiores.

O livro nos mostra que o bom preparo e a competência dos professores já denotam uma prática inclusiva, na medida em que a qualidade do ensino melhora.

Segundo as autoras, o preparo do professor para educar alunos com deficiência mental envolve vários aspectos: consciência e compromisso com sua escolha profissional, identificação dos preconceitos sociais cristalizados no cotidiano e no próprio discurso, credibilidade no potencial de desenvolvimento específico de cada educando.

De acordo com as autoras, o preparo da escola também envolve aspectos relevantes, como gestão participativa que mobilize o grupo a refletir continuamente sobre os desafios da diversidade, montagem de equipes de apoio a professores, alunos e familiares, flexibilização do currículo e dos procedimentos de avaliação, entre outros.

Desse modo, busca-se a transformação da prática educacional tradicional para um enfoque inclusivo que atenda ao desenvolvimento da pessoa, uma vez que o modelo de escola inclusiva busca verificar, constantemente, o crescimento global do aluno, atentando para uma educação mais individualizada, personalizada, que irá satisfazer às necessidades básicas de cada um deles.

Os ambientes de aprendizagem na escola inclusiva deverão ser estabelecidos de forma que o portador de deficiência tenha oportunidades de participar e de se relacionar com o meio. Deve-se dar ênfase, também, ao trabalho grupal.

A obra nos mostra que o contato com a diversidade dos pares beneficiará a todos os alunos da classe, pois obterão ganhos no desenvolvimento cognitivo, psicossocial e afetivo, o que contribui para a construção de uma sociedade na qual será possível o exercício da cidadania, com direitos e deveres iguais para todos.

No ambiente de aprendizagem, os professores deverão estar preocupados com as potencialidades, os interesses e a motivação de cada aluno e não se fixar às defasagens dele, pois o potencial do aluno promove o ato de aprender. Esses ambientes devem ser motivadores, agradáveis, estimulantes, coloridos, higiênicos e facilmente acessíveis a todos os alunos.

Segundo as autoras, existe a crença de que as crianças com deficiência mental seriam incapazes de aprender a ler e a escrever, o que induz muitos professores a conceber práticas escolares inclusivas apenas do ponto de vista "social", geralmente restrito a "estar" entre os outros alunos.

Pesquisa realizada por Gomes Machado mostra que a habilidade em escrita e leitura, apesar de ser fundamental em nosso meio social, não é condição essencial para a inclusão profissional do público com deficiência mental.

As autoras reforçam, ainda, que as expectativas tanto dos familiares quanto dos professores são determinantes do desenvolvimento das crianças e acreditam que, mediante o apoio e as oportunidades que lhes são oferecidas, podem vir a apresentar bom desenvolvimento de suas potencialidades e revelar aptidões, independentemente da deficiência.

A família contribui, de forma relevante, na vida de todas as pessoas, e, no caso do portador de deficiência mental, essa questão é ainda mais marcante. A família é o primeiro núcleo social, formatando, assim, o modo da pessoa se sociabilizar, o que poderá interferir nas relações interpessoais futuras.

As autoras ressaltam que as famílias que melhor lidam com a questão da deficiência, independentemente da situação socioeconômica, são as que mais acreditam na possibilidade do desenvolvimento do portador de deficiência, o que facilita esse processo. Elas destacam, porém, que a superproteção dos pais pode retardar o desenvolvimento do portador de deficiência.

Incluir o deficiente no processo educacional e na vida profissional exigirá dele um comportamento mais independente, que o levará a vivenciar situações do dia-a-dia, imprescindíveis ao seu desenvolvimento. Essa vivência não será possível se os pais superprotegem o filho portador de deficiência. A superproteção está ligada ao conceito de co-dependência que as autoras trazem da Sociologia, dos movimentos de familiares de alcoolistas e explica muito bem as vinculações patológicas nas quais a dependência emocional cria obstáculos ao desenvolvimento pessoal pleno.

A escola e a família são parceiras no que diz respeito ao desenvolvimento do indivíduo com deficiência. As relações entre família e escola devem estar permanentemente em harmonia, pois da união é que resultarão muitas ações de relevância para o aprendizado do aluno.

As autoras expõem que a orientação para o trabalho do adolescente com deficiência mental deverá desenvolver-se concomitantemente a outros segmentos do processo educacional. Elas também afirmam que o deficiente mental deve ser orientado para o trabalho a partir do momento em que passa a fazer parte do mundo, porém, de maneira mais contundente durante o percurso escolar. Essa orientação começa a se delinear de forma mais clara quando o portador de deficiência mental é tratado de acordo com sua idade cronológica real, é responsabilizado por seus atos, incentivado a melhorar sua comunicação interpessoal e levado a conhecer os próprios sentimentos, com espaço para verbalizá-los.

A obra nos mostra que o desejo de trabalhar nada mais é que o interesse em fazer parte da sociedade, portanto, não se pode menosprezar esse desejo; ao contrário, esse interesse pode ser a força mobilizadora para diversos ajustes comportamentais.

As autoras salientam que o comportamento sexual dos portadores de deficiência mental é um dos principais temores dos professores no processo de inclusão nas classes regulares. O temor decorre tanto de mitos socialmente construídos quanto do despreparo da escola no processo de inclusão. São selecionados, no livro, alguns tópicos que, freqüentemente, surgem nos debates com professores: sexualidade exacerbada ou assexualidade; higiene e cuidado pessoais; masturbação; namoro e casamento; sexualidade de portadores de Síndrome de Down; homossexualidade; abuso sexual e orientação sexual na escola.

Como o deficiente mental possui dificuldade na aquisição de conhecimento e na compreensão das normas sociais, ele necessita de orientação específica para lidar com a sexualidade. Por isso é fundamental a implantação de um programa de educação sexual nas escolas inclusivas.

Segundo as autoras, a educação inclusiva, tomada como modificação do ambiente escolar nos aspectos arquitetônicos, organizacionais, curriculares e de atitudes, ainda está em processo de amadurecimento e ainda há muito a se realizar para garantir sua efetivação.

As autoras consideram que, do ponto de vista quantitativo, a inclusão tem ocorrido no ensino público e no privado, mas no âmbito qualitativo, a educação inclusiva no Brasil, apesar de apontar alguns progressos, ainda tem um grande percurso a ser percorrido.

No final do livro as autoras trazem alguns depoimentos de professores, com o intuito de mostrar que a inclusão pode ser estabelecida e beneficiar a todos os envolvidos no processo.

 

 

*Alunas do 3º período de Psicologia da Unipac - Ubá/MG.

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