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Mental

versión impresa ISSN 1679-4427versión On-line ISSN 1984-980X

Mental v.5 n.9 Barbacena nov. 2007

 

RESENHAS

 

 

Patrícia da Silva Francisco; Paulo Roberto Almada Ferraz*

Universidade Presidente Antônio Carlos - Brasil

 

 

LUBART, Todd. Psicologia da criatividade. Tradução de Márcia Conceição Machado Moraes. Porto Alegre: Artmed, 2007. ISBN: 8536308532

Professor de Psicologia Diferencial na Universidade René Descartes, em Paris, o autor Todd Lubart nos traz a obra Psicologia da criatividade, que apresenta a criatividade de forma científica e atesta como, com o auxílio da Psicologia, pode-se compreender a interação dos fatores cognitivos, conativos, emocionais e ambientais no uso da criatividade.

O compêndio está dividido em dez partes, nas quais são abordados os temas: concepções da criatividade, inteligência e conhecimento, aspectos conativos da criatividade, emoção e criatividade, o ambiente e sua influência sobre a criatividade, processos criativos, desenvolvimento da criatividade, a diversidade da criatividade, criatividade e transtornos mentais e a medida da criatividade.

Lubart apresenta o termo "criatividade" como atual em nossa sociedade e alerta que seu conceito apresenta certa ambigüidade, o que dificulta seu estudo científico. O autor se propõe a esclarecer essa questão, permitindo ao leitor utilizar convenientemente sua criatividade, principalmente por considerá-la uma característica diferencial de nossa espécie. A capacidade criativa pode ajudar o indivíduo a superar certas dificuldades afetivas relacionais, tanto pessoais quanto profissionais.

A obra propõe que a criatividade como recurso para solução de problemas deva ser utilizada também na educação, preparando os aprendizes a buscar alternativas inovadoras ao lidar com questões difíceis.

Como objetivo principal, o autor pretende responder a cinco questionamentos, por meio de conhecimento científico:

- existe uma definição clara, única e definitiva da criatividade?
- criatividade depende da inteligência, da personalidade ou da natureza do contexto?
- o indivíduo expressa sua criatividade em vários campos ou tem um domínio específico?
- qual a relação entre loucura e criatividade?
- como se pode definir a criatividade cientificamente?

No primeiro capítulo, Lubart pesquisa os conceitos de criatividade - desde a Grécia Antiga até a atualidade -, para apresentar um histórico do conceito dessa expressão. Mostra que ele se transformou ao longo do tempo e afirma que, em tempos remotos, a criatividade era vista como algo sobrenatural. Cita exemplos de mentes criativas, como a de Leonardo da Vinci, bem como a de diversos experimentalistas que se dedicaram à pesquisa dos processos criativos. Afirma ainda que, durante todo o período de análise, várias teorias foram formatadas e que, segundo elas, a criatividade é conseqüência da interação de fatores cognitivos, conativos e ambientais. Os estudos levaram à definição atual, aceita pela maioria dos pesquisadores:

A criatividade é a capacidade de realizar uma produção que seja ao mesmo tempo nova e adaptada ao contexto na qual ela se manifesta. Essa produção pode ser, por exemplo, uma idéia, uma composição musical, uma história ou ainda uma mensagem publicitária (p. 16).

O autor ressalta, porém, que o conceito de criatividade pode variar de acordo com a cultura ou com a época. A criatividade também deve ser entendida em uma abordagem múltipla, na qual a "motivação, as capacidades dentro de uma área e os processos ligados à criatividade" (p. 17) são fatores relevantes para a capacidade criativa do indivíduo. Afirma, ainda, que se um desses fatores não estiver presente, não haverá criatividade.

No capítulo dois, o autor faz um paralelo entre os níveis de inteligência e o desenvolvimento da criatividade, afirmando que, na maioria dos casos analisados, existe, de fato, certa relação entre criatividade, inteligência e personalidade. Para ilustrar, utiliza exemplos de pesquisadores e inventores que, ao utilizar a criatividade e a inteligência, desenvolveram idéias inovadoras que levaram a experimentos usados até os dias de hoje.

Afirma Lubart, no entanto, que altos índices de QI não indicam necessariamente potencial de capacidade criativa, em função de outros fatores ligados à eficiência do indivíduo no uso de sua inteligência. Em função disso, outros pesquisadores contestam essa relação, considerando que o QI apura apenas parte das capacidades intelectuais, daí os resultados divergentes. Outra curiosidade mencionada se refere ao fator conhecimento, que pode influenciar a criatividade tanto de forma positiva quanto negativa.

No capítulo três, o autor se dedica a explicar que influências sobre a criatividade podem ter os traços da personalidade, os estilos cognitivos e a motivação, deixando para o leitor a idéia de que os traços de personalidade têm estreita relação com a criatividade, principalmente em relação "à perseverança, à tolerância, à ambigüidade, à abertura para novas experiências, ao individualismo, à disponibilidade de correr risco e ao psicotismo" (p. 41). Para ilustrar esse caso, utiliza exemplos de pesquisadores famosos, como Thomas Edson. Sobre a influência dos estilos cognitivos na criatividade, mostra como o indivíduo gera idéias em função de seu proceder cognitivista, podendo atuar de forma qualitativa e quantitativa. Traz também a intuição como ferramenta útil para o poder criativo do indivíduo e cita o fator motivacional como propulsor desse poder, podendo ser a motivação tanto intrínseca quanto extrínseca. Ao citar resultados de estudos de Amabile (1996), demonstra que a motivação intrínseca tem mais potencial criativo que a extrínseca.

No quarto capítulo, o autor trata da análise da relação entre emoções e atividades criativas e demonstra que a influência dessa relação se dá de diversas formas. Lubart (p. 56) afirma que os "estados emocionais, de humor e de características emocionais individuais" formam um agrupamento geral de emoções. Relata também que a emoção e a criatividade podem ser abordadas sob a ótica naturalista ou experimental. A primeira se refere à observação e à análise das tentativas e das produções de certa obra criativa. A segunda diz respeito à testagem dos efeitos dos estados emocionais sobre o processo criativo. Essa teoria baseou-se em pesquisas realizadas com grupos de indivíduos que foram submetidos, de forma induzida, a estados emocionais diferentes - positivos, negativos ou neutros -, e à posterior avaliação de uma tarefa criativa executada por eles. As pesquisas, embora numerosas, apresentam divergências, alerta-nos Lubart. Daí a dificuldade de interpretação e as controvérsias entre os pesquisadores.

No capítulo cinco, o autor faz referência ao impacto que os diferentes ambientes produzem numa atividade criativa. Nessa abordagem, afirma que a amplitude do ambiente deve ser considerada em escala micro, como é o caso do ambiente familiar, bem como de maneira macro, sob o olhar do ambiente social e cultural de um povo. Além disso, também de acordo com uma ótica micro, faz menção ao ambiente psíquico do indivíduo, que vai influenciar, tanto de forma quantitativa quanto qualitativa, as produções criativas desse sujeito. Mostra-nos que os ambientes, de maneira geral, interferem fortemente no psiquismo do indivíduo e, por conseguinte, sobre suas criações.

A literatura dessa obra explicita que o ambiente familiar &– rígido ou flexível &– influencia, de forma negativa ou positiva, o potencial de criação de uma criança. Apresenta-nos também a influência dos meios escolar e profissional na estimulação do processo criativo. A maneira como um professor conduz as atividades educativas pode interferir de maneira positiva, assim como pode tolher a capacidade inovadora do aprendiz: "[...] a personalidade do professor pode ter um papel significativo na performance criativa dos alunos" (p. 79).

O autor também descreve as interferências das diferentes culturas contextuais na quantidade de criações inovadoras desenvolvidas e exemplifica essa questão comparando as culturas ocidental e oriental.

O capítulo seis foi escolhido para debater as diferentes etapas do processo criativo, sendo apresentados diversos modelos para discussão. Tal procedimento é iniciado por uma breve descrição do modelo clássico do processo criativo em quatro etapas e sua evolução nos últimos 50 anos.

Lubart cita estudos de vários pesquisadores que acreditavam ser as idéias favoráveis aos processos criativos frutos de uma "iluminação", algo que não requeria esforço, e que tal processo não poderia ocorrer se as pessoas estivessem fadigadas. Wallas (1926), ao se basear nessas evidências introspectivas, concluiu que o modelo dos processos criativos poderia ser dividido em quatro etapas: preparação, incubação, iluminação e verificação.

No restante do livro, o autor cita inúmeras críticas relacionadas às quatro etapas elaboradas por autores contemporâneos. Eles descrevem o processo criativo como uma fusão dinâmica de vários tipos de pensamentos que ocorrem, de modo repetido, ao longo do trabalho, e que tal processo é diferenciado em cada indivíduo. Dessa forma, o modelo de quatro etapas precisou ser revisto e reformulado, tendo passado por uma série de mudanças e definido apenas por três processos que se constituíam na compreensão do problema, na produção de idéias e na planificação de uma ação.

No capítulo sete, o tema "O desenvolvimento da criatividade na infância e ao longo da vida" é abordado de forma a enfatizar o declínio das performances criativas de acordo com a idade. Embasado por diversos autores, como Torrance, Urban, Runco e Charles, o autor apresenta as pesquisas e testagens realizadas nesse campo, com crianças de diversas faixas etárias, com a finalidade de discutir o declínio da criatividade ao longo da existência.

Vários fatores são apontadas como favorecedores desses declínios. Um estudo desenvolvido por Torrance conclui que o declínio das atividades criativas ocorre devido à pressão exercida pelo ambiente escolar sobre as crianças.

Lubart nos leva também à reflexão sobre o processo criativo nos períodos da adolescência e da fase adulta, apresentando pesquisas e interpretações de diversos autores. O autor conclui, por meio dessa gama de informações, que a "criatividade de um indivíduo não é um fenômeno estável no tempo" (p. 123) e que, apesar das diversas questões levantadas para explicar essa variedade no desenvolvimento do processo criativo, é necessário inserir tais observações em uma pesquisa múltipla.

Lubart consagra seu oitavo capítulo ao debate da compreensão e da variação da diversidade apresentada na dinâmica criativa, que tem suscitado muitas questões para as quais os pesquisadores tentam encontrar respostas. As principais questões discutidas por Lubart são: a criatividade é uma capacidade comum a cada um ou esse termo somente pode ser estabelecido para pessoas que marcaram a história? As capacidades criativas são específicas em cada área de atividade ou existe uma aptidão geral e acessível a cada realização de uma tarefa? Tal debate existe desde os tempos antigos. Lubart soube explorar, de forma espetacular, as abordagens teóricas e empíricas de vários pesquisadores, tanto os que são favoráveis a um princípio de continuidade da criatividade quanto aqueles que se opõem a essa teoria, afirmando que a criatividade não poderia ser "concebida fora das produções dos criadores eminentes" (p. 127).

Em relação às aptidões, o autor nos esclarece que a criatividade no aspecto cognitivo é dominantemente vista como aptidão geral. No entanto, cita inúmeros autores que colocaram em questão tal abordagem. Garner, que primeiro posicionou a questão dessa forma, postulou oito campos distintos referentes ao termo "inteligências", enfatizando cada um deles como aptidão específica.

O capítulo nove apresenta dois casos (Honoré de Balzac e John Forbes Nash), que contribuíram para o desenvolvimento do estudo das relações entre a criatividade e as perturbações psicóticas. O autor explora a suposição de que certos fatores que propiciam a criatividade seriam semelhantes aos fatores presentes nos transtornos mentais. Para tal hipótese, ele analisa e explicita os fatores de criatividade cognitiva, conativa e emocional. A exposição dos casos leva o autor a discutir que tais fatores, de forma conjunta, podem favorecer tanto os elementos de criatividade quanto os de vulnerabilidade à psicose. Caberá ao observador, por meio de seu conhecimento, julgar o que irá determinar se a produção é, de certa forma, criativa ou se apresenta-se como idéias incompreensíveis.

[...] do gênio à loucura há somente um passo, um passo demasiado, mas o caminho da loucura ao gênio continua a ser mais incerto e parece, sobretudo, seguir os passos do observador (p. 158).

Em seu último capítulo, Lubart apresenta os inúmeros instrumentos para avaliar o potencial criativo ou o nível de produção criativa, desde escalas de personalidade até questionário e tarefas cognitivas. O autor ainda esclarece a importância que cada uma dessas ferramentas tem no processo de medidas do potencial criativo. Porém, não deixa de fazer críticas acirradas aos testes cognitivos, pois sua utilização não seria capaz de medir a criatividade em sua totalidade, mas somente um único aspecto dela, ligado principalmente à inteligência.

Para encerrar, o autor relata, de forma geral, o trabalho realizado por Amabile em relação às pesquisas de ambiente de trabalho nas empresas, por meio de inventários biográficos que permitem a avaliação dos tipos de clima que incentivam ou desfavorecem a capacidade de se realizar os trabalhos criativos.

Lubart conclui a obra apresentando uma nova concepção múltipla do tema "criatividade", que engloba a interação de fatores cognitivos, conativos, emocionais e ambientais. O autor nos mostra que o tema vem ganhando cada vez mais espaço nas disciplinas dos cursos de Psicologia, apesar de cada uma delas ter compreensões diversificadas. Sem dúvida, a obra é um instrumento útil para o pesquisador, o professor e também para o profissional que usa a criatividade para o desenvolvimento de seu trabalho.

 

 

*Alunos do 8º período de Psicologia - UNIPAC - Ubá

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